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REPRESENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA ESCOLA RURAL

RESUMO

Esta pesquisa investiga representações discursivas sobre o ensino de Língua Portuguesa (LP), em uma escola rural na Região Norte do Brasil. Assumimos uma abordagem transdisciplinar da Linguística Aplicada e utilizamos pressupostos teóricos da educação científica e de teorias discursivas da linguagem. Tais pressupostos informam a abordagem qualitativa da análise linguística realizada. Os dados da investigação são constituídos a partir de uma entrevista semiestruturada, realizada antes de uma intervenção pedagógica no âmbito do projeto de pesquisa ConGraEduC (CNPq 441194/2019-2). Para este artigo científico, foram consideradas as respostas apresentadas por estudantes da educação básica a oito perguntas de um roteiro com quinze questionamentos. Nas análises das respostas, consideramos o imbricamento entre o intra e o interdiscurso, de forma a entrever a memória mobilizada pelos participantes ao enunciarem sobre o ensino da LP e, em especial, da gramática. Os resultados sugerem que a gramática é representada tanto por um silenciamento quanto pelo discurso da normatividade, pois os alunos afirmam desconhecê-la e concebem a língua como um mero conjunto de regras.

língua materna; formação de professores; discurso

ABSTRACT

This research investigates discursive representations about the teaching of the Portuguese Language (PL), in a rural school in the Northern Region of Brazil. We take a transdisciplinary approach to Applied Linguistics and use theoretical assumptions of scientific education and discursive theories of language. Such assumptions inform the qualitative approach of the linguistic analysis carried out. The research data are constituted from a semi-structured interview, carried out before a pedagogical intervention within the scope of the research project ConGraEduC (CNPq 441194/2019-2). For this paper, we considered the answers presented by students from basic education to eight out of fifteen questions in a script. For the analysis of the answers, we considered the interweaving between the intra and interdiscourse, in order to investigate the memory evoked by the participants when enunciating about PL and, especially, about grammar. Results suggest that grammar is represented both by a silencing and by the discourse of normativity once students claim not to know it and conceive language as a mere set of rules.

mother language; teacher education; discourse

Introdução

A sala de aula é um espaço revelador de representações entre diferentes atores sociais, sendo aluno e professor costumeiramente alçados ao posto de protagonismo. Enquanto sujeitos com posições enunciativas específicas, eles deixam vir à tona discursividades que ajudam a compreender a relação que estabelecem com a língua(gem) nos processos de ensino e aprendizagem. Na tomada de palavra, entram em jogo os sentidos do aprender produzidos pelas vozes dos alunos enquanto estudantes de Língua Portuguesa (LP), envolvendo pressupostos teóricos e metodologias fortemente enraizadas. Isto é, ao enunciarem, as pessoas manifestam tomadas de posição em seu discurso, revelando movimentos identificatórios em construção e produzidos na relação com o outro.

Em sintonia com a Linguística Aplicada (LA), parece-nos essencial continuar problematizando a identidade ou o status que o ensino de LP vem propagando nas escolas brasileiras, especialmente numa época marcada por profundas transformações sociais e novas exigências para a produção de conhecimentos. Com a articulação de dispositivos teórico-metodológicos da Análise do Discurso pecheutiana (AD), o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento propicia uma relevante reflexividade acerca do que é legitimado na/pela escola em oposição ao que é desejado por grande parte dos atores envolvidos ou interessados na referida instituição (BRITO; GUILHERME, 2013BRITO, C. P; GUILHERME, M. F. F. Linguística aplicada e Análise do discurso: possíveis entrelaçamentos para a constituição de uma epistemologia. Cadernos Discursivos, Catalão, GO, n. 1, p. 17-40, 2013. Disponível em: https://cadis_letras.catalao.ufg.br/p/6998-2013-volume-1. Acesso em: 07 jul. 2020.
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).

Neste artigo, identificamos representações discursivas acerca do ensino de LP, em enunciados produzidos por estudantes do 7º ano, matriculados em uma escola rural de Palmas, capital do Estado do Tocantins. Para tanto, realçamos algumas representações sobre o ensino de gramática, que se configura como uma prática escolar de linguagem sobre a qual os professores ainda manifestam bastante insegurança (REIS; SILVA; FREITAS, 2021REIS, A. P.; SILVA, W. R.; FREITAS, M. O. Gêneros mediadores de letramentos e educação científica. Confluência, Rio de Janeiro, n. 61, p. 249-282, jul./dez. 2021.; SILVEIRA; SILVA; REIS, 2019SILVEIRA, R. A.; SILVA, W. R.; REIS, A. P. Construção paradigmática do ensino de português como língua materna. Eutomia, Recife, v. 1, n. 23, p. 108-124, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/EUTOMIA/article/view/240212/33807. Acesso em: 08 abr. 2021.
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). Também pontuamos algumas implicações teóricas e problematizamos alguns desdobramentos para o ensino de língua materna a partir dos discursos identificados, conforme característico da dinâmica investigativa das pesquisas em LA (CAVALCANTI, 2004CAVALCANTI, M. C. Applied Linguistics: Brazilian perspectives. AILA Review, Amsterdam, v. 17, p. 23-30, 2004.). Entendemos que a problematização de discursividades acena caminhos para se repensar o ensino, considerando abordagens que tomem a língua como prática social.

Os enunciados analisados foram gerados a partir de uma entrevista semiestruturada, utilizada como instrumento para caracterização dos alunos antes da intervenção pedagógica planejada no projeto ConGraEduC1 1 Trata-se do projeto Conscientização Gramatical pela Educação Científica, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Tocantins (UFT), a partir do parecer 3.457.383. O projeto é desenvolvido no grupo de pesquisa Práticas de Linguagens (PLES) e coordenado pelo Prof. Dr. Wagner Rodrigues Silva (UFT/CNPq). , concebido para desenvolver a conscientização dos alunos sobre o funcionamento da gramática do português brasileiro. Assim, pretende-se informar a intervenção pela abordagem pedagógica da educação científica e, ainda, familiarizar os estudantes com práticas de investigação sobre a própria língua materna (SILVA, 2020SILVA, W. R. Educação científica como estratégia pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p.2278-2308, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106. Acesso em: 04 mar. 2021.
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).

Para isso, mobilizamos alguns dispositivos teórico-analíticos da AD, a exemplo da noção de memória, de inter e intradiscurso e da noção de ressonância discursiva (ORLANDI, 2007ORLANDI, E.P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2007., 2020ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 13. ed. Campinas: Pontes, 2020.; PÊCHEUX, 1997PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. p. 61-161. Original de 1969.; SERRANI, 1990SERRANI, S. Transdisciplinaridade e discurso em Linguística Aplicada. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v.16, p. 39-45, 1990. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8639129/6725. Acesso em : 10 jul. 2020.
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, 1998SERRANI, S. Abordagem transdisciplinar da enunciação em segunda língua: a proposta AREDA. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 143-167., 2001SERRANI, S. Resonancias discursivas y cortesía en prácticas de lecto-escritura. DELTA, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 31-58, 2001. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/delta/article/view/39752. Acesso em: 23 de jul. 2020.
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). Paralelo a isso, conceitos da LA envolvendo o ensino ou estudo de gramática e de letramentos são considerados a fim de discutir os gestos de leitura advindos das discursividades instauradas (BAGNO, 2000BAGNO, M. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo: Edições Loyola, 2000.; KLEIMAN, 2013KLEIMAN, A. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrif para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 39-58.; SIGNORINI, 2004SIGNORINI, I. Invertendo a lógica do projeto escolar de esclarecer o ignorante em matéria de língua. Scripta, Belo Horizonte, n. 14, p. 90-99, 2004. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/12545. Acesso em: 16 jul. 2020.
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, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190., 2007SIGNORINI, I. Letramento escolar e formação do professor de língua portuguesa. In: KLEIMEN, A.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada: suas faces e interfaces. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 317-337., 2012SIGNORINI, I. Por uma teoria da desregulamentação linguística. In: BAGNO, M. (org.). Linguística da Norma. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012. p. 85-114.; SILVA, 2011SILVA, W. R. Estudo da gramática no texto: demandas para o ensino e a formação do professor de língua materna. Maringá: UEM, 2011.). Nesse imbricamento de áreas, algumas categorias gramaticais da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) são utilizadas para auxiliar o exame da materialidade linguística dos enunciados investigados (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014.; HODGE, 2017HODGE, B. Discourse Analysis. In: BARTLETT, T.; O’GRADY, G. The Routledge handbook of Systemic Functional Linguistics. London: Routledge, 2017. p. 520- 532.; THOMPSON, 2014THOMPSON, G. Introducing Functional Grammar. 3. ed. London: Routledge, 2014.). Aproveitamos ainda alguns pressupostos teóricos da LSF para problematizar o trabalho pedagógico com e sobre a gramática (MARTIN; ROSE, 2012MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding Assymetries. In: ZHENHUA, W. (ed.). Language in Education: Collected Works of J.R. Martin. Shanghai: Shanghai Jiao Tong University Press, 2012, v.7. p. 295-320.).

