Acessibilidade / Reportar erro

VOZES E OLHARES DE MIGRANTES BRASILEIROS NA EUROPA 1 1 Este artigo resulta do projeto de pós-doutorado “Emigrantes brasileiros no contexto europeu”, desenvolvido no LAEL/PUC-SP, de agosto de 2019 a julho de 2020, com a supervisão da Professora Beth Brait. Para o período de outubro de 2019 a março de 2020 (seis meses), contamos com uma bolsa de Professor Visitante Sênior (PRINT-CAPES/UFMG) na França, com a (co)supervisão do Professor Dominique Ducard (Université Paris-Est Créteil – UPEC).

RESUMO

Apesar da migração, cada vez maior, de brasileiros para a Europa, pouco espaço tem sido dado para que tais indivíduos textualizem suas experiências de vida, uma vez que eles são, em geral, representados por “porta-vozes” oficiais (especialistas, agentes governamentais, entre outros) ou reduzidos a números e estatísticas. Na contramão dessa tendência, o presente artigo tem como objetivo examinar e comparar, à luz da Análise do Discurso Francesa (ADF), com incursões na Análise Dialógica do Discurso (ADD), três narrativas de vida de migrantes brasileiros que vivem ou viveram na França e/ou em Portugal e/ou na Inglaterra, a fim de apreender as representações (de si, dos outros, do mundo) que eles constroem no/por meio do seu dizer. Considerando que cada sujeito é único e seu relato, singular, os resultados obtidos revelam diferenças na forma de contar e avaliar a experiência migratória, mas permitem também apreender aspectos comuns, tais como a definição do Brasil pela falta: falta de oportunidades, falta de qualidade de vida, falta de uma situação política favorável, o que leva os sujeitos ao deslocamento e faz da Europa um “porto seguro” para eles, inviabilizando um projeto de retorno.

migração; narrativas de vida; brasileiros; Europa

ABSTRACT

Despite the increasing migration of Brazilians to Europe, little space has been given for these individuals to textualize their life experiences, since they are, in general, represented by official “spokespersons” (experts and government agents, among others) or reduced to numbers and statistics. Against this trend, this paper aims to examine and compare in the light of French Discourse Analysis, with incursions in Dialogical Discourse Analysis, three life stories produced by Brazilian migrants that live or have lived in France and/or in Portugal and/or in England, so as to find out their discursive representations (of themselves, of the others, of the world). Since each individual is unique and their story is particular, the results reveal differences in the way of telling and evaluating the migratory experience, but they also allow us to apprehend shared aspects, such as the definition of Brazil as a lack: lack of opportunities, lack of life quality, lack of a favorable political situation, which leads people to displacement and turns Europe into a “safe harbor” for them, making a return project impracticable.

migration; life stories; Brazilians; Europe

Introdução

Pelo termo “imigração” (do latim immigratio ) deve-se entender a entrada num dado país de uma pessoa, vinda do estrangeiro, que aí se estabelece. Trata-se de um processo histórico que liga países num processo de dependência: a sociedade que “exporta” seus emigrantes e aquela que os acolhe, transformando-os em imigrantes. Mais do que um fenômeno geográfico, os movimentos migratórios constituem uma característica universal da história da humanidade, remontando a muitos milhares de anos e assumindo uma diversidade cada vez maior ( LAACHER, 2012LAACHER, S. Ce qu’immigrer veut dire. Paris: Le Cavalier Bleue, 2012. ; BARTRAM et al., 2014BARTRAM, D. et al. Key concepts in migration. London: Sage, 2014. ; BLANCHARD et al. , 2016BLANCHARD, P. et al. Atlas des immigrations en France. Paris: Autrement, 2016. ).

Até meados do século XVIII, as populações se deslocavam de forma regular, sem grandes entraves. É com o aparecimento dos Estados-nações, no século XIX, que a gestão dos fluxos migratórios passa a ser um problema, já que a “invenção” da fronteira (tomada como uma linha oficial que divide territórios) passa a distinguir os nacionais dos não nacionais: os estrangeiros/migrantes, 2 2 Os textos consultados ora usam migração/migrante, ora imigração/imigrante, numa variação muito grande. Em consonância com Calabrese e Veniard (2018) , utilizaremos doravante migração (migrante) que, segundo as autoras, é um termo relativamente neutro que descreve simplesmente um processo de mobilidade. Manteremos, porém, os termos imigração/imigrante (ou emigração/emigrante) quando se tratar de citações de textos que os utilizam. gerando mecanismos de inclusão e de exclusão e tornando-se, assim, um elemento-chave na constituição da identidade e da alteridade ( LAACHER, 2012LAACHER, S. Ce qu’immigrer veut dire. Paris: Le Cavalier Bleue, 2012. ; BOUDON, 2018BOUDON, B. Étranger: la constitution progressive d’une catégorie juridique et statistique. In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 91-97 ; BARTRAM et al ., 2014BARTRAM, D. et al. Key concepts in migration. London: Sage, 2014. ). Em outras palavras: a percepção da condição de estrangeiro é um componente essencial do conceito de migrante.

É da oposição entre a legitimidade do nós (nacionais) e a ilegitimidade do eles (os outros/não nacionais) que surgem, sobretudo nos momentos de crise econômica e/ou política, questões envolvendo os custos sociais dos migrantes, frequentemente, associados ao aumento da delinquência, à redução de empregos e salários, a algo, enfim, que ameaça a identidade e a coesão nacional, ainda que pesquisadores como Laacher (2012)LAACHER, S. Ce qu’immigrer veut dire. Paris: Le Cavalier Bleue, 2012. e Portes (2019)PORTES, J. Immigration. London: Sage, 2019. se empenhem em demonstrar que essas acusações são, no mínimo, exageradas, apontando, ao contrário, para os impactos positivos da migração (como, por exemplo, o de preencher lacunas específicas no mercado de trabalho). Isso não impede, porém, que surjam atitudes discriminatórias e xenófobas e que as políticas migratórias se tornem cada vez mais restritivas.

Ainda que a migração não seja um fenômeno recente, nas últimas duas décadas é possível observar um aumento significativo dos movimentos migratórios no mundo. Segundo dados do World Migration Report 2020 , 3 3 Disponível em: https://publications.iom.int/books/world-migration-report-2020 . Acesso em: 22 jun. 2020. divulgados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), o mundo possui hoje cerca de 272 milhões de migrantes internacionais. Em 2019, 80 milhões dessas pessoas foram deslocadas à força devido a fatores como conflitos, perseguições, violência ou violações de direitos humanos, como informa o relatório Global Trends: Forced Displacement in 2019. 4 4 Disponível em: https://www.unhcr.org/globaltrends2019/#_ga=2.122483147.1574582187.1593550622-214709847 3.1584824246. Acesso em: 22 jun. 2020. Mas, além dessa migração forçada, a que se sujeitam os ditos “refugiados”, muitos se deslocam para outros países em busca de melhores condições de vida (oportunidades profissionais ou de estudo) e/ou para se juntarem a familiares já imigrados, constituindo, nesse caso, o que se costuma chamar de “migrantes econômicos” ou, simplesmente, migrantes.

Nessa perspectiva, embora os termos refugiado e migrante sejam, com frequência, utilizados como sinônimos, eles têm significados muito diferentes. Calabrese (2018)CALABRESE, L. Diversité, entre constat et injonction. In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 71-79. , por exemplo, explica que o termo refugiado faz parte do vocabulário jurídico e, como tal, constitui uma categorização social que dá acesso a proteção, ao contrário de migrante que não dispõe de definição jurídica. Assim, se refugiado, do ponto de vista legal, é qualquer pessoa que muda de país, buscando escapar de conflitos armados, perseguições (política, étnica, religiosa etc.) ou violação de direitos humanos (Convenção de Genebra, 1951), migrante é aquele que se desloca por vontade própria, mesmo que seja na tentativa de escapar da pobreza ou de buscar melhores condições de vida. Muitos pesquisadores ( CLOCHARD, 2007CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illégalité. EchoGéo, Paris, v. 2, p. 1-8, sep./nov. 2007. Disponível em: http://echogeo.revues.org/1696. Acesso em: 14 jul. 2021.
http://echogeo.revues.org/1696...
; BARTRAM et al. , 2014BARTRAM, D. et al. Key concepts in migration. London: Sage, 2014. ; AKOKA, 2018AKOKA, K. Qu’est-ce qu’un réfugié: Des usages politiques des definitions juridiques. In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 183-197. , entre outros) têm questionado essa dicotomia, propondo, ao contrário, um continuum entre os dois termos (e entre as categorias que representam).

