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AS VOGAIS MÉDIAS TÔNICAS DO PORTUGUÊS DO SÉCULO XVII A PARTIR DAS RIMAS DO CANCIONEIRO BARROCO A FÉNIX RENASCIDA

RESUMO

Este artigo investiga a pronúncia das vogais médias tônicas no português do século XVII, a partir da observação das rimas da poesia de então. Como corpus para esta pesquisa foram considerados os poemas seiscentistas agrupados no cancioneiro português A Fénix Renascida ou obras poéticas dos melhores engenhos portugueses . A metodologia adotada neste estudo consistiu, essencialmente, no mapeamento e análise de todas as rimas, no corpus referido, envolvendo vogais médias, na sílaba acentuada. Essas rimas foram comparadas a rimas dos séculos XIII, XV e XVI, analisadas em estudos anteriores da primeira autora deste artigo. Os resultados desta pesquisa sugerem que havia, até o século XVII, pelo menos, intensa variação fonética na pronúncia das vogais médias tônicas da língua portuguesa. Ao longo da história, algumas dessas variações resultaram em mudança, de modo que a variante fixada na pronúncia atual não corresponde à forma etimológica. Em outros casos, no entanto, fixou-se a pronúncia mais antiga da língua.

Vogais médias tônicas; Português Moderno; Rimas; Variação; Mudança

ABSTRACT

This research investigates the pronunciation of the stressed mid vowels in Portuguese of the 17thcentury, through the observation of the rhymes of the poetry from that period. The corpus of this research comprises the poems of the book A Fénix Renascida ou obras poéticas dos melhores engenhos portugueses . The methodology adopted in this study was based, essentially, on mapping and analysing all the rhymes with stressed mid vowels in these literary texts. Data from this study were compared to data from 13th, 15thand 16thcenturies (in FONTE, 2010, 2014). The results of this research suggest that there was, until the 17thcentury (at least) constant phonetic variation in the pronunciation of the Portuguese language’s stressed mid vowels. Throughout history, some of these variations have resulted in change. In these cases, the variant fixed in the current pronunciation does not correspond to the etymological form. In other cases, however, the earliest pronunciation of the language was fixed.

Stressed mid vowels; Modern Portuguese; Rhymes; Variation; Change

Introdução

O objetivo deste trabalho é investigar a pronúncia das vogais médias tônicas no português do século XVII, a partir da análise das rimas empregadas no cancioneiro português A Fénix Renascida ou obras poéticas dos melhores engenhos portugueses , publicado pela primeira vez entre 1715 e 1728, sob o comando de Matias Pereira da Silva.

Ao analisar as rimas da poesia remanescente do século XVII, este trabalho se propõe a continuar e ampliar os resultados das pesquisas anteriormente desenvolvidas pela primeira autora deste artigo. Fonte (2010a, 2010b), por exemplo, apresenta um quadro fonológico das vogais do século XIII, a partir da análise das rimas e da grafia empregadas nas Cantigas de Santa Maria (CSM) de Afonso X, o rei Sábio de Leão e Castela. Em estudo mais recente, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. compara esses resultados do século XIII a dados dos séculos XV e XVI, obtidos a partir da observação das rimas e da grafia do Cancioneiro Geral (CG), de Garcia de Resende, e de Os Lusíadas , de Camões, e traça o percurso histórico das vogais tônicas, pretônicas e postônicas da língua, desde o galego-português até o início do português moderno (século XVI), passando pelo português médio. 1 1 O galego-português ou português trovadoresco corresponde à primeira fase do período tradicionalmente conhecido como arcaico, compreendida entre o final do século XII e meados do século XIV ( MICHAELIS DE VASCONCELOS, 1946 ). O português médio corresponde à segunda fase do período arcaico, caracterizada, segundo Michaelis de Vasconcelos (1946) , pela separação entre o galego e o português: de 1350 ao início do século XVI. Já o português moderno corresponde ao último período postulado pelos estudiosos da língua e teve início, segundo a proposta de Vasconcellos (1959) , em meados do século XVI.

Particularmente em relação às vogais tônicas, as pesquisas desenvolvidas por Fonte (2010a, 2010b, 2014) evidenciam a importância das rimas poéticas no estudo da diferença de timbre (aberto/fechado) entre as vogais médias do passado, já que a grafia antiga, como a atual, dispunha de apenas dois símbolos, <e> e <o>, para representar quatro fonemas: /e/ e /ɛ/, na série das vogais anteriores, e /o/ e /ɔ/, na série das vogais posteriores. Ao analisar as possibilidades e impossibilidades de rima entre vogais médias (tônicas) representadas por grafemas idênticos, nos corpora abordados, Fonte (2010a, 2010b, 2014) obteve dados significativos que não apenas confirmam a distinção de timbre entre as vogais médias do português antigo como também sugerem diversos casos de variação e mudança, ao longo da história da língua, envolvendo a pronúncia dessas vogais médias, na sílaba acentuada.

No caso das vogais médias do século XIII, por exemplo, Fonte (2010a, 2010b) mostra que as rimas das CSM atestam a ocorrência de quatro fonemas (/e, ɛ, o, ɔ/), em posição tônica, no sistema vocálico do galego-português. Ao investigar as possibilidades e impossibilidades de rima, nas cantigas medievais religiosas, entre vogais médias representadas por grafemas idênticos, a autora verificou que algumas das terminações mapeadas podiam, claramente, ser divididas em dois grupos rimantes (ex.: verbos de segunda conjugação no infinitivo, tais como viver, morrer, vencer etc., rimam entre si, nas cantigas afonsinas, mas jamais aparecem rimando com formas verbais irregulares como quiser e disser , por exemplo). Sabendo que as rimas das CSM são todas soantes, 2 2 Segundo Goldstein (1985) , nas rimas soantes, a partir da vogal tônica, todas as vogais e consoantes apresentam a mesma qualidade, ao passo que, nas rimas toantes, apenas as vogais tônicas são semelhantes (ex.: p i nno/am i go e r a mo/am a do , nas cantigas de amigo ). O trabalho de Fonte (2010a, 2010b) mostra que, nas CSM, não há rimas toantes. Fonte (2010a, 2010b) interpretou esses dados como um indício de que havia, em cada terminação, grafemas idênticos representando fonemas distintos (ex.: /e/, em morrer , e /ε/, em quiser - exatamente como no português atual). Dito de outro modo, para a autora, esses resultados evidenciam a distinção de timbre entre as vogais médias do galego-português, na sílaba acentuada, e insinuam uma semelhança entre o sistema vocálico do século XIII e o quadro fonológico atual, pelo menos no que diz respeito às vogais médias (tônicas) da língua.

Por outro lado, os dados de Fonte (2010a, 2010b) também sugerem uma pronúncia diferente da atual para a vogal média de alguns vocábulos do galego-português (ex.: inv e ja, e ssa, prom e ssa, e u, m e u, t e u, s e u, D e us, f o go, j o go, glori o sa, mai o r, melh o r etc.). Ao consultar a origem histórica da vogal média de cada um desses itens lexicais, Fonte (2010a, 2010b) constatou que o timbre da vogal tônica, na pronúncia atual, não corresponde, nesses casos específicos, à quantidade do étimo latino. Sabendo que as vogais médias breves (/ĕ,ŏ/) do latim clássico originaram, no português, vogais médias abertas (ex.: pĕtram > p/ε/dra, lŏcum > l/ɔ/go ), na sílaba tônica, e que vogais médias longas (/ē,ō/) e altas breves (/ĭ,ŭ/) do latim clássico deram origem a vogais médias fechadas (ex.: bēstiam > b/e/sta, vĭridem > verde, tōtum > t/o/do, *tŭrrem > torre ), a autora concluiu, a partir de rimas como enveja/seja/deseja (CSM 241), essa/abadessa/condessa/promessa (CSM 195) , logo/jogo (CSM 422), groriosa/esposa/preciosa (CSM 340), mayor/mellor/Sennor (CSM 70), entre outras, que, no século XIII, a pronúncia da vogal tônica (pelo menos, no caso desses vocábulos) ainda correspondia ao timbre herdado da vogal etimológica (ex.: invĭdiam > * env/e/ja, ĭpsam > * /e/ssa, promĭssam > * prom/e/ssa, jocum > * j/ɔ/go, gloriosam > * glorio/o/sa, maiorem > * mai/o/r etc.). 3 3 Todas as informações sobre a origem histórica das palavras, neste texto, estão baseadas nos dicionários de Corominas (1961) , Cunha (2010) e Saraiva (2006) .

É importante observar, a propósito, que estudos anteriores já haviam considerado a hipótese de a vogal tônica de alguns desses vocábulos ter apresentado um timbre diferente do atual, no português antigo ( WILLIAMS, 1975WILLIAMS, E. B. Do Latim ao Português: fonologia e morfologia histórica da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. Original de 1938. [1938]; SILVA NETO, 1952SILVA NETO, S. da. História da Língua Portuguesa . Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1952. ; NUNES, 1960NUNES, J. J. Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa: fonética e morfologia. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica, 1960. ; COUTINHO, 1974COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica . 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1974. ; RAMOS, 1985RAMOS, M. A. Nota Lingüística; Critérios de edição; Normas de transcrição. In: GONÇALVES, E.; RAMOS, M. A. A lírica galego-portuguesa : textos escolhidos. 2. ed. Lisboa: Editorial Comunicação, 1985. p. 81-127. ; CUNHA, 1985CUNHA, C. O valor das finais -eu e -eo na língua portuguesa do século XVI. In: CONGRÈS INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE ET DE PHILOLOGIE ROMANES, 17., 1983, Aix-en-Provence, Actes [...], Aix-en-Provence, Marseille, 1985. p. 272-278. v.3. , 1991CUNHA, C. Valor das grafias -eu e -eo na língua portuguesa do século XIII ao século XVI. In: BETHENCOURT, F.; CURTO, D. R. Estudos Portugueses: Homenagem a Luciana Stegagno Picchio. Lisboa, Difel, 1991. p. 913-927. ). Os dados de Fonte (2010a, 2010b) confirmam, pois, essa proposição dos estudos precedentes, sugerindo que houve, no decorrer da história da língua, uma mudança linguística que originou o timbre vocálico atual.

De acordo com Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , essa mudança linguística teve origem, muito provavelmente, em variações fonéticas vigentes nos séculos XV e XVI, entre vogais médias abertas e fechadas. A autora chegou a essa conclusão ao identificar, nos versos do CG e de Os Lusíadas , um número considerável de rimas entre vogais médias abertas e fechadas (segundo os padrões atuais) que, ao contrário do que fora observado para os dados do século XIII, não podem ser justificadas a partir da origem histórica da vogal tônica envolvida (ex.: velho/conselho , do latim v ĕ tulum e cons ĭ lium ). Com base nesses dados, a autora considerou a hipótese de ter ocorrido, nos séculos XV e XVI, uma variação na pronúncia das vogais médias portuguesas, na sílaba acentuada (daí as possibilidades de rima). 4 4 Fonte (2014) , ao assumir essa posição, vai de encontro a estudos anteriores que, baseados em uma perspectiva atual, classificavam como imperfeitas as rimas dos séculos XV e XVI, entre vogais médias que, no português de hoje, apresentam timbres diferentes. Cunha (1985 , 1991 ), por exemplo, defende que, em virtude de uma prática versificatória introduzida por Gil Vicente, em meados do século XV, teria se tornado comum, na poesia portuguesa da época, rima entre vogais médias abertas e fechadas. Fonte (2014) , por seu turno, acredita que essa explicação reduz demais as possibilidades de interpretação que os dados desse período proporcionam. Para a autora, é preciso, antes, traduzir as pistas que esse tipo de rima pode estar revelando sobre as vogais médias da época.

Afiança essa hipótese de Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. o fato de a diferença de timbre entre as vogais médias do português ser sutil e, muitas vezes, frágil, suscetível à variação. Alguns termos, ainda hoje, variam quanto à pronúncia da vogal média tônica, ou seja, ainda não apresentam um único timbre estabelecido (ex.: f[ɛ]cha ~ f[e]cha, sap[e] ~ sap[ε], T[e]jo ~ T[ɛ]jo, p[o]ça ~ p[ɔ]ça etc.). 5 5 Estamos considerando, nesses exemplos, apenas pronúncias referentes ao português do Brasil - variedade culta de São Paulo, precisamente.

A mudança, ao longo da história da língua, na pronúncia da vogal tônica de adjetivos como maior e formosa , por exemplo, reconhecida e divulgada pelas Gramáticas Históricas e Manuais de Filologia do português, também constitui um argumento a favor da hipótese de Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. . Partindo do pressuposto de que nem toda variação implica mudança, mas “toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p. 126), somos levados a reconhecer que, antes de mudarem (definitivamente), os vocábulos referidos passaram por um período de variação.