No tocante à organização deste artigo, além desta introdução, das considerações finais e das referências, compõem este texto quatro principais seções. A primeira tematiza algumas concepções teóricas da AD, propondo um diálogo com o campo da LA. A segunda parte descreve as condições de produção da pesquisa e os procedimentos envolvidos no recorte dos dados. Por fim, a terceira e quarta partes abordam a análise dos dados e os efeitos de sentidos mobilizados nos enunciados, relacionando-os a encaminhamentos para o campo da LA.

Representações discursivas na relação linguagem-sujeito-gramática

Assumindo a relevância da dimensão enunciativa da língua, compreende-se a escola enquanto espaço de circulação e estabilização de dizeres, emitidos por atores humanos em suas respectivas posições-sujeitos. É de interesse considerar esses dizeres na medida em que eles direcionam processos de significação relevantes para se compreender o que se denomina de discurso escolar.

Na concepção da AD, o sujeito é constituído na/ pela linguagem, sendo essa responsável pela mediação entre o homem e a realidade natural e social que o cerca (ORLANDI, 2020ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 13. ed. Campinas: Pontes, 2020.). É por isso que, quando enuncia, o sujeito revela suas filiações e processos de identificação, tornando possível rastrear o que ele fala de si e do outro com quem interage. Trabalhar com essa noção oportuniza estudar a subjetividade dos falantes em vista de variados objetivos, a depender de interesses de cunho teóricos-metodológicos específicos.

No âmbito da LA, no qual se situa esta investigação, interessa-nos compreender os processos de ensino-aprendizagem pelo viés das discursividades. Desse diálogo de áreas, tal como Serrani (1990SERRANI, S. Transdisciplinaridade e discurso em Linguística Aplicada. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v.16, p. 39-45, 1990. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8639129/6725. Acesso em : 10 jul. 2020.
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, p. 41, grifo do autor) já dissertava nos primórdios da LA, “o objeto de estudo atravessa as fronteiras das disciplinas, as quais não participam ativamente, como meras fornecedoras de subsídios, mas cujos campos são problematizados nesse cruzamento”. Ao enfocar especificamente aqui o discurso sobre o ensino da LP, assume-se a perspectiva transdisciplinar da LA; a intenção é, pois, identificar as representações discursivas discentes a partir das contribuições epistemológicas tanto da AD quanto da LA.

Um exemplo significativo em que a interface dessas áreas pode contribuir diz respeito à problematização dos discursos de exclusão marcados pela legitimação da norma padrão, que no seu bojo, são atravessadas por concepções político-ideológicas fortemente historicizadas pelas vozes do Norte (KLEIMAN, 2013KLEIMAN, A. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrif para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 39-58.; SIGNORINI, 2004SIGNORINI, I. Invertendo a lógica do projeto escolar de esclarecer o ignorante em matéria de língua. Scripta, Belo Horizonte, n. 14, p. 90-99, 2004. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/12545. Acesso em: 16 jul. 2020.
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, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190.). É por isso que ficam inscritas na memória coletiva dos pais, professores e alunos a crença de que as pessoas de grupos socialmente periféricos não sabem português. Trata-se de um discurso enunciado com recorrência por autoridades, autores consagrados, gramáticos, mídia impressa, entre outros. Essa representação discursiva corrobora a redução do aprendizado de língua ao domínio de uma norma (BAGNO, 2000BAGNO, M. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo: Edições Loyola, 2000., 2007BAGNO, M. Preconceito Linguístico: o que é como se faz. 48 ed. São Paulo: Loyola, 2007.; SIGNORINI, 2012SIGNORINI, I. Por uma teoria da desregulamentação linguística. In: BAGNO, M. (org.). Linguística da Norma. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012. p. 85-114.).

Conforme preconiza a AD, “o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia” (ORLANDI, 2020ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 13. ed. Campinas: Pontes, 2020., p. 18), produzindo sentidos mediante a tomada de palavra. Esses objetos simbólicos, ditos por alguém, em outros lugares e momentos, constituem a memória do dizer dos sujeitos ou o interdiscurso. Isso significa que, quando manifestados por meio da materialidade linguística (o intradiscurso), são produzidos efeitos de sentido entre os interlocutores. É isso que Pêcheux chama de discurso (ORLANDI, 2007ORLANDI, E.P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2007., 2020ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 13. ed. Campinas: Pontes, 2020.).

No confronto entre intra e interdiscurso é que se podem delinear representações discursivas. “O que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro” (PÊCHEUX, 1997PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. p. 61-161. Original de 1969., p.82). Para Pêcheux (1997)PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. p. 61-161. Original de 1969., o sujeito traz consigo um conjunto de representações, imagens criadas do outro e de si mesmo, com base nas posições que ocupa. Essa é a ideia de representação para a AD, um jogo de projeções responsáveis por constituírem diferentes e variadas identidades, podendo inclusive, afetar as escolhas do sujeito.

Investigar as representações construídas no âmbito da escola acerca do aprendizado da língua implica examinar a complexidade que governa a sala de aula, com vistas a problematizar a lógica de “esclarecer o ignorante em matéria de língua”, num dado projeto escolar (SIGNORINI, 2004SIGNORINI, I. Invertendo a lógica do projeto escolar de esclarecer o ignorante em matéria de língua. Scripta, Belo Horizonte, n. 14, p. 90-99, 2004. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/12545. Acesso em: 16 jul. 2020.
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). Além disso, quando convidados a falar, os alunos podem compartilhar suas experiências, os sentidos do aprender, possibilitando “recuperarem a autoria” (BOHN, 2013BOHN, H. I. Ensino e aprendizagem de línguas: os atores da sala de aula e a necessidade de rupturas. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrif para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 79-98.) ao refletirem sobre a língua, seu intuito e sua heterogeneidade. Disso depende a capacidade de todo falante para saber operar com a língua contextualmente.

O interesse pelos dizeres dos estudantes permitirá averiguar os efeitos de sentido advindos de suas enunciações, analisando o funcionamento de ressonâncias discursivas, que por sua vez, estão inscritas na materialidade linguística. Essa noção é apresentada e desenvolvida por Serrani (1998SERRANI, S. Abordagem transdisciplinar da enunciação em segunda língua: a proposta AREDA. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 143-167., 2001SERRANI, S. Resonancias discursivas y cortesía en prácticas de lecto-escritura. DELTA, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 31-58, 2001. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/delta/article/view/39752. Acesso em: 23 de jul. 2020.
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) em pesquisas do projeto Análise de Ressonâncias Discursivas em Depoimentos Abertos (AREDA), que também articulam a postura transdisciplinar da LA com a AD. Nos dizeres da autora:

Entendo por ressonância discursiva a vibração semântica mútua, que tende a construir, no intradiscurso, a realidade de um sentido. As ressonâncias podem ser em torno de unidades específicas, como itens lexicais, ou em torno de modos de dizer, isto é, referem-se aos efeitos de sentidos produzidos pela repetição de construções sintático-enunciativas. (SERRANI, 1998SERRANI, S. Abordagem transdisciplinar da enunciação em segunda língua: a proposta AREDA. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 143-167., p. 143).