É importante considerar, de qualquer forma, que os brasileiros que se deslocam para a Europa atualmente não se sujeitam a uma migração forçada. Se, nas décadas de 1960-1970, existiu a figura do “exilado político”, oriundo da ditadura militar no Brasil, hoje aqueles que decidem mudar de país o fazem por vontade própria, a partir de motivações diversas que vão além da questão política. E mesmo que não possamos falar propriamente de situação de vulnerabilidade para esses sujeitos – quando pensamos, por exemplo, em pessoas vivendo em acampamentos com pouca ou nenhuma infraestrutura ou empreendendo travessias arriscadas para chegar ao país de destino –, lembremos que a decisão de migrar não deixa de ser um processo doloroso de “desenraizamento”, que envolve múltiplos fatores (familiares, culturais, geográficos, econômicos), nada tendo a ver com uma escolha aleatória ou impulsiva ( BERNARD, 2002BERNARD, P. Immigration: le défi mondial. Paris: Gallimard, 2002. , p. 161). Além disso, os migrantes, sobretudo aqueles em situação irregular, sujeitam-se, com frequência, a condições precárias de trabalho e moradia, o que não deixa de ser uma forma de fragilizá-los.

Diante desse quadro, interessa-nos, no presente artigo, examinar o discurso de brasileiros que migraram para a Europa, particularmente, para Portugal, França e Inglaterra, países escolhidos em função de suas diferenças não só linguísticas e culturais, mas também em relação às políticas migratórias. Ora, se, por um lado, os debates públicos sobre as migrações contemporâneas têm-se limitado, muitas vezes, a mencionar números, gráficos ou porcentagens – incidindo naquilo que Bréant (2012)BRÉANT, H. Démontrer le rôle positif des migrations internationales par les chiffres: Une analyse de la rhétorique instituionnelle du système des Nations Unies. Mots, Paris, n. 100, p. 153-171, 2012. chama de “retórica numérica” – e têm contemplado muito mais o que dizem os especialistas, os agentes governamentais e os jornalistas do que a fala dos próprios migrantes, é nosso objetivo dar a esses sujeitos a oportunidade de contar suas histórias, de textualizar suas experiências de vida, ampliando seus espaços de fala para além da esfera privada.

Pretendemos, portanto, analisar narrativas de vida – coletadas por meio de entrevistas – de brasileiros que migraram para a Europa. À luz da Análise do Discurso Francesa (ADF), com incursões na Análise Dialógica do Discurso (ADD), buscaremos apreender as diferentes estratégias linguístico-discursivas mobilizadas na construção dessas vozes marginais, de modo a responder às seguintes perguntas:

  1. como esse outro /migrante brasileiro se apresenta naquilo que diz (e mesmo naquilo que não diz)?;

  2. como ele avalia sua situação atual (num novo país) em comparação com a situação anterior (no Brasil), sua relação com os nativos e a própria possibilidade (ou não) de retorno?;

  3. que imagens (discursivas), afinal, ele nos dá a ver em suas narrativas de vida?

Antes, porém, de tentar responder a essas perguntas, julgamos importante discutir brevemente a relação complexa e movente que se estabelece entre a linguagem e o mundo, entre as palavras e os objetos/sujeitos que designam. É a partir dessa discussão que buscaremos chegar ao discurso e a seus (efeitos de) sentidos.

Das palavras ao discurso (e à análise do discurso)

A relação linguagem/sociedade implica um “duplo movimento”: a linguagem registra o social, mas, ao mesmo tempo, age sobre ele. Desse modo, a escolha de uma palavra, em detrimento de outra(s), não raramente marca uma posição política que acaba por influenciar o próprio sentido dessa palavra ( CALABRESE; VENIARD, 2018CALABRESE, L.; VENIARD, M. Mots, discours et migration, une relation dialectique: In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 9-31. , p. 22).

As palavras não têm, portanto, sentido nelas mesmas. Elas ganham seus sentidos nos usos que delas são feitas pelos locutores, nos discursos que circulam numa dada sociedade de uma dada época, ou seja, elas estão mergulhadas na complexidade do contexto em que ocorrem (agindo, em retorno, sobre ele). Mas, ao longo de sua “vida social de palavra”, elas se movem de um discurso a outro, carregando, portanto, ecos de usos anteriores, fenômeno que Bakhtin e o Círculo denominam dialogismo, dialogicidade, relações dialógicas.

Essa orientação dialógica constitutiva da linguagem, dos discursos, é uma noção teorizada em profundidade por Bakhtin em vários de seus trabalhos, incluindo Problemas da poética de Dostoiévski ( BAKHTIN, 2010bBAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. [1963]) e O discurso no romance ( BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p.19-241. Original de 1930-1936. [1930-1936]). Ela deve ser entendida como “um fenômeno próprio de qualquer discurso. É a diretriz natural de qualquer discurso vivo. Em todas as suas vias no sentido do objeto, em todas as orientações, o discurso se depara com a palavra do outro e não pode deixar de entrar numa interação viva e tensa com ele” ( BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p.19-241. Original de 1930-1936. , p. 51).

Logo, os discursos que emergem numa dada sociedade são produtos que circulam entre atores histórico-sociais. Ou seja, estamos diante de “uma concepção de linguagem, de construção e de produção de sentidos necessariamente apoiadas em relações discursivas empreendidas por sujeitos historicamente situados” ( BRAIT, 2006BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-31. , p. 10). Nesse sentido, a noção de sujeito, advinda das obras de Bakhtin e do Círculo, e que neste artigo está sendo considerada, implica atos, eventos, acontecimentos e atividades. Na obra Para uma filosofia do ato responsáve l ( BAKHTIN, 2010aBAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2010a. Original de 1920-1924. [1920-1924], Bakhtin desenvolve o conceito de ato, ligado à singularidade de cada um, do lugar por ele ocupado e de suas respostas responsáveis na vida. Essa perspectiva filosófica é desenvolvida em obras posteriores, caso de O autor e a personagem na atividade estética ( BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução e Introdução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 3-192. Original de 1924-1927. [1924-1927], dentre outras, e aparece em Volochinov e Medvedev como componente de noções que implicam identidade/alteridade, eu/outro, exotopia, linguagem/vida, interação discursiva . Em todos os estudos do Círculo, apesar das idiossincrasias de cada autor, a ideia do que é irrepetível , do ato concreto, na vida, com seu sujeito único, junta-se à ideia do que é repetível , passível de ser observado teoricamente, ou seja, os atos enquanto atividade, aquilo que há de comum a vários atos e que revela os sujeitos em sua dimensão social, cultural, partilhada coletivamente.

É essa concepção de linguagem (e de sujeito), apoiada em relações (inter)discursivas, que será mobilizada para o exame e a comparação das narrativas de vida dos migrantes brasileiros, de modo a apreender aspectos comuns que ligam umas às outras (dimensão horizontal), sem perder de vista, porém, os elementos que conferem a cada uma delas sua singularidade (dimensão vertical). 5 5 Para maiores detalhes a respeito dessa metodologia, ver Campos (2018) . Como foi dito na Introdução, elegemos como teoria de base a Análise do Discurso Francesa (ADF), incorporando a ideia de orientação dialógica, advinda dos estudos bakhtinianos. Levando, assim, em conta que nosso ponto de partida são textos “reais”, sempre abordados dialogicamente na sua relação com o contexto, com outros textos e outros discursos, diremos que a ADF situa-se numa problemática do reconhecimento, ou seja, a de identificar as marcas enunciativas da superfície dos textos para, a partir delas, retirar interpretações sobre os sistemas de significação subjacentes (os discursos).

Se a ADF, em seus primórdios, privilegiou corpora políticos de esquerda e lhes deu um tratamento metodológico específico ( MAINGUENEAU, 2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Tradução de Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015. ), vemos hoje que a abrangência de fontes de pesquisa, a diversidade metodológica e a multiplicidade de interesses possibilitaram um desenvolvimento diversificado do seu campo conceitual, que passou a abrigar não apenas discursos institucionais “autorizados” (políticos, midiáticos, científicos, literários…), abrindo-se também para outros discursos de menor prestígio, como aqueles que envolvem grupos ou pessoas em situação minoritária. Logo, a ADF mostra-se pertinente para o exame do discurso dos migrantes brasileiros na contemporaneidade, por meio de suas narrativas de vida, conceito que apresentaremos e discutiremos a seguir.

