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SINGULARIDADES NA SINTAXE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO ESCRITO NA REGIÃO NORDESTE NOS SÉCULOS XIX E XX

RESUMO

No campo disciplinar da sintaxe diacrônica, apresento neste artigo um mapeamento diatópico-diacrônico de resultados de diferentes estudos de três fenômenos morfossintáticos do português escrito no Brasil dos séculos XIX e XX: a implementação do pronome você na função de sujeito; a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular; e a sintaxe de colocação e posição dos pronomes pessoais clíticos em sentenças finitas simples e em predicados complexos. Esse mapeamento diatópico-diacrônico me permite trazer à tona argumentos a favor da hipótese de que, no vasto território brasileiro oitocentista e novecentista, as formas inovadoras da gramática do Português Brasileiro são implementadas com mais expressividade, já na escrita do final do século XIX, primeiro na região Nordeste quando comparada às regiões Sudeste e Sul. Na escrita do século XIX, no Nordeste brasileiro, há reflexos de um sistema já implementado (1) com o pronome você na função de sujeito, (2) com o pronome lhe como forma de complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular, com um aumento expressivo das formas preposicionadas ( a/para + te/tu/você ), e (3) com um sistema de clíticos com poucos casos de interpolação e contração de pronomes e formas inovadoras sem alçamento em complexos verbais e com próclise em posição inicial do período.

sintaxe diacrônica; pronome você; dativos de segunda pessoa; clíticos; nordeste

ABSTRACT

In the field of diachronic syntax, I present a diatopic-diachronic overview of three different studies regarding morphosyntactic phenomena from Portuguese written in Brazil in the 19thand 20thcenturies: the use of the subject pronoun você (you); the expression of the dative complement with reference to the second person singular; and the clitic syntax in relation to agreement and position in simple and complex predicate sentences. This diatopic-diachronic overview supports the hypothesis that, in the vast Brazilian territory of the 19thand 20thcentury, the innovative forms of the Brazilian Portuguese grammar are implemented expressively in the end of the 19th century. The Northeast region stands out first in comparison to the Southeast and South regions. Writings from the 19thcentury, from Northeastern Brazil, present reflections of a system that was already implemented (1) with the pronoun você in the function of subject, (2) with the pronoun lhe as a form of dative complement with reference to the second person singular, with an expressive increase of the prepositioned forms ( a/para + te/tu/você ), and (3) with a system of clitics with few cases of interpolation and contraction of pronouns and innovative forms without elevation in verbal complexes and with proclisis in the initial position most common in the sentence.

diachronic syntax; pronoun você; second person datives; clitics; northeast region of Brazil

Introdução 1 1 Neste artigo, apresento parte de resultados do projeto de pesquisa “Position of the subject and proclisis in neutral contexts [XP]V in 19th century Brazilian writing: Reflexes of a parametric change in BP”, financiado por uma bolsa de estudos do Instituto Humboldt/CAPES (Processo número 88881.145464/2017-01) durante o período em que fui professor visitante na Universidade de Colônia/Alemanha. Este projeto está integrado ao projeto “A posição do sujeito pré-verbal e das estruturas [XP-clitic-Verb] na escrita brasileira do século XIX”, financiado pelo CNPq com a bolsa de estudos de produtividade PQ-2 (processo 310094/2017-8). Agradeço as sugestões dos pareceristas anônimos da Revista, estando os erros remanescentes sob minha inteira responsabilidade.

O objetivo primeiro deste artigo é apresentar um mapeamento diatópico-diacrônico de diferentes fenômenos morfossintáticos do português no curso dos séculos XIX e XX, buscando trazer à tona argumentos para a hipótese de que, no vasto território do Brasil desse período, a gramática inovadora do Português Brasileiro (PB) deixa “correr sua tinta” (para retomar TARALLO, 1993TARALLO, F. Diagnosticando uma gramática brasileira: o português d’aquém-mar e d’além-mar ao final do século XIX. In: ROBERTS, I; KATO, M. (org.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. ) no curso dos séculos com mais expressividade na região Nordeste quando comparada às demais regiões. Em outras palavras, buscarei defender a hipótese de que diferenças diatópicas relevantes, com a implementação de formas inovadoras do PB, estão refletidas em textos escritos na região Nordeste em relação, principalmente, às regiões Sudeste e Sul do Brasil.

Apresento e sistematizo resultados de diferentes estudos acerca de três fenômenos morfossintáticos:

  1. a implementação do pronome você na função de sujeito;

  2. o complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular, e;

  3. a sintaxe de colocação e posição dos pronomes pessoais clíticos.

Os dados retomados neste artigo foram extraídos sobretudo de estudos com base nos corpora do Projeto para a História do Português Brasileiro (PHPB) e as análises foram realizadas a partir de pressupostos teóricos-metodológicos variacionistas da Sociolinguística Histórica2 2 Apresento nas seções que seguem mais informações sobre o PHPB no contexto brasileiro, assim como dos pressupostos teórico-metodológicos das análises das quais foram retomados os resultados aqui sistematizados. . O mapeamento aqui apresentado mostra uma maior recorrência de formas inovadoras que estão na origem do PB na escrita na região Nordeste do Brasil e um conservadorismo nas regiões Sudeste e Sul.

O artigo está dividido em três seções: apresento um breve panorama de corpora Históricos do português brasileiro, elaborados (e em elaboração) no Brasil, sobretudo na região Nordeste, no âmbito do Projeto PHPB; retomo resultados de estudos sobre os três fenômenos sintáticos em tela; procuro sumarizar os principais resultados que mostram as singularidades do PB na escrita da região Nordeste, buscando contribuir para “atar as pontas” dessa complexa tessitura que envolve o estudo para uma história do português escrito em terras d’aquém mar.

Breves notícias sobre corpora históricos do Português Brasileiro (com foco na região Nordeste)

Muitos dos resultados de estudos que sistematizo neste artigo têm por base análises de documentos históricos organizados no âmbito do projeto Para a História do Português Brasileiro (PHPB) de estados das cinco regiões do Brasil. Este importante projeto criado em 1997 e coordenado dessa data até 2019 pelo professor Ataliba de Castilho agrega mais de 200 pesquisadores de diferentes IES. O projeto tem colocado em pauta uma agenda para a pesquisa em linguística histórica no cenário brasileiro, voltado para a evolução gramatical e história social do PB, agregando-se ao trabalho pioneiro desenvolvido na Universidade Federal da Bahia, por Rosa Virgínia Mattos e Silva, e na UNICAMP, por Mary Kato. Duas das mais importantes contribuições do projeto foram a organização dos corpora de textos impressos e manuscritos escritos no Brasil dos séculos XIX e XX que estão publicados e disponíveis com livre acesso3 3 Disponível em: https://sites.google.com/site/corporaphpb/ . e a organização e publicação, sob a coordenação geral do professor Ataliba de Castilho, de doze (12) volumes da coleção História do Português Brasileiro ( CASTILHO, 2018CASTILHO, A. T. A linguística brasileira e o desenvolvimento de projetos coletivos. Blog da Editora Contexto . 2018. Disponível em: https://www.editoracontexto.com.br/blog/a-linguistica-brasileira-e-o-desenvolvimento-de-projetos-coletivos-ataliba-t-de-castilho/. Acesso em: 14 mar. 2019.
https://www.editoracontexto.com.br/blog/...
).

Os corpora de documentos históricos no âmbito do PHPB estão disponíveis no site do projeto e organizados em:

  1. corpora impressos, com textos de jornais (cartas de leitores, cartas de redatores e anúncios);

  2. corpora manuscrito, com cartas pessoais e cartas oficiais e

  3. corpora diferencial , com textos diversos (como peças de teatro, testamentos entre outros) que levam em conta as especificidades dos diferentes estados brasileiros.

Na região Nordeste, o projeto nacional se organiza em equipes regionais de diferentes IES nos estados da Bahia, de Alagoas, de Sergipe, de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará.