Vale ressaltar que, no contexto do projeto AREDA, as ressonâncias são analisadas em depoimentos individuais de falantes bi/multilíngue (SERRANI, 1998SERRANI, S. Abordagem transdisciplinar da enunciação em segunda língua: a proposta AREDA. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 143-167.). Neste artigo, as ressonâncias são analisadas entre dizeres diferentes dos alunos, ao enunciarem, pela oralidade, sobre o ensino de LP como língua materna. Como a AD investiga o funcionamento da língua em sua relação com o histórico para pensar a produção do sentido, o que Serrani (1998SERRANI, S. Abordagem transdisciplinar da enunciação em segunda língua: a proposta AREDA. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 143-167., 2001SERRANI, S. Resonancias discursivas y cortesía en prácticas de lecto-escritura. DELTA, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 31-58, 2001. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/delta/article/view/39752. Acesso em: 23 de jul. 2020.
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) propõe com essa noção é um olhar mais atento para a base linguística, já que ela é o lugar onde os processos discursivos são materializados. Nesse sentido, Hodge (2017)HODGE, B. Discourse Analysis. In: BARTLETT, T.; O’GRADY, G. The Routledge handbook of Systemic Functional Linguistics. London: Routledge, 2017. p. 520- 532. afirma que a LSF, enquanto teoria gramatical, baseada num rico aparato descritivo de linguagem, pode contribuir com a análise de discursos. Para o autor, “a análise do discurso pede muitas questões sobre funções sociais e efeitos de linguagem em ação que a LSF é bem equipada para responder” (HODGDE, 2017, p. 523, tradução nossa).

Cabe ressaltar que as funções sociais mencionadas pelo autor estão atreladas aos contextos, os quais incluem os locais em que se vive, os graus de familiaridade entre as pessoas em situação de interação e as culturas. Tudo isso incide nas escolhas linguísticas pelos falantes, tanto em termos de significados que se deseja expressar como de elementos lexicais e gramaticais que vão executá-los (THOMPSON, 2014THOMPSON, G. Introducing Functional Grammar. 3. ed. London: Routledge, 2014.). Isso é a base teórica da LSF, cujos preceitos podem enriquecer práticas de uso da linguagem, minimizando o que Signorini (2004SIGNORINI, I. Invertendo a lógica do projeto escolar de esclarecer o ignorante em matéria de língua. Scripta, Belo Horizonte, n. 14, p. 90-99, 2004. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/12545. Acesso em: 16 jul. 2020.
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, p. 96) denomina de polarização diglóssica: trata-se da “contraposição entre língua oral e língua escrita como dois pólos que se excluem”2 2 Cabem ainda nessa noção apresentada pela autora parametrizações entre o formal e o informal, língua e dialeto, língua culta e não culta. (SIGNORINI, 2006). , instaurando uma desigualdade entre os falantes no acesso à língua. A tabela 1 resume as metafunções da linguagem propostas na LSF, a partir das quais são disponibilizadas categorias gramaticais para análise da materialidade textual.

Tabela 1
– Metafunções da linguagem

Numa perspectiva sistêmico-funcional para o ensino de língua, em experiências realizadas em escolas australianas, conforme Martin e Rose (2012)MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding Assymetries. In: ZHENHUA, W. (ed.). Language in Education: Collected Works of J.R. Martin. Shanghai: Shanghai Jiao Tong University Press, 2012, v.7. p. 295-320. relatam, chama atenção a preocupação dos pesquisadores em respeitar os contextos de cultura em projetos de letramento na escola, cujo público era formado por grande número de alunos negros. Depois de abordar questões metodológicas exploradas a partir de um Circuito Curricular Mediado por Gênero3 3 Uma versão adaptada desta proposta para escolas brasileiras é apresentada por Silva (2015). , Martin e Rose (2012)MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding Assymetries. In: ZHENHUA, W. (ed.). Language in Education: Collected Works of J.R. Martin. Shanghai: Shanghai Jiao Tong University Press, 2012, v.7. p. 295-320. exemplificam seu trabalho de aplicação com base na leitura de um texto temático sobre as causas da rebelião dos povos africanos da cidade de Sobantu, localizada na África do Sul.

A metodologia empregada consistia, inicialmente, na preparação da leitura de um texto, lendo-o em voz alta para a turma; em seguida, significados gerais deste texto são explorados, por meio de paráfrases ou formulações mais contextuais e simples, ao nível do aluno, um recurso denominado como fase de anotação. Uma vez realizados esses procedimentos de leitura e compreendido o texto, os alunos são encorajados a usar os padrões de linguagem dos gêneros por meio de uma replicação do texto no esquema da produção coletiva. Cabe ao professor, nesse estágio, por meio da Reescrita Conjunta, apresentar aos estudantes os padrões discursivos e gramaticais do gênero em foco. O processo pode contar ainda com uma reescrita individual, visando intensificar mais essa atividade, antes da escrita independente a ser realizada pelo próprio aprendiz (MARTIN; ROSE, 2012MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding Assymetries. In: ZHENHUA, W. (ed.). Language in Education: Collected Works of J.R. Martin. Shanghai: Shanghai Jiao Tong University Press, 2012, v.7. p. 295-320.).

Nesse processo descrito, o professor atuava na mediação, ajudando os alunos a se apropriarem do gênero de forma conjunta. Com isso, os estudantes eram encorajados a interpretarem o texto, descompactando os sentidos de algumas metáforas e desenvolvendo algumas orações gramaticais de forma mais clara. Na fase da escrita conjunta, certas palavras preconceituosas foram substituídas, a exemplo da expressão “municípios negros”, que passou a ser, na produção dos estudantes, municípios da África do Sul4 4 “Esses alunos se consideravam uma ‘nova geração’ que não precisa aceitar as classificações étnicas do apartheid” (MARTIN; ROSE, 2012, p. 313). ; a história de opressão do povo africano também foi recontada, sendo narrada a partir da perspectiva dos estudantes.

Tal experiência significou, na prática, uma abordagem política para o trabalho da gramática no e do texto, permitindo que alunos em estado de afasia, no termo utilizado por Signorini (2004SIGNORINI, I. Invertendo a lógica do projeto escolar de esclarecer o ignorante em matéria de língua. Scripta, Belo Horizonte, n. 14, p. 90-99, 2004. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/12545. Acesso em: 16 jul. 2020.
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190.)5 5 Esse termo foi tomado de empréstimo de Signorini (2006) e se refere ao estado de invisibilidade e exclusão de falantes em contextos de uso da língua legitimada. , pudessem refletir conscientemente sobre escolhas linguísticas ao retratarem a história de seu povo. Numa perspectiva sistêmico-funcional, Martin e Rose (2012MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding Assymetries. In: ZHENHUA, W. (ed.). Language in Education: Collected Works of J.R. Martin. Shanghai: Shanghai Jiao Tong University Press, 2012, v.7. p. 295-320., p. 271) afirmam que “Se os gêneros são tratados como padrões de significado, então para fazer análise gramatical relevante ao gênero, precisamos implantar a gramática que foca no significado”.

Perini (2019)PERINI, M. Gramática descritiva do português brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2019. reforça essa concepção ao conceber que o conhecimento consciente da estrutura e do funcionamento da língua com vistas à comunicação é parte essencial para alfabetização científica dos indivíduos, contrapondo-se, portanto, a uma abordagem gramatical prescritiva. Para o linguista, a gramática deve ser encarada como “o estudo de certos fatos da vida real” (PERINI, 2019PERINI, M. Gramática descritiva do português brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2019., p. 53), tal qual se estudam os animais, as plantas, os elementos químicos, conhecimentos que vão compor a bagagem cultural dos estudantes. Aqui pode-se ir até além, estendendo o trabalho de conscientização gramatical pela educação científica. Por meio dessa abordagem, Silva (2020SILVA, W. R. Educação científica como estratégia pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p.2278-2308, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106. Acesso em: 04 mar. 2021.
https://doi.org/10.1590/0103181382922162...
, p. 2294) defende um aprendizado de língua capaz de “proporcionar a autonomia necessária para que as pessoas se apropriem de saberes, práticas, habilidades ou competências necessárias ao exercício da cidadania”.

No tocante ao ensino de LP, infelizmente, a situação de muitas escolas inviabiliza um trabalho nessas dimensões, seja com a análise linguística, com a leitura, com a escrita ou com a oralidade. Se tomarmos como base o conceito do letramento escolar discutido por Signorini (2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190., 2007SIGNORINI, I. Letramento escolar e formação do professor de língua portuguesa. In: KLEIMEN, A.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada: suas faces e interfaces. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 317-337.), as ações verbais com a linguagem que se desenvolvem na escola são interpeladas por atores humanos e não-humanos, entre os quais figuram não apenas o aluno e o professor, mas também os materiais e recursos didáticos, documentos oficiais, condições físicas da escola, dentre outros atores de natureza humana ou não, retomando aqui os termos de Latour (2004)LATOUR, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: Edusc, 2004.. Tudo isso de algum modo compõe uma rede dinâmica em sala de aula, que “reorienta e transforma o curso de suas ações” (SIGNORINI, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190., p. 185), incidindo nos discursos dos estudantes e, consequentemente, na relação sujeito-língua(gem).