Outro dado a ser considerado é o fato de haver, no galego atual, variação na pronúncia da vogal média tônica de vocábulos como l[e]da ~ l[ɛ]da, quer[e]la ~ quer[ɛ]la, aqu[e]la ~ aqu[ɛ]la, [e]la ~ [ɛ]la, cap[ɛ]lo ~ cap[e]lo, def[e]nsa ~ def[ɛ]nsa, av[ɛ]sa ~ av[e]sa, av[ɛ]so ~ av[e]so, proc[ɛ]so ~ proc[e]so, [e]u ~ [ɛ]u, m[e]u ~ m[ɛ]u, s[e]u ~ s[ɛ]u, t[e]u ~ t[ɛ]u, f[ɔ]go ~ f[o]go, x[ɔ]go ~ x[o]go ( jogo ) , n[ɔ]vo ~ n[o]vo (cf. Dicionario de pronuncia da lingua galega ), 6 6 Exemplos do galego atual serão exibidos com frequência, ao longo deste artigo, para atestar as pronúncias propostas para o português do passado. As pronúncias (apresentadas neste estudo) referentes aos não-verbos do galego foram retiradas do já referido Dicionario de pronuncia da lingua galega . Já as pronúncias referentes a formas verbais flexionadas foram obtidas por meio da consulta ( online ) ao Dicionario da academia galega e ao Prof. Dr. Xosé Luís Regueira, diretor do Dicionario de pronuncia da lingua galega , que respondeu, muito gentilmente, por e-mail , a todas as nossas dúvidas relacionadas às vogais médias tônicas do galego atual. Dicionário disponível em: http://ilg.usc.es/pronuncia/?q=&l=1 . Acesso em: 9 abr. 2021. todos envolvidos em rimas entre vogais médias abertas e fechadas (tomando como base as pronúncias atuais do português) do CG ou de Os Lusíadas , como mostra o trabalho de Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. .

Além disso, há, no português atual, poucos exemplos de pares mínimos envolvendo os fonemas /e/ e /ɛ/, assim como /o/ e /ɔ/ ( WETZELS, 2011WETZELS, W. L. The Representation of Vowel Height and Vowel Height Neutralization in Brazilian Portuguese (Southern Dialects). In: HUME, E.; GOLDSMITH, J. (ed.). Tones and Features . Berlin: Walter De Gruyter, 2011. p.331-360. ). Para Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , as rimas dos séculos XV e XVI podem estar revelando, inclusive, que o português esteve a um passo de adquirir uma fonologia semelhante à do espanhol, em que a distinção de timbre, entre as vogais médias, não é fonológica. Não se pode desprezar, nesse caso, o fato de que os falantes de português tinham um contato frequente com a língua castelhana, na época.

Levando em consideração esses fatores, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. não apenas sugere que as rimas dos séculos XV e XVI evidenciam a ocorrência de variação na pronúncia das vogais médias tônicas desse período, como também propõe uma possível justificativa para essa variação: a atuação de processos fonético-fonológicos de natureza assimilatória, tais como a metafonia e a harmonia vocálica, por exemplo. 7 7 Os estudiosos classificam a metafonia como o processo assimilatório responsável pela mudança de timbre da vogal tônica por influência de uma vogal átona, geralmente final ( XAVIER; MATEUS, 1990) . No que tange ao processo de harmonia vocálica, corresponde, segundo Xavier e Mateus (1990, p , p. 200), “ao modo como a articulação de uma vogal é influenciada pelas propriedades de outra(s) vogal(ais) na mesma palavra ou no mesmo grupo de palavras”.

Particularmente em relação às rimas do CG e de Os Lusíadas envolvendo nomes do português, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. chama a atenção para o fato de grande parte dos vocábulos rimantes terminarem em -a, -o ou -e (ex.: festa/besta, zelo/amarelo, ele/pele ). Para a autora, esses dados autorizam-nos a suspeitar da influência dessas vogais finais na pronúncia da vogal tônica de termos como besta (* b[ɛ]st a ), amarelo (* amar[e]l o ) e pele (* p[e]l e ), no português antigo. Em outras palavras, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. acredita que as vogais átonas finais -a, -o e - e constituíam gatilhos produtivos, nos processos de metafonia do português antigo. Essa hipótese, a propósito, tem respaldo em outros dados, já mencionados neste texto, referentes a mudanças de timbre vocálico, na diacronia da língua, por influência, ao que tudo indica, da vogal átona final -a e -o: gloriosa, formosa, essa, promessa, jogo, fogo , entre outros exemplos ( WILLIAMS, 1975WILLIAMS, E. B. Do Latim ao Português: fonologia e morfologia histórica da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. Original de 1938. [1938]; COUTINHO, 1974COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica . 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1974. ; NUNES, 1960NUNES, J. J. Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa: fonética e morfologia. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica, 1960. ; RAMOS, 1985RAMOS, M. A. Nota Lingüística; Critérios de edição; Normas de transcrição. In: GONÇALVES, E.; RAMOS, M. A. A lírica galego-portuguesa : textos escolhidos. 2. ed. Lisboa: Editorial Comunicação, 1985. p. 81-127. ). Diante dessa conjuntura, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. defende a possibilidade de a variação na pronúncia da vogal média tônica ter sido condicionada, a princípio, por processos assimilatórios. Pouco a pouco, entretanto, a variação teria se estendido a outros itens do léxico, passando a abranger, desse modo, vocábulos que não apresentam, necessariamente, um contexto fonético-fonológico específico, favorável à elevação ou ao abaixamento da vogal média.

No tocante às rimas do CG e de Os Lusíadas envolvendo verbos da língua, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. também propõe uma explicação baseada na hipótese de variação fonética condicionada por processos assimilatórios. A autora sugere, por exemplo, que as regras de harmonização e abaixamento vocálicos, responsáveis pela pronúncia (atual) da vogal tônica de algumas formas verbais do presente, começaram a atuar no português, muito provavelmente, em meados do século XV. 8 8 Segundo Mateus (1975, 2003) , 2003 ), na primeira pessoa do singular do presente (indicativo e subjuntivo), ocorre harmonização entre a vogal média tônica e a vogal temática dos verbos, nas três conjugações ( -ar, -er, -ir ). De acordo com a autora, a vogal temática, antes de ser suprimida, deixa o seu traço de altura flutuante, que se liga à vogal subespecificada (o que ocorre antes da colocação do acento). Assim, na primeira conjugação, a vogal média fica aberta ( levo, leve, moro, more ), por influência da vogal temática a ; na segunda conjugação, a vogal média é fechada ( devo, deva, movo, mova ), por influência da vogal temática e ; e na terceira conjugação, a vogal tônica torna-se alta ( firo, fira, durmo, durma ), por influência da vogal temática i . Há, entretanto, algumas exceções a essa regra: chego, quero, peço e impeço , por exemplo. No que diz respeito ao abaixamento da vogal média, nas segunda e terceira pessoas do singular, e na terceira pessoa do plural, também no presente do indicativo e subjuntivo, Mateus (1975, 2003) , 2003 ) explica que, nos casos em que a vogal temática não é suprimida, após a colocação do acento, a vogal média recebe o traço [+baixo] (ex.: levas, moras, deves, moves, feres, dormes ). Cabe observar que tal regra só se aplica a vogais que não apresentem o traço [+alto] ( i, u ). Há, contudo, exceções envolvendo a vogal posterior: fugir e subir , por exemplo. Para conhecer outras propostas de análise fonológica à alternância vocálica envolvendo determinadas formas verbais do português, veja-se o trabalho de Battisti e Vieira (2005) . Observando as rimas do CG e de Os Lusíadas (ex.: deve/teve, chega/nega/rega ), Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. propõe que, antes desse período, prevaleciam as pronúncias com vogal média etimológica (ex.: * d[e]ve , do latim dēbēre, * ch[e]ga , do latim plĭcare ). 9 9 Cumpre referir que Williams (1975 [1938]) também defende uma pronúncia diferente da atual para algumas formas verbais do português antigo. Para o autor, as vogais médias tônicas provenientes de ĕ e ŏ latinos eram abertas, na 2ª conjugação (ex.: * v[ε]rto, * v[ɔ]lvo ), e fechadas, na 3ª conjugação (ex.: * s[e]rvo, * d[o]rmo ), por influência da semivogal i do latim ( sĕrvĭo, dŏrmĭo ).

Da segunda metade do século XIV em diante, os processos fonético-fonológicos referidos (sobretudo o da harmonia) teriam passado a interferir na pronúncia dessas vogais médias, ocasionando, assim, variações entre formas etimológicas e formas fonéticas (ex.: * d[e]ve ~ * d[ε]ve , * ch[e]ga ~ * ch[ε]ga ). Em alguns casos, essas variações resultaram em mudança (ex.: d[ε]ve ). Em outros, foi mantida a variante etimológica (ex.: ch[e]ga ). Em geral, pertencem a este último caso as formas que constituem, no português atual, uma exceção às regras de harmonia e abaixamento vocálicos (como o próprio verbo chegar , por exemplo).

Em suma, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , ao comparar as rimas das CSM, do CG e de Os Lusíadas , defende que, no século XIII, havia distinção fonológica, na sílaba acentuada, entre as vogais médias abertas e fechadas do português - e essas vogais médias eram pronunciadas, segundo a autora, de acordo com o timbre herdado do étimo latino (ex.: * [e]ssa, * prom[e]ssa, * env[e]ja, * ferm[o]sa, * glori[o]sa, * f[ɔ]go, * j[ɔ]go etc.). Nos séculos XV e XVI, de acordo com Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , processos assimilatórios como a metafonia e a harmonização vocálica passaram a atuar (com maior frequência, talvez), na língua, acarretando variação na pronúncia dessas vogais. Em alguns casos, essas variações resultaram em mudança, de modo que a variante fixada na pronúncia atual não corresponde à forma etimológica (ex.: [ε]ssa, prom[ε]ssa, inv[ε]ja, av[e]sso, form[ɔ]sa, glori[ɔ]sa, f[o]go, j[o]go ). Em outros casos, no entanto, fixou-se a pronúncia mais antiga da língua (ex.: b[e]sta, trist[e]za, r[ε]to, v[ε]lho, l[ɔ]go, m[ɔ]do ).

Tomando como base esses resultados alcançados por Fonte (2010a, 2010b, 2014), em relação às vogais médias tônicas dos séculos XIII, XV e XVI, este artigo surge com o intuito de ampliar e complementar os estudos anteriores, a partir da análise de dados do século XVII. Este estudo pretende, pois, verificar se os dados do século XVII apontam um quadro semelhante àquele obtido por Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. para os séculos XV e XVI. Em outras palavras, o propósito desta pesquisa é investigar se os poetas do cancioneiro A Fênix Renascida ainda dispõem em rima, no século XVII, vogais médias tônicas que, no português atual, são pronunciadas com timbres diferentes. A partir desses resultados, será possível verificar se a hipótese de variação, aventada por Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. para as vogais dos séculos XV e XVI, pode ser estendida para o período posterior.

As vogais médias tônicas nas rimas do século XVII

O cancioneiro português A Fénix Renascida ou obras poéticas dos melhores engenhos portugueses compreende, em cinco volumes, poemas escritos no decorrer do século XVII, por diferentes poetas da época e sobre os mais variados temas. Em virtude de seu caráter abrangente, esse cancioneiro seiscentista é considerado o maior propagador da poesia barroca portuguesa.

Nesta seção do presente artigo, estão apresentadas e discutidas rimas desse cancioneiro que contêm vogal média (anterior ou posterior) nas sílabas acentuadas. Como não existem rimários desse cancioneiro barroco, o levantamento das rimas foi feito diretamente da obra, por meio da reedição de Silva (1746)SILVA, M. P. A Fênix Renascida ou obras poéticas dos melhores engenhos portugueses . Lisboa: Oficina dos Herdeiros de Antônio Pedroso Galram, 1746. , publicada em cinco tomos (cada um contendo cerca de 500 páginas), todos disponíveis para consulta ou download , em versão digitalizada, na página da Biblioteca Nacional de Portugal, na internet. 10 10 A primeira edição do cancioneiro A Fênix Renascida , também organizada por Matias Pereira da Silva (o mesmo responsável pela reedição de 1746), foi publicada, em cinco volumes, entre os anos de 1715 e 1728. Neste estudo, optamos por trabalhar com a reedição de 1746 por se tratar de uma versão ampliada da primeira, disponível para consulta na internet.

Feito esse levantamento, analisaram-se as possibilidades e impossibilidades de rima entre os vocábulos de mesma terminação. Constatou-se, nesse momento da pesquisa, uma semelhança, como mostram os exemplos a seguir, entre as rimas do cancioneiro barroco e aquelas (mencionadas na introdução deste artigo) remanescentes dos séculos XV e XVI: 11 11 Para facilitar a interpretação dos dados, estão destacados em azul todos os vocábulos que são pronunciados, no português atual, com vogal média aberta, na sílaba tônica.