No estado da Bahia, mais especificamente, é importante destacar, ainda, a significativa contribuição do Programa para a História da Língua Portuguesa (PROHPOR)4 4 Disponível em: http://www.prohpor.org/ . , que foi fundado em 1990 e permaneceu por muitos anos sob a coordenação da professora Rosa Virgínia Mattos e Silva, na Universidade Federal da Bahia. O PROHPOR, atualmente sob a coordenação de Tânia Lobo, foi pioneiro nos estudos sobre documentação histórica para o estudo do português no Brasil e tem reunido importantes documentos, que estão disponíveis no site do projeto, assim como tem publicado regularmente obras de referência com análises desses textos. Além do PROHPOR, um importante projeto de documentação de textos históricos do português brasileiro é o Corpus Eletrônico de Documentos Históricos do Sertão (DEDOHS)5 5 Disponível em: http://www5.uefs.br/cedohs/ . , coordenado por Zenaide Carneiro e Mariana Oliveira.

Singularidades na sintaxe do português escrito no Nordeste brasileiro no curso dos séculos XIX e XX

Apresento nesta seção resultados de estudos de três fenômenos morfossintáticos que mostram singularidades do português escrito na região Nordeste no curso dos séculos XIX e XX em comparação com as regiões Sudeste e Sul no Brasil:

  1. a implementação do pronome você na função de sujeito;

  2. a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular, e

  3. a sintaxe de colocação e posição dos pronomes pessoais clíticos.

A implementação do pronome você na função de sujeito

Nesta seção, sistematizo resultados de estudos sobre a implementação do pronome você no português escrito no Brasil dos séculos XIX e XX tendo em vista análise de cartas pessoais escritas em diferentes regiões. Meu objetivo primeiro é mostrar evidências empíricas de que a implementação do pronome você segue diferentes rotas na diacronia quando observadas as regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil, o que corrobora a hipótese que defendo neste artigo de que formas inovadoras do PB se implementaram primeiro na região Nordeste e vão “descendo” o mapa, do Nordeste ao Sudeste e Sul, o território brasileiro no curso dos séculos XIX e XX.

Martins et al. (2015) apresentam uma análise da alternância você e tu seguindo os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística variacionista ( LABOV, 1972LABOV, W. Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972. , 1994LABOV, W. Principles of Linguistic Change: internal factors. Oxford: Blackwell, 1994. ), com base nos fatores pragmáticos e nos papéis sociais dos interlocutores ( CONDE SILVESTRE, 2007CONDE SILVESTRE, J. C. Sociolinguística histórica . Madrid: Gredos, 2007. )6 6 A análise dos autores é retomada em Lopes et al. (2018). . Os autores investigam a implementação do pronome você na função de sujeito em 813 cartas pessoais escritas por brasileiros nascidos no curso dos séculos XIX e XX de três Estados da região Nordeste: Rio Grande do Norte (RN), Pernambuco (PE) e Bahia (BA)7 7 Na amostra da Bahia (BA), foram analisadas 383 cartas pessoais, relativas ao período de 1810 a 1990, do acervo do Corpus Eletrônico de Documentos Históricos do Sertão (CE-DOHS) e identificados 838 dados de formas de tratamento de referência à segunda pessoa na posição de sujeito, entre sujeitos preenchidos e nulos (Vossa Excelência, Vossa senhoria, o senhor, Vossa mercê e tu); na amostra de Pernambuco (PE), foram analisadas 126 cartas pessoais datadas de 1869 a 1969 e identificados 354 dados de formas tratamentais ( você, tu, Vossa Mercê, o/a senhor/a); na amostra do Rio Grande do Norte (RN), foram analisadas 304 cartas e levantados 892 dados de formas tratamentais ( você , tu, o/a senhor/a). As cartas de PE e do RN estão em sua maioria disponíveis no site dos corpora do Projeto para a História do Português Brasileiro. . A análise contempla a intrínseca relação entre as motivações sócio-pragmáticas e as relações interpessoais entre os escreventes no uso das formas tratamentais, mapeadas a partir das relações sociais classificadas de acordo com a dicotomia entre Poder e Solidariedade ( BROWN; GILMAN, 1960BROWN, R.; GILMAN, A. The pronouns of power and solidarity. In: SEBEOK, T. A. (ed.). Style in Language . Massachusetts: MIT Press, 1960. p. 253-276. ).

Retomarei aqui apenas os resultados gerais em percentuais de frequência referentes à implementação de você , sobretudo em oposição ao pronome tu , nessas cartas. Os autores mostram que, nas 813 cartas investigadas nesses três Estados da região Nordeste, o uso de você como forma de tratamento em contextos sócio-discursivos, mesmo em relações simétricas em covariação com o pronome tu , é já bastante alto em cartas pessoais da primeira década do século XX, ou mesmo antes, no final do século XIX, quando comparado ao uso do pronome tu , como é o caso das cartas da Bahia. Dos diferentes subsistemas de tratamento na escrita brasileira dos séculos XIX e XX – (i) de você exclusivo, (ii) de tu exclusivo e (iii) de alternância você ~ tu – propostos por Lopes e Cavalcante (2011)LOPES, C.; CAVALCANTE, S. R. de O. A cronologia do voceamento no português brasileiro: expansão de você sujeito e retenção do clítico te. Linguística , Madrid, v. 25, 2011. , a análise de Martins et al. (2015) apresenta evidências empíricas robustas de que, em cartas da BA, de PE e do RN, dos séculos XIX e XX, o subsistema de tratamento que vigorou, em quase todas as décadas do recorte temporal investigado, foi o de você exclusivo na posição de sujeito, como um sistema já bastante consolidado na primeira década do século XX, de 1900 a 1910, conforme exemplifica o excerto em (1)8 8 Os dados citados neste artigo foram extraídos de diferentes trabalhos aqui retomados. Os códigos que precedem os dados codificam as seguintes informações: Século - 19.1, 19.2, 20.1 e 20.2 Gênero textual - LR: cartas de leitores; LJ: cartas de jornalistas; A: anúncio; TP: peça teatral Estado Brasileiro - SC: Santa Catarina; RJ: Rio de Janeiro; BA: Bahia; PE: Pernambuco; RN: Rio Grande do Norte; CE: Ceará. e ilustra a Figura 1 , a seguir.

Figura 1
– Implementação do pronome você na posição de sujeito em cartas pessoais da região Nordeste: Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia (1860-1999)

(1) [20,1 CP PE] [...] Eu queria que VOCÊ fosse lá na 4ª feira (amanhã é feriado) e CONVERSASSE em meu nome com o chefe da casa a respeito do assumpto. Caso elles possam enviar o radio, VOCÊ peça para [inint.] no trem de 5ª feira pois eu tenho desejo de revever [inint.] com ingenho, depois de experimentar outros apparelhos – Outro pedio: VOCÊ procure tambem o Edvaldo Guimarães (o do seu Joaquim) e indique aelle dos rádios <ꜛPhilco> que [fol. 1v.] possuo, bons , e de preço equivalente ao 141 Victor, K. 80 G.E. etc. si puder, PEÇA para avaliar. [...] (de Mário Sette para o filho, 29 de outubro de 1937, Pernambuco/Acervo Mário Sette).