Portanto, o diálogo aqui proposto entre LA e AD privilegia o aluno, intencionando ouvi-lo a partir do seu olhar singular para a sala de aula. Quando ele toma a palavra, vêm à tona suas identificações acerca da visão de língua que o constitui, sua relação com a linguagem e suas expectativas sobre o processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, torna-se possível inserir-se no contexto educacional desse sujeito, e “trabalhar com alternativas de leitura/escrita que não reproduzam a lógica diglóssica de dicotomias estanques”, mas, ao invés disso, dar-lhe “a chance de sair, mesmo que precariamente, do estado de afasia em que se encontra” (SIGNORINI, 2004SIGNORINI, I. Invertendo a lógica do projeto escolar de esclarecer o ignorante em matéria de língua. Scripta, Belo Horizonte, n. 14, p. 90-99, 2004. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/12545. Acesso em: 16 jul. 2020.
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
, p. 98).

Percurso metodológico: em busca do objeto do discurso

Conforme esclarecemos na introdução deste artigo, o corpus desta investigação é constituído a partir de uma entrevista semiestruturada, realizada antes de uma intervenção pedagógica no âmbito do projeto de pesquisa ConGraEduC, que intenciona promover o estudo produtivo da gramática na educação básica pelo viés da educação científica. Os desdobramentos de cunho teórico-metodológicos no campo aplicado poderão contribuir para a transformação da prática de ensino informada por uma abordagem gramatical prescritiva e excessivamente metalinguística.

Os depoimentos foram gravados com nove alunos, de um total de 25 discentes de uma turma de 7º ano de uma escola rural de tempo integral. A sequência de alunos entrevistados ocorreu conforme a disponibilidade dos participantes, durante as atividades escolares. A sequência de entrevistas foi interrompida na semana anterior ao fechamento da escola, provocado pela pandemia da Covid-19. A referida instituição, que fica na zona rural, a 70 km da capital tocantinense, atende alunos das duas etapas do ensino fundamental. A maioria dos alunos participantes tem uma média de 12 anos e frequenta a escola desde os primeiros anos escolares. Uma vez gravados em áudio e vídeo e transcritos os dizeres, procuramos detectar as discursividades relacionadas ao ensino de LP, com vistas a delinear representações de gramática dos aprendizes e participantes da pesquisa. Foram aplicadas as regras de transcrição compartilhadas por Preti (1999)PRETI, D. (org.). O discurso oral culto. 2. ed. São Paulo: Humanitas, 1999..

Cabe mencionar ainda as condições de produção dos enunciados que constituem o corpus. A primeira autora deste artigo, pesquisadora na escola campo, foi responsável pela produção dos depoimentos discentes, em sala reservada. Para tanto, um questionário com 15 perguntas foi utilizado de forma a permitir que os participantes enunciassem sobre o ensino de LP, de forma a abranger questões relativas à gramática, leitura e escrita. No Quadro 1, elencamos apenas as questões selecionadas em função do recorte investigativo apresentado neste artigo. As questões foram utilizadas como roteiro, portanto, algumas paráfrases foram empregadas no diálogo com os alunos a fim de facilitar a compreensão dos participantes.

Quadro 1
– Perguntas da entrevista: recorte investigativo

Para evitar exposições ou constrangimentos indesejados, optamos por identificar os alunos apenas pelas duas primeiras iniciais do nome; já a entrevistadora será nomeada como Professora Pesquisadora (PP). Vale destacar ainda que os dizeres foram organizados em sequências discursivas (SD) que apontam regularidades enunciativas (RE).

Para o exame das respostas, partimos de uma abordagem qualitativa orientada pela análise linguística informada pelas teorias discursivas pecheutiana (ORLANDI, 2007ORLANDI, E.P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2007., 2020ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 13. ed. Campinas: Pontes, 2020.; PÊCHEUX, 1997PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. p. 61-161. Original de 1969.) e sistêmico-funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014.; THOMPSON, 2014THOMPSON, G. Introducing Functional Grammar. 3. ed. London: Routledge, 2014.). Assim, consideramos o imbricamento entre o intra e interdiscurso, de forma a entrever a memória mobilizada pelos participantes ao enunciarem sobre o ensino da LP e, em especial, da gramática. A partir da noção de ressonância discursiva, analisamos as marcas textuais e lexicais sinalizadas nos enunciados, tomando como base categorias da LSF.

Organizamos, então, os dizeres dos participantes por suas RE, as quais foram sistematizadas em quadros a partir do discurso predominante nas SD. Nas análises, realçamos algumas marcas linguísticas nos dizeres com o uso do itálico. Salientamos que os discursos se imbricam no processo enunciativo e foram aqui separados por razões didáticas, de modo a permitir o enfoque de efeitos de sentido mais predominantes.

Representações discursivas sobre gramática

Ao analisar os depoimentos, percebemos que os aprendizes deixam vir à baila uma representação de língua marcada pelo discurso da normatividade. Nesses enunciados, os alunos se inscrevem na crença da desigualdade entre falantes, mobilizando um dizer que remete ao seguinte discurso: “não são determinados usos que ele [o falante] faz da língua, ou determinadas formas que ele utiliza, que o legitimam enquanto falante ‘competente’ daquela língua” (SIGNORINI, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190., p. 171). Em outras palavras, há sempre a necessidade de dominar uma forma dita padrão pela intervenção contínua do professor. Seguem as RE nos dizeres desses alunos ao serem perguntados sobre o que era gramática e sua função.

RE 1 – Discurso da normatividade
SD1:
  • PP: você já ouviu falar na palavra gramática?

  • RL: Já

  • PP: já ... e o que que você entende pela palavra gramática?

  • RL: é algo que alguém fala errado a gente tem que corrigir.

SD2
  • PP: ((risos)) Muito bem --próxima pergunta ML é ... pra você o que é gramática?

  • ML: é a forma de falar corretamente escrever as palavras e formular frases corretamente.

  • PP: e qual seria o papel da gramática na nossa:: na sua formação? -- o que que você acha que a gramática ia ajudar na sua formação?

  • ML: porque a gente ia falar corretamente escrever corretamente e isso ia fazer sentido a tudo que a gente falasse escrevesse ou é ...

SD3
  • PP: Muito bem -- O que você entende por gramática?

  • LS: Gramática? Pesquisei sobre... você escreve uma palavra dentro de outra palavra. Acho que foi assim que o professor explicou -- Aí você escreve uma palavra dentro de outra palavra, aí significa gramática.

  • PP: O que você acha que seria a função da gramática no teu aprendizado aqui enquanto aluno – O que você acha que seria a contribuição o benefício para que:: que... você acha que iria ajudar? -- É uma opinião sua -- Em que que você acha que estudar gramática iria te ajudar?

  • LS: Ajudar a saber o que é a gramática... ajudar sobre escrever as palavras em gramática. É sobre isso (Eu não sei falar muita coisa não)

Fonte: ConGraEduC.

As imagens sobre aprender gramática são reforçadas na escola por práticas escritas e faladas que se sustentam a partir de ações materiais, como “escrever”, e de processos verbais como “falar”, “formular”. Esse aprendizado veicula a representação da legitimidade dos usos linguísticos que, apesar de ser reproduzido recorrentemente na escola, é um discurso de cunho político-ideológico baseado no “princípio liberal republicano, herdado do Iluminismo e da Revolução Francesa, de fazer equivaler língua legítima e língua comum de todos os cidadãos” (SIGNORINI, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190., p. 171).

Como é possível perceber nos enunciados, por um lado há uma apreciação pelo padrão hegemônico, marcado pelo uso do advérbio “corretamente” (SD2) e, por outro, há uma reação negativa à variante empregada pelo próprio aluno, tida como “errada” (SD1). Por meio dessas ressonâncias discursivas entre dizeres, o sistema de modo que regula a interatividade, na LSF, permite entrever a presença de um discurso fortemente favorável ao aprendizado de gramática normativa. Nesse caso, há um espaço de tensão envolvido no processo de aquisição da língua, em que os estudantes precisam, obrigatoriamente (tem que – SD1), se esforçar pela fala e pela escrita hegemônicas.