(01)

-er mulher/poder (T 3, p. 89) der/florecer (T 4, p. 147) poder/mulher (T 4, p. 150) poder/fizer (T 5, p. 238) -era podera/respondera (T 1, p. 29) considera/perdera/espera (T 1, p. 105) tivera/padecera/espera (T 1, p. 111) podéra/morrera (T 1, p. 138) era/padecera/cera (T 1, p. 158) era/pera/cera (T 1, p. 217) fera/cera (T 1, p. 220) era/cera (T 1, p. 223) espera/cera (T 1, p. 223) podéra/cera (T 1, p. 231) cedera/Primavera/esféra (T 2, p. 2) cera/féra (T 2, p. 5) espera/cera/era (T 2, p. 12) perdera/féra (T 2, p. 14) podera/esféra/cera (T 2, p. 23) dissera/encarecera/considera/fizera (T 2, p. 29) merecera/dera (T 2, p. 428) quizera/cera/derretera (T 3, p. 3) florecera/pospuzera/morrera (T 3, p. 28) esféra/encarecera/primavera (T 3, p. 48-49) vencera/era (T 3, p. 95) primavera/féra/cera (T 3, p. 207) atrevera/podera/quizera (T 3, p. 281) syncera/cera/considera (T 3, p. 309) fera/cera (T 4, p. 50) esquecera/commetera/fizera (T 4, p. 298) devera/padecera/tivera/quizera (T 4, p. 339) dissera/valera (T 5, p. 57) primavera/viera/perdera (T 5, p. 179) -erão renderão/retiverão/estremecerão (T 2, p. 77) proverão/puzerão/temerão (T 5, p. 24) puzerão/vierão/responderão (T 5, p. 35) disserão/crerão (T 5, p. 251) -erem fazerem/esperem/verem (T 5, p. 17) -eres veres/feres/prazeres (T 2, p. 9) poderes/podéres (T 4, p. 77) pareceres/mulheres/colheres (T 5, p. 11) quizeres/prazeres/fizeres (T 5, p. 37) leres/deres (T 5, p. 39) dizeres/quizeres (T 5, p. 227) -esse/-ece tivesse/pertendesse (T 1, p. 26) désse/estremece/interesse (T 2, p. 284) doesse/fizesse/conhece (T 5, p. 2) soubesse/houvesse/perdesse (T 5, p. 23) quizesse/crece (T 5, p. 59) nascesse/désse (T 5, p. 220) houvesse/perdesse (T 5, p. 257) -essem dissessem/viessem/convertessem (T 5, p. 31) trouxessem/viessem/enchessem (T 5, p. 22) -este(s) quizeste/atreveste/mereceste (T 1, p. 30) déste/perdeste/obedeceste (T 1, p. 77) podeste/celeste/adormeceste (T 2, p. 89) este/celeste (T 3, p. 18) deste/cipreste (T 3, p. 30-31) neste/celeste (T 3, p. 44) rendeste/escreveste/coubeste (T 3, p. 278) recolheste/enfureceste/déste (T 5, p. 148) rendeste/offereceste/deste (T 5, p. 161) podeste/nasceste/celeste (T 5, p. 229) celestes/perdestes (T 2, p. 295) ofrecestes/fizestes/merecestes (T 3, p. 196) compuzestes/vencestes/recebestes/fizestes (T 3, p. 201) escolhestes/celestes/destes (T 4, p. 50) destes/celestes/acometestes/fizestes (T 4, p. 400) enchestes/déstes/suspendestes/excedestes (T 5, p. 128) soubestes/escrevestes/tecestes (T 5, p. 336) esquecestes/destes (T 5, p. 357) -e porque/pé (T 2, p. 350; T 3, p. 82) dê/he (T 4, p. 144) vê/fé/he (T 4, p. 315) he/merce (T 5, p. 253) mercé/Thomé/fé (T 5, p. 255) -eca(s) Meca/caneca/seca (T 5, p. 26) bonecas/fanecas/secas (T 5, p. 10) -eça(s)/-essa começa/cabeça (T 1, p. 198; T 5, p. 175) peça/cabeça (T 2, p. 366) guarneça/confessa (T 3, p. 27) começa/cabeça/favoreça (T 3, p. 298) peça/cabeça/reconheça (T 4, p. 299) preça “pressa” /peça/cabeça (T 4, p. 287) peça/cabeça/começa (T 5, p. 37) fenece/cabeça/preça“pressa” (T 4, p. 302) cabeça/atravessa/tropessa (T 2, p. 279) cabeça/tropessa/atravessa (T 2, p. 264) pressa/cabeça/arremessa (T 3, p. 279) atravessa/cabeça/depressa (T 3, p. 275) preças“pressas”/aveças/peças (T 4, p. 289) peças/cabeças (T 2, p. 290) peças/mereças/começas (T 4, p. 410) mereças/preças“pressas” (T 4, p. 293) -eces/-ezes aborreces/vezes/vezes (T 1, p. 82) appeteces/vezes/reconheces (T 1, p. 44) -ec(c)o(s) eco/seco (T 3, p. 44) seco/eco (T 5, p. 51) pecco/Seco (T 5, p. 190) secos/eccos (T 2, p. 12) -eço(s)/-esso(s) confesso/padeço/reconheço (T 1, p. 110) desvaneço/excesso/conheço (T 2, p. 11) preço/successo (T 2, p. 47) successo/preço/excesso (T 2, p. 48) progreço/padeço (T 2, p. 110) preço/excesso (T 3, p. 48) excesso/preço (T 4, p. 143) peço/preço/padeço (T 4, p. 330) espesso/excesso/impresso (T 4, p. 387) succeço/tropeço/preço (T 5, p. 154) mereço/confesso (T 5, p. 174) obedeço/começo (T 5, p. 176) preço/progresso/processo (T 2, p. 269) excesso/preço (T 3, p. 1) preços/excessos (T 3, p. 47) confesso/preço (T 3, p. 79) -edas sedas/moedas/concedas (T 4, p. 291) -ede mede/sede (T 1, p. 212) sede/vede/mede (T 2, p. 287-288) excede/sede (T 2, p. 298; T 3, p. 19, 50; T 4, p. 59) pede/excede/vede (T 5, p. 36) concede/parede (T 5, p. 59) cede/Catanhede/mede (T 5, p. 164) -edro Pedro/cedro (T 3, p. 11, 12) Pedro/desempedro (T 3, p. 21) -ega entrega/nega/chega (T 1, p. 132) chega/cega (T 2, p. 21) entrega/chega (T 3, p. 19; T 4, p. 54) entrega/cega/chega (T 3, p. 253) esfrega/mantega/chega (T 3, p. 311) socega/chega/nega (T 4, p. 300) chega/navega/sega (T 4, p. 393) cega/entrega/chega (T 4, p. 404) Ortega/chega/Gallega (T 5, p. 8) chega/esfrega (T 5, p. 51) -ego Mondego/cego/socego (T 1, p. 19) socego/emprego/cego (T 1, p. 36, 61) cego/socego/emprego (T 1, p. 133) emprego/cego (T 1, p. 141, 199; T 3, p. 24) emprego/cego/socego (T 1, p. 157) desassocego/cego (T 1, p. 203) nego/cego/emprego (T 2, p. 11) emprego/cego/despego (T 2, p. 21) emprego/cego/desassocego (T 2, p. 38) desassocego/cego/emprego/socego (T 2, p. 93) chego/cego (T 2, p. 206, 207) socego/nego/despego (T 2, p. 270) chego/emprego/cego (T 4, p. 51) socego/cego (T 4, p. 309) pégo/morcego (T 5, p. 40) socego/emprego/rego (T 5, p. 153) -egue chegue/negue (T 2, p. 217) -eja peleja/inveja (T 1, p. 12) veja/inveja (T 1, p. 120; T 2, p. 435) seja/inveja (T 1, p. 212; T 4, p. 334; T 5, p. 189) inveja/veja/deseja (T 2, p. 279) sobeja/seja/inveja (T 2, p. 439) -ejo vejo/desejo/invejo (T 1, p. 51) desejo/invejo/vejo (T 1, p. 69) desejo/Tejo/vejo (T 1, p. 144) Tejo/invejo/vejo (T 1, p. 146) vejo/Tejo/desejo (T 1, p. 155) invejo/desejo (T 1, p. 199) desejo/vejo/invejo (T 2, p. 51) pejo/Tejo/sobejo (T 3, p. 10) Tejo/desejo (T 3, p. 28) vejo/Tejo (T 3, p. 38) ensejo/Alemtejo/Tejo (T 3, p. 292) desejo/Alentejo (T 4, p. 75) invejo/desejo/desejo (T 4, p. 330) -el(l)a(s) estrellas/ella (T 1, p. 1) bella/estrella/atropella (T 1, p. 25) estrella/della (T 1, p. 99; T 2, p. 229; T 3, p. 42) bella/estrella/anella (T 1, p. 107) bella/ella/vella“vê-la”/cautella (T 2, p. 166) merecella“merecê-la”/querella “querê-la”/della (T 1, p. 168) estrella/bella (T 1, p. 172; T 2, p. 196, 229; T 3, p. 4, 55, 219) sentinella/ella/vella“vê-la” (T 1, p. 172) ella/vella“vê-la” (T 1, p. 173) bella/ella/vella“vê-la”/merecella “merecê-la” (T 1, p. 175) bella/estrella (T 1, p. 190, 197; T 3, p. 9, 47, 59, 60; T 4, p. 150) sofrella“sofrê-la”/della (T 1, p. 191) bella/filomella/estrella (T 1, p. 317) bella/Estrella/aquella (T 2, p. 65; T 3, p. 40) nella/bella/estrella (T 2, p. 72) estrella/Castella (T 2, p. 298; T 4, p. 44) estrella/bella/naquella (T 3, p. 6) estrella/bella/Castella (T 3, p. 30-31) estrella/atropella (T 3, p. 40) estrella/ella (T 3, p. 48; T 5, p. 224) nella/estrella (T 3, p. 63) Estella/ella/Estrella (T 3, p. 185) zella/bella/estrella (T 3, p. 228) bella/estrella/esparrella (T 3, p. 296) nella/estrella/esparrella (T 3, p. 297) estrella/sedella/donzella (T 3, p. 307) ella/bella/estrella (T 4, p. 33) Estrella/daquella/Estrella (T 4, p. 40) bella/estrella/donzella (T 4, p. 282) estrella/donzella/bella (T 5, p. 19) cautella/bella/estrella (T 5, p. 146) bella/ella/vencella “vencê-la” (T 5, p. 148) bella/estrella/ella (T 5, p. 154) aquella/bella/estrella (T 5, p. 171) estrellas/vellas (T 1, p. 32) bellas/estrellas/daquellas (T 1, p. 33) estrellas/dellas (T 1, p. 36) estrellas/bellas/aquellas (T 1, p. 54) vellas/cautellas/estrellas (T 1, p. 65) estrellas/bellas (T 1, p. 76; T 2, p. 209, 218; T 4, p. 225; T 5, p. 193, 197) vellas/estrellas (T 1, p. 95) bellas/aquellas/estrellas (T 1, p. 148) bellas/estrellas (T 1, p. 189; T 2, p. 214; T 3, p. 7, 54, 62, 312; T 4, p. 57, 396; T 5, p. 71, 196) bellas/estrellas/aquellas (T 2, p. 41) bellas/dellas/estrellas (T 3, p. 45) bellas/estrellas/cautellas (T 3, p. 276) bellas/estrellas/nellas (T 3, p. 277) estrellas/ellas (T 4, p. 21) ellas/estrelas (T 4, p. 34) estrellas/bellas/tellas (T 4, p. 210) bellas/desvellas/estrellas (T 4, p. 340) bellas/desvanecellas “desvanecê-las”/padecellas “padecê-las”/dellas (T 5, p. 109) dellas/tellas“tê-las”/vellas (T 5, p. 276) -elle(s) pelle/nelle (T 3, p. 85) elle/pelle (T 4, p. 300) elle/pelle/delle (T 5, p. 25) delle/pelle (T 5, p. 70) pelles/delles/Velles (T 5, p. 7) -elha(s) velha/caravelha/aconselha (T 2, p. 364) aparelha/velha/grelha (T 4, p. 288) velhas/sombrancelhas/telhas (T 4, p. 277) velhas/orelhas/gadelhas (T 5, p. 29) velhas/grelhas (T 5, p. 252) -elho conselho/velho (T 1, p. 21; T 5, p. 42) velho/espelho (T 2, p. 124) conselho/velho/espelho (T 2, p. 276) conselho/velho/Concelho (T 5, p. 32) conselho/velho/vermelho (T 5, p. 36) velho/Conselho (T 5, p. 181) -el(l)o(s) parallelo/perdello“perdê-lo”/tello“tê-lo” (T 1, p. 153) gelo/caramelo (T 2, p. 5) bello/cabello (T 2, p. 73) cabello/paralelo/zelo (T 2, p. 287-288) apello/modello/capello (T 2, p. 366) desvelo/zelo/Castello (T 3, p. 80) duello/Martello/desvello (T 3, p. 96) bello/accendello “acendê-lo” (T 3, p. 212) bello/cabello (T 3, p. 284) cutello/capello (T 4, p. 77) parallelo/modello/castello (T 4, p. 223) zélo/encarecello “encarecê-lo”/appello (T 4, p. 293) amarello/cabello (T 5, p. 220) cabellos/bellos/guarnecellos “guarnecê-los” (T 1, p. 12) bellos/cabellos (T 2, p. 207; T 3, p. 275) bellos/Vasconcellos/modelos (T 4, p. 214) disvellos/Vasconcellos (T 4, p. 331) -erda Lacerda/perda (T 3, p. 25) -erde verde/perde/herde (T 2, p. 20) verde/perde (T 2, p. 192, 194; T 5, p. 280) perde/verde (T 2, p. 296; T 4, p. 146, 300) -erno governo/inferno (T 3, p. 15) governo/Inferno (T 5, p. 373) -erro erro/ferro/desterro (T 1, p. 81) erro/ferro (T 1, p. 179; T 2, p. 9; T 5, p. 49) perro/ferro/desterro (T 2, p. 10) -erso/-erço terso/Universo/berço (T 3, p. 210) Universo/berço/verso (T 4, p. 56) -erte adverte/verte“ver-te” (T 3, p. 320-321) -erto concerto/acerto/certo (T 1, p. 24) encuberto/acerto (T 1, p. 207) acerto/certo (T 2, p. 91) perto/concerto (T 4, p. 6) concertos/abertos (T 4, p. 147) certo/concerto/aperto (T 4, p. 282) aperto/perto (T 4, p. 293) -es/-ez ves“vez”/pés (T 2, p. 128) vez/Portuguez/revez (T 3, p. 77) pés/Portuguez (T 4, p. 75) lebrés/tres (T 5, p. 203) -esta floresta/besta (T 5, p. 42) molesta/besta (T 5, p. 50) festa/besta (T 5, p. 199) -eta(s) Planeta/secreta/cometa (T 2, p. 65) discreta/inquieta/preta (T 2, p. 355) interpreta/gineta (T 2, p. 357) borboleta/seleta/cometa (T 3, p. 195) Poeta/greta/gineta (T 3, p. 295) seta/gineta (T 4, p. 73) careta/Poeta/meta (T 4, p. 275) Poetas/muletas (T 4, p. 281) Poeta/dieta/baeta (T 5, p. 34) Poeta/anacoreta (T 5, p. 53) baeta/Poeta (T 5, p. 41) inquieta/preta (T 5, p. 61) Poetas/discretas/mulletas (T 5, p. 3) Poetas/ceboletas (T 5, p. 39) gazetas/Poetas (T 5, p. 40) Poetas/gorgoletas (T 5, p. 49) Poeta/roupeta (T 5, p. 59) gazeta/Poeta (T 5, p. 204) borboleta/Poeta/Planeta (T 5, p. 194) tretas/settas (T 5, p. 373) -ete somete/ginete (T 3, p. 38) promette/cavallete/traquete (T 3, p. 276) palhete/mosquete/bofete (T 3, p. 285) ginete/acomete/martinete (T 4, p. 394) promete/capacete (T 5, p. 49) -et(t)o(s) secreto/prometo (T 1, p. 206) discreto/Soneto/prometto (T 3, p. 287) discreto/Soneto/Decreto (T 3, p. 293) Soneto/quieto/espeto (T 5, p. 32) quieto/Soneto (T 5, p. 51, 373) indiscretos/espetos (T 4, p. 279) Sonetos/inquietos/pretos (T 5, p. 17) -etra penetra/letra (T 1, p. 203; T 2, p. 401-402; T 5, p. 261) -eva(s) leva/atreva/releva (T 5, p. 37) atrevas/trevas (T 1, p. 29) -eve teve/deve (T 1, p. 205) leve/teve/breve/atreve (T 2, p. 105) breve/teve (T 2, p. 200) teve/neve/deve (T 3, p. 297) teve/leve/breve (T 3, p. 314) teve/neve (T 4, p. 61) teve/atreve (T 4, p. 390) esteve/leve/breve (T 5, p. 152) -evo relevo/levo/atrevo (T 1, p. 37) -eza(s) preza/empreza (T 1, p. 20) despreza/belleza/ligeireza (T 1, p. 27) preza/dureza (T 1, p. 68) natureza/fineza/preza (T 1, p. 109) grandeza/pobreza/despreza (T 2, p. 3) belleza/gentileza/despreza (T 2, p. 6) preza/gentileza (T 2, p. 42) empreza/presteza/preza (T 2, p. 47) firmeza/despreza (T 2, p. 222) despreza/belleza (T 2, p. 225) Portugueza/preza/preza (T 2, p. 283-284) peza/belleza/dureza (T 2, p. 384) despreza/gentileza/tristeza (T 3, p. 59) empreza/peza (T 3, p. 438) preza/tristeza/gentileza (T 4, p. 38) natureza/peza/empreza (T 5, p. 276) emprezas/prezas/desprezas (T 1, p. 41) bravezas/ferezas/desprezas (T 1, p. 45) -eze reze/treze (T 4, p. 77) -ezo desprezo/pezo/contrapezo (T 2, p. 127) -oca toca/boca (T 1, p. 87) boca/provoca/troca (T 2, p. 265) troca/toca/boca (T 2, p. 277) provoca/boca (T 2, p. 318) toca/boca (T 2, p. 319) toca/boca (T 2, p. 322) provoca/boca (T 3, p. 217) provoca/roca/boca (T 3, p. 300) toca/boca/equivoca (T 4, p. 277) boca/toca (T 5, p. 44) toca/boca (T 5, p. 56) provoca/boca (T 5, p. 60) -oça/-ossa possa/moça (T 4, p. 286) possa/moça/grossa (T 4, p. 295) grossa/nossa/moça (T 4, p. 291) -oço/-osso(s) grosso/vosso (T 2, p. 291) vosso/collosso (T 3, p. 41) nosso/vosso/grosso (T 4, p. 30) moço/posso (T 5, p. 64) pescoço/posso (T 5, p. 70) destroço/moço (T 5, p. 373) colossos/vossos (T 5, p. 260) -oce(s)/-osse(s) doce/fosse/tosse (T 4, p. 281) tosses/doces (T 3, p. 312) posse/dosse“doce” (T 4, p. 295) -o(u)co/-ocos toco/loco/pouco (T 3, p. 241) Marrocos/cocos (T 5, p. 236) soco/poco/toco (T 4, p. 329) -oda(s) acõmoda/toda (T 1, p. 98) moda/toda (T 3, p. 251) toda/roda (T 4, p. 8, 28) toda/accommoda/roda (T 4, p. 280) toda/póda/roda (T 5, p. 8) roda/toda/accõmoda (T 5, p. 154) rodas/todas (T 4, p. 149) -odo(s) acommodo/todo (T 1, p. 63, 85, 231) todo/modo (T 1, p. 184; T 3, p. 320; T 4, p. 383; T 5, p. 176) modo/todo (T 1, p. 389; T 2, p. 127, 291, 410; T 3, p. 43-44; T 4, p. 53; T 5, p. 56, 186) modo/todo/engodo (T 4, p. 290) lodo/modo (T 5, p. 220) modos/todos (T 1, p. 213; T 2, p. 412; T 4, p. 229; T 5, p. 48, 52, 187, 199) todos/modos (T 2, p. 379, 417; T 5, p. 157) apódos/todos/modos (T 4, p. 276) todos/modos/apódos (T 5, p. 23) -ofre sofre/enxofre/cofre/Onofre (T 5, p. 228) -oge/-oje foge/hoje (T 4, p. 52) despoje/hoje (T 4, p. 53) enoje/hoje (T 4, p. 53) antoje/hoje (T 4, p. 54) arroje/hoje (T 4, p. 54) hoje/foge (T 4, p. 292) despoje/hoje/foge (T 4, p. 411) -ogo rogo/fogo/logo (T 1, p. 38) logo/fogo/rogo (T 1, p. 50, 53) logo/fogo/desafogo (T 1, p. 57) fogo/logo/rogo (T 1, p. 78) logo/rogo/fogo (T 1, p. 83) desafogo/logo (T 1, p. 184) rogo/fogo/logo (T 2, p. 11) desafogo/logo/fogo (T 2, p. 35) logo/fogo/rogo (T 2, p. 43) desafogo/logo/fogo (T 2, p. 127) logo/fogo (T 2, p. 215) fogo/logo (T 2, p. 219) fogo/logo/jogo (T 2, p. 272) logo/fogo/rogo (T 2, p. 349) logo/fogo (T 3, p. 32) logo/jogo/fogo (T 3, p. 78) logo/jogo/rogo (T 3, p. 275) jogo/fogo/logo (T 3, p. 279) jogo/logo/rogo (T 4, p. 278) logo/fogo/jogo (T 4, p. 301) logo/Diogo/rogo (T 5, p. 12) logo/fogo (T 5, p. 45, 200) -olla tolla/Carolla (T 5, p. 203) -olha(s) escolha/folha/molha (T 1, 105) colha/molha (T 4, p. 21) molhas/folhas (T 1, p. 112) olhas/folhas (T 5, p. 51) -olho(s) molhos/olhos (T 2, p. 22) -ol(l)o Apollo/miolo/tiracolo (T 5, p. 17) -olta envolta/volta/solta (T 1, p. 35) solta/envolta/solta (T 2, p. 284) soltas/voltas (T 5, p. 357) -or mayor/valor (T 1, p. 370) amor/senhor/melhor (T 2, p. 356) menor/mayor/Author/aggressor (T 2, p. 356) louvor/melhor/Senhor (T 3, p. 79) amor/mayor/valor (T 3, p. 437) valor/amor/melhor (T 4, p. 212) valor/mayor/melhor (T 4, p. 224) mayor/amor/superior (T 4, p. 227) dor/mayor (T 4, p. 316) flor/superior/menor (T 4, p. 320) -ora(s) inventora/chora/Aurora (T 1, p. 16) contendora/cortadora/ignora (T 1, p. 28) mora/adora/vencedora (T 1, p. 40) mora/vencedora/adora (T 1, p. 80) roubadora/matadora/agora (T 1, p. 132) chora/adora/traidora (T 1, p. 146) pastora/fora (T 1, p. 166) fóra/pastora/chora (T 1, p. 169) agora/pastora (T 1, p. 170) pastora/fora(v)/chora (T 1, p. 174) Aurora/embaixadora (T 1, p. 191) mora/traidora/agora (T 1, p. 201) agora/traidora (T 1, p. 211) Flora/dôra/chora (T 2, p. 8) sonora/vividora/canora (T 2, p. 12) produzidora/vencedora/Aurora (T 2, p. 267) agora/Aurora/vencedora (T 2, p. 269) Aurora/vencedora/Doutora (T 2, p. 286) agora/Senhora/vencedora (T 3, p. 47) enganadora/matadora/senhora (T 3, p. 204) embora/agora/inventora (T 3, p. 274) brilhadora/Aurora/mora (T 4, p. 38) Senhora/roubadora (T 4, p. 145) consultora/Aurora (T 4, p. 145) mora/agora/fundadora (T 4, p. 288) adora/vencedora/roubadora (T 4, p. 306) traidora/chora/fóra (T 5, p. 30) matadora/Pandora (T 5, p. 64) agora/vencedora/acredora/devedora (T 5, p. 127) atégora/hora/vencedora (T 5, p. 164) hora/fora(v) (T 5, p. 185) fora(v)/melhora (T 5, p. 190) vencedora/melhora (T 5, p. 192) abrazadora/agora (T 5, p. 203) agora/fora/fora(v) (T 5, p. 254) habitadoras/Auroras (T 5, p. 197) atroadoras/horas (T 5, p. 52) -orão forão/morão/melhorão (T 2, p. 275) -orem forẽ/morem/chorem (T 2, p. 276) -ores flores/cores/mayores (T 1, p. 6) louvores/mayores/favores (T 1, p. 27) chores/dores/temores (T 1, p. 50) favores/flores/mayores/amores (T 2, p. 79) dores/mayores (T 2, p. 220) Senhores/progenitores/mayores (T 2, p. 286) superiores/louvores/mayores (T 2, p. 437-438) melhores/desflores/flores (T 3, p. 207) olores/louvores/melhores (T 3, p. 297) Senhores/furores/mayores (T 4, p. 7) flores/melhores/superiores (T 4, p. 218) esplendores/mayores (T 4, p. 385) vencedores/mayores (T 4, p. 391) menores/dores (T 5, p. 142) melhores/superiores (T 5, p. 181) -ornos cornos/Adornos/fornos (T 5, p. 12) -oro(s) adoro/choro/decoro (T 1, p. 61) decoro/adoro/imploro (T 3, p. 304) canoros/coros (T 4, p. 57) -orre corre/torre (T 2, p. 18; T 5, p. 228) -orta absorta/morta (T 3, p. 57) -orte(s) Corte/Norte/morte (T 2, p. 268) Corte/morte/norte (T 2, p. 438-439) forte/Corte (T 3, p. 29) Corte/Norte (T 3, p. 50) forte/Corte (T 4, p. 8) morte/Corte (T 4, p. 59) porte/Corte (T 4, p. 74) Corte/sorte (T 5, p. 188) Corte/morte/forte (T 5, p. 279) Cortes/fortes/sortes (T 5, p. 5) -ortos absortos/mortos (T 2, p. 124) -osa(s) rosa/mariposa (T 1, p. 118) mimosa/Esposa (T 3, p. 11) Esposa/medrosa (T 3, p. 12) ayrosa/rosa/ditosa/mariposa (T 3, p. 195) reposa“repousa”/rosa (T 3, p. 232) deleitosa/rosa/mariposa/frondosa (T 3, p. 264) honrosa/esposa (T 4, p. 12) calorosa/mariposa (T 5, p. 194) saudosas/mariposas/piedosas (T 1, p. 128) saudosas/mariposas/lustrosas (T 2, p. 7) -ostas expostas/costas/lagostas (T 2, p. 20) -ostos descompostos/rostos/postos (T 2, p. 266-267) Agostos/póstos/rostos (T 4, p. 293) -ostra prostra/ostra (T 3, p. 40) -oto(s) immoto/terremoto/roto (T 1, p. 218) votos/rotos (T 4, p. 74) devotos/Castriotos/rotos (T 5, p. 21) rotos/terremotos (T 2, p. 294) -ova chova/prova/nova (T 1, p. 79)