Em cartas baianas, como mostra a figura 1 , o pronome você aparece já como uma forma consolidada no sistema de tratamento na segunda metade do século XIX (entre 1860 e 1899) com percentuais de/ou muito próximos a 100%, em oposição ao pronome tu 10 10 Uma segunda forma muito recorrente nas cartas baianas do século XIX foi o pronome Vossa Excelência . Citando Martins et al. (2015, p. 30): “ Vossa Excelência aparece nas cartas com 40% de frequência na primeira metade do século XIX (1810-59), atingindo 82% na segunda metade daquele século”. . Um outro aspecto do estudo dos autores, não refletido nos gráficos da figura 1 , é que, em oposição às demais formas de tratamento ( Vossa Excelência, Vossa senhoria, o senhor, Vossa mercê e tu) , há uma baixa frequência do pronome você no final do século XIX. No entanto, em oposição ao pronome tu , como mostra o gráfico na figura 1 a frequência de uso da forma você sobe para 100% logo no início do século XX (entre 1900 e 1929) e se mantém elevada em todo período. Embora, no período de 1940-1969, os índices sofram uma queda em oposição ao uso de todas as formas, o pronome você atinge a média dos 100% na última fase do século XX (de 1960 a 1999). Sobre os pronomes tu , segundo os autores, foram identificados apenas 6 dados no total, categoricamente como sujeito nulo, que ocorreram, como era esperado, quando havia maior intimidade e solidariedade entre os interactantes, em certos tipos de relação pessoal, como é o caso das relações entre amigos, cf. exemplo em (2), e entre casais – em ocasiões mais informais – , cf. (3):

(2) [19,2 CP BA] Vê se Ø COMBINAS com o Pedreira e Sinim-|bu alguma cousa a meu respeito. (de F. M. Alvares d’Araujo para Martim Francisco, 19 de setembro de 1878, Bahia/Cartas para Vários Destinatários)

(3) [20,2 CP BA] Bem Ø SABIS | que é a maior reprisentante de minha | vida? (de Arnaldo para a esposa Maria, 1 de setembro de 1971, Bahia/Acervo Cartas da Família Oliveira)

Comportamento similar é encontrado em cartas pernambucanas. Há um “forte predomínio” do uso do pronome você em finais do século XIX, 80% em 1880-1889, com a consolidação em cartas do século XX (100% nas últimas décadas analisadas). Foram encontrados 64 usos do pronome tu na amostra (do total de 354 dados analisados com todos os pronomes), distribuídos ao longo do período analisado, e esses dados estão sempre associados a motivações sócio-pragmáticas, ocorrendo eventualmente nas relações assimétricas descendentes (entre pais e filhos) e em relações simétricas em contextos mais íntimos entre amigos e entre casais, como em temática amorosas, conforme dado a seguir:

(4) [20,1 CP PE] Não TENHAS medo, minha febre não é paludismo, é loucura por ti. Vem ver-me e olhar muito para mim. Não te ESQUEÇAS de que é com as linhas de teus braços e com a cor de teus olhos que minha alma vai todos os dias desenhando o seu ideal. (Arthur Orlando”- cartas amorosas foram enviadas por Arthur Orlando à esposa Maria Fragoso Orlando da Silva).

Em cartas norte-rio-grandenses, o mesmo cenário é encontrado: você é a forma pronominal categórica já em cartas da primeira década do século XX (92%) e os usos do pronome tu são motivados por relações amorosas e fraternais – cartas de namorado(a)/noivo(a) para namorada/noiva; e de marido para mulher ou e de mulher para marido – como ilustra o dado em (5)11 11 Na amostra do RN, há cartas do período de 1940 a 1959 com altos índices de tu (62% e 100%), mas são todos dados em cartas de amor trocadas entre o casal Lourival e Ruzinete. Por entendermos aqui que são usos motivados por relações interpessoais e por contexto amoroso das cartas, esses dados foram excluídos do gráfico na Figura 1 . Para mais detalhes a respeito ver Moura (2013) , Martins et al. (2015) e Lopes et al. (2018). :

(5) [20,1 CP RN] Deixe-me andar assim no teu caminho, por toda a vida amor, de vagarinho até a morte me levar consigo... TU ÉS a vida da minha própria vida por isso e que te amo amo 365X365, que Deus te conserve bonita e bela para mim. (de Walter Oliveira para Lucinha, 31 de setembro de 1949, Rio Grande do Norte/Acervo).

Em suma, esse quadro brevemente retomado aqui mostra que, na implementação do pronome você na região Nordeste, o subsistema de tratamento que vigorou desde a primeira década do século XX, e mesmo em finais do século XIX, foi o de você (quase exclusivo) já bastante consolidado como forma de tratamento. Como estudos têm evidenciado (LOPES; RUMEU, 2013; LOPES et al. 2018), esse não é o quadro encontrado nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Lopes et al. (2018), retomando resultados publicados por diferentes pesquisadores ( LOPES; RUMEU, 2015LOPES, C. R. dos S.; RUMEU, M. C. de B. A difusão do você pelas estruturas sociais carioca e mineira dos séculos XIX e XX. LaborHistórico , Rio de Janeiro. v. 1, p. 12-25, 2015. ; entre outros), num trabalho articulado sob a coordenação de Célia Lopes da UFRJ e publicado num volume do História do Português Brasileiro (LOPES et al., 2018), consolidam resultados de anos de estudos realizados sobre formas tratamentais na região Sudeste, no estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais e investigam 522 cartas pessoais dos séculos XIX e XX12 12 Na amostra do Rio de Janeiro (RJ), foram analisadas 366 cartas pessoais escritas entre 1870 e 1979 e identificados 1.525 dados de você e tu; na mostra de Minas Gerais (MG), foram observadas 89 cartas mineiras escritas entre 1850 e 1989 e 266 dados de você , tu e Vossa Mercê; na amostra de São Paulo (SP), foram analisadas 67 cartas escritas entre 1870 e 1930 e identificados 148 dados de você, tu, o/a senhor/a, vossa senhoria e vossa excelência em posição de sujeito. . A implementação do pronome você em cartas pessoais nesses estados pode ser observada nos na Figura 2 a seguir:

Figura 2
– Implementação do pronome você na posição de sujeito em cartas pessoais da região Sudeste: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais (1860-1999)

No Rio de Janeiro o pronome você não foi produtivo até o início do século XX (com percentuais de 31% em 1870-1879, 17% em 1880-1889 e 16% em 1890-1899) quando se equipara ao uso do pronome tu . É a década de 1930 um marco com um aumento expressivo no uso de você, de 41% em cartas de 1930-1939 para uma média de 98% em 1940-1949, atingindo 100% nos demais períodos da segunda metade do século XX. Lopes et al. (2018) interpretam esses resultados a partir da hipótese de Souza (2012)SOUZA, J. P. F.Mapeando a entrada do você no quadro pronominal: análise de cartas familiares dos séculos XIX-XX. 2012. 148f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. considerando três estágios na implementação de você tendo em vista a análise de cartas escritas no RJ: “I. de 1870 a 1899: tu era mais frequente que você ; II. de 1900 a 1939: tu e você apresentando frequências próximas; e III. de 1940 a 1979: predomínio de você sobre tu .” (LOPES et al., 2018, p. 50). Ainda nas palavras dos autores:

O pronome você era menos produtivo que a forma tu em 1870, mantendo-se assim até a virada do século XIX para o XX. A distribuição das duas formas se alternou a partir de então, com índices de frequência bastante equilibrados até 1930-1939. De 1940 em diante, houve outra mudança com a inversão do comportamento de tu e você em relação à fase inicial. O uso de você tornou-se majoritário com o declínio do pronome tu nas cartas em análise. (LOPES et al., 2018, p. 50).

De fato, há nos resultados das cartas cariocas uma clara curva ascendente de mudança com a substituição de tu por você e a década de 1930 parece ser o marco dessa alteração.

Em Minas Gerais, há uma “alta produtividade de você , com 84% (189 dados), em oposição às baixíssimas frequências de uso de tu , em 12% (28 dados) e do Vossa Mercê , em 04% (9 dados)” (LOPES et al. , 2018, p. 50). Como podemos observar na Figura 2 , há uma concentração do uso do pronome tu em cartas da década de 1930, que, nas palavras dos autores, é motivado por “relações familiares de superior para inferior das cartas mineiras novecentistas: de pais para filhos e entre irmãs.” (LOPES et al ., 2018, p. 76). Nessa direção, o sistema com você exclusivo parece ter vigorado desde a primeira década do século XX em Minas Gerais, ou pelo menos esse cenário é evidenciado nas cartas analisadas.

Esse mesmo quadro pode ser encontrado em São Paulo no período de 1870 a 1930: a análise “aponta para a tendência de que o pronome você apresenta um uso majoritário ao longo do tempo, compreendido como uma estratégia neutra que perpassa a maioria das relações sociais” (LOPES et al., 2018, p. 90). No equilíbrio entre o uso dos pronomes você e tu , dos dados analisados para SP, os poucos são de tu em geral, o uso desinencial “ocorre em contextos em que há a intenção de estabelecer intimidade e afeto”. Em MG e em SP, portanto, o quadro se diferencia, em parte, daquele encontrado para o RJ, em que a frequência de uso do pronome você aumenta significativamente na década de 1930.