Essa é uma das crenças internalizadas por muitos pais e professores (incluindo aí os de língua materna), que insistem no mito de que a gramática é “uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua “‘bonita’, ‘correta’ e ‘pura’’’ (BAGNO, 2007BAGNO, M. Preconceito Linguístico: o que é como se faz. 48 ed. São Paulo: Loyola, 2007., p. 57). São essas representações imaginárias que constituem as formações discursivas dos sujeitos, levando-os a estudar gramática pelo viés do discurso da normatividade, o qual relaciona a aprendizagem de língua à aprendizagem da gramática prescritiva e esta, por sua vez, é vista como condição para se falar e escrever corretamente. É por isso que, quando questionados sobre as aulas de produção de texto, fica evidente essa preocupação dos estudantes pela escrita “direita”, conforme se observará na SD15.

Ao colocarem em cena enunciados que apontam para uma historicidade de língua condicionada à norma, os estudantes remetem a pré-construídos que fazem parte da memória social de um grupo. Muitos estudos já apontaram para a ênfase no ensino de gramática descontextualizada no âmbito da escola básica e suas respectivas consequências na formação dos alunos (BAGNO, 2000BAGNO, M. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo: Edições Loyola, 2000.; FRANCHI, 2006FRANCHI, C. Criatividade e Gramática. In: FRANCHI, C. Mas o que é mesmo “GRAMÁTICA”?. São Paulo: Parábola, 2006. p.34-101.; POSSENTI, 1996POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.; SILVA, 2011SILVA, W. R. Estudo da gramática no texto: demandas para o ensino e a formação do professor de língua materna. Maringá: UEM, 2011.), todavia, há ainda uma grande incidência dessa abordagem na sala de aula, corroborando sua representação pelos aprendizes.

Cabe destacar ainda que, atrelado ao discurso da normatividade, contraditoriamente, há aqueles que enunciam sobre gramática pelo viés do discurso de desconhecimento demonstrando-se completamente alheios ao assunto. No contexto das entrevistas, as ressonâncias discursivas em destaque ocorrem a partir de proposições da ordem da polaridade, marcada pela “escolha entre positivo e negativo”6 6 Do ponto de vista da metafunção interpessoal, quando dois ou mais interlocutores estão em interação face a face, como é o caso dos enunciados ilustrados, as respostas podem ser representadas por orações do tipo sim e não ou por proposições declarativas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014; THOMPSON, 2014). (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014., p. 173). As RE2 ilustram as afirmações dos estudantes.

RE2 – Discurso do desconhecimento da gramática
SD4
  • PP: O que você entende por gramática?

  • VG: eu não entendo nada professora ((risos))

SD5
  • PP: Você já ouviu falar na palavra gramática?

  • GR: Não

  • PP: Então... você não sabe que é gramática?

  • GR: Não!

SD6
  • LR: ((balançando a cabeça e sorrindo)) Hum hum sei não

SD7
  • MI: Gramática -- eu acho -- que na minha cabeça é algo que a gente ((pausa)) que a gente estuda assim alguma coisa.

SD8
  • JV: na minha opinião acho que gramática é interpretar alguma coisa ((sussurrando)) não tenho certeza não professora

Fonte: ConGraEduC.

VG e GR opinam negativamente por meio de um adjunto modal de polaridade (não SD5), desacompanhadas de atividade e sem muitas marcas de modalização7 7 Nas palavras de Halliday e Matthiessen (2014, p. 144), “é a escolha entre o positivo e o negativo. Para algo ser discutível, deve estar especificado pela polaridade”. , sendo, portanto, diretos. Já nos enunciados de LR, por sua vez, compreendendo os fatores contextuais envolvidos na situação comunicativa instaurada, modaliza-se o discurso por meio da interjeição (“hum, hum”), por meio de gestos (movimentos de cabeça, sorrisos) e também da negativa sei não (SD6). O efeito de sentido dessa proposição pode remeter a um certo desconforto do estudante diante do seu próprio discurso da falta, o que ele tenta amenizar quando modaliza.

Percebe-se ainda uma tentativa de enunciação por parte dos alunos, reforçada pelos processos mentais (entendo; acho; sei). Trata-se de um esforço dos aprendizes em retomar os sentidos preexistentes convocados pela formulação. De todo modo, os dizeres sugerem que a gramática é representada por um desconhecimento, visto que os participantes da pesquisa se posicionam, ora de forma categórica, afirmando desconhecer o termo questionado, ora de forma genérica, marcando a indefinição por meio do pronome “algumas” e do substantivo “coisa”.

É pertinente lembrarmos que, mesmo afirmando não saber gramática, os alunos conseguem se expressar pela fala, utilizando-se competentemente marcas linguísticas específicas como as que já foram apontadas anteriormente. Isso ocorre porque

[...] saber uma fala significa saber uma língua. Saber uma língua significa saber uma gramática [...] Saber uma gramática não significa saber de cor algumas regras que se aprendem na escola, ou saber fazer análises morfológicas e sintáticas. Mais profundo do que esse conhecimento é o conhecimento (intuitivo e inconsciente) necessário para se falar efetivamente a língua (POSSENTI, 1996POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. p. 30).

Outros enunciados ajudam a sinalizar o modo como essas representações discursivas vão se historicizando para os alunos. Quando questionados sobre como eram as aulas de leitura e produção escrita, observamos, na materialidade linguística, a predominância do ensino de gramática. Vejamos as RE3:

RE3 – Discurso da metalinguagem
SD9
  • PP: Não, não tem problema! É... Agora vamos a outra pergunta mais geral. É um particular seu-- É... você gosta das aulas de língua portuguesa?

  • GR: Gosto!

  • PP: O que que você mais gosta nas aulas de língua portuguesa? Pode falar mais alto

  • GR É... sobre verbos, vírgulas... e essas coisas

SD10
  • PP: VG o que que você mais gosta na aula de língua portuguesa?

  • VG: aprender... como é que é? ((buscando a resposta)) ... aprender linguagem PP: o que você entende por linguagem?

  • VG: ((sorrindo)) Ixi professora

  • PP: é a sua opinião...

  • VG: eu entendo que a gente tem que aprender como se escreve a palavra... vírgula essas coisas (sussurrando e sorrindo) é isso que eu sei

Fonte: ConGraEduC.

O que se pode entrever na SD9 é que os termos “sobre verbos vírgulas”, “como se escreve a palavra... vírgula” atuam como fenômenos8 8 No sistema de transitividade da LSF, o fenômeno, juntamente com o experienciador e o processo, são categorias das orações mentais (experiências que ocorrem no mundo interno). O fenômeno pode se referir a pessoas, objetos concretos ou abstrações. de construções gramaticais responsáveis pela explicitação de representações mentais. O afeto e a percepção dos participantes, formas de avaliar um determinado objeto, relacionam a aula de português a conteúdos de gramática. Eles quase não conseguem nomear, optando por generalizar o que estudam a partir do uso da expressão nominal “essas coisas”. Isso por sua vez instaura uma contradição, atravessada pela ausência e pela presença no tocante à representação de gramática normativa. Se por um lado há discursividades que apontam para o seu funcionamento na memória discursiva dos sujeitos, por outro, há depoimentos anteriores que acenam para a ausência desse saber.

Os discursos analisados revelam uma heterogeneidade de vozes no espaço escolar, pelas quais os sujeitos se colocam em estado de desigualdade linguística. A forma de enunciação sobre a aprendizagem de gramática se pauta no imaginário do falante ideal, que, por meio do domínio da norma, consegue falar e escrever corretamente.

Representações discursivas sobre a aula de LP

Discutimos agora representações discursivas sobre a aula de LP como um todo, a partir dos depoimentos dos sujeitos aprendizes acerca das aulas de leitura e produção escrita: elas aconteciam? Como aconteciam? Com que frequência?

Pelo que é possível depreender das discursividades na materialidade linguística, os sujeitos concebem a aulas de LP a partir de representações alicerçadas no processo de escolarização. Para efeitos de organização textual, optou-se por elencar os enunciados e suas respectivas sequências discursivas separadamente. As RE4 mostram o ensino e aprendizagem de leitura como mero exercício escolar.