Os exemplos arrolados em (01) e (02), referentes às vogais médias anteriores e posteriores, respectivamente, mostram os diversos casos de rima, no cancioneiro barroco A Fénix Renascida , entre vogais tônicas que, no português atual, apresentam timbres distintos. A comparação entre essas rimas e aquelas oriundas dos séculos XV e XVI ( FONTE, 2014FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. ) revela que, embora os dados do século XVII apresentem-se em maior quantidade (talvez em virtude do caráter amplo da obra), as terminações rimantes são, em geral, equivalentes às que apareceram constituindo rimas estranhas às pronúncias atuais, nas obras de Resende ou de Camões.

Estão grifadas, nos exemplos listados em (01) e (02), as terminações que também compuseram rimas entre vogais médias abertas e fechadas (segundo os padrões atuais), nos versos dos séculos XV e XVI (do CG ou de Os Lusíadas ).

Na introdução deste artigo, vimos, por exemplo, que, no século XIII, formas verbais regulares jamais apareciam rimando com formas verbais irregulares (e de mesma terminação). A rima entre formas verbais regulares e irregulares de mesma terminação passou a ser comum, entretanto, nas obras poéticas dos séculos XV e XVI, por exemplo, conforme mostram os dados de Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , para quem a hipótese de variação entre as vogais médias tônicas do passado autoriza-nos a reconhecer, para esses casos, a atuação simultânea, nos séculos XV e XVI, das duas pronúncias (com vogal média aberta e fechada). Essa mesma interpretação pode, pois, ser estendida para algumas das rimas do século XVII apresentadas em (01), como as seguintes, por exemplo: der/florecer, poder/fizer, podera/respondera, tivera/padecera/espera, devera/padecera/tivera/quizera, podéra/morrera, renderão/retiverão/estremecerão, puzerão/vierão/responderão, leres/deres, dizeres/quizeres, soubesse/houvesse/perdesse, nascesse/désse, trouxessem/viessem/enchessem, ofrecestes/fizestes/merecestes, soubestes/escrevestes/tecestes , entre outras.

A hipótese de variação livre também pode justificar as rimas do cancioneiro barroco terminadas em - e e -es/-ez: porque/pé, dê/he, vê/fé/he, he/merce, mercé/Thomé/fé, ves/pés, pés/Portuguez, vez/Portuguez/revez e lebrés/tres . Cabe observar que rimas como essas também foram identificadas por Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. nos corpora dos séculos XV e XVI (ex.: fe/mercê, quê/fe/é, fè/crè/dè, fez/Fez e vez/Fez ). Para a autora, essas rimas podem ser consideradas perfeitas, se reconhecermos a possibilidade de, no português do passado, ter sido comum, para essas palavras, tanto a pronúncia com vogal média aberta (ex.: * [ε] , * merc[ε] ; * p[ε]s, * rev[ε]z ), quanto a pronúncia com vogal média fechada (ex.: * [e] , * merc[e] ; * p[e]s, rev[e]z ). 12 12 Cabe lembrar que o substantivo mercê (lat. mercedem ) era grafado com vogal dupla ( mercee ), nas CSM, e rimava com as formas verbais cree (lat. crede ) e vee (lat. vede ), igualmente grafadas com vogal dupla. Esses vocábulos, por outro lado, não rimam, nas cantigas afonsinas, com o substantivo fé (lat. fidem ), grafado, já no século XIII, com vogal simples. Tais dados levam-nos a considerar a hipótese de a crase (posterior) dessas vogais (iguais), tanto em mercê , quanto em crê e vê , ter resultado, a princípio, em um timbre aberto (* merc[ ε ] , * cr[ ε ] , * v[ ε ] ), que se teria fechado, ao longo da história da língua.

As rimas envolvendo as terminações -elho, -erde, -eva, -eve, -eza, -oda, -odo e -osta também haviam aparecido no CG e/ou em Os Lusíadas e sido interpretadas por Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. como indícios de variação livre no português médio e moderno, já que essas rimas não podem ser justificadas (como outras haviam sido, especialmente aquelas registradas nas CSM) a partir da origem histórica das vogais tônicas rimantes: conselho (lat. consĭlium ), vermelho (lat. vermĭculum ) e velho (lat. vĕtulum ); verde (lat. vĭrĭdem ) e perde (lat. pĕrdere ) 13 13 Cunha (2010) e Saraiva (2006) também discordam a respeito da quantidade da vogal do étimo que deu origem ao verbo perder: pĕrdere para o primeiro, mas pērdere para o segundo. Se fosse considerada a proposta de Saraiva (2006) , a rima * v[e]rde/*p[e]rde poderia ser justificada a partir da etimologia da forma verbal. ; atreva (lat. trĭbuat , de tribuĕre ) e leva (lat. lĕvat , de levāre ); breve (lat. brĕvem ) , leve (lat. lĕvem ) e ( dēbet ); preza (lat. prĕtiare < prĕtium ) e empresa (it. impresa ); roda(s) (lat. rŏtam ), noda “nódoa” (lat. nŏtulam ), toda(s) (lat. tōtam ) e vodas “bodas” (lat. vōtam ); modo (lat. mŏdum ) e todo (lat. tōtum ); lagosta (lat. locusta > *lacusta ) e posta (lat. pŏsitum < ponere ).

Cabe observar, no entanto, que, embora a etimologia não justifique uma pronúncia diferente da atual para a vogal tônica dessas palavras, existem dados de outras línguas românicas ou de outras variedades do português que podem sustentar a hipótese de a vogal média de alguns desses termos ter apresentado, no passado, um timbre não-etimológico (muito provavelmente, em variação com pronúncias etimológicas) diferente do que conhecemos hoje (na língua portuguesa). As formas verbais perde (no imperativo) e preza , por exemplo, são proferidas com vogal média fechada ( p[e]rde e pr[e]za ) no galego em curso, de acordo com o Dicionario da academia galega . Já o substantivo vert ( verde ) é pronunciado com vogal média aberta, no francês (atual). Por fim, as pronúncias t[ ɔ ]da e v[ ɔ ]das ( bodas ) são comuns na variedade padrão do português de Maputo, segundo o Portal da Língua Portuguesa.

Há, por outro lado, muitas rimas, no cancioneiro A Fénix Renascida (como havia nas CSM, no CG e em Os Lusíadas ), que podem ser justificadas a partir da etimologia dos termos rimantes, uma vez que as vogais tônicas envolvidas apresentam, no português atual, um timbre que não corresponde àquele supostamente herdado do latim. Dito de outro modo, a origem dos vocábulos rimantes, nesses casos, justificaria uma pronúncia diferente da atual no português do passado.

Particularmente em relação às formas nominais, além daqueles vocábulos mencionados na introdução deste artigo ( inveja < invĭdiam, jogo < jŏcum, fogo < fŏcum, melhor < meliōrem, maior < maiōrem, menor < minōrem e adjetivos terminados em -osa , tais como piedosa e medrosa ), teriam passado por uma mudança de timbre vocálico palavras como: moeda (lat. monētam ), ela (lat. ĭllam ), aquela (lat. eccu ĭlla ), donzela (lat. * domnicĭlla ), bela (lat. bēllum ), pele (lat.: pēllem ), governo (lat. gŭbĕrnāre ), desterro (lat. tĕrram ), pressa (lat. prēssam ), festa (lat. fēstam ), celeste (lat. caelēstem ), poeta (lat. poētam ), secreta (lat. secrētum ), quieta (lat. quiētum ), aurora (lat. aurōram ), senhora (lat. seniōrem ), flora (lat. Flōram ), hora (lat. hōram ), agora (lat. hāc hōra ), forte (lat. fōrtem ), morte (lat. mōrtem ), mortos (lat. mōrtuum ) e vosso (lat. vestrum > * vōstrum , análogo a nōstrum ). 14 14 Essas etimologias, propostas por Saraiva (2006) , divergem das etimologias apontadas por Cunha (2010) , nos seguintes casos: belo, pele, festa e morto . Enquanto, para Saraiva (2006) , a vogal média tônica desses substantivos provém de uma vogal média longa do latim, para Cunha (2010) , no latim clássico, a vogal média tônica de todos esses nomes era breve: bĕllum, pĕllem, fĕstam e mŏrtuum . Se, por um lado, as propostas de Cunha (2010) têm respaldo na manifestação atual dessas vogais, na maior parte das línguas românicas, por outro lado, as rimas do português do passado sustentam as propostas de Saraiva (2006) . Uma boa maneira para resolver esse impasse, já que os dicionários etimológicos costumam fundar suas hipóteses, acerca da quantidade da vogal latina, nos resultados gerados nas diferentes línguas românicas, seria investigar, a partir de um trabalho como este (que analisa as rimas do passado), por exemplo, se o timbre atual das demais línguas românicas (ou se o ditongo, no caso do espanhol), para esses dados específicos, não é resultado de mudanças linguísticas, ao longo da história.

O galego atual, ao contrário do português, ainda preserva, para algumas dessas palavras, a pronúncia com vogal tônica etimológica: gob[ε]rno, dest[ε]rro, secr[e]ta, senh[o]ra, ag[o]ra, fl[o]ra, h[o]ra ~ h[ ɔ ]ra, Aur[o]ra ~ Aur[ ɔ ]ra (nome próprio), segundo o Dicionario de pronuncia da lingua galega .

No que diz respeito às formas verbais, o recurso à origem histórica também pode ser acionado para justificar uma possível mudança de timbre na pronúncia das vogais médias tônicas presentes em: começa (lat. *cominitiare ), navega (lat. navĭgari ), aperto ( apertar < lat. tard. appēctorare ), pesa (lat. pēnsat ), decreta (lat. decrētum ), penetra (lat. penētrāre ), adoro(a) (lat. adōrāre ), choro(a) (lat. plōrāre ), corre (lat. currit ) e posso (lat. pōssum ).

De acordo com o Dicionario da academia galega , o galego atual também preserva, para algumas dessas formas verbais, as pronúncias com vogal tônica etimológica: com[ε]za ~ com[e]za, nav[ε]ga ~ nav[e]ga e pen[e]tra .

Se considerarmos que todas essas formas verbais e nominais apresentaram, no passado, uma vogal média tônica com um timbre correspondente àquele herdado do latim, interpretaremos da seguinte forma estas rimas do cancioneiro barroco: * s[e]das/ * mo[e]das/ * conc[e]das , * b[e]lla/ * estr[e]lla/ * donz[e]lla , * estr[e]lla/ * [e]lla , * b[e]llas/ * estr[e]llas/ * aqu[e]llas , * b[e]llo/ * cab[e]llo , * [e]lle/ * p[e]lle , * gov[ɛ]rno/ * inf[ɛ]rno , * mer[e]ças/ * pr[e]ças ( pressas ), * pen[e]tra/ * l[e]tra , * f[e]sta/ * b[e]sta , * [e]ste/ * cel[e]ste , * Plan[e]ta/ * secr[e]ta/ * com[e]ta , * borbol[e]ta/ * Po[e]ta/ * Plan[e]ta , * inqui[e]ta/ * pr[e]ta , * com[e]ça/ * cab[e]ça , * pen[e]tra/ * l[e]tra , * invent[o]ra/ * ch[o]ra/ * Aur[o]ra , * ag[o]ra/ * Senh[o]ra/ * venced[o]ra , * ad[o]ro/ * ch[o]ro/ * dec[o]ro , * C[o]rte/ * m[o]rte/ * f[o]rte , * abs[o]rtos/ * m[o]rtos , * c[o]rre/ * t[o]rre , * n[o]sso/ * v[o]sso/ * gr[o]sso e * pesc[o]ço/ * p[o]sso .