A narrativa de vida e o dispositivo de análise

No âmbito da ADF, não existe nenhuma metodologia pronta. Cabe, pois, ao analista eleger as categorias que comporão seu “dispositivo individualizado de análise” ( ORLANDI, 1999ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios & procedimentos. Campinas: Pontes, 1999. , p. 27) e assumir que os analistas de discurso não examinam obras, mas, sim, corpora , reunindo os materiais que julgam necessários para responder a suas questões de pesquisa ( MAINGUENEAU, 2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Tradução de Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015. ). Isso implica que cada pesquisador faz “uma” leitura, entre outras possíveis, ficando o objeto em aberto para outras (novas) investigações.

Comecemos pelo conceito de “narrativa de vida”, tradução de “ récit de vie ”, expressão que foi introduzida na França, em 1976, pelo sociólogo Daniel Bertaux. Para esse autor, diferentemente da autobiografia, a narrativa de vida não trata da totalidade da vida de um sujeito, nem assume um caráter formal e elaborado; parte, ao contrário, de um “filtro”: uma pergunta mais geral, seguida de um guia ou roteiro que contempla algumas questões que o pesquisador se coloca sobre seu objeto de estudo. Esse procedimento, de cunho mais espontâneo, caracteriza uma “entrevista narrativa” (BERTAUX, 2005, p. 11 e p. 60). 6 6 A entrevista narrativa aproxima-se da entrevista semidiretiva ou semiestruturada ( MANZINI, 2003 ; MOREIRA, 2018 ). Assim,

[…] há narrativa de vida a partir do momento em que um sujeito conta a uma outra pessoa, um pesquisador ou não, um episódio qualquer de sua experiência de vida. O verbo “contar” (fazer o relato de) é aqui essencial: significa que a produção discursiva do sujeito tomou a forma narrativa . ( BERTAUX, 2005BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005. , p. 36, grifo do autor, tradução nossa). 7 7 Tradução livre do original: “[...] il y a du récit de vie dès lors qu’un sujet raconte à une autre personne, chercheur ou pas, un épisode quelconque de son expérience vécue. Le verbe ‘raconter’ (faire le récit de) est ici essentiel : il signifie que la production discursive du sujet a pris la forme narrative ”. ( BERTAUX, 2005 , p. 36).

Por meio da narrativa de vida, o pesquisador busca analisar e comparar uma série de casos que implicam múltiplas percepções de uma mesma realidade, a fim de apreender suas semelhanças e diferenças, priorizando, portanto, a dimensão social: trata-se de investigar como um conjunto de pessoas que se encontram numa situação social dada lida com essa situação ( BERTAUX, 2005BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005. ), ou seja, no nosso caso, como os brasileiros entrevistados lidam com a migração no contexto europeu.

De nossa parte, ao trabalhar com as narrativas de vida, partimos da proposta de Bertaux (2005)BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005. , no âmbito da etnossociologia, mas buscamos adaptá-la ao quadro da ADF, assumindo uma perspectiva analítico-discursiva-qualitativa, a exemplo do que fazem pesquisadores como Machado (2016)MACHADO, I. L. Narrativa de vida: um espaço de liberação para vozes femininas? In: MACHADO, I. L.; SANTOS, J. B. C.; JESUS, S. N. (org.). Análise do discurso: Afinidades epistêmicas franco-brasileiras. Curitiba: CRV, 2016. p. 12-22. , Machado e Lessa (2013)MACHADO, I. L.; LESSA, C. H. Reflexões sobre o gênero narrativa de vida do ponto de vista da análise do discurso. In: JESUS, S. N.; SILVA, S. M. R. (org.). O discurso & outras materialidades. São Carlos: Pedro & João, 2013. v. 1. p. 102-122. , Ducard (2015)DUCARD, D. Dar a palavra: da reportagem radiofônica à ficção documental. Tradução de Glaucia Proença Lara e Aline Saddi Chaves. In: LARA, G. P.; LIMBERTI, R. P. (org.). Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015. p. 109-128. e Turpin (2016)TURPIN, B. A discriminação dos ciganos na imprensa francesa. Tradução de Clebson Luiz de Brito e Aline Saddi Chaves. In: LARA, G. M. P.; LIMBERTI, R. C. P. (org.). Representações do outro: discurso, (des)igualdade e exclusão. Belo Horizonte: Autêntica, 2016. p. 117-133. .

No escopo da ADF, uma narrativa de vida deve ser entendida como o relato que um sujeito faz de sua vida e de suas relações com sociedade, com o mundo que o rodeia. Logo, o eu que fala/escreve, na presente instância da enunciação, aquele do aqui e do agora , (re)cria, a partir de certos acontecimentos que protagonizou, um outro, aquele do e do então, dando, via linguagem, um melhor contorno a suas experiências de vida ( MACHADO, 2016MACHADO, I. L. Narrativa de vida: um espaço de liberação para vozes femininas? In: MACHADO, I. L.; SANTOS, J. B. C.; JESUS, S. N. (org.). Análise do discurso: Afinidades epistêmicas franco-brasileiras. Curitiba: CRV, 2016. p. 12-22. ; MACHADO; LESSA, 2013MACHADO, I. L.; LESSA, C. H. Reflexões sobre o gênero narrativa de vida do ponto de vista da análise do discurso. In: JESUS, S. N.; SILVA, S. M. R. (org.). O discurso & outras materialidades. São Carlos: Pedro & João, 2013. v. 1. p. 102-122. ). Há, pois, um deslizamento da pessoa ao personagem , como se o sujeito construísse uma nova versão de si mesmo ( ARFUCH, 2010ARFUCH, L. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Tradução de Paloma Vidal. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010. ).

Trata-se, pois, das “pequenas histórias” que vão tecendo a “grande” história, na tensão entre o vivido e o revivido pela lembrança, entre a objetividade e a subjetividade do (se) contar ( MACHADO, 2016MACHADO, I. L. Narrativa de vida: um espaço de liberação para vozes femininas? In: MACHADO, I. L.; SANTOS, J. B. C.; JESUS, S. N. (org.). Análise do discurso: Afinidades epistêmicas franco-brasileiras. Curitiba: CRV, 2016. p. 12-22. , p. 13). Ora, se assumirmos que a fala de cada migrante é única e sua vivência singular, não podemos deixar de reconhecer a vocação coletiva dessas falas que, para além das diferenças individuais, manifestam algumas “ideias força” que responderiam por um discurso comum.

Para analisar essas “pequenas histórias” de migrantes brasileiros que vivem atualmente na Europa, em busca da construção da “grande história” que elas tecem conjuntamente, recorreremos a algumas categorias linguístico-discursivas da ADF, de modo a lançar luz sobre as “vozes” outras que atravessam a “voz” do ser que (se) conta e sobre os efeitos de sentido advindos dessa pluralidade de “vozes” que dialogam, polemizam, complementam-se, respondem umas às outras, na construção das narrativas de vida.

Em linhas gerais, trabalharemos com alguns planos propostos por Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. , no âmbito de sua “semântica global”, entendida como o sistema de restrições que incide, de forma integrada, sobre os vários planos do discurso, tanto na ordem do enunciado quanto na ordem da enunciação. É o caso do vocabulário (palavras-chave, índices de avaliação, nominalizações), dos temas (impostos ou específicos), da dêixis enunciativa (categorias de pessoa, tempo e espaço) e do modo de enunciação (o “tom” do discurso, que remete à construção do éthos ). 8 8 A semântica global de Maingueneau (2005) inclui sete planos no total. Além dos que citamos – que constituem, para nós, os mais produtivos no exame das narrativas de vida ( LARA, 2018 , 2019 ) –, há a intertextualidade , o estatuto do enunciador e do destinatário e o modo de coesão . Cabe esclarecer que utilizaremos os quatro planos escolhidos de maneira mais abrangente do que faz o autor. Não vemos, porém, incompatibilidades entre o que ele propõe e a nossa “releitura” desses planos. Aliás, o próprio Maingueneau (2005) afirma que a ordem de sucessão dos planos é arbitrária e que nada impede que sejam isolados outros planos ou que as divisões propostas sejam repartidas de forma diferente, o que autoriza nossa “releitura”. Com o dispositivo teórico-metodológico descrito, acreditamos poder desvelar, em grande medida, como os migrantes brasileiros que vivem do outro lado do Atlântico se representam, representam os outros e representam o mundo por meio do seu dizer.

A construção do corpus

Com base nos procedimentos da entrevista narrativa ( BERTAUX, 2005BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005. ), adaptados ao quadro da ADF, foi feito, em primeiro lugar, o registro dos relatos de migrantes brasileiros, por meio do aplicativo “Gravador de voz avançado”, instalado em aparelho celular. Cabe destacar que todos os entrevistados assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando-nos a usar seus dados em publicações e eventos, desde que mantido o anonimato.