RE4: Discurso da escolarização
SD11
  • PP: É::: Por exemplo.. quais são os espaços ou tempo das atividades de leitura nas aulas de língua portuguesa? Como é que são as aulas de leitura na língua portuguesa? Elas acontecem? Como é que elas acontecem? Você pode até citar do ano passado

  • MI: Ela acontece. Quando o aluno tá:: o professor tá lendo e o aluno não tá prestando atenção, o professor bota o aluno pra ler

SD12
  • PP: É:: outra pergunta. Você sabe que a gente tem atividades de leitura, né, na sala, principalmente, nas aulas de língua portuguesa, não é? Você acha que tem muita aula de leitura na sala? Quanto tempo mais ou menos você acha que vocês têm de aula de leitura na sala? Pode ser anos anteriores, agora, quanto tempo? vocês têm mais aula de leitura?

  • LS: Quanto tempo a gente tem mais aula de leitura? É em português! A gente ler, é... a gente ler sobre livros, sobre tarefas. Você vai fazer a tarefa, aí, vai ter que ler aquela tarefa. É só isso!

SD13
  • PP: A outra pergunta. Quais são os espaços ou tempo das atividades de leitura nas aulas? Por exemplo, como é que são as aulas de leitura, é, na escola? Como é que é, como é as aulas de leitura na escola? Como, o que que vocês aprendiam nessas aulas de leitura? Fale mais alto

  • DR: Aprendendo a ler. E:: ((pensativo))

  • PP: Mas... e como eram as atividades de leitura? Mas como eram... como eram? Cês fazia o quê nas aulas de leitura?

  • DR: Nós líamos um capítulo sobre o livro, e quando a gente não soubesse a palavra, o professor ia lá e falava para a gente qual o significado daquela palavra.

SD14
  • PP: Por exemplo, quais são os espaços ou tempos nas atividades de leitura nas aulas de língua portuguesa? quais são quantas vezes tem aula de leitura e não precisa ser exatamente se referir só esse ano não desde o ano passado quais são -- que atividade de leitura você costumava fazer como é na sala de leitura tinha aula de leitura como essas aulas quantas vezes na semana eu queria que você explicasse isso para gente

  • J.V: Sim, era pouca leitura mas a gente lia é::: por exemplo no ano passado mermo a gente lia várias ... uma aula.. duas aulas por aí ... era o máximo também né? Aí a gente pegava lia ... lia lá na frente explicava os outros alunos do que a gente tava lendo aquele texto e também era ... ((pensando com a mão no queixo))

Fonte: ConGraEduC.

A primeira representação observada aqui pode ser sintetizada a partir do enunciado “O professor bota o aluno para ler” (SD11), que iguala o exercício de leitura a uma prática punitiva pela falta de atenção do aluno durante o ato de ler do professor. O processo material “botar”, marcado a partir de sua variante local de uso informal, denota um sentido de obrigação, reforçando o discurso de leitura punitiva. Ainda nessa representação os estudantes deixam vir à tona a imagem de leitura como processo intermediário, envolvendo sempre uma atividade, como “fazer tarefa” (“vai ter que ler aquela tarefa” – SD12), decifrar o “significado daquela palavra” (SD13) ou explicar “[a]os outros alunos do que a gente tava lendo” (SD14).

Os processos acima grifados são da ordem do material (“está lendo”; “bota”), do verbal (“falava”; “explicava”) e ocorrem na perspectiva de uma terceira pessoa, o professor, reforçando esse caráter escolarizado e de passividade da leitura na sala de aula. Os anos finais do ensino fundamental deveriam continuar promovendo a leitura prazerosa, da descoberta, consolidando a conscientização dos aprendizes no tocante ao funcionamento da escrita do português, dentre outras semioses responsáveis pela interação9 9 Sobre a prática de leitura, é dito na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que “o Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e da sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisas e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos, realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades” (BRASIL, 2017, p. 71, grifo do autor). .

A leitura é uma interação ativa, o que pressupõe professor e alunos lendo textos de gêneros diversos e com fins variados, capazes de “‘imitar’ da forma mais próxima possível as atividades linguísticas da vida” (POSSENTI, 1996POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996., p.48). Todavia, no imaginário coletivo dos estudantes, refletidos nos enunciados, a leitura é quase sempre evocada pelo discurso da escolarização, cujo efeito produzido é o de passividade; em outras palavras, a leitura não é enunciada como prática movida pela curiosidade, busca por conhecimento, envolvendo pesquisa, debate, encenações.

Sobre a produção escrita, é alinhada ao enfoque da ortografia e da cópia. O que parece escapar aos sujeitos-aprendizes, através desses dizeres, não se distancia muito da representação do trabalho com leitura. São igualmente atividades puramente escolarizadas que tomaram lugar das práticas de produção escrita; exercícios mecânicos que servem como pretexto para o treino da escrita de palavras.

RE5 – Discursos da cópia e do cuidado com a ortografia da língua
SD15
  • PP: E as atividades de escrita, produção escrita, como era as aulas de produção de texto, nas aulas de português?

  • DR: A gente aprendeu a escrever direito, quando a gente escreve uma palavra errada, o professor vai lá e corrige, falando pra gente escrever direito

SD16
  • PP: Como é a aula de produção de texto?

  • VG: ((a entrevistadora aproxima o celular da boca do entrevistado)) a gente escreve do quadro do livro também aí quando a gente escreve um texto de redação a gente erraquando a gente erra tem que escrever tudo de novo pra resumir

SD17
  • PP: Ótimo ... e:: as atividades de produção de texto... como eram?

  • ML: a gente... a professora falava que ela queria pra gente poder produzir se era um texto é:: ((mão na cabeça)) seja diálogo essas coisas e a gente fazia daí depois ela corrigia e ficava por isso.

  • ML:110 ((a entrevistadora aproxima o celular da boca do entrevistado)) Ah muita diferença porque no passado a gente copiava textos e do livro fazendo muita atividade do livro e esse ano não a gente tá ...é::: aprendendo com explicações trabalhos e atividades fora do contexto de quadro então é::: eu acho que mudou muito por isso

Fonte: ConGraEduC.

Essa representação de escrita com enfoque na ortografia e na cópia opera discursivamente por meio de processos materiais (“escreve” – SD16; “copiava” – SD17), atrelados a circunstâncias (“do quadro do livro” – SD16; “do livro” – SD17). Dessa combinação gramatical, depreende-se que a maioria das atividades ocorre sem transformação ou criatividade, exceto os dizeres de ML, que apontam para uma mudança decorrente do modo de execução das aulas de produção escrita (“com explicações trabalhos e atividades fora do contexto de quadro” – SD17) de um ano letivo para o outro.

Tomando como base os enunciados de DR e VG, é possível perceber a recorrente referência ao erro (“quando a gente erra” – SD16) e ao modo como deve ser a escrita (“direita” – SD15). Os efeitos de sentido dessas ressonâncias reforçam o imaginário da redação escolar, inscrevendo a prática de escrita ao discurso do cuidado com a ortografia da língua. Cabe destacar que a preocupação da escola com o “erro” é válida, na medida em que o foco de correção convirja para uma reescrita não apenas da forma, a exemplo dos equívocos ortográficos e gramaticais, mas também do conteúdo, tomando como referência situações interativas efetivas, possibilitando, portanto, que os alunos façam adequações textuais conforme o gênero tomado como referência.

Quanto às enunciações de VG e ML, a representação das atividades de escrita desses colaboradores é afetada pelo discurso da cópia, de modo que as circunstâncias empregadas nos depoimentos não relacionam a escrita a atividades contextualizadas e de caráter subjetivo. A impressão é que, ao se posicionarem, os participantes parecem reclamar atividades de produção textual atreladas a alguma funcionalidade, passível de circulação em algum contexto instaurado a partir do planejamento pedagógico realizado pelo professor (“depois ela corrigia e ficava por isso” – SD17).

Nesse mesmo depoimento, são referenciadas ainda prováveis atividades de revisão, pelo visto apenas porque houve o que é denominado de erro e não um projeto de dizer (“a gente erra aí quando a gente erra tem que escrever tudo de novo pra resumir” – SD16). Os alunos evocam também em seus dizeres um provável trabalho pedagógico com gêneros e sequências tipológicas (“seja diálogo essas coisas” – SD17), tal como encorajam documentos oficiais e literaturas especializadas dos estudos da linguagem (BRASIL, 2017BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf. Acesso em: 26 jul. 2020.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
; SILVA, 2011SILVA, W. R. Estudo da gramática no texto: demandas para o ensino e a formação do professor de língua materna. Maringá: UEM, 2011., 2015SILVA, W. R. Gêneros em práticas escolares de linguagens: currículo e formação do professor. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 15, n. 4, p. 1023-1055, 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1984-639820156170. Acesso em: 23 jul. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/1984-639820156...
). Só que, como as produções dos alunos não circulam, como os textos reais, os estudantes corroboram a representação de que produzir texto equivale a fazer cópia. Nessa perspectiva, sugere Possenti (1996POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996., p. 49):

Para se ter uma ideia do que significaria escrever como trabalho, ou significativamente, ou como se escreve de fato “na vida”, basta que verifiquemos como escrevem os que escrevem: escritores e jornalistas: eles não fazem redações. Eles pesquisam, vão à rua, ouvem outros, leem arquivos, leem outros livros. Só depois escrevem, e leem e releem, e depois reescrevem, e mostram para os colegas ou chefes, ouvem suas opiniões, e depois reescreve de novo. A escola pode muito bem agir dessa forma [...]