Se a escrita no Sudeste, e mais particularmente do RJ, mostra particularidades na implementação do você em relação ao Nordeste, esse quadro é ainda mais diferenciado na região Sul, considerando pelos menos dados de Santa Catarina. Nunes de Souza e Coelho (2013NUNES DE SOUZA, C.; COELHO, I. L.O sistema de tratamento em Santa Catarina: uma análise de cartas pessoais dos séculos XIX e XX. Revista do GELNE, Natal, v. 15, p. 213-243, 2013. , 2015NUNES DE SOUZA, C.; COELHO, I. L. Caminhos para a investigação da alternância de pronomes de segunda pessoa em Santa Catarina. LaborHistórico , Rio de Janeiro. v. 1, p. 49-61, 2015. ), e esses resultados são retomados em parte também em Lopes et al. (2018), investigam 71 cartas de SC escritas por ilustres e não ilustres de duas cidades catarinenses – Florianópolis e Lages – e delineiam dois quadros contrastantes no que se refere à implementação de você nessas cartas. Nas palavras dos autores,

[...] o primeiro [contraste] entre o uso conservador do pronome tu com sujeito nulo pelos remetentes ilustres florianopolitanos e o uso variável dos pronomes tu nulo e você expresso pelos não ilustres; o segundo contraste foi entre o uso majoritário do pronome tu por não ilustres de Florianópolis e do pronome você por não ilustres de Lages, indicando um caso de variação diatópica. Esses resultados refletem, em certa medida, o caráter heterogêneo do estado de Santa Catarina. (LOPES et al ., 2018, p. 106).

Uma análise particularizada dos dados mostra um quadro em que o pronome você apresenta baixos percentuais de frequência em SC no curso do século XX, ainda que consideradas as diferenças diatópicas relevantes entre as cidades de Florianópolis e de Lages onde a forma você é mais recorrente, de modo que na segunda metade do século XX há ainda altos índices de tu na função de sujeito, mesmo que com realização pronominal.

Da implementação do pronome você numa perspectiva diatópico-diacrônica, portanto, tendo em vistas os resultados empíricos aqui retomados, é possível chegar à conclusão de que parece haver uma diferença significativa entre os estados das três regiões no Brasil dos séculos XIX e XX: você parece se implementar como pronome sujeito na escrita de cartas na região Nordeste, ainda em finais do século XIX, e esse mesmo quadro parecer ser aquele encontrado em cartas de MG e SP, desconsideradas as poucas ocorrências de tu, sempre motivadas por fatores sócio-pragmáticos. Esse quadro se diferencia substancialmente da escrita no RJ em que há uma clara implementação do você a partir da década de 1930, e da escrita em SC que revela baixos percentuais de uso ainda na segunda metade do século XX. É importante dizer aqui que as análises retomadas para os diferentes conjuntos de cartas escritas por brasileiros das três regiões levam em conta (“apenas”) percentuais de frequência, e que a concepção de implementação em seu sentido laboviano deve ser relativizada, pois não são considerados fatores condicionadores no processo de mudança que possam levar a pesos relativos ou demais índices estatístico-probabilísticos relevantes. No entanto, é importante considerar que os percentuais de frequência constituem importante argumento quando considerados dados históricos (ver argumentação em CONDE SILVESTRE, 2007CONDE SILVESTRE, J. C. Sociolinguística histórica . Madrid: Gredos, 2007. , por exemplo) e os índices de você versus tu na função de sujeito aqui sistematizados evidenciam diferenças robustas associadas a fatores diatópicos: a trajetória do você na Região Nordeste mostra claras evidências de que esse pronome estava já implementado no sistema linguístico dessa região em finais do século XIX, e em todo o curso do século XX, e esse não é o quadro evidenciado nas regiões Sudeste e Sul.

Complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular

Nesta seção, sistematizo resultados de estudos sobre a realização do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular em cartas pessoais da região Nordeste em comparação a estados do Sudeste e Sul13 13 Há muitas e diferentes propostas para tratar o amplo fenômeno da “datividade” nas línguas ( COMPANY, 2002 , 2006 ) e as mudanças relevantes na expressão do Dativo/Objeto Indireto no português brasileiro ( TORRES MORAIS; BERLINCK, 2018 ). Seguindo o estudo de Costa da Silva (2017) , consideramos aqui complementos dativos como argumentos internos preposicionados de verbos, que, no PB, se identificam com um complemento oblíquo introduzido pelas preposições lexicais a/para . Nesse sentido, assumimos que a forma lhe assim como as formas preposicionadas a/para você/tu passam a expressar o Objeto Indireto, ou complemento dativo, para se referir à segunda pessoa do singular, pois se identificam pelos mesmos papéis temáticos característicos do Objeto Indireto, em particular em contextos de verbos que expressam transferência e/ou movimento. .

Costa da Silva (2017)COSTA DA SILVA, F. O emprego das formas dativas de segunda pessoa na escrita do Nordeste brasileiro do século XX: uma mudança em curso. 2017. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. investiga 248 cartas pessoais escritas no século XX, entre 1910 a 1999, dos estados do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e da Bahia, da região Nordeste, e analisa 610 ocorrências de complementos dativos, argumentos ou Objeto Iindireto de verbos, com referência à segunda pessoa do singular. No campo variacionista da Sociolinguística Histórica ( CONDE SILVESTRE, 2007CONDE SILVESTRE, J. C. Sociolinguística histórica . Madrid: Gredos, 2007. ), o autor observa a distribuição e evolução das seguintes formas no período:

(a) pronomes átonos te e vos e preposicionado ti (cf. 6),

(6) a. [20,2 CP RN] ainda não tenho uma resposta pra TEdizer . (Walter a Lucinha, S ão Paulo 18.10.91).

b. Com os mais attenciosos cumprimentosVOS apresento o XI volume dos “Archivos do Museu (Alipio de Miranda Ribeiro ao Excelentissimo Sr. Governador do Estado da Bahia, Feira de Santana, 17-12-1901).

c. Este que é capaz de dar a vidaPOR TI caso fosse preciso. (Walter a Lucinha, S ão Paulo, 08-12-1992).

(b) clítico lhe (7) ,

(7) [20,2 CP RN] também não creio estar pedindo - LHE nada demais. (Walter a Lucinha, São Paulo, 22-05-93).

(c) pronome nulo (8),

(8) [20,2 CP RN] Lucinha, peço(ᴓ) que se possível mim ligue domingo. (Walter a Lucinha, São Paulo, 20-11-92).

e (d) pronomes você e tu preposicionado (9).

(9) a. [20,2 CP RN] um homem que continha muito apaixonadoPOR VOCÊ (Walter a Lucinha, São Paulo, 22-05-93).

b. [20,2 CP RN] o passado nêgro não quero ja mais, apeloPARA TU , para o futuro para que o meu sonho sêja realizado. (Lourival a Ruzinete, Mumbaça, 17-02-1946).

A implementação das quatro variantes para a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular nessas cartas pode ser observada na Figura 3 a seguir:

Figura 3
– Implementação das formas dativas de segunda pessoa do singular em cartas pessoais da região Nordeste (1900-1999)

Chamo a atenção para as seguintes constatações obtidas por Costa da Silva, depreendidas a partir da Figura 3 , sobre a implementação das quatro formas variantes para a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa na escrita do Nordeste. Primeiro, as formas pronominais te/ti/vos já não são recorrentes em textos do primeiro período, de 1900 a 1930 (4%), e permanecem muito baixas ao longo do século XX. Há um pequeno aumento no uso dessas formas ao longo das décadas seguintes, mas, como aponta o autor, esse aumento no emprego das formas te/vos ocorre nas cartas de 1931 a 1970, da escrevente Ruzinete, que faz uso categórico de um sistema de tu e escreve todas as correspondências em análise para o seu namorado/noivo/marido no período de 1946 a 1972. De acordo com Costa da Silva (2017)COSTA DA SILVA, F. O emprego das formas dativas de segunda pessoa na escrita do Nordeste brasileiro do século XX: uma mudança em curso. 2017. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. , essa não é a tendência geral nas cartas analisadas, nas quais o uso das formas te/ti/vos é muito baixo. Em segundo lugar, há uma queda bastante acentuada na frequência de uso do pronome lhe de 1900-1930 (81%), para as demais décadas, em cartas de 1931-1970 (33%) e em cartas de 1971-1999 (27%). Sobre essa queda, é importante registrar que o uso da forma inovadora lhe já parece se mostrar muito frequente em textos do início do século XX e cai significativamente a partir das cartas do segundo período. Em terceiro lugar, há um aumento no uso de formas nulas: de 13% em textos de 1900-1930, sobe para 31% em textos de 1931-1970 e para 23% em textos de 1970-1999. Por último, há um expressivo aumento no uso da variante inovadora com formas preposicionadas ( preposição a/você + você/tu ) no curso do século XX, de 4% em cartas do primeiro período para 11% e 34% em cartas dos períodos subsequentes.