Essa proposta de interpretação das rimas considera, pois, a hipótese de o português ter adotado, no passado, pronúncias, para as vogais médias tônicas de então, condizentes com a forma original. De acordo com essa interpretação, muitas das pronúncias etimológicas foram alteradas, ao longo da história do português - o que estaria impedindo a aceitação (imediata) das rimas estudadas.

A hipótese apresentada por este artigo é a de que a variação responsável pelas mudanças referidas já estaria atuando no século XVII (a partir do século XV, na verdade). Acreditamos, assim, que eram comuns, nesse período da língua portuguesa, as duas pronúncias, com vogal média aberta e com vogal média fechada, não apenas entre os vocábulos que concretizaram a mudança, mas entre todos os vocábulos, de um modo geral. Essa proposta permite que sejam admitidas, para as rimas em questão, pronúncias opostas às que foram consideradas anteriormente: * s[ɛ]das/ * mo[ɛ]das/ * conc[ɛ]das , * b[ɛ]lla/ * estr[ɛ]lla/ * donz[ɛ]lla , * estr[ɛ]lla/ * [ɛ]lla , * b[ɛ]llas/ * estr[ɛ]llas/ * aqu[ɛ]llas , * b[ɛ]llo/ * cab[ɛ]llo , * [ɛ]lle/ * p[ɛ]lle , * gov[e]rno/ * inf[e]rno , * mer[ɛ]ças/ * pr[ɛ]ças ( pressas ), * pen[ɛ]tra/ * l[ɛ]tra , * f[ɛ]sta/ * b[ɛ]sta , * [ɛ]ste/ * cel[ɛ]ste , * Plan[ɛ]ta/ * secr[ɛ]ta/ * com[ɛ]ta , * borbol[ɛ]ta/ * Po[ɛ]ta/ * Plan[ɛ]ta , * inqui[ɛ]ta/ * pr[ɛ]ta , * com[ɛ]ça/ * cab[ɛ]ça , * pen[ɛ]tra/ * l[ɛ]tra , * invent[ɔ]ra/ * ch[ɔ]ra/ * Aur[ɔ]ra , * ag[ɔ]ra/ * Senh[ɔ]ra/ * venced[ɔ]ra , * ad[ɔ]ro/ * ch[ɔ]ro/ * dec[ɔ]ro , * C[ɔ]rte/ * m[ɔ]rte/ * f[ɔ]rte , * abs[ɔ]rtos/ * m[ɔ]rtos , * c[ɔ]rre/ * t[ɔ]rre , * n[ɔ]sso/ * v[ɔ]sso/ * gr[ɔ]sso e * pesc[ɔ]ço/ * p[ɔ]sso .

Essa interpretação abarca, pois, as pronúncias atuais não-etimológicas (ex.: * form[ ɔ ]sa , * preci[ ɔ ]sa , * senh[ ɔ ]ra , * ag[ ɔ ]ra , * h[ ɔ ]ra , * ad[ ɔ ]ra , * ch[ ɔ ]ra , * son[ ɔ ]ro , * p[ ɔ ]sse , * p[ ɔ ]sso , * m[o]va etc.). Por outro lado, também reconhece pronúncias não-etimológicas que não teriam vingado, na diacronia do português, tais como * esp[ ɔ ]sa(s), * venced[ ɔ ]ra , * roubad[ ɔ ]ra , * morad[ ɔ ]ra , * past[ ɔ ]ra , * b[o]rdo , * c[ ɔ ]ro , * f[ ɔ ]sse , * col[ ɔ ]sso, * n[o]va , * pr[o]va . Em outras palavras, essa proposta de interpretação sugere que a variação (livre ou condicionada pelo processo de metafonia) atingia, no século XVII, senão todas, grande parte das palavras da língua que continham vogal média na sílaba acentuada. Apenas em alguns casos, contudo, essa variação teria resultado em mudança.

Alguns argumentos podem ser considerados a favor dessa hipótese de variação. O primeiro deles diz respeito às rimas terminadas em -osa(s) . Os adjetivos com essa terminação além de rimarem com o substantivo esposa (lat. spōnsam ) e mariposa ( Maria posa ), nos versos do cancioneiro barroco, também rimam com rosa (lat. rŏsam ): esposa /medrosa, honrosa/ esposa , mimosa/ esposa , saudosas/ mariposas /piedosas, calorosa/ mariposa , saudosas/ mariposas /lustrosas, ayrosa/ rosa /ditosa/ mariposa , deleitosa/ rosa / mariposa /frondosa . Se a vogal tônica de rosa for, de fato, proveniente de ŏ latino (que não originou ditongo no espanhol: rosa , e não *ruesa ), essas rimas devem ser interpretadas como um indício de variação, no português do passado, envolvendo a pronúncia dos adjetivos terminados em -osa . Cabe ressaltar que a rima entre esses adjetivos e o substantivo rosa já havia ocorrido no CG e em Os Lusíadas . Esse dado sugere que a variação, que, posteriormente, resultaria na mudança da vogal tônica desses adjetivos (ex.: * glori[o]sa > glori[ɔ]sa , * amor[o]sa > amor[ɔ]sa ), já teria começado a atuar no português médio. Não é desprezível, contudo, a hipótese de o substantivo rosa ter sido pronunciado, no português antigo, com uma vogal média fechada (talvez etimológica), na sílaba acentuada.

O outro argumento a ser considerado (a favor da hipótese de variação) envolve as rimas terminadas em -ora . Nos exemplos arrolados em (02) para a terminação -ora , há rimas contendo vocábulos cuja vogal tônica é proveniente de ue ( fuerat > f[o]ra ) ou de ō latino (ex.: senhora, pastora, hora, agora etc.). Nesses casos, a pronúncia com vogal média fechada, na sílaba acentuada, pode ser atribuída à etimologia das palavras. Há rimas, no entanto, entre esses vocábulos e o advérbio fora , cuja vogal tônica é proveniente de ŏ latino ( fŏras , no latim, e fuera , no espanhol). Pode-se dizer que essas rimas, por trazerem um representante legítimo da vogal média aberta (etimológica), corroboram a hipótese de, no português moderno, a variação entre vogais médias abertas e fechadas, que resultou em mudança, no caso dos vocábulos senhora, hora e agora , por exemplo, também ter atingido a pronúncia das palavras que mantêm, ainda hoje, o timbre correspondente à quantidade da vogal etimológica (ex.: pastora, matadora, roubadora etc.). É importante acrescentar que, no português de Maputo (variedades padrão e não-padrão, segundo o Portal da Língua Portuguesa), esses substantivos femininos terminados em -ora são pronunciados com vogal média aberta, na sílaba acentuada: past[ ɔ ]ra, matad[ ɔ ]ra, pesquisad[ ɔ ]ra etc.

Todas as rimas do cancioneiro barroco analisadas até aqui também haviam sido registradas em pelo menos uma das (muitas vezes em todas as) três obras poéticas (CSM, CG ou Os Lusíadas ) anteriormente estudadas por Fonte (2010a, 2010b, 2014). Há, contudo, nos dados arrolados em (01) e (02), rimas que não haviam aparecido nessas obras poéticas dos séculos precedentes. Nas páginas a seguir, veremos que a maior parte dessas rimas (novas) pode ser justificada a partir da etimologia dos vocábulos rimantes ou das pronúncias atuais nas línguas românicas, em geral.

Se tomarmos como base as etimologias propostas por Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. , por exemplo, diremos que o timbre da vogal tônica, no português atual, não condiz com a quantidade da vogal latina na pronúncia dos seguintes vocábulos: eco (lat. ēchum ), universo (lat. univērsum ), verso (lat. vērsum ), Pedro (gr. pétra , lat. pĕtram ), cornos (lat. cōrnum ), fornos (lat. furnum ), terremoto (lat. terrae mōtum ), voto (lat. vōtum ) , devoto (lat. devōtum ), hoje (lat. hŏdie ), envolta (lat. vŏlutum ) e solta (lat. sŏlutum ), entre as formas nominais; e peco (lat. pēcco ), molha (lat. mōlliat ) e prostra (lat. prōstratum ), entre as formas verbais. Nesse caso, seríamos levados a admitir a possibilidade de o português do passado ter adotado, para esses vocábulos, pronúncias diferentes das atuais e, consequentemente, também seríamos levados a reconhecer a perfeita homofonia entre as vogais tônicas destas rimas: * [e]co/ * s[e]co , * s[e]co/ * [e]co , * p[e]cco/ * S[e]co , * s[e]cos/ * [e]ccos , * t[e]rso/ * Univ[e]rso/ * b[e]rço , * Univ[e]rso/ * b[e]rço/ * v[e]rso , * P[ ε ]dro/ * c[ ε ]dro , * P[ ε ]dro/ * desemp[ ε ]dro , * esc[o]lha/ * f[o]lha/ * m[o]lha , * c[o]lha/ * m[o]lha , * m[o]lhas/ * f[o]lhas , * c[o]rnos/ * Ad[o]rnos/ * f[o]rnos, * imm[o]to/ * terrem[o]to/ * r[o]to , * v[o]tos/ * r[o]tos , * dev[o]tos/ * Castri[o]tos/ * r[o]tos , * r[o]tos/ * terrem[o]tos , * f[ ɔ ]ge/ * h[ ɔ ]je , * desp[ ɔ ]je/ * h[ ɔ ]je , * en[ ɔ ]je/ * h[ ɔ ]je , * ant[ ɔ ]je/ * h[ ɔ ]je , * arr[ ɔ ]je/ * h[ ɔ ]je , * h[ ɔ ]je/ * f[ ɔ ]ge , * desp[ ɔ ]je/ * h[ ɔ ]je/ * f[ ɔ ]ge , * env[ɔ]lta/ * v[ɔ]lta/ * s[ɔ]lta , * s[ɔ]lta/ * env[ɔ]lta/ * s[ɔ]lta , * s[ɔ]ltas/ * v[ɔ]ltas , * pr[o]stra/ * [o]stra . Algumas dessas pronúncias têm correspondentes no galego atual: terrem[o]to, s[ɔ]lto e s[ɔ]lta (em variação com s[o]lto e s[o]lta ), m[o]llamolha ” e [o]llaolha ”.

Por outro lado, não é desprezível, sobretudo no caso das terminações -oje/-oge e - olha , uma interpretação que também admita, para o português do passado, pronúncias inversas, no que diz respeito ao timbre da vogal tônica, àquelas apresentadas no parágrafo anterior.

No caso das rimas terminadas em -oje/-oge , por exemplo, a proposta de uma pronúncia com vogais médias abertas, embora respeite as pronúncias atuais dos verbos envolvidos (ex. f[ɔ]ge, dep[ɔ]je, arr[ɔ]je etc.) e a etimologia indicada por Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. para o advérbio hoje ( hŏdie ), não está de acordo nem com a origem das formas verbais rimantes (ex.: do lat. fŭgit e do espanhol desp[o]je e arr[o]je , já que as formas verbais despojar e arrojar entraram para o português por via do espanhol, segundo os dicionários consultados), nem com a etimologia proposta por Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. para o advérbio referido ( hōdie < hōc die ), que é divergente, nesse caso específico, da proposta de Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. . Se adotarmos, pois, a etimologia indicada por Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. , para o vocábulo hoje , reconhecendo, assim, uma mudança de timbre, no decorrer da história da língua, não na vogal média do advérbio em foco, mas entre as formas verbais foge, arroje, despoje etc., interpretaremos da seguinte forma as rimas terminadas em -oje/-oge: * f[o]ge/ * h[o]je , * desp[o]je/ * h[o]je , * en[o]je/ * h[o]je , * ant[o]je/ * h[o]je , * arr[o]je/ * h[o]je , * h[o]je/ * f[o]ge , * desp[o]je/ * h[o]je/ * f[o]ge . No galego atual, de acordo com o Dicionario da Real Academia Galega, as formas verbais despoje e anoje apresentam uma vogal média fechada, na sílaba tônica: desp[o]xe e an[o]xe (também ocorrem arr[o]xe e ent[o]xe , no galego atual, mas os verbos arroxar e entoxar do galego derivam dos substantivos roxo e toxotojo ”, respectivamente, e não correspondem, portanto, aos verbos arrojar e antojar do português).