É válido mencionar que esses discursos acerca de leitura e escrita ecoam em outros depoimentos, como, por exemplo, quando os aprendizes enunciam sugestões para as aulas de LP. As representações identificadas que se sustentam na materialidade linguística não são exatamente aquelas que os estudantes queriam para as aulas de LP.

RE6 – Discurso das atividades interativas e inovadoras
SD18
  • PP: Se você pudesse sugerir para o ((nome professor)) que é professor de português e pra mim que estou também trabalhando agora pra melhorar aula de português o que que você ia dizer para gente fazer pra melhorar.. que atividade você acha que seria melhor pra a gente fazer?

  • VG: É::: ((pigarro)) fazer .. PESquisa mesmo essas coisas a gente precisa muito aprender porque nunca fizemos essas coisas né? Pesquisa... trabalho ... em grupo essas coisas

SD19
  • PP: Entendi ... é::: se você pudesse sugerir para o ((nome do professor)) que é seu [

  • ML: [Nossa ((com a mão na boca e sorrindo))

  • PP: [professor de português e para mim que agora estou também na disciplina... o que que você ia sugerir para MElhorar? Que atividade você acha que daria certo para turma -- que você conhece a turma -- que daria certo para que todos eles se interessassem para aprender português?

  • ML: ((aproxima o celular da boca do entrevistado)) com certeza... vídeo aulas?PP: vídeo aulas?

  • ML: [é

  • PP: [como seria isso?

  • ML: [não de copiar ... ou como vocês fazem ... do jeito que vocês fazem eles gostam porque vocês não copiam muito vocês explicam o conteúdo que vocês estão passando isso -- aí eles fica -- eles prestam-- ele fica focado no negócio porque ... é ... não tá escrevendo ((risos))

  • PP: Mas que atividades você acha que poderiam melhorar mais?

  • ML: não sei ((balançando a cabeça))

  • PP: Mas já que você gostaria que tivesse então?

  • ML: ((coloca a mão na boca pensa e depois põe a mão no queixo)) passeios P

  • P: Atividades com passeios?

  • ML: Arraan

SD20
  • PP: ((gravador do celular próximo à boca)) Outra pergunta-- Por exemplo... se você pudesse sugerir para o ((nome do professor da turma)) ou para mim que estou também trabalhando a disciplina de língua portuguesa o que você diria pra a gente fazer pra melhorar para turma?

  • GR: ((gravador do celular próximo à boca)) É::: pra nós ir estudar bem, as tarefa, vocês passarem o projeto pra nós, pesquisa sobre o coronavírus!11 Pronto!

SD21
  • PP: Tá bom! E:: se você pudesse sugerir alguma atividade para mim ou ((nome do professor da turma)) -- alguma atividade para gente melhorar a língua portuguesa -- que atividade você ia sugerir? Que tipo de atividade você acha que poderia ter na aula ficar mais legal?

  • MI: ((pensando, olhando para os lados))

  • PP: Pode falar à vontade, nós estamos aqui como imparciais.

  • MI: Eu acho que a gente é:: fazer mais tarefa brincando com a gente, que a gente aprende, mais ainda, por causa que ficar toda hora, só escrevendo, só sentado.

  • PP: Cansa?

  • MI: Cansa muito. ((Confirma a resposta da PP)) PP: Anran... Nossa gente, achei ela muito honesta. Muito bem! Tem que ser assim, franco, verdadeiro, né! Ótimo!! Então você ia sugerir isso pra gente. Atividades onde se brinca mais. Beleza!

Fonte: ConGraEduC.

Nesses depoimentos, vêm à tona dizeres que fazem ressoar a ideia da projeção futura nas aulas de LP, algo que nunca se alcança, cujo sentido aponta para uma falta. As ações são em sua maioria materiais e operam discursivamente expressando um acontecimento concreto (“fazer pesquisa, fazer trabalho em grupo” – SD18; “passeios” – S19; “passar o projeto” – SD20; “fazer mais tarefa brincando” – SD21). O que se pode entrever é uma inversão na representação das aulas de LP sugerida pelos participantes: em vez de atividades repetitivas e com certa passividade (“não de copiar” – S19; “ficar toda hora só escrevendo, só sentado” – S20), aulas com maior interação.

A identificação desses discursos é da ordem do devir, ou seja, acena para os desejos dos alunos de que a aula pudesse ser diferente do que normalmente acontece, resultando em aprendizagem para eles. São mencionadas metodologias (“atividades em grupo” – SD18) passeios (SD19), projetos (SD20) e recursos (“videoaulas” – SD19), pesquisa na internet (SD20), que apontam para fora da escola, atividades que, na visão deles, colaborariam para melhorar o ensino de LP, ou seja, sistemas de objetos12 12 Os sistemas de objetos se referem aos atores não-humanos, na concepção da rede de Latour (2004), cujos impactos recaem direta ou indiretamente na aula. Entre esses atores mais citados nos enunciados, o livro didático e o quadro branco são os mais utilizados pelos professores. que incidem na “dinâmica da sala de aula e das ações verbais de professores e alunos” (SIGNORINI, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190., p. 185). Além disso, a maioria desses colaboradores enunciaram como sugestão o trabalho com pesquisa, algo que pode estar atrelado à rotina que o professor de LP, doutorando e integrante do projeto de pesquisa focalizado neste artigo, vem desenvolvendo em sala de aula, com destaque reconhecido em algumas feiras científicas em outros Estados13 13 Entre os trabalhos desenvolvidos pelo Prof. Rosielson Soares de Sousa, citamos “Leitura e interpretação de pictogramas em bulas/rótulos de agrotóxicos”. O trabalho foi premiado com bolsas de Iniciação Científica Júnior (ICJ/CNPq) pela Feira Brasileira de Ciências e Engenharias (FEBRACE), em 2020. Outro projeto coordenado pelo referido professor é “Quando a linguagem científica e o conhecimento prático se encontram no ‘Texto de Campanha sanitária’: um diálogo (im)possível para o homem do campo”, 2º colocado na Feira Brasileira de Iniciação Científica (FEBIC), em 2019. . Esses dizeres podem revelar ainda alguma expectativa no tocante à intervenção pedagógica informada pela abordagem da educação científica.

Ao se inscreverem nesse discurso das atividades interativas e inovadoras, aventamos que o imbricamento entre a conscientização linguística e a educação científica, um letramento escolar mais amplo, mais significativo, seja um dos encaminhamentos possíveis para o desenvolvimento de práticas sociais culturalmente relevantes e críticas (FREIRE, 2019FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 60. ed. Rio de Janeiro: São Paulo: Paz & Terra, 2019.). Essa abordagem que se pretende implementar na escola campo desafia o aluno; leva-o a trabalhar sobre usos da língua, a levantar hipóteses acerca desses usos, a fazer investigação com rigor, para, finalmente, apresentar os resultados aos colegas e à comunidade. O tratamento da língua nessas condições pode tornar o estudo da linguagem cada vez mais dinâmico, promovendo competências e habilidades essenciais a um sujeito pós-moderno e heterogêneo (SILVA, 2020SILVA, W. R. Educação científica como estratégia pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p.2278-2308, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106. Acesso em: 04 mar. 2021.
https://doi.org/10.1590/0103181382922162...
).

É interessante observar que, a partir da maioria dos depoimentos analisados, há a construção de uma discursividade tenso-conflitiva na relação dos estudantes com o estudo da linguagem e que é representada por duas imagens. A primeira, vivenciada constantemente pelos participantes, está centrada na normatividade, no erro, na cópia e, até mesmo, no desconhecimento. A segunda é aquela que os aprendizes gostariam de ter na escola, marcada por atividades mais interativas e inovadoras. Isso é o que pode ser constatado nos dizeres da RE7, enunciados a partir do seguinte questionamento: “Por que você se interessou em participar do projeto?”.