Desse quadro delineado a partir do estudo de Costa da Silva (2017)COSTA DA SILVA, F. O emprego das formas dativas de segunda pessoa na escrita do Nordeste brasileiro do século XX: uma mudança em curso. 2017. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. , podemos interpretar que a mudança associada ao uso da forma inovadora lhe para a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular já estava por completo implementada no sistema de dativos para expressão de OI no início do século XX na escrita do Nordeste e vai “perdendo terreno” no curso do tempo, primeiro para as formas nulas, que começam a aparecer timidamente em cartas do início do século XX, e depois para as formas mais inovadoras preposicionadas cuja frequência de uso aumenta expressivamente de 4% para 34%. Em outras palavras, a forma inovadora lhe associada ao pronome você já estava implementada no sistema do início do século XX e as formas nulas e as preposicionadas aumentam significativamente no curso dos três períodos analisados na amostra.

Retomo no que segue os resultados de Oliveira (2015)OLIVEIRA, T. L. de. Os pronomes dativos de 2ª pessoa na escrita epistolar carioca. LaborHistórico , Rio de Janeiro, v. 1, p. 81-98, 2015. que investiga 318 cartas escritas entre o período de 1880 a 1980 do Rio de Janeiro. O quadro que o autor encontra na análise de 811 ocorrências das quatro variantes do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular está descrito na Figura 4 que segue.14 14 Com o objetivo de comparar os resultados obtidos por Oliveira (2015) do Rio de Janeiro, na região Sudeste, com os de Costa da Silva (2017) para o Nordeste, apresento aqui apenas os resultados referentes às variantes lhe, te, preposição (a/para) + você e nulo . Esses são em ambos os estudos as formas mais recorrentes.

Figura 4
– Implementação das formas dativas de segunda pessoa do singular em cartas pessoais do Rio de Janeiro (1900-1999)

Quero chamar a atenção para o fato de que, em linhas gerais, as tendências de mudança das quatro variantes atestadas em cartas da região Nordeste se mantêm nas cartas cariocas, no entanto há algumas especificidades em relação à temporalidade em que podem ser observadas as mudanças. Primeiro, há uma expressiva queda na frequência de uso da forma pronominal te (69,6% > 59,8% > 68,3 > 30%), em parte, semelhante ao movimento nas cartas da região Nordeste. Essa forma, no entanto, era ainda muito utilizada no curso do final do século XIX (1880-1905) e na primeira metade do século XX (1906-1930) nas cartas cariocas, diferente do quadro apresentado para escrita no Nordeste. Em segundo lugar, há um tímido aumento na frequência de uso do pronome lhe do primeiro (10%) para o último período (24,5%) nas cartas cariocas. A frequência de uso da forma lhe nessas cartas se contrasta àquela encontrada em cartas do Nordeste, pois, no RJ, o lhe parece se implementar no curso do século XX, com um significativo aumento em cartas da década de 1931. Em terceiro lugar, há um leve aumento na frequência de uso das formas nulas, de 14,5% em 1880-1905 para 30% em 1956-1989 e esse aumento também parece ser sensível à escrita a partir da década de 1930. Por último, uma quarta observação diz respeito ao tímido incremento na frequência de uso da forma preposicionada ( preposição + você ) inovadora da gramática do PB (e é importante destacar aqui que Oliveira (2015)OLIVEIRA, T. L. de. Os pronomes dativos de 2ª pessoa na escrita epistolar carioca. LaborHistórico , Rio de Janeiro, v. 1, p. 81-98, 2015. não encontra nenhuma ocorrência de preposição + tu ), de 1,4% na última década do século XIX para 13% na segunda metade do século XX. Chamo a atenção para o fato de que a tendência na frequência de uso da forma nula acompanha aquela do pronome lhe nas cartas cariocas e que esse quadro é diferente daquele encontrado nas cartas do Nordeste em que as formas preposicionadas ( preposição + você/tu ) desenham uma curva nítida de mudança que parece se implementar no sistema do século XX.

Esse quadro é ainda mais diferente em cartas da região Sul. Nunes de Souza (2015)NUNES DE SOUZA, C. M. N. A alternância entre Tu e Você na correspondência de florianopolitanos ilustres no decorrer de um século. 2015. 181f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. investiga três conjuntos de cartas de escreventes de duas cidades do estado de Santa Catarina: uma amostra de 1882 a 1898 com cartas de Cruz e Sousa; uma amostra de 1932 a 1992 com cartas de Maura de Senna; e uma amostra de 1984 a 1992 de Harry Laus. No primeiro conjunto, do total de 79 dados encontrados de complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular, 72 são do pronome te , 3 de a ti e 2 nulos (NUNES DE SOUSA, 2015, p. 134). No segundo conjunto, as 173 ocorrências estão distribuídas em 39 de te , 69 nulos, 1 de a ti , 58 de lhe e 5 da forma preposicionada a você (NUNES DE SOUSA, 2015, p. 143). No terceiro conjunto, as 70 ocorrências de dativos/OI estão distribuídas em 48 de te , 3 de ti , 17 nulos e 2 do pronome lhe (NUNES DE SOUSA, 2015, p. 157). Desses resultados, fica evidente que em cartas do estado de SC na região Sul: primeiro, o uso do pronome te é ainda muito frequente no curso do final do século XIX e no curso e final do século XX, de 1882 a 1992, período correspondente às cartas analisadas por Nunes de Sousa; segundo, a ocorrência do pronome lhe como complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular do singular é muito baixa em toda a amostra, com os poucos dados que em sua maioria estão nas cartas de Maura de Senna; em terceiro lugar, há também poucas ocorrências com a forma nula; e, por último, quase não há formas preposicionadas, sendo que foram encontradas apenas 5 ocorrências de preposição +você nas mesmas cartas de Maura de Senna, que se mostra sempre a escrevente mais inovadora da amostra, segundo a autora.

Resultados muito semelhantes para o RJ e SC podem ser encontrados em Oliveira, Carvalho e Silva (no prelo) que investigam 255 cartas particulares cariocas e catarinenses. Foram encontrados 291 dados em cartas de SC e 357 em cartas do RJ. As 291 ocorrências do RJ se distribuem em: 55,2% de te ; 10,4% de lhe ; 25% de nulo; 2,2% de preposição ( a/para ) ti ; e 6,4% de preposição ( a/para você ). As ocorrências de SC se distribuem em: 77% de te ; 8,2% de lhe ; 11,3% de nulos; 2,4% de preposição ( a/para ) ti ; e 1% de preposição ( a/para você ). A evolução dessas variantes nos dados de SC entre o final do século XIX e a segunda metade do século XX pode ser observada na Figura 5 a seguir.

Figura 5
– Implementação das formas dativas de segunda pessoa do singular em cartas pessoais de Santa Catarina (final do século XIX e segunda metade do século XX)

Com esses resultados, fica mais evidente o quadro em que a implementação das variantes para a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular em cartas de SC se diferencia do RJ, e a esses estados da região Nordeste. Em SC, primeiro o uso do pronome te é ainda muito frequente no final do século XIX (90,2%) e na segunda metade do século XX (56%); segundo, há um pequeno aumento na frequência de uso do pronome lhe , chegando em 13,4% em cartas da segunda metade do século XX; em terceiro lugar, de igual modo, é muito pequeno o incremento da forma nula; e, por último, quase não há formas preposicionadas, com as preposições a ou para + ti ou você na amostra.