As entrevistas, com a duração média de 15 a 20 minutos, foram realizadas em cafés/restaurantes, nas capitais dos três países selecionados: Lisboa, Paris e Londres, em dia e horário previamente combinados. O contato com os sujeitos da pesquisa era feito, em geral, por e-mail ou WhatsApp, com a intermediação de um conhecido comum. Nossa única exigência é que eles morassem no novo país há pelo menos seis meses.

A questão geral: “ Conte-me como você vivia antes no Brasil e como vive atualmente no país de destino ” foi desdobrada num roteiro contemplando cinco perguntas mais específicas:

  1. quais foram suas motivações para migrar para a Europa e, particularmente, para o país escolhido?;

  2. na sua opinião, quais foram/são os pontos positivos e negativos da mudança?;

  3. como você avalia o olhar do nativo em relação ao migrante, sobretudo o migrante brasileiro?;

  4. como é o seu contato com brasileiros e nativos no novo país?;

  5. você tem algum projeto de retorno ao Brasil?

Nesse sentido, os entrevistados poderiam abordar essas questões na ordem e da forma que quisessem, optar por não falar de algum assunto (sendo seu silêncio, nesse caso, respeitado) e mesmo incluir algum(ns) aspecto(s) não contemplado(s) no roteiro que eles julgassem relevante mencionar. A proposição de um roteiro prévio permite que o entrevistador interfira o mínimo possível na narrativa, deixando-a fluir naturalmente, e, ao mesmo tempo, impede que o entrevistado se afaste da temática focalizada ( BERTAUX, 2005BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005. ; MOREIRA, 2018MOREIRA, G. M. Figures de migrants brésiliens en France: approche anthropologique et sociolinguistique. Direction de Monsieur le Professeur Émérite, Jean-Marie Prieur. 2018. 1495f. Thèse (Doctorat en Linguistique) - Université Paul Valéry - Montpellier III, Montpellier, 2018. ).

Feitas as entrevistas, o passo seguinte foi transcrevê-las, de acordo com as normas do Laboratório ICAR da Universidade de Lyon ( CALABRESE; VENIARD, 2018CALABRESE, L.; VENIARD, M. Mots, discours et migration, une relation dialectique: In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 9-31. ). Em seguida, para efeitos de análise, elas foram editadas, tendo em vista que nosso interesse maior é o conteúdo dos textos. Isso implica que, mesmo reconhecendo com Barthes (1981)BARTHES, R. Le grain de la voix: Entretiens. 1962-1980. Paris: Seuil, 1981. que, na transcrição da voz falada, perde-se a “inocência” exposta na fala viva e imediata, na medida em que elementos como as interrupções, as hesitações, as autocorreções etc. não são recuperados, julgamos ser possível, nessa “oralidade transcrita” ( DUCARD, 2015DUCARD, D. Dar a palavra: da reportagem radiofônica à ficção documental. Tradução de Glaucia Proença Lara e Aline Saddi Chaves. In: LARA, G. P.; LIMBERTI, R. P. (org.). Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015. p. 109-128. ), manter as ideias principais de cada relato, o que é suficiente para nossos objetivos.

Foram entrevistadas dez pessoas em cada país, totalizando 30 relatos. Dentre eles, selecionamos três para análise no presente artigo, uma vez seus “narradores” apresentam um ponto importante em comum: todos moraram em mais de um país, entre os que selecionamos: tanto Clara quanto Gabriel residiram 11 anos na França, antes de se mudarem para Portugal, onde ela está atualmente há 2 anos e ele, há 6 meses; Mia morou em Portugal por 5 anos e hoje reside na Inglaterra há 4 anos e meio. Pretendemos, portanto, cruzar as experiências que eles tiveram nos diferentes países em que viveram para verificar como lidaram/lidam com a situação de migração e que imagens (discursivas) constroem de si mesmos (enquanto migrantes), do país de partida (Brasil) e do(s) país(es) de chegada (Portugal e/ou França e/ou Inglaterra) e de sua interação com os “legítimos habitantes” de cada país. Esclarecemos que todos eles encontram-se na Europa em situação legal: Clara tem dupla nacionalidade (luso-brasileira); Gabriel possui passaporte italiano e Mia, visto familiar e de trabalho. Seguem maiores informações sobre os entrevistados no quadro 1:

Com a palavra os migrantes brasileiros

Para analisar as narrativas de vida, tomaremos três eixos temáticos, construídos a partir das perguntas do roteiro de entrevista. São eles:

  1. as motivações para a migração e para um possível retorno;

  2. os aspectos positivos e negativos da mudança para o novo país;

  3. o olhar do nativo sobre o migrante, sobretudo o brasileiro.

Como se observa, juntamos as questões 1 e 5 do roteiro num único eixo temático (1) – uma vez que as razões que levaram o sujeito a sair do Brasil são frequentemente as mesmas que inviabilizam o retorno – e excluímos a questão 4 (relativa aos contatos dos entrevistados com brasileiros e nativos em solo europeu), que se mostrou pouco produtiva: tanto Clara quanto Gabriel e Mia disseram que não participam/participaram de associações de brasileiros nos países em que moram/moraram e que mantêm relações pessoais tanto com brasileiros quanto com estrangeiros. Vamos, pois, aos três eixos descritos e às análises, que serão conduzidas por eles.

Entre França e Portugal: as vozes de Clara e Gabriel

Entendendo por tema aquilo que intuitivamente podemos exprimir como “do que isso fala?”, Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. explica que os temas estão integrados semanticamente a um dado discurso por meio do sistema de restrições que o rege, dividindo-se em dois subconjuntos: os temas impostos e os temas específicos – aqueles que são próprios a um dado discurso. Ora, no caso deste trabalho, os eixos que se constroem em torno do tema maior da migração poderiam ser tomados como temas impostos. Concordando com o postulado de que “todo discurso que quer ser aceito é obrigado a impor-se um certo número de temas” (MAINGUENAU, 2005,p. 88), julgamos que é imperativo para um discurso que se propõe a relatar a experiência migratória de um sujeito contemplar as motivações que o levaram a abandonar seu país natal, assim como a avaliação que ele faz da própria situação de migrante, com seus aspectos positivos e negativos (temas impostos). Outros temas, porém, vão surgindo nos relatos (não necessariamente em todos), constituindo temas específicos.

Quanto ao eixo 1, autores como Góis e Marques (2015)GÓIS, P.; MARQUES, J. C. Percursos e trajetos migratórios dos brasileiros. In: PEIXOTO, J. et al. (org.). Vagas atlânticas: migrações entre Brasil e Portugal no início do século XXI. Lisboa: Mundos Sociais, 2015. p. 39-57. afirmam que, entre as motivações mais frequentes para migrar, citadas em pesquisas sobre a comunidade brasileira em Portugal, encontra-se a motivação econômica, seguida de motivações de natureza familiar e/ou pessoais, das razões relacionadas a oportunidades profissionais e do desejo de prosseguir a formação acadêmica. Já Moreira (2018)MOREIRA, G. M. Figures de migrants brésiliens en France: approche anthropologique et sociolinguistique. Direction de Monsieur le Professeur Émérite, Jean-Marie Prieur. 2018. 1495f. Thèse (Doctorat en Linguistique) - Université Paul Valéry - Montpellier III, Montpellier, 2018. , discorrendo sobre migrantes brasileiros instalados na França, fala em três tipos básicos de migração: 1) a migração econômica; 2) a migração estudantil ou profissional; 3) a migração afetiva (matrimônio ou reunião familiar), destacando que essas motivações podem sobrepor-se e que a motivação primeira pode se transformar em outra(s) ao longo do percurso do sujeito.

Clara foi, inicialmente, para a França pelo desejo de prosseguir os estudos (migração estudantil): fazer um mestrado em Ciência Política. Sua fala – em que chama a atenção a repetição do verbo abandonar – comprova que, mesmo que o migrante esteja motivado, a partida nunca é fácil, pois implica uma série de rupturas (com o trabalho, com a família, com os amigos). Diz ela: “Fui, abandonei tudo: abandonei emprego, abandonei minha vida com meu namorado, na época, abandonei minha casa, abandonei tudo.” (grifos nossos).

Revela que não pretendia ficar tantos anos na França (11 no total); queria fazer o mestrado e voltar ao Brasil, mas acabou “emendando” um doutorado, dessa vez em Comunicação Social. Como ela mesma conta:

Quando eu vim para fazer esse mestrado, eu não pensava ficar tantos anos na França. Pensava que eu ir fazer um mestrado e que eu ia voltar (...) e, ao cabo de um ano mais ou menos, eu me dei conta de que não era bem assim. Eu já estava me envolvendo, estava querendo continuar na França; na verdade, aquela entrada na academia me deu sede demais de academia, e do mestrado eu falei: “Bom, vou tentar um doutorado”.