Com relação às rimas terminadas em -olha(s) , a hipótese de uma pronúncia etimológica, no passado da língua portuguesa, para a forma verbal molha (do verbo latino mōllire ) contribui apenas em parte para a interpretação dessas rimas, já que, apesar de o substantivo folha ser pronunciado, no português atual, com vogal média fechada (e idêntica, portanto, à vogal tônica etimológica de m[o]lha ), essa vogal média fechada, no vocábulo folha , não condiz com a quantidade da vogal latina: fŏlia (< fŏlium ). Essa informação autoriza-nos, pois, a suspeitar de uma pronúncia com vogal média aberta, na sílaba tônica de todos os vocábulos envolvidos nas rimas em questão: * esc[ɔ]lha/ * f[ɔ]lha/ * m[ɔ]lha , * c[ɔ]lha/ * m[ɔ]lha , * m[ɔ]lhas/ * f[ɔ]lhas , * [ɔ]lhas/ * f[ɔ]lhas . Conforme se pode notar, as únicas pronúncias, nessa proposta de interpretação, que equivalem às pronúncias atuais do português são m[ɔ]lhas e [ɔ]lhas (ambas pronunciadas, no galego em curso, com vogal média fechada: m[o]lhas e [o]lhas ).

É importante esclarecer, contudo, que o substantivo folha , de acordo com o dicionário etimológico de Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. , entrou para o léxico do português apenas no século XIV (deduzida do nominativo plural de fŏlium ), ou seja, em um momento em que a quantidade da vogal latina já não era levada em conta (inclusive porque o latim já não existia como língua falada). Esse dado leva-nos a aventar a hipótese de essa quantidade da vogal latina jamais ter exercido qualquer influência na pronúncia da vogal tônica do substantivo folha , no português. Em outras palavras, se o substantivo folha não percorreu a trajetória que conduziu, ao longo de séculos de mudança, o latim ao português, não se pode dizer que o timbre de sua vogal tônica seja, de fato, baseado (naturalmente) na pronúncia do latim. Nesse caso, estariam justificadas tanto a pronúncia desse substantivo com vogal média fechada, no passado e no presente, quanto a rima entre esse vocábulo e as formas verbais anteriormente mencionadas, que, segundo essa interpretação, teriam sido pronunciadas, até o século XVII, pelo menos, com vogal média fechada.

Não está descartada, contudo, a possibilidade de variação na pronúncia desses vocábulos, no período em foco. A rima do cancioneiro barroco entre folhas e olhas (lat. ŏculum ), por exemplo, pode ser interpretada com base tanto na hipótese de a forma verbal referida ter sido pronunciada, no século XVII, com uma vogal tônica diferente da atual (mas equivalente àquela empregada no galego em curso), quanto na hipótese de a vogal tônica do substantivo folha ter apresentado, no português de antanho, um timbre diferente do atual. Essa hipótese de variação pode, inclusive, ser estendida para a interpretação da rima entre olhos (lat. ŏculum ) e molhos (lat. mōllire ), n’ A Fénix Renascida . Cabe acrescentar, a propósito, que o galego atual admite duas pronúncias para o substantivo olho: com vogal média aberta ( [ɔ]llo ) e com vogal média fechada ( [o]llo ).

Outra rima do cancioneiro A Fénix Renascida que admite duas interpretações é aquela envolvendo o nome próprio Lacerda , pronunciado, no português atual, com vogal média aberta, e o substantivo perda , pronunciado, atualmente, com vogal média fechada, na sílaba tônica. Já mencionamos, neste artigo, a discordância entre Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. e Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. em relação à quantidade da vogal latina no étimo que originou o verbo perder: pĕrdere , para Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. , e pērdere , para Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. . Se adotarmos a proposta de Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. , podemos sugerir a hipótese de, no século XVII, o vocábulo perda ( pierda , no espanhol, e p[ε]rda , no galego) ter sido pronunciado com uma vogal tônica etimológica e diferente da atual: * p[ε]rda - daí a possibilidade de rima com Lacerda , pronunciado, tanto no passado, quanto no presente, com vogal média aberta, na sílaba acentuada. Por outro lado, se admitirmos a proposta de Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. , seremos levados a reconhecer como etimológica a pronúncia do substantivo perda com vogal média fechada e a propor uma pronúncia diferente da atual para Lacerda . Nesse caso, interpretaríamos da seguinte forma a rima em questão: * p[e]rda/ * Lac[e]rda .

A interpretação de rimas contendo nomes próprios, como a analisada no parágrafo anterior, é sempre mais complicada, porque nomes próprios costumam ser mais suscetíveis à variação (o que dificulta a identificação da pronúncia atual) e, sobretudo, porque os dicionários, em geral, não fornecem informações sobre a etimologia desses nomes. Neste trabalho, a pronúncia dos nomes próprios dispostos em rima foi deduzida, na maior parte dos casos, a partir da pronúncia proposta para os demais vocábulos rimantes. Um exemplo desse tipo de dedução, neste trabalho, diz respeito ao nome próprio Onofre , que aparece rimando, no cancioneiro barroco, com sofre (lat. sūferre > sofrer ), enxofre (lat. sūlphŭr ) e cofre (do francês c[o]ffre ). Conforme se pode notar, a origem da vogal tônica, em todos os demais vocábulos rimantes, corrobora a hipótese de esses vocábulos (inclusive Onofre ) terem sido pronunciados, no português do século XVII, com uma vogal média fechada, na sílaba tônica: * s[o]fre/ * enx[o]fre/ * c[o]fre/ * On[o]fre .

Assim como o nome próprio, a presença de vocábulos de origem obscura, provenientes do latim vulgar (sem representantes no latim clássico) ou de empréstimos linguísticos também dificulta a interpretação de uma rima. Quando a rima contém mais de um desses itens, a interpretação torna-se ainda mais complicada, como é o caso das rimas do cancioneiro barroco terminadas em -eca(s), -ocos, -ola e -olo .

As rimas terminadas em -eca(s) , por exemplo, são constituídas do nome próprio Meca e dos substantivos seca(s) (lat. sīccam ), boneca (do espanhol muñeca ), caneca ( cano + eca ) e faneca ( fanar < fr. fan[e]r ). A partir desses dados, é possível interpretar as rimas em questão de duas maneiras: i. ou a vogal média tônica de todos esses vocábulos era pronunciada, no século XVII, com timbre fechado - que teria sido mantido, na diacronia do português, apenas no caso do substantivo seca ; ii . ou todos esses nomes eram pronunciados, no português de então, com vogal média aberta, na sílaba acentuada. Nesse caso, diríamos que a pronúncia não-etimológica para o substantivo seca ocorria, muito provavelmente, em variação com a pronúncia etimológica - no decorrer da história da língua, apenas a variante etimológica sobreviveu.

A rima envolvendo a terminação -ocos , em A Fénix Renascida , é entre Marrocos e cocos (origem controvertida). Sabemos que, no português atual, o substantivo coco é pronunciado com vogal média fechada, na sílaba tônica. No italiano, contudo, essa vogal média tônica é pronunciada com timbre aberto. Já o galego, de acordo com o Dicionário de pronuncia da língua galega e com o Dicionario da Real Academia Galega , admite as duas pronúncias, com vogal média aberta e com vogal média fechada, para o substantivo referido. Essas informações tornam aceitável a hipótese de, no português do passado, a vogal tônica do substantivo coco ter apresentado um timbre diferente do atual - daí a possibilidade de rima entre esse substantivo e o topônimo Marrocos, ainda hoje pronunciado, no português, com vogal média aberta, na sílaba acentuada.

Também são constituídas de nomes próprios e vocábulos de origem obscura, conforme mencionado anteriormente, as rimas do cancioneiro barroco terminadas em - olo e - ola: Apollo (nome próprio), miolo (lat. * medullum ) e tiracolo (lat. cōllum ), no primeiro caso, e Carolla (nome próprio) e tollatola ” (origem obscura), no segundo caso. Se considerarmos a etimologia proposta para miolo e colo , seremos levados a admitir a possibilidade de os vocábulos referidos também terem sido pronunciados, no século XVII, com vogal média fechada, na sílaba acentuada: * Ap[o]llo/ * mi[o]lo/ * tirac[o]lo e * t[o]lla/ * Car[o]lla .

Por fim, as rimas do cancioneiro barroco terminadas em -eces/-ezes podem ser interpretadas com base não apenas na etimologia dos vocábulos rimantes, mas também nas pronúncias do galego em curso. Os exemplos arrolados em (01) mostraram que integram essas rimas o substantivo (plural) vezes (lat. vicem ), pronunciado, no português atual, com vogal média fechada, na sílaba tônica, e as formas verbais aborreces (lat. abhorrēscere ) , apeteces (lat. appetīssis ou appĕtis ) e conheces (lat. cognoscis ), todas pronunciadas com vogal média aberta, na sílaba acentuada, em virtude da atuação da regra de abaixamento vocálico. De acordo com o Dicionario da Real Academia Galega , a vogal tônica dessas formas verbais apresenta, no galego atual, um timbre fechado: aborr[e]ces, apet[e]ces, coñ[e]ces . Essas pronúncias do galego em curso corroboram, pois, a hipótese de o português do passado também ter empregado uma vogal média fechada, na sílaba tônica das formas verbais referidas: * aborr[e]ces/ * v[e]zes/ * v[e]zes, * appet[e]ces/ * v[e]zes/ * reconh[e]ces . Não está descartada, por outro lado, a hipótese de uma pronúncia, para esses vocábulos, com vogal média aberta (em variação com a pronúncia com vogal média fechada).

Diante dos dados apresentados e discutidos ao longo desta seção, pode-se dizer que as rimas do cancioneiro barroco A Fénix Renascida não apenas sustentam as propostas (de variação e mudança, na diacronia do português, envolvendo vogais médias tônicas) apresentadas em estudos anteriores da primeira autora deste artigo, como também fornecem novas pistas sobre os falares do passado. Vimos, nesta seção, que, embora grande parte das rimas do cancioneiro barroco coincida com aquelas do CG e de Os Lusíadas , os dados do século XVII também trouxeram rimas que não haviam aparecido nas obras dos séculos XIII, XV e XVI, anteriormente estudadas. Esses novos dados, como os demais, foram interpretados a partir da etimologia ou da pronúncia atual dos vocábulos rimantes, no português (em suas diferentes variedades) e nas demais línguas românicas, já que o recurso a essas fontes foi capaz de justificar, para o português do passado, algumas pronúncias diferentes das atuais.

Considerações finais

Os dados apresentados e discutidos ao longo deste trabalho forneceram pistas significativas acerca da pronúncia das vogais médias tônicas não apenas no português do século XVII, mas também dos séculos XIII, XV e XVI.

A análise das rimas entre vogais médias (tônicas) representadas por grafemas idênticos, no cancioneiro barroco A Fénix Renascida , aliada à comparação com rimas de obras de séculos anteriores (CSM, CG, Os Lusíadas ), sugeriu que muitas das formas verbais e não-verbais do português eram pronunciadas, até o século XVII, pelo menos, com um timbre vocálico diferente do atual. No decorrer da história da língua, variações linguísticas condicionadas, a princípio, por processos fonético-fonológicos de natureza assimilatória, tais como a metafonia e a harmonia vocálica, por exemplo, teriam acarretado, muito provavelmente, a mudança de timbre da vogal tônica dos itens lexicais referidos. As rimas da antiga poesia escrita em língua portuguesa abordadas neste estudo sugeriram que essas variações, envolvendo a pronúncia das vogais médias tônicas, começaram a se manifestar no século XV e foram ganhando força nos períodos subsequentes. Até o século XVII, contudo, de acordo com os dados analisados neste trabalho, nenhuma das mudanças suscitadas por esta pesquisa estava efetivada.

Cabe observar que este artigo, embora se dedique, essencialmente, à história das vogais médias tônicas do português, não se restringe aos dados obtidos por meio do mapeamento das rimas do século XVII, mas vai além, trazendo informações (e até discussões) acerca das vogais tônicas do latim e de seus vestígios nas diferentes línguas românicas.

Sobre as vogais tônicas das demais línguas românicas, os dados apontados ao longo deste estudo mostraram que, embora exista alguma regularidade na transposição das vogais latinas para as vogais das línguas românicas, há muitas pronúncias atuais, nas diferentes línguas oriundas do latim vulgar, que não se enquadram nessa suposta regra de substituição. Isso ocorre porque todas as línguas (em uso) mudam, no decorrer da história, fazendo com que muitos de seus constituintes percam traços originais.

A comparação entre dados portugueses e galegos, por exemplo, revelou que o galego atual preserva muitas das pronúncias etimológicas (algumas em variação) que o português não manteve. Nem todas as pronúncias do galego em curso, no entanto, adotam vogais médias tônicas equivalentes às vogais do étimo. As formas nominais do galego conservam, em geral, as pronúncias do galego-português, ao passo que o timbre das vogais médias tônicas das formas verbais (sobretudo as de primeira conjugação) é determinado, na maior parte dos casos, não pela quantidade da vogal latina, mas pela atuação das regras de harmonização e abaixamento, que também atuam sobre as formas verbais do português atual.