Os resultados aqui sistematizados são robustos para mostrar que a evolução das formas variantes para a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular no curso do tempo é diferente quando comparamos dados das três regiões do Brasil. Quando comparadas às amostras do Nordeste, Sudeste e Sul, em cartas nordestinas há uma distribuição diacrônico-diatópica bastante particular em que a variante pronominal te é significativamente menos frequente já no início do século XX, a variante inovadora lhe já se mostra implementada no sistema pronominal desse período e a frequência de uso das formas (mais) inovadoras nulas e preposicionadas, sobretudo desta última, com a forma preposição + tu inclusive, são incrementadas no sistema, com um gradativo e expressivo aumento no percentual de uso.

Repito aqui que mesmo nos valendo de (“apenas”) percentuais de frequência, muitas vezes muito reveladores quando observados dados históricos, os índices evidenciam diferenças diatópicas significativas, mostrando especificidades na sintaxe do português escrito na Região Nordeste quando comparada às regiões Sudeste e Sul.

A sintaxe de posição e colocação dos pronomes pessoais clíticos

O panorama apresentado em Martins (2018)MARTINS, M. A. A sintaxe dos pronomes pessoais clíticos na história do português brasileiro. In: CYRINO, S; TORRES MORAES; M. A (org.). Mudança sintática no português brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Contexto, 2018. p. 53-103. com base num corpus de cartas de leitores, cartas de redatores e anúncios de jornais brasileiros dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Ceará sobre a sintaxe dos pronomes pessoais clíticos confirma resultados de estudos anteriores sobre os padrões de posição e de colocação dos clíticos na escrita do Brasil nos séculos XIX e XX ( PAGOTTO, 1992PAGOTTO, E. A posição dos clíticos em português: um estudo diacrônico. 1992. 168f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992. ; LOBO, 1992LOBO, T. C. F. A colocação dos clíticos em português: duas sincronias em confronto. 1992. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1992. , 2001LOBO, T. C. F. Para uma sociolinguística histórica do português no Brasil: Edição filológica e análise linguística de cartas particulares do Recôncavo da Bahia, século XIX. 2001. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. ; CARNEIRO, 2005CARNEIRO, Z. Cartas brasileiras (1809-1904): um estudo linguístico-filológico. 2005. 2329f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Orientadora: Charlotte Galves. ; MARTINS, M. A., 2009, 2012, 2013). O autor mostra que o padrão proclítico da gramática do PB se manifesta em diferentes contextos sintáticos na escrita brasileira de forma bastante uniforme, mas destaca que usos de formas inovadoras de colocação e de posição dos pronomes clíticos estão fortemente associados a questões diatópicas: a escrita no Nordeste é mais inovadora e a do Sudeste, tendo como representante o Estado Rio de Janeiro, é mais conservadora.

Como evidência de um quadro inovador da escrita na região Nordeste, Martins (2018)MARTINS, M. A. A sintaxe dos pronomes pessoais clíticos na história do português brasileiro. In: CYRINO, S; TORRES MORAES; M. A (org.). Mudança sintática no português brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Contexto, 2018. p. 53-103. mostra que:

(a) De um modo geral, a interpolação com constituintes diferentes do marcador frásico de negação “não”, característica do Português Clássico (PCl), está restrita à escrita no Brasil do século XIX, com uma queda de 57 para 11 dados em textos da primeira para a segunda metade desse período, como dado em (10);

(10) [19,1 CL CE] Senhor Redactor. – O Padre Joaõ Marrocos Teles, que acaba de ser justa, e merecidamente removido de professor de latim do Crato para Baturité, hum dos actos do Excelentíssimo Senhor Doutor Moraes Sarmento, que muito honra sua sabia administração, tem vexado aos senhores doutores Ramos, promotor P., Vigario, agente do correio, padre Lima Seca, e mais outros para lhe darem attestado de sua conduta moral, e que tem sua aula aberta, e nella insina com freqüência. ME muito AFOÍTESA , senhor redactor pedirem se taes attestados: os dois primeiros senhores ja lhe diceraõ abertamente, que naõ lhe davaõ atestados

(b) A contração de clíticos, ainda frequente no Português Europeu moderno (PE) (MARTINS, A. M., 2013), desaparece em textos do século XX, sendo encontradas poucas ocorrências em textos do século XIX, em sua maioria do estado do Rio de Janeiro, como (11);

(11) [19,1 CL RJ] Parece-me incrivel; e entretanto M’O AFFIRMA pessôa que tem rasão para saber do facto.

(c) Em predicados complexos, a colocação inovadora característica do português brasileiro, com próclise em posição absoluta na oração e no período, aparece timidamente, com 3 dados, na primeira metade do século XIX na escrita da impressa da região Nordeste, nos estados do Ceará e Pernambuco, como dados em (12).

(12) a. [19,1 CL PE] Assim poiso Senhor Rego Albuquerque dizendo que estava informando, que não affirmou que alli esteve o Senhor Rangel, e sim communisou o que chegou a sua noticia. Como a vista desse modo de fallar pode ser tachado de calumniador? O Senhor Rangel procurou saber se appareceraõ essas noticias nos Afogados? Estou que não. SE INDAGOU. Constou-lhe que nunca se desse tal cousa? Duvido.

b. [19,1 A PE] Na rua d’Agoas-Verdes. numero 46. SE DIRÁ quem vende um excellente moleque de idade de 17 annos, muito proprio para servir a uma casa, pois é muito fiel, bom comprador, e não tem vicio nem achaque, o que se afiança, um escravo bom canoeiro e pescador, sem vicio nem achaque, um dito idade de 20 annos, proprio para armazem de assucar, um dito idade de 25 annos, bom canoeiro, uma moleca de nação idade de 15 annos, com principios de boas habilidade, é recolhida, e mui bem educada, uma escrava idade 26 annos, sabendo todo o arranjo de uma casa, uma dita idade de 30 annos, optima engomadeira, cosinheira, e compradeira por 400$000 réis, uma dita idade de 25 annos, boa quitandeira e costureira por 350$000 reis, uma dita idade de 40 annos, faz todo o serviço de uma casa, nao tem molestias por 150$000 réis, um terreno no melhor lugar dos Coêlhos, e a parte de um sobrado na principal rua do bairro de Santo Antonio.

c. [20,2 CL CE] O que se questiona é quem colocaremos novamente no poder? Pois, sabemos que nosso País foi colonizado por meliantes oriundos de Portugal, onde ao chegarem aqui, encontraram índios e escravos africanos, que dessa miscigenação resultou no produto final – o brasileiro. NOS RESTA, somente aguardar o próximo furo de reportagem da revista Veja, e logo em seguida, a matéria detalhada nos jornais de grande circulação, para sabermos a quem será atribuída a nova falcatrua ou patifaria. [Gustavo César Lima Peixoto]

Carneiro (2005)CARNEIRO, Z. Cartas brasileiras (1809-1904): um estudo linguístico-filológico. 2005. 2329f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Orientadora: Charlotte Galves. e Carneiro e Galves (2010)CARNEIRO, Z; GALVES, C. Variação e gramática: colocação de clíticos na história do português brasileiro. Revista de Estudos Linguísticos , São Paulo, v. 18, n.2, p. 7-38, 2010. num corpus de cartas pessoais da Bahia mostram o mesmo quadro, com ocorrências de clíticos em primeira posição absoluta na primeira metade do século XIX.

(d) Em predicados complexos, diminui significativamente a subida de clítico para o verbo auxiliar em construções com aspectuais e modais, e essa diminuição parecer ser sensível à região. O fenômeno de subida de clíticos se dá quando um pronome pessoal clítico se cliticiza fora do domínio verbal do qual depende em estruturas com predicados complexos, considerando que esse elemento se move (sobe) para um domínio funcional (temporal, aspectual ou modal) da estrutura oracional ou para um verbo superior, a depender da proposta de representação adotada. Numa perspectiva de análise que confronta alçamento versus não alçamento do clítico, podemos propor que das quatro posições possíveis em sentenças com predicados complexos (conforme dados em 13), aquelas com subida de clíticos, como em (13c e 13d), são construções conservadoras em oposição à variante sem alçamento e ênclise ao verbo temático, como em (13b), e à inovadora do PB sem alçamento e próclise ao verbo temático, como em (13a).