RE7 – Discurso do lúdico
SD22 VG: porque é muito bom... a gente aprende mais porque lá na frente quando eu for para a faculdade eu posso precisar dessa pesquisa e é muito bom.
SD23
  • ML: porque é uma coisa diferente uma coisa que a gente não vê todo dia né? porque sempre quadro é:: (( balançando a cabeça)) (...) a gente copia e faz as coisas no livro uma aula mais dinâmica que é mais divertida... então acho que é:: bem mais legal

  • PP: [mais mais ((interrompendo e indagando a aluna a prosseguir a resposta))

  • ML: [mais é:: divertido né? e daí faz com que todo mundo se interessa a participar das aulas e ficar prestando mais atenção ao conteúdo.

Fonte: ConGraEduC.

As respostas trazem implicações no rumo de uma representação de esperança para com a escola e o ensino de LP. O discurso da utilidade pode ser visto na SD22, quando o participante, felizmente, evoca a crença numa escola que pode ser conectada com práticas do mundo real, que o permitam chegar até uma “faculdade”, despertem interesse (“todo mundo se interessa a participar”). Contudo, eles reclamam para si, e com razão, por meio do discurso do lúdico, “aula mais dinâmica que é divertida” (SD23), o que pode significar, aulas inseridas em práticas funcionais, tais como aquelas em que a maioria das crianças está inserida fora da escola, cujo aprendizado acontece brincando, observando, testando, vivenciando, indagando.

Considerações Finais

Considerando os princípios teóricos enunciados ao longo deste artigo, percebemos uma heterogeneidade de vozes que reforça o desejo de aquisição dos padrões de prestígio da língua através da escolarização/universalização desse saber. Assim, as imagens construídas nos discursos desses estudantes são perpassadas por uma memória de normatividade, de modo que a maioria dos sujeitos não consegue se desvencilhar da ideia de gramática atrelada ao falar correto. Há ainda dizeres que clamam por uma inovação ou prática pedagógica diferenciada nas aulas de LP.

Nos depoimentos, são descritas práticas pedagógicas repetitivas e até equivocadas do ponto de vista teórico-metodológico, especialmente aquelas relacionadas aos eixos de leitura e escrita. Por fim, há aqueles que, ao tomarem a palavra, deixam registrado um desconhecimento notório nos dizeres acerca da gramática e, consequentemente, de suas contribuições para o ensino de língua. Muitos se mostram alheios ao seu papel enquanto estudantes, não se posicionando para o exercício de aprender linguagem de forma consciente.

Pensando nessas relações, foi atribuída uma atenção especial às ressonâncias discursivas dos estudantes em relação ao posicionamento deles para com o ensino de língua materna. Desse modo, ao se verificar de que maneiras esses aprendizes marcam, na materialidade linguística, o anseio por um ensino de língua que leve em conta suas singularidades pessoais e coletivas, esperamos também ter ilustrado um modelo contextualizado de análise de falas transcritas.

A tarefa do ConGraEduC de familiarização dos estudantes com práticas características da educação científica parece, num primeiro momento, desafiadora, por conta das malhas discursivas nas quais os sujeitos estão inscritos; todavia, por outro lado, enquanto linguistas aplicados, isso oportuniza a tentativa de (re)significar esses discursos, promovendo um enfrentamento alicerçado em bases teórico-metodológicas cientificamente coerentes. Nesse processo, o esperado é um desarranjo na rede de sentidos, tanto do professor como do aluno, com vistas a construir novas possibilidades de ensino-aprendizagem de língua.

Na prática, isso significa ouvir o aprendiz, levando em conta sua pluralidade e diferença, e partindo de uma língua próxima, fazê-lo mesmo investigar os fenômenos típicos da linguagem como forma de desenvolver a consciência de sua própria capacidade cognitiva, de modo a potencializar suas habilidades e competências comunicativas.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo financiamento do projeto de pesquisa Conscientização Gramatical pela Educação Científica (CNPq 441194/2019-2) e pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida ao segundo autor deste artigo (CNPq 304186/2019-8).

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    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/EUTOMIA/article/view/240212/33807
  • THOMPSON, G. Introducing Functional Grammar. 3. ed. London: Routledge, 2014.
  • 1
    Trata-se do projeto Conscientização Gramatical pela Educação Científica, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Tocantins (UFT), a partir do parecer 3.457.383. O projeto é desenvolvido no grupo de pesquisa Práticas de Linguagens (PLES) e coordenado pelo Prof. Dr. Wagner Rodrigues Silva (UFT/CNPq).
  • 2
    Cabem ainda nessa noção apresentada pela autora parametrizações entre o formal e o informal, língua e dialeto, língua culta e não culta. (SIGNORINI, 2006SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190.).
  • 3
    Uma versão adaptada desta proposta para escolas brasileiras é apresentada por Silva (2015)SILVA, W. R. Gêneros em práticas escolares de linguagens: currículo e formação do professor. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 15, n. 4, p. 1023-1055, 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1984-639820156170. Acesso em: 23 jul. 2020.
    http://dx.doi.org/10.1590/1984-639820156...
    .
  • 4
    “Esses alunos se consideravam uma ‘nova geração’ que não precisa aceitar as classificações étnicas do apartheid” (MARTIN; ROSE, 2012MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding Assymetries. In: ZHENHUA, W. (ed.). Language in Education: Collected Works of J.R. Martin. Shanghai: Shanghai Jiao Tong University Press, 2012, v.7. p. 295-320., p. 313).
  • 5
    Esse termo foi tomado de empréstimo de Signorini (2006)SIGNORINI, I. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola, 2006. p. 169-190. e se refere ao estado de invisibilidade e exclusão de falantes em contextos de uso da língua legitimada.
  • 6
    Do ponto de vista da metafunção interpessoal, quando dois ou mais interlocutores estão em interação face a face, como é o caso dos enunciados ilustrados, as respostas podem ser representadas por orações do tipo sim e não ou por proposições declarativas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014.; THOMPSON, 2014THOMPSON, G. Introducing Functional Grammar. 3. ed. London: Routledge, 2014.).
  • 7
    Nas palavras de Halliday e Matthiessen (2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4. ed. London: Routledge, 2014., p. 144), “é a escolha entre o positivo e o negativo. Para algo ser discutível, deve estar especificado pela polaridade”.
  • 8
    No sistema de transitividade da LSF, o fenômeno, juntamente com o experienciador e o processo, são categorias das orações mentais (experiências que ocorrem no mundo interno). O fenômeno pode se referir a pessoas, objetos concretos ou abstrações.
  • 9
    Sobre a prática de leitura, é dito na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que “o Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e da sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisas e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos, realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades” (BRASIL, 2017BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf. Acesso em: 26 jul. 2020.
    http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
    , p. 71, grifo do autor).
  • 10
    Esse enunciado, apesar de ser uma resposta à questão sobre a prática de leitura, foi incluído aqui no tópico sobre escrita por ser bastante espontâneo e por reforçar a discursividade da cópia, algo recorrente em outros depoimentos dessa estudante.
  • 11
    É possível que o aluno esteja se baseando em uma aula ministrada na sala sobre essa temática, cuja metodologia empregada fez uso de pesquisa na internet via smartphone.
  • 12
    Os sistemas de objetos se referem aos atores não-humanos, na concepção da rede de Latour (2004)LATOUR, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: Edusc, 2004., cujos impactos recaem direta ou indiretamente na aula. Entre esses atores mais citados nos enunciados, o livro didático e o quadro branco são os mais utilizados pelos professores.
  • 13
    Entre os trabalhos desenvolvidos pelo Prof. Rosielson Soares de Sousa, citamos “Leitura e interpretação de pictogramas em bulas/rótulos de agrotóxicos”. O trabalho foi premiado com bolsas de Iniciação Científica Júnior (ICJ/CNPq) pela Feira Brasileira de Ciências e Engenharias (FEBRACE), em 2020. Outro projeto coordenado pelo referido professor é “Quando a linguagem científica e o conhecimento prático se encontram no ‘Texto de Campanha sanitária’: um diálogo (im)possível para o homem do campo”, 2º colocado na Feira Brasileira de Iniciação Científica (FEBIC), em 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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