Defendida a tese, em 2016, ela, mais uma vez, quis retornar ao Brasil (“Pensava comigo mesma: no final da tese eu vou voltar.”). Tentou, sem sucesso, uma bolsa de pós-doutorado do CNPq. O jeito foi continuar na França e desenvolver dois projetos de pesquisa menores (chamados “campos doutorais”), um deles em Lisboa, em 2017. Foi quando soube de um concurso para professor de Jornalismo numa universidade particular. Fez o concurso, foi aprovada e contratada, o que a levou à mudança para Portugal (migração profissional), embora ela mesma confesse que nunca tinha planejado morar em Lisboa.

Gabriel, por sua vez, foi levado à França por motivações pessoais: ficar mais independente (na época, ele morava com os pais no Brasil) e conhecer uma cultura nova, uma língua nova. De um curso de francês que duraria alguns meses, ele acabou “saltando” para o mestrado (concluído em 2010). Dedicou-se, então, ao trabalho de freelancer com fotografia. A vontade de prosseguir os estudos, porém, não o abandonou. Gabriel retornou ao Brasil e, por três anos, tentou conseguir uma bolsa de doutorado. A exemplo de Clara, não foi bem-sucedido, o que o levou a participar da seleção para uma bolsa em estudos culturais numa instituição portuguesa. Tendo sido aprovado, mudou-se para Lisboa (migração estudantil).

Um tema específico que aparece nas narrativas de Clara e Gabriel é a falta de oportunidades no Brasil para aqueles que querem prosseguir sua formação acadêmica: a dificuldade/impossibilidade de conseguir uma bolsa de estudos. Esse aspecto, somado à insatisfação com a situação econômica, social e, principalmente, política do país – metaforizada por Clara como “o barco está afundando” –, levou/leva-os a continuar vivendo no exterior, apesar de o retorno ao Brasil, pelo menos em determinado(s) momento(s), integrar o horizonte de expectativas de ambos.

Atualmente, no entanto, tanto Clara quanto Gabriel – ela por ter um bom emprego; ele por estar com o doutorado em curso e querer, depois disso, continuar a estudar e trabalhar em Lisboa – não pensam em voltar, embora mantenham laços afetivos com o Brasil por causa dos familiares e amigos que deixaram no país. Como diz Clara: “Eu acho que o que sempre faltou no Brasil é o que me impede de ir para lá agora: é estrutura, é Estado, é qualidade de vida, status social.”.

Outro tema específico, mencionado mais diretamente por Gabriel, é a integração ao novo país. No caso da França, o emprego da palavra dificuldade (e similares) é frequente na parte do seu relato que se refere aos momentos iniciais da mudança. Esse termo adquire, portanto, do ponto de vista lexical, um estatuto privilegiado, constituindo, de certo modo, aquilo que Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. chama de “ponto de cristalização semântica”. Vejamos um trecho:

Pontos negativos de ter mudado para Paris naquela época, eu acho que a adaptação não foi fácil assim, a adaptação foi bem difícil, problemas de adaptar mesmo ao outro país, ao clima, diferenças culturais, mesmo dos franceses num primeiro contato serem mais fechados, de não ter tantos amigos num primeiro momento, no primeiro ano, dificuldades com a língua também (...) era difícil você se expressar. E eu tinha uma dificuldade também assim de ter ficado independente e ter que trabalhar (...). Antes, no Brasil, eu morava com meus pais, e não tinha essas questões de ter que pagar contas.

Clara, por seu turno, como já falava a língua e tinha uma ligação forte com a França desde pequena (o pai é filósofo da corrente francesa), parece ter-se adaptado mais facilmente do que Gabriel. Porém, sua avaliação posterior da França, como veremos no próximo eixo, mostra que também para ela a vida num outro país teve seus percalços. Já em Portugal, devido à língua comum e às afinidades culturais com o Brasil, ambos afirmam ter tido uma adaptação tranquila.

Passemos ao segundo eixo temático, aquele em que os sujeitos avaliam a experiência migratória. É, principalmente, nesse momento que as palavras escolhidas (plano do vocabulário) assumem uma axiologia positiva ou negativa na qualificação (e na comparação) de países/cidades e de seus respectivos habitantes. Se, de acordo com Maingueneau (2005MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. , p. 83-84), “a palavra em si mesma não constitui uma unidade de análise pertinente”, pontuamos, por outro lado, a importância de se observar como, em função de seus usos, as palavras se comportam no conjunto dos discursos, chamando umas às outras, polemizando, opondo-se; em suma: formando “redes”.

Assim, para Gabriel, foi estimulante viver em Paris, dado o caráter cosmopolita da cidade: a possibilidade que ela oferece de se conhecer gente do mundo inteiro. Ressalta que, depois dos momentos iniciais de adaptação à França, que, como vimos, caracterizam-se pela dificuldade, o migrante pode “usufruir de um país que tem uma qualidade de vida, um sistema social em que as coisas funcionam, a questão da segurança, do acesso às coisas”, o que, lido pelo avesso, significa que, no Brasil, não temos nada disso. Lisboa, por sua vez, representa uma fase “mais calejada” da sua vida, na qual ele busca, acima de tudo, “uma coisa mais enquadrada, mais estável”. Admite que hoje a “relação de curiosidade” que desenvolveu com a França o cansaria.

Quanto à vida em Portugal, Gabriel destaca a facilidade de adaptação e qualifica seu dia a dia como “uma tranquilidade”, apesar das questões burocráticas iniciais (encontrar moradia, fiador etc.). Mas se, por um lado, ao morar na Europa (França ou Portugal), o migrante oriundo do Brasil ganha, entre outras coisas, qualidade de vida, tranquilidade e segurança (pontos positivos), por outro, ele convive com pessoas mais fechadas, mais sisudas e formais, sobretudo os franceses (ponto negativo), o que contrasta com a espontaneidade do brasileiro.

Clara também fala do caráter cosmopolita de Paris, qualificando-o, porém, como “algo pesado”, que “suga” as energias. Entre França e Portugal, avalia a primeira negativamente como “uma cultura distante, muito fria, pessoas mal-humoradas, clima ruim, falta de solidariedade, falta de atenção ao outro, falta de cuidado com o outro”, enquanto, para Portugal, reserva termos mais positivos. Trata-se de “uma cultura muito mais forte” que a faz sentir-se em casa culturalmente e nas interações cotidianas, embora admita que seu aprendizado maior, inclusive do ponto de vista acadêmico, aconteceu no contexto francês. Assim como Gabriel, afirma que a “Europa de forma geral, dá uma segurança, uma qualidade de vida, um estado de bem-estar social e tudo isso que a gente nunca conheceu no Brasil”.

Os termos segurança e qualidade de vida parecem, portanto, constituir palavras-chave (ou pontos de cristalização semântica) no discurso do migrante brasileiro, quando ele compara a vida na Europa com a vida no Brasil. Em outras palavras: ainda que seja mais fácil para os sujeitos envolvidos viver em Portugal do que na França, um (sub)tema – ou tema específico – que emerge, com clareza, nesse segundo eixo, é a superioridade do contexto europeu quando o que está em jogo é o bem-estar da população.

Do ponto de vista da dêixis enunciativa, tomada, de forma mais ampla, como as projeções de pessoa, tempo e espaço no discurso, as narrativas de vida de Clara e Gabriel constroem-se em três etapas: um aqui-agora em Portugal, que se opõe a um lá-então , dividido em dois momentos: a vida no Brasil e a vida na França (primeira migração), sendo aquela mais distante no tempo e no espaço. Segundo Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. , a dêixis, em sua dupla modalidade espacial e temporal [aqui-agora vs . lá-então], “define de fato uma instância de enunciação legítima e delimita a cena e a cronologia que o discurso constrói para autorizar sua enunciação” ( MAINGUENEAU, 2005MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. , p. 93, grifos do autor). Não podemos perder de vista, portanto, que, por trás das atuais narrativas de vida dos migrantes brasileiros, há toda uma história sobre as migrações construída no longo tempo-espaço da própria história da humanidade.