(13) a. [19,1 CR CE] Uma vez que os Cearenses naõ PODEM SE LIGAR em um só pensamento politico

b. [19,2 CA RJ] Sob estas condições, ninguém PODE SURPREENDER-SE da violência produzida, cuja origem é evidente.

c. [20,2 CL CE] Não SE PODE CONCEBER que este tipo de abuso continue a acontecer, sem que nada de concreto se faça para coibir estes desmandos

d. [20,2 CR CE] PODE-SE AFIRMAR que, em linhas gerais, a economia oferece perspectiva favorável para 1982.

É importante destacar que as construções sem alçamento e ênclise ao verbo temático também são construções conservadoras, associadas a uma gramática com formas clíticas átonas acusativas de terceira pessoa o/a . Mas, de modo geral, as formas com alçamento de clíticos são variantes conservadoras na escrita no Brasil e Martins (2018)MARTINS, M. A. A sintaxe dos pronomes pessoais clíticos na história do português brasileiro. In: CYRINO, S; TORRES MORAES; M. A (org.). Mudança sintática no português brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Contexto, 2018. p. 53-103. mostra que há uma diferença diacrônico-diatópica significativa no condicionamento do alçamento, numa análise multivariada com os programas do pacote estatístico GoldVarb X com peso relativo, na amostra que analisa: a diferença é de 0,62 de peso relativo para os textos do Rio de Janeiro, na região Sudeste, em oposição aos textos da região Nordeste, com pesos relativos de 0,45 para Pernambuco, 0,43 para Ceará e 0,42 para Bahia, conforme dados na tabela 1 a seguir:

Tabela 1
– Frequências de usos e pesos relativos de subida de clíticos por Estado

Considerando a relação entre a sintaxe dos pronomes clíticos e a evolução do objeto nulo característico do PB, do ponto de vista geográfico em relação às singularidades de aspectos da sintaxe inovadora do PB se revelando na escrita da região Nordeste em relação às demais regiões do Brasil, é importante destacar o trabalho de Cyrino (2018)CYRINO, S. O objeto nulo. In: CYRINO, S.; TORRES MORAES; M. A. (org.). Mudança sintática no português brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Contexto, 2018. p. 210-251. que analisa a evolução do objeto nulo em cartas de leitores e de redatores e anúncios de jornais anúncios e cartas particulares de diferentes estados brasileiros (Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo). Os resultados da autora mostram que o estado do Rio de Janeiro é o também o mais conservador em relação aos usos do objeto nulo nas cartas de leitores.

Ainda sobre a sintaxe de colocação dos pronomes clíticos, considerando dados de Santa Catarina na região Sul, agora em sentenças finitas afirmativas com um verbo em posição inicial em contextos XV neutros (conforme dados em (14-17) a seguir), Martins et al. (no prelo) trazem um resultado interessante para a hipótese que nos colocamos para este artigo.

(14) Sentenças matrizes com verbo precedido de oração subordinada

[20,1 CL SC] Scientes agora o seu pensamento em relação a greve com a qual Vossa senhoria não poderá concordar, attendendo ao seu longo passado, todo dedicado a ordem, as industrias e ao progressão da terra brasileira, pensamento do qual nos não podemos discordar, CUMPRE NOS todavia levar ao conhecimento de Vossa senhoria que não podemos mais evitar a explosão do nosso operariado que esta se manifestando profundamente desgostoso com a attitude do Senhor Neitsch.

(15) Verbo precedido de sujeito

a. [20,2 CL SC] Vocês SE LEMBRAM daquela umsiquinha que diz assim: Choveu, choveu Choveu. Canasvieiras enche Quando chove

b. [19,1 CL SC] Dito e feito. A pirataria POZ-SE em actividade; e muitas embarcações nacionaes forão tomadas a pretexto de reprezalia!

(16) Verbo precedido de sintagma preposicional

a. [19,1 A SC] No armazem de Henrique Schutel VENDE-SE milho a 1:280 réis o saco

b. [19,1 A SC] Precisa-se de um menino para caixeiro de uma casa de molhados que tenha alguma prataica deste negocio. Nesta Typographia SE DIRÁ com quem deve tratar.

(17) Verbo precedido de advérbio

[19,2 CL SC] Minha filha tomou 18 frascos [de] Peitoral de Cambará e hoje ACHA-SE completamente restabelecida.

Numa análise estatística de regra variável com dados de cinco estados brasileiros, Ceará, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina, com os programas do pacote GoldVarb X, os autores encontram uma especificidade diatópica quando comparados os dados de SC com os demais Estados na história do português escrito no Brasil. Os textos de SC, com peso relativo de 0,27 (10/102 – 10%), inibem a próclise inovadora do PB nesses contextos em relação aos textos do RJ, com peso relativo de 0,64 (45/119 – 0,64), da BA, com peso relativo de 0,58 (18/80 – 20%), de PE, com peso de 0,56 (27/99 – 27%) e do CE, com peso de 0,41 (24/63 – 38%), como sistematizam os dados na tabela 2 a seguir:

Tabela 2
– Próclise por posição região/Estado: dados da primeira metade do século XIX - 1800-1850

Os resultados aqui reunidos sobre a sintaxe de posição em sentenças simples em ambientes de variação diacrônica e de colocação em sentenças com predicados complexos dos pronomes pessoais clíticos, mostram, de um lado, que a interpolação e a contração de clíticos se perdem na escrita do Brasil do século XIX, e os poucos resquícios encontrados estão sobretudo na escrita do Sudeste; de outro lado, é na escrita da imprensa da região Nordeste desse período que se encontram dados com próclise em posição absoluta na oração e no período, logo na primeira metade do século XIX, uma construção inovadora da gramática do PB. Ademais, as construções conservadoras com alçamento de clíticos são sensíveis à região de modo que os textos do Rio de Janeiro, na região Sudeste, em oposição aos textos da região Nordeste, são mais conservadores, ao mesmo tempo que SC na região Sul se mostra mais conservador em relação aos demais estados no uso da próclise em sentenças matrizes afirmativas em ambientes neutros.

Atar as pontas e concluir este texto

Os resultados retomados neste artigo de estudos sobre a implementação do pronome você na função de sujeito, da expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa e da sintaxe de posição e de colocação dos pronomes clíticos delineiam um mapeamento diatópico-diacrônico do português escrito no Brasil no curso dos séculos XIX e XX. Do quadro apresentado, podemos concluir que a implementação do pronome você na região Nordeste parece estar já consolidada na escrita em finais do século XIX, enquanto nas regiões Sudeste e Sul, sobretudo nos estados do RJ e de SC, há uma clara implementação do você na escrita a partir da década de 1930 do século XX, ou inclusive mais tarde como mostram os dados de SC.

A implementação das variantes para a expressão do complemento dativo com referência à segunda pessoa do singular, de igual modo, parece ser dar na mesma direção, de modo que a variante pronominal te é significativamente menos frequente já no início do século XX na escrita do Nordeste, enquanto a variante inovadora lhe se mostra já totalmente implementada no sistema pronominal desse período, assim como também há elevadas frequência de uso das formas inovadoras nulas e preposicionadas no curso do século XX. Esse não é o quadro da região Sudeste e Sul em que, apesar de o percurso de implementação parecer ser o mesmo, a distribuição e a frequência de uso das formas inovadoras não são tão frequentes e entram na escrita mais tarde na linha do tempo.

Numa mesma direção, os resultados sobre a sintaxe de posição em sentenças simples e de colocação em sentenças com predicados complexos dos pronomes clíticos mostram o mesmo quadro, em que formas inovadoras como a próclise em posição inicial absoluta na sentença são mais frequentes na escrita no Nordeste, enquanto formas conservadoras, como a interpolação e a contração de clíticos e as construções com subida de clíticos são mais recorrentes (e mesmo condicionadas como mostram os índices estatístico-probabilísticos da análise estatística de MARTINS, 2018MARTINS, M. A. A sintaxe dos pronomes pessoais clíticos na história do português brasileiro. In: CYRINO, S; TORRES MORAES; M. A (org.). Mudança sintática no português brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Contexto, 2018. p. 53-103. e MARTINS et al ., [2021?]) na escrita das regiões Sudeste e Sul.