Já os dados do espanhol atual abordados neste estudo mostraram que nem todas as vogais médias breves do latim (segundo a etimologia proposta pelos dicionários etimológicos e latinos) originaram ditongos nessa língua (ex.: belo, rosa, modo ). Da mesma forma, nem todos os ditongos do espanhol atual correspondem a vogais médias breves do latim clássico (ex.: fiesta, grueso, muerte, fuerte etc.), de acordo com as etimologias propostas por Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. .

Todos esses dados indicam, pois, que a regularidade, nas línguas, assim como em qualquer outro campo, convive com as exceções. Além das mudanças linguísticas já referidas, é preciso considerar, também, o fato de que nem todos os vocábulos que compõem o léxico das línguas românicas provêm das transformações do latim vulgar: há itens lexicais que entraram mais recentemente no vocabulário das línguas por via erudita (como empréstimo direto do latim clássico) ou por empréstimos de outras línguas (românicas ou não). Para identificar os possíveis casos de mudança linguística, entre os dados do espanhol, do galego e do italiano, por exemplo, seria interessante promover, para as demais línguas românicas, o mesmo tipo de pesquisa (análise de rimas antigas) desenvolvida neste estudo dedicado às vogais do português.

Por fim, é prudente salientar que as hipóteses apresentadas neste artigo são baseadas na análise de material escrito, que sofreu, ao longo do tempo, interferências de variada natureza, envolvendo, por exemplo, a transcrição e a edição dos poemas estudados. Nesta primeira fase da pesquisa, os dados foram analisados com base apenas na Linguística Diacrônica e Histórica, mas será importante, em trabalhos futuros, também levar em consideração, na análise dos corpora , o olhar de disciplinas como a Tradição Discursiva, a Filologia/Crítica Textual e a Etimologia, que lidam com os pormenores relacionados à transcrição e à edição de textos datados de tempos tão longínquos.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) pelo apoio financeiro concedido à pesquisa de Pós-Doutorado que deu origem a este artigo (Processo 2014/14516-1) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Processo 302648/2019-4).

REFERÊNCIAS

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  • XAVIER, M. F.; MATEUS, M. H. M. (org.). Dicionário de termos linguísticos . Lisboa: Cosmos, 1990. v. 1.
  • 1
    O galego-português ou português trovadoresco corresponde à primeira fase do período tradicionalmente conhecido como arcaico, compreendida entre o final do século XII e meados do século XIV ( MICHAELIS DE VASCONCELOS, 1946MICHAËLIS DE VASCONCELOS, C. Lições de Filologia Portuguesa . Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1946. ). O português médio corresponde à segunda fase do período arcaico, caracterizada, segundo Michaelis de Vasconcelos (1946)MICHAËLIS DE VASCONCELOS, C. Lições de Filologia Portuguesa . Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1946. , pela separação entre o galego e o português: de 1350 ao início do século XVI. Já o português moderno corresponde ao último período postulado pelos estudiosos da língua e teve início, segundo a proposta de Vasconcellos (1959)VASCONCELLOS, J. L. de. Lições de Filologia Portuguesa . 3. ed. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1959. , em meados do século XVI.
  • 2
    Segundo Goldstein (1985)GOLDSTEIN, N. Versos, sons, ritmos . São Paulo: Ática, 1985. , nas rimas soantes, a partir da vogal tônica, todas as vogais e consoantes apresentam a mesma qualidade, ao passo que, nas rimas toantes, apenas as vogais tônicas são semelhantes (ex.: p i nno/am i go e r a mo/am a do , nas cantigas de amigo ). O trabalho de Fonte (2010a, 2010b) mostra que, nas CSM, não há rimas toantes.
  • 3
    Todas as informações sobre a origem histórica das palavras, neste texto, estão baseadas nos dicionários de Corominas (1961)COROMINAS, J. Breve diccionario etimológico de la lengua castellana . Madrid: Gredos, 1961. , Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. e Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. .
  • 4
    Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , ao assumir essa posição, vai de encontro a estudos anteriores que, baseados em uma perspectiva atual, classificavam como imperfeitas as rimas dos séculos XV e XVI, entre vogais médias que, no português de hoje, apresentam timbres diferentes. Cunha (1985CUNHA, C. O valor das finais -eu e -eo na língua portuguesa do século XVI. In: CONGRÈS INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE ET DE PHILOLOGIE ROMANES, 17., 1983, Aix-en-Provence, Actes [...], Aix-en-Provence, Marseille, 1985. p. 272-278. v.3. , 1991CUNHA, C. Valor das grafias -eu e -eo na língua portuguesa do século XIII ao século XVI. In: BETHENCOURT, F.; CURTO, D. R. Estudos Portugueses: Homenagem a Luciana Stegagno Picchio. Lisboa, Difel, 1991. p. 913-927. ), por exemplo, defende que, em virtude de uma prática versificatória introduzida por Gil Vicente, em meados do século XV, teria se tornado comum, na poesia portuguesa da época, rima entre vogais médias abertas e fechadas. Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português : uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. 2014. 351f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. , por seu turno, acredita que essa explicação reduz demais as possibilidades de interpretação que os dados desse período proporcionam. Para a autora, é preciso, antes, traduzir as pistas que esse tipo de rima pode estar revelando sobre as vogais médias da época.
  • 5
    Estamos considerando, nesses exemplos, apenas pronúncias referentes ao português do Brasil - variedade culta de São Paulo, precisamente.
  • 6
    Exemplos do galego atual serão exibidos com frequência, ao longo deste artigo, para atestar as pronúncias propostas para o português do passado. As pronúncias (apresentadas neste estudo) referentes aos não-verbos do galego foram retiradas do já referido Dicionario de pronuncia da lingua galega . Já as pronúncias referentes a formas verbais flexionadas foram obtidas por meio da consulta ( online ) ao Dicionario da academia galega e ao Prof. Dr. Xosé Luís Regueira, diretor do Dicionario de pronuncia da lingua galega , que respondeu, muito gentilmente, por e-mail , a todas as nossas dúvidas relacionadas às vogais médias tônicas do galego atual. Dicionário disponível em: http://ilg.usc.es/pronuncia/?q=&l=1 . Acesso em: 9 abr. 2021.
  • 7
    Os estudiosos classificam a metafonia como o processo assimilatório responsável pela mudança de timbre da vogal tônica por influência de uma vogal átona, geralmente final ( XAVIER; MATEUS, 1990)XAVIER, M. F.; MATEUS, M. H. M. (org.). Dicionário de termos linguísticos . Lisboa: Cosmos, 1990. v. 1. . No que tange ao processo de harmonia vocálica, corresponde, segundo Xavier e Mateus (1990, pXAVIER, M. F.; MATEUS, M. H. M. (org.). Dicionário de termos linguísticos . Lisboa: Cosmos, 1990. v. 1. , p. 200), “ao modo como a articulação de uma vogal é influenciada pelas propriedades de outra(s) vogal(ais) na mesma palavra ou no mesmo grupo de palavras”.
  • 8
    Segundo Mateus (1975, 2003)MATEUS, M. H. M. Aspectos da Fonologia do Português . Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1975. , 2003MATEUS, M. H. M. A harmonização vocálica e o abaixamento de vogais nos verbos do português. In: FONSECA, F. I. et al. (ed.). Língua Portuguesa: estruturas, usos e contrastes . Volume comemorativo dos 25 anos do Centro de Linguística da Universidade do Porto. Porto, 2003. p. 289-301. ), na primeira pessoa do singular do presente (indicativo e subjuntivo), ocorre harmonização entre a vogal média tônica e a vogal temática dos verbos, nas três conjugações ( -ar, -er, -ir ). De acordo com a autora, a vogal temática, antes de ser suprimida, deixa o seu traço de altura flutuante, que se liga à vogal subespecificada (o que ocorre antes da colocação do acento). Assim, na primeira conjugação, a vogal média fica aberta ( levo, leve, moro, more ), por influência da vogal temática a ; na segunda conjugação, a vogal média é fechada ( devo, deva, movo, mova ), por influência da vogal temática e ; e na terceira conjugação, a vogal tônica torna-se alta ( firo, fira, durmo, durma ), por influência da vogal temática i . Há, entretanto, algumas exceções a essa regra: chego, quero, peço e impeço , por exemplo. No que diz respeito ao abaixamento da vogal média, nas segunda e terceira pessoas do singular, e na terceira pessoa do plural, também no presente do indicativo e subjuntivo, Mateus (1975, 2003)MATEUS, M. H. M. Aspectos da Fonologia do Português . Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1975. , 2003MATEUS, M. H. M. A harmonização vocálica e o abaixamento de vogais nos verbos do português. In: FONSECA, F. I. et al. (ed.). Língua Portuguesa: estruturas, usos e contrastes . Volume comemorativo dos 25 anos do Centro de Linguística da Universidade do Porto. Porto, 2003. p. 289-301. ) explica que, nos casos em que a vogal temática não é suprimida, após a colocação do acento, a vogal média recebe o traço [+baixo] (ex.: levas, moras, deves, moves, feres, dormes ). Cabe observar que tal regra só se aplica a vogais que não apresentem o traço [+alto] ( i, u ). Há, contudo, exceções envolvendo a vogal posterior: fugir e subir , por exemplo. Para conhecer outras propostas de análise fonológica à alternância vocálica envolvendo determinadas formas verbais do português, veja-se o trabalho de Battisti e Vieira (2005)BATTISTI, E.; VIEIRA, M. J. B. O sistema vocálico do português. In: BISOL, L. Introdução a Estudos de Fonologia do Português Brasileiro . Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 171-206. .
  • 9
    Cumpre referir que Williams (1975WILLIAMS, E. B. Do Latim ao Português: fonologia e morfologia histórica da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. Original de 1938. [1938]) também defende uma pronúncia diferente da atual para algumas formas verbais do português antigo. Para o autor, as vogais médias tônicas provenientes de ĕ e ŏ latinos eram abertas, na 2ª conjugação (ex.: * v[ε]rto, * v[ɔ]lvo ), e fechadas, na 3ª conjugação (ex.: * s[e]rvo, * d[o]rmo ), por influência da semivogal i do latim ( sĕrvĭo, dŏrmĭo ).
  • 10
    A primeira edição do cancioneiro A Fênix Renascida , também organizada por Matias Pereira da Silva (o mesmo responsável pela reedição de 1746), foi publicada, em cinco volumes, entre os anos de 1715 e 1728. Neste estudo, optamos por trabalhar com a reedição de 1746 por se tratar de uma versão ampliada da primeira, disponível para consulta na internet.
  • 11
    Para facilitar a interpretação dos dados, estão destacados em azul todos os vocábulos que são pronunciados, no português atual, com vogal média aberta, na sílaba tônica.
  • 12
    Cabe lembrar que o substantivo mercê (lat. mercedem ) era grafado com vogal dupla ( mercee ), nas CSM, e rimava com as formas verbais cree (lat. crede ) e vee (lat. vede ), igualmente grafadas com vogal dupla. Esses vocábulos, por outro lado, não rimam, nas cantigas afonsinas, com o substantivo (lat. fidem ), grafado, já no século XIII, com vogal simples. Tais dados levam-nos a considerar a hipótese de a crase (posterior) dessas vogais (iguais), tanto em mercê , quanto em crê e , ter resultado, a princípio, em um timbre aberto (* merc[ ε ] , * cr[ ε ] , * v[ ε ] ), que se teria fechado, ao longo da história da língua.
  • 13
    Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. e Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. também discordam a respeito da quantidade da vogal do étimo que deu origem ao verbo perder: pĕrdere para o primeiro, mas pērdere para o segundo. Se fosse considerada a proposta de Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. , a rima * v[e]rde/*p[e]rde poderia ser justificada a partir da etimologia da forma verbal.
  • 14
    Essas etimologias, propostas por Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. , divergem das etimologias apontadas por Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. , nos seguintes casos: belo, pele, festa e morto . Enquanto, para Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. , a vogal média tônica desses substantivos provém de uma vogal média longa do latim, para Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. , no latim clássico, a vogal média tônica de todos esses nomes era breve: bĕllum, pĕllem, fĕstam e mŏrtuum . Se, por um lado, as propostas de Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa . 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. têm respaldo na manifestação atual dessas vogais, na maior parte das línguas românicas, por outro lado, as rimas do português do passado sustentam as propostas de Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. . Uma boa maneira para resolver esse impasse, já que os dicionários etimológicos costumam fundar suas hipóteses, acerca da quantidade da vogal latina, nos resultados gerados nas diferentes línguas românicas, seria investigar, a partir de um trabalho como este (que analisa as rimas do passado), por exemplo, se o timbre atual das demais línguas românicas (ou se o ditongo, no caso do espanhol), para esses dados específicos, não é resultado de mudanças linguísticas, ao longo da história.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    6 Maio 2019
  • Aceito
    22 Dez 2019
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