Quanto à categoria de pessoa, se predomina largamente, nas duas narrativas de vida, um eu que (se) conta ao outro, o que já era esperado pela própria natureza desse gênero de discurso, observamos, em alguns momentos, o deslizamento desse eu para um nós/a gente , explícito ou implícito (os brasileiros = nós, os brasileiros). O você , por seu turno, aparece em duas situações: a) quando há, via discurso direto, a simulação de um diálogo com alguém (mais frequentemente, um nativo); b) quando assume um caráter genérico, significando qualquer um na mesma situação. Seguem, a título de ilustração, alguns exemplos (os grifos são nossos):

  1. Aqui [em Portugal] nós estamos vivendo um processo de mudança, na verdade. (Clara)

  2. Não sei se essa relação com eles [africanos] é diferente assim da relação com os brasileiros . (Gabriel)

  3. E aí ele [o senhor português] virou para mim e falou: “Ah, você é brasileira? [...] Ah, então você fala várias línguas?” (Clara)

  4. A cidade [Paris] é estimulante: você conhece pessoas do mundo inteiro. (Gabriel).

Esses usos ficam mais evidentes no âmbito do terceiro eixo temático. Nele, inevitavelmente, surge o (sub)tema do preconceito e da discriminação contra o estrangeiro, apontando para os estereótipos que permeiam o olhar do outro (nativo) sobre o migrante (sobretudo, brasileiro).

De acordo com Clara, o fato de o francês ver o brasileiro – sobretudo, a mulher brasileira – como “exótico(a)” nunca a fez sentir qualquer tipo de preconceito, ao contrário de outras nacionalidades que, na sua opinião, são discriminadas na França. Diz ela:

Na França, esse olhar exótico nunca me fez sentir estrangeira como um árabe, como um magrebino. Esse lugar eu nunca tive, eu nunca me senti alvo de preconceito na França. Eu era mais alvo de exoticidade, o que também pode ser negativo, mas não discriminatório pura e simples porque eu sou latino-americana. Realmente eu nunca senti ou nunca me marcou como tal. E, no entanto, o que eu via os árabes e os magrebinos sofrerem me fazia muito mal. Isso faz parte da dimensão muito pesada de Paris. A xenofobia cotidiana me fazia mal. Não era contra mim, mas era com os outros e aquilo ali me pesava.

Também em Portugal ela admite não ter passado diretamente por nenhuma experiência discriminatória, mas cita casos de amigas luso-brasileiras que, quando crianças, ouviam nas ruas coisas do tipo: “Não, volta para o seu país. O que você está fazendo aqui?”. Ou o que é pior: “Ah, é a puta; ah, é a brasileira vendida…”. Essas constatações vão ao encontro da pesquisa de Keating (2019)KEATING, C. Biographizing migrant experience. International Journal of the Sociology of Language, Berlin, n. 257, p. 49-75, 2019. , que aponta para a discriminação sexual e de gênero contra migrantes brasileiras em Portugal, já que a mulher brasileira, não raro, é vista no exterior como objeto sexual ou como prostituta.

Clara faz, porém, duas observações sobre Portugal que julgamos importante ressaltar: uma delas é que situações de preconceito/discriminação dependem da posição social que o(a) migrante ocupa. Sendo professora universitária e circulando principalmente no meio acadêmico, ela dificilmente seria olhada do mesmo jeito que uma mulher de classe social mais baixa que teria “mais chance de ser chamada de puta, ou qualquer outro estereótipo de gênero”. A segunda observação é que a situação parece ter mudado mais recentemente, como resultado de uma 3ª. vaga de migrantes brasileiros “preparados, bem formados, que falam línguas etc.”.

Julgamos importante fazer um parêntese neste ponto para explicar a que Clara se refere quando menciona essa 3ª. vaga. De acordo com Peixoto et al . (2015PEIXOTO, J. et al. (org.). Vagas atlânticas: migrações entre Brasil e Portugal no início do século XXI. Lisboa: Mundos Sociais, 2015. , p. 2-3), “os estudos sobre a imigração brasileira recente para Portugal identificaram, em geral, dois grandes fluxos”. Uma 1ª vaga (anos 1970-1980) compreendeu brasileiros, majoritariamente de classe média-alta e com escolaridade elevada, que se deslocavam para Portugal por razões políticas ou econômicas. Já a 2ª vaga (após os anos 1990), mais volumosa que a 1ª, compunha-se, sobretudo, de pessoas com um perfil menos escolarizado e menos qualificado, numa migração tipicamente econômica, voltada para o preenchimento de postos de trabalho menos privilegiados do mercado português. A partir de 2008, com a crise econômica mundial, iniciou-se uma nova fase com contornos ainda pouco definidos. A fala de Clara, no entanto, somada a dados que coletamos em nossa pesquisa (com outros migrantes brasileiros em Portugal), leva-nos a acreditar no surgimento de uma 3ª vaga, composta predominantemente por pessoas mais jovens (média de 30 anos), com elevada escolaridade (muitos com mestrado e/ou doutorado), que ocupam postos de trabalho em setores como o de alimentação (cafés, restaurantes) e o de vendas (comércio).

Essa imagem positiva dos brasileiros da dita “3ª. vaga” (“preparados, bem formados, que falam línguas etc.”) se reverte, no entanto, quando eles entram em concorrência direta com os portugueses, seja na disputa de vagas em universidades, seja na obtenção de certos postos de trabalho. Um exemplo disso pode ser visto na notícia, “Estudantes portugueses oferecem pedras para atirarem em alunos brasileiros”. 9 9 Disponível em: https://www.otempo.com.br/mundo/estudantes-portugueses-oferecem-pedras-para-atirarem-em-alunes taos-brasileiros-1.2175034. Acesso em: 10 fev. 2020. A situação ocorreu na Universidade de Lisboa, em abril de 2019, quando os candidatos brasileiros preencheram a maioria das vagas oferecidas para o Mestrado na Faculdade de Direito, levando um grupo de estudantes portugueses a colocar, em frente à referida faculdade, um cartaz xenófobo, oferecendo pedras grátis para serem atiradas em alunos brasileiros. Nesse caso, como diz Clara, o que antes era “uma massa de brasileiros chegando” se transforma em “invasão”, gerando medo e, a partir daí, situações de xenofobia.

Gabriel, por sua vez, conta que sentia mais “uma discriminação velada na França como brasileiro do que [sente] em Portugal”, já que, segundo ele, os portugueses estão mais acostumados a conviver com os brasileiros (embora, como vimos, isso não impeça a ocorrência de situações de xenofobia). No ambiente de trabalho principalmente, ele diz que sentia uma certa desconfiança da parte dos franceses, como se ele não fosse capaz de cumprir uma tarefa a contento. Em suas palavras:

Na França eu senti [preconceito], num sentido mais de uma desconfiança (...) quando eu comecei a trabalhar lá, já devia ter pouco menos de um ano, uns nove meses que eu estava no país, eu trabalhava em restaurante, trabalhei no McDonald’s, fazia esses trabalhos assim e eu sentia uma discriminação no sentido de uma desconfiança, como se não desse conta, se não estivesse entendendo, e depois eu fui sentindo isso de outras maneiras, mas acho que era sempre ligado a uma coisa do meu trabalho. Depois, quando comecei a trabalhar como fotógrafo, também senti que as pessoas não confiavam tanto; na universidade também, eu sentia que, às vezes, era sempre uma questão de saber assim: “Ah, ele não está entendendo; não está dando conta”, mas não uma questão racial. Uma discriminação que acho que tem a ver com a pessoa ser de outro país e eles acharem que a pessoa não vai dar conta de fazer o trabalho.

Gabriel atribui esse comportamento a “essa coisa que eles [os franceses] têm de categorizar muito o estrangeiro”. Assim, falas do tipo: “Ah, ele é brasileiro” (antes de ter um nome) mostram que os brasileiros são vistos como se fossem uma categoria à parte, sendo julgados superficialmente a partir de estereótipos como “Ah, brasileiro gosta de festa, samba”, o que contribui para gerar a citada desconfiança. Afirma, porém, ter presenciado episódios de discriminação contra outras pessoas, sobretudo as de origem africana (habitantes das ex-colônias francesas), judaica e árabe.

Quanto a Portugal, afirma não ter sentido essa categorização, esse olhar negativo sobre ele, embora reconheça que talvez isso se deva ao fato de não ter tido ainda tempo de “perceber aspectos mais sutis da sociedade [portuguesa]” (Gabriel está em Lisboa há menos de um ano) e de circular, principalmente, no meio acadêmico internacional. Assim como Clara, cita casos que indicam uma imagem (cultural) positiva dos brasileiros, quando os portugueses comentam, por exemplo: “Ah, você é brasileiro? Eu vi ‘Cidade de Deus’, eu vi um filme, eu vi uma novela.”. Admite, porém, que já ouviu falar de situações de preconceito/discriminação contra brasileiros em épocas anteriores, aventando que o perfil dos brasileiros pode ter mudado mais recentemente, a partir dessa “última grande onda […] que vem vindo nos últimos anos” (o que corresponderia à já citada 3ª. vaga). Em suma: Gabriel conclui que não pode falar que foi alvo de discriminação em Portugal, enquanto na França, sim, indiretamente, com a tal desconfiança, vocábulo que mitiga, mas não elimina o julgamento negativo sobre o outro/estrangeiro/migrante.

Não poderíamos deixar de mencionar, finalmente, o modo de enunciação, ou seja, “uma maneira de dizer específica” ( MAINGUENEAU, 2005MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. , p. 94), manifestada no “tom”, na escolha das palavras, dos argumentos etc. Embora o tom predominante, nos dois relatos, pareça revelar certa objetividade na descrição de pessoas e situações, em determinados momentos, eles assumem ora um tom de satisfação e de otimismo, demonstrando uma imagem (um éthos ) confiante e determinado, ora um tom de tristeza ou de decepção, que aponta para um éthos mais fragilizado. Assim diz Clara, revelando pelo tom que assume (e pelo que diz) o seu profundo desapontamento com o Brasil:

Eu nunca tive status social no Brasil. É o que eu agradeço ter tido na França e em Portugal, com todos os defeitos que a França possa ter (...). Que estado é esse? Que estrutura é essa? Se a minha vida se desenhou aqui é por causa disso. Acho que, se eu tivesse tido status social no Brasil, eu talvez nunca tivesse saído ou, se tivesse saído, teria voltado.

Já Gabriel, quando fala da sua situação atual em Portugal e das suas expectativas para o futuro revela um tom mais confiante e esperançoso. Chama a atenção o uso dos adjetivos: satisfeito (repetido duas vezes) e otimista , intensificados pela presença do advérbio bem (índices de avaliação):

Estou bem satisfeito com o sistema de ensino, com meu programa, então, assim, eu fui bem recebido aqui (...) acho que eu gosto mais daqui, num primeiro momento, do que eu gostava de Paris nos primeiros meses assim (...) eu não entendia as coisas. Aqui parece que é mais fácil. (...) Bom, eu estou bem otimista assim, eu estou bem satisfeito.

Entre Portugal e Inglaterra: a voz de Mia

Dos três entrevistados, Mia foi a que menos falou (ver quadro 1 ). Reiteramos, porém, nossa decisão de respeitar o tempo de fala (para mais ou para menos) de cada entrevistado, apesar da instrução inicial de que tinham entre 15 e 20 minutos para contar suas histórias. Começando pela sua motivação de migrar (eixo temático 1), Mia diz que “A vida no Brasil não estava muito fácil, em termos financeiros”, o que a levou a se mudar para uma pequena cidade ao norte de Portugal, já que o pai dos seus filhos é português, em busca de melhores condições de vida (migração econômica). Um tema específico que surge na fala de Mia (referente, sobretudo, a Portugal) é a exploração da mão de obra migrante:

Quando cheguei em Portugal me deparei com dificuldades até porque eu era comerciante no Brasil e fui para lá para trabalhar numa vida bem pesada. Em Portugal não se brinca. Vai trabalhar num restaurante são nove, doze horas de carga horária e é muito trabalho. (...) com a crise econômica, eu trabalhava (...) seis dias na semana, das 6 da tarde até 3 da manhã e recebia um salário de quatrocentos e vinte euros no mês.

Depois de cinco anos, Mia separou-se do marido e teve a chance de uma nova migração econômica: recebeu uma proposta de trabalho na Inglaterra, onde se encontra atualmente. Revela que lá as oportunidades são imensas (“as oportunidades que eu tenho aqui eu nunca achei no Brasil”) e a qualidade de vida, ótima, embora admita que também trabalha muito. A diferença em relação à vida em Portugal é que, na Inglaterra, parece haver maior reconhecimento do esforço do migrante (inclusive, em termos salariais), mas “a pessoa tem que estar bem documentada, porque se for vir para cá ilegal é uma vida louca”. Esse tema (específico) – da migração ilegal ou irregular – também só aparece na fala de Mia, talvez porque, circulando num meio menos elitizado do que Clara e Gabriel (Mia é gerente de uma cafeteria portuguesa em Londres), ela conheça pessoas nessa condição.

De qualquer forma, apesar de Mia ter tido motivações distintas para migrar e de viver uma situação também diferente no país de acolhida (nesse caso, a Inglaterra), quando comparamos seu relato com os dos dois outros entrevistados, “saltam aos olhos” certos pontos em comum: o destaque dado à qualidade de vida do migrante em solo europeu e a falta de oportunidades – nesse caso, de trabalho – no Brasil.

Por essas razões, Mia é bastante enfática ao dizer: “ Não volto para o Brasil de jeito nenhum . Talvez [para] Portugal eu voltaria quando eu tiver melhores condições (...). Mas para o Brasil infelizmente eu não quero voltar. Não quero.” (grifos nossos). Chama a atenção, nesse trecho, a repetição do advérbio não e a variante: de jeito nenhum, que reforça a inviabilidade de um retorno, apesar de Mia confessar que gosta do Brasil e que sente falta de parte da família que ficou para trás. Outro tema que ela partilha, especialmente com Gabriel, é a dificuldade de adaptação – a começar pela língua – nos momentos iniciais de sua mudança para a Inglaterra, problemas que, por motivos óbvios, ela não teve em Portugal (embora tenha enfrentado dificuldades de outra ordem, como vimos). Diz ela:

A princípio quando eu cheguei [em Londres] não sabia nem falar: “Olha, eu quero ir no banheiro”. Porque a gente tem a escola no Brasil, mas eu não liguei muito, não é? (...) Então, eu cheguei cá, eu ficava, entrava no meu quarto e estudava, ficava quatro horas estudando e ia para o supermercado com tradutor, e eu não estava preocupada se as pessoas estavam olhando ou não. Ia traduzindo tudo; comecei estudando no Youtube sozinha. Acho que em seis meses eu já comecei a falar alguma coisa. Que foi sozinha mesmo. (...) Eu apanhei porque eu chorava e falava assim: “Eu não vou aprender essa língua nunca, sei nada, vai ser difícil”.

Passando para o segundo eixo, Mia avalia Portugal como um país bonito, sem tanta criminalidade (diferentemente do Brasil) e com um custo de vida mais baixo do que a Inglaterra. Diz que, se um dia puder comprar uma casinha, será em Portugal (devido, principalmente, à raiz portuguesa de seus dois filhos), mas, paradoxalmente, admite que sua experiência lá não foi das mais agradáveis: “Tive que aprender a trabalhar no pesado [...] Me deparei com pessoas ali que foram boas comigo [...], mas também me deparei com pessoas que me tratavam como se eu fosse um lixo”. Destacamos a escolha do vocábulo “lixo” para expressar toda a degradação que um migrante pode sofrer em terra alheia, começando por “se sujeitar ao que aparece”, o que acentua sua condição de vulnerabilidade.

Quanto à Inglaterra, como já comentamos, Mia destaca as oportunidades que o país oferece. Segundo ela, a vida pode ser até estressante – porque se trabalha muito também – mas “o governo ajuda em tudo”: dá incentivo, paga escola, ajuda com a casa e com a saúde etc., o que a leva a classificar o país como “muito bem organizado”. Já o governo de Portugal, por oposição, não ajuda em nada, o que complica a vida dos próprios portugueses, qualificados, pelo menos quanto a essa questão, como um “povo sofrido, que não tem nada fácil”. Nesse contexto de cotejo entre países, o Brasil destoa negativamente tanto de Portugal quanto da Inglaterra pela “política que a gente vê hoje em dia, a discrepância de classe social [...] e a criminalidade”, que gera medo e insegurança.

Na comparação entre os portugueses e os ingleses, Mia avalia negativamente os primeiros: “eles têm a cabeça um bocado mais fechada, são muito tradicionalistas e preconceituosos”, além de não gostarem de concorrência com brasileiros, opinião que vai ao encontro do citado episódio das pedras na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 2019 (ver nota 11). Reserva, porém, vocábulos marcados por uma axiologia positiva para os ingleses, descritos como pacientes e tolerantes. E o fato de a Inglaterra ser “um país mais livre”, “um país de business ” faz com que os nativos estejam mais voltados para a obtenção de “bons trabalhadores”, o que parece indicar que eles não dispõem de muito tempo para outras preocupações (como, imaginamos, aquelas de cunho estigmatizante ou xenofóbico).

No que tange ao terceiro eixo, Mia conta que, na Inglaterra, nunca foi alvo de preconceito/discriminação, ao contrário de Portugal. Para ela, os portugueses “discriminam bastante os brasileiros, principalmente as mulheres”. Isso, no seu entender, tem a ver com o fato de o brasileiro ser muito expansivo: “a gente fala, a gente conversa, a gente, às vezes, toca na pessoa para falar e eles ali interpretam de outra forma”. Ela revela que teve que mudar a sua forma de ser, de falar e mesmo de se vestir para fugir do estereótipo da “mulher fácil”, daquela que vai para Portugal (e outros países da Europa) para se prostituir, o que confirma os resultados da pesquisa de Keating (2019)KEATING, C. Biographizing migrant experience. International Journal of the Sociology of Language, Berlin, n. 257, p. 49-75, 2019. . Por outro lado, não podemos deixar de lembrar o que Clara e Gabriel comentam: a posição social do migrante e seus lugares de circulação podem fazer a diferença nesse quesito.

Do ponto de vista da dêixis enunciativa, o relato de Mia apresenta as mesmas temporalidades/espacialidades inscritas nas duas outras narrativas de vida. Não por acaso ela foi escolhida para figurar, juntamente com Clara e Gabriel, neste artigo. O predomínio do eu se mantém, ocorrendo também o deslizamento, em alguns momentos, para um nós/a gente (como se vê no parágrafo anterior). Já você assume normalmente, no relato de Mia, um caráter genérico, como podemos ver em: “Se você não passa que você sabe trabalhar, não passa que você está com força de vontade, quem te dá força?” (grifos nossos). O uso de você no diálogo (discurso direto) aparece uma única vez, diferentemente do que ocorre nos relatos de Clara e de Gabriel, em que tal recurso é muito explorado.

Finalmente, quanto ao modo de enunciação, vemos, na narrativa de Mia, a alternância de basicamente dois éthe: um éthos mais sofrido, que revela fragilidade, e um éthos mais determinado e confiante. Ambos podem ser vistos nos vários trechos já citados, mas também no excerto a seguir com que Mia encerra sua entrevista. Nele, destacamos o uso da metáfora “plantar e colher” para mostrar que o esforço do sujeito, ao longo do processo de deslocamento, acaba por ser compensado positivamente (pelo menos no caso dos nossos entrevistados):

Fui plantando, colhendo e vi o resultado. [...] Aqui tem quatro anos e já vê os resultados daquele esforço que eu tive, que eu fiz. Então, isso é uma coisa gratificante. A princípio como eu não falava a língua – não vou falar que meu inglês é perfeito, que todo dia estou aprendendo –, mas, mesmo assim, eu me sinto feliz comigo mesma porque eu tenho que seguir e [...] alcançar os meus objetivos, as minhas metas. E é isso.

Considerações finais

Finda a análise das três narrativas de vida selecionadas, resta dizer que, para além das diferenças encontradas, há uma história comum que, do ponto de vista temático, define o Brasil pela falta: falta de oportunidades (seja de estudo, seja de trabalho), falta de qualidade de vida, falta de uma situação política favorável, o que leva os sujeitos ao deslocamento. E, mesmo que a integração ao(s) novo(s) país(es) não tenha sido fácil, eles já não querem mais voltar, ou seja, se o projeto de retorno fez parte do seu percurso em algum(ns) momento(s), já foi abandonado em favor do “porto seguro” que a Europa representa para os três, independentemente do(s) país(es) escolhido(s) por cada um para viver e dos aspectos negativos que esse(s) país(es) apresenta(m), como vimos em seus relatos. Assim, embora mantenham laços afetivos com o Brasil, por causa dos familiares e amigos que deixaram no país, nenhum deles pensa num retorno definitivo, sendo Mia a mais categórica dos três ao negar veementemente essa possibilidade.

Outro aspecto (temático) que chama a atenção é a forma como Clara, Gabriel e Mia avaliam o olhar do nativo sobre o migrante brasileiro. Nesse sentido, parece haver uma gradação discriminatória ascendente, que vai da relativa despreocupação dos ingleses (mais afeitos ao business ), passando pela “desconfiança” dos franceses, até a discriminação mais explícita dos portugueses, seja em relação à disputa de vagas em universidades ou no mercado de trabalho, seja no que se refere às mulheres, o que confirma os resultados apontados pela pesquisa de Keating (2019)KEATING, C. Biographizing migrant experience. International Journal of the Sociology of Language, Berlin, n. 257, p. 49-75, 2019. , embora a posição social do(a) migrante e seus lugares de circulação possam, em certas circunstâncias, minimizar essa postura discriminatória (como observam Clara e Gabriel em seus relatos).

Quanto ao plano do vocabulário, para além dos muitos índices de avaliação mobilizados para caracterizar o país de partida e o(s) país(es) de chegada, destacamos a presença do vocábulo dificuldade (e similares) que constitui uma espécie de palavra-chave ou de “ponto de cristalização semântica” no/do discurso, sobretudo para se referir aos primeiros momentos da experiência migratória: ele reúne, de forma exemplar, os percalços que o sujeito tem/teve que enfrentar para se adaptar a uma nova realidade: o não domínio da língua, o estranhamento em relação a uma cultura que é muito distante da sua etc. Do outro lado, porém, estão os termos segurança e qualidade de vida, que apontam para as vantagens do contexto europeu quando comparado ao brasileiro, o que parece compensar ou, pelo menos, deixar em segundo plano os aspectos negativos abarcados pela palavra dificuldade .

Do ponto de vista da dêixis enunciativa, em se tratando do gênero narrativa de vida, há, em linhas gerais, um eu que (se) conta no aqui/agora e que resgata um lá-então, dividido em dois momentos: a vida no Brasil e a vida no país da primeira migração. Esta, embora mais próxima do sujeito no tempo (e no espaço), leva-o igualmente a buscar na memória lembranças e reminiscências, cuja “reconstrução” é constantemente atravessada por porosidades e lacunas. O resultado é, pois, a produção de uma história complexa e heterogênea que retoma tantas outras experiências migratórias já vividas (e a se viver).

Enfim, quanto ao modo de enunciação – tomado como uma “maneira de dizer” que remete a uma “maneira de ser” – vemos sujeitos que, apesar de um esforço de objetividade no relato dos fatos, oscilam entre um éthos ora confiante e assertivo, sobretudo quando falam de sua vida atual e de suas expectativas futuras, ora mais vulnerável, mais fragilizado, quando abordam questões que tocam de perto sua sensibilidade (as dificuldades do passado ou mesmo do presente, as saudades de entes queridos que ficaram no Brasil etc.).

Essas recorrências, observadas na análise das três narrativas de vida, por meio da integração dos quatro planos: temas, vocabulário, dêixis enunciativa e modo de enunciação , nos permitem chegar ao conjunto das “restrições” que afetam globalmente o discurso dos brasileiros – ou desses brasileiros – que se deslocaram para a Europa. Por outro lado, não podemos perder de vista que, apesar dos aspectos comuns, cada história é única, dispondo o narrador de uma “margem de manobra” na construção do seu dizer, o que explica as diferenças. Por isso, concordamos com Possenti (2005POSSENTI, S. Apresentação. In: MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Curitiba: Criar, 2005. p. 7-9. , p. 8-9) que, ao apresentar para o leitor a tradução brasileira de Genèses du discours [ Gênese dos discursos ], de onde foi retirada a “hipótese” de uma semântica global, ressalta que essa obra propõe um modo de fazer análise do discurso que, sem desprezar os fatores históricos enfatizados por Pêcheux e seu grupo, “acrescentou certos aspectos que afetam a discursividade para além da relação direta entre língua e história”.

De qualquer forma, ainda que os resultados não possam ser generalizados, dizendo respeito às narrativas selecionadas e analisadas – ou seja, os resultados poderiam ser outros, se as narrativas fossem outras –, o mais importante para nós foi a oportunidade de fazer ouvir essas “vozes marginais”, essas histórias de brasileiros comuns – “gente como a gente” – que concordaram em partilhar conosco um pouco da sua experiência migratória do outro lado do Atlântico.

Se os relatos de Clara, Gabriel e Mia interagem (dialogam, polemizam) entre si, revelando diferentes olhares sobre o mundo, eles também incorporam outras palavras e outros discursos, no tempo mais/menos longo dos movimentos migratórios que atravessam a história da humanidade, estabelecendo com eles a “interação viva e tensa” de que nos fala Bakhtin (2015)BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p.19-241. Original de 1930-1936. e desvelando o dialogismo nuclear da/na construção do discurso.