Esse mapeamento diatópico-diacrônico nos permite trazer à tona argumentos a favor da hipótese que nos colocamos na introdução deste artigo de que, no vasto território brasileiro no curso dos séculos XIX e XX, a gramática inovadora do Português Brasileiro parece deixar “correr sua tinta” com mais expressividade na região Nordeste quando comparada às regiões Sudeste e Sul do país ( TARALLO, 1993TARALLO, F. Diagnosticando uma gramática brasileira: o português d’aquém-mar e d’além-mar ao final do século XIX. In: ROBERTS, I; KATO, M. (org.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. ).

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  • CARNEIRO, Z; GALVES, C. Variação e gramática: colocação de clíticos na história do português brasileiro. Revista de Estudos Linguísticos , São Paulo, v. 18, n.2, p. 7-38, 2010.
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  • 1
    Neste artigo, apresento parte de resultados do projeto de pesquisa “Position of the subject and proclisis in neutral contexts [XP]V in 19th century Brazilian writing: Reflexes of a parametric change in BP”, financiado por uma bolsa de estudos do Instituto Humboldt/CAPES (Processo número 88881.145464/2017-01) durante o período em que fui professor visitante na Universidade de Colônia/Alemanha. Este projeto está integrado ao projeto “A posição do sujeito pré-verbal e das estruturas [XP-clitic-Verb] na escrita brasileira do século XIX”, financiado pelo CNPq com a bolsa de estudos de produtividade PQ-2 (processo 310094/2017-8). Agradeço as sugestões dos pareceristas anônimos da Revista, estando os erros remanescentes sob minha inteira responsabilidade.
  • 2
    Apresento nas seções que seguem mais informações sobre o PHPB no contexto brasileiro, assim como dos pressupostos teórico-metodológicos das análises das quais foram retomados os resultados aqui sistematizados.
  • 3
  • 4
    Disponível em: http://www.prohpor.org/ .
  • 5
    Disponível em: http://www5.uefs.br/cedohs/ .
  • 6
    A análise dos autores é retomada em Lopes et al. (2018).
  • 7
    Na amostra da Bahia (BA), foram analisadas 383 cartas pessoais, relativas ao período de 1810 a 1990, do acervo do Corpus Eletrônico de Documentos Históricos do Sertão (CE-DOHS) e identificados 838 dados de formas de tratamento de referência à segunda pessoa na posição de sujeito, entre sujeitos preenchidos e nulos (Vossa Excelência, Vossa senhoria, o senhor, Vossa mercê e tu); na amostra de Pernambuco (PE), foram analisadas 126 cartas pessoais datadas de 1869 a 1969 e identificados 354 dados de formas tratamentais ( você, tu, Vossa Mercê, o/a senhor/a); na amostra do Rio Grande do Norte (RN), foram analisadas 304 cartas e levantados 892 dados de formas tratamentais ( você , tu, o/a senhor/a). As cartas de PE e do RN estão em sua maioria disponíveis no site dos corpora do Projeto para a História do Português Brasileiro.
  • 8
    Os dados citados neste artigo foram extraídos de diferentes trabalhos aqui retomados. Os códigos que precedem os dados codificam as seguintes informações: Século - 19.1, 19.2, 20.1 e 20.2 Gênero textual - LR: cartas de leitores; LJ: cartas de jornalistas; A: anúncio; TP: peça teatral Estado Brasileiro - SC: Santa Catarina; RJ: Rio de Janeiro; BA: Bahia; PE: Pernambuco; RN: Rio Grande do Norte; CE: Ceará.
  • 9
    Os resultados apresentados nos gráficos fazem referência ao total de uso das formas você versus tu . Para observar aqui a implementação de você nos mesmos contextos socio-discursivos de tu , foram excluídos os usos das demais formas tratamentais nas cartas (Vossa Excelência, Vossa senhoria, o senhor, Vossa mercê e tu). Para uma análise pormenorizada, remeto o leitor a Martins et al. (2015).
  • 10
    Uma segunda forma muito recorrente nas cartas baianas do século XIX foi o pronome Vossa Excelência . Citando Martins et al. (2015, p. 30): “ Vossa Excelência aparece nas cartas com 40% de frequência na primeira metade do século XIX (1810-59), atingindo 82% na segunda metade daquele século”.
  • 11
    Na amostra do RN, há cartas do período de 1940 a 1959 com altos índices de tu (62% e 100%), mas são todos dados em cartas de amor trocadas entre o casal Lourival e Ruzinete. Por entendermos aqui que são usos motivados por relações interpessoais e por contexto amoroso das cartas, esses dados foram excluídos do gráfico na Figura 1 . Para mais detalhes a respeito ver Moura (2013)MOURA, K. K. A implementação do você em cartas pessoais Norte-rio-grandenses do século XX. 2013. 100f. Dissertação (Mestrado em Linguística Teórica e Descritiva) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013. , Martins et al. (2015) e Lopes et al. (2018).
  • 12
    Na amostra do Rio de Janeiro (RJ), foram analisadas 366 cartas pessoais escritas entre 1870 e 1979 e identificados 1.525 dados de você e tu; na mostra de Minas Gerais (MG), foram observadas 89 cartas mineiras escritas entre 1850 e 1989 e 266 dados de você , tu e Vossa Mercê; na amostra de São Paulo (SP), foram analisadas 67 cartas escritas entre 1870 e 1930 e identificados 148 dados de você, tu, o/a senhor/a, vossa senhoria e vossa excelência em posição de sujeito.
  • 13
    Há muitas e diferentes propostas para tratar o amplo fenômeno da “datividade” nas línguas ( COMPANY, 2002COMPANY, C. C. Reanálisis em cadena y gramaticalización: dativos problemáticos em la história del espanhol. Verba: Anuario Galego de Filoloxía, Santiago de Compostela, v.29, p.31-69, 2002. , 2006COMPANY, C. C. El objeto indirecto. In: COMPANY, C. C. (dir.). Sintaxis histórica de la lengua española: Primera parte: La frase verbal. México: Fondo de Cultura Económica y Universidad Nacional Autónoma de México, 2006. p. 479-574. ) e as mudanças relevantes na expressão do Dativo/Objeto Indireto no português brasileiro ( TORRES MORAIS; BERLINCK, 2018TORRES MORAIS, M. A.; BERLINCK, R de A. O objeto indireto: argumentos aplicados e preposicionados. In: CYRINO, S. M. L.; TORRES MORAIS, M. A. Mudança sintática no português brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Contexto, 2018. p. 251-307. ). Seguindo o estudo de Costa da Silva (2017)COSTA DA SILVA, F. O emprego das formas dativas de segunda pessoa na escrita do Nordeste brasileiro do século XX: uma mudança em curso. 2017. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. , consideramos aqui complementos dativos como argumentos internos preposicionados de verbos, que, no PB, se identificam com um complemento oblíquo introduzido pelas preposições lexicais a/para . Nesse sentido, assumimos que a forma lhe assim como as formas preposicionadas a/para você/tu passam a expressar o Objeto Indireto, ou complemento dativo, para se referir à segunda pessoa do singular, pois se identificam pelos mesmos papéis temáticos característicos do Objeto Indireto, em particular em contextos de verbos que expressam transferência e/ou movimento.
  • 14
    Com o objetivo de comparar os resultados obtidos por Oliveira (2015)OLIVEIRA, T. L. de. Os pronomes dativos de 2ª pessoa na escrita epistolar carioca. LaborHistórico , Rio de Janeiro, v. 1, p. 81-98, 2015. do Rio de Janeiro, na região Sudeste, com os de Costa da Silva (2017)COSTA DA SILVA, F. O emprego das formas dativas de segunda pessoa na escrita do Nordeste brasileiro do século XX: uma mudança em curso. 2017. 105f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. para o Nordeste, apresento aqui apenas os resultados referentes às variantes lhe, te, preposição (a/para) + você e nulo . Esses são em ambos os estudos as formas mais recorrentes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2019
  • Aceito
    23 Maio 2020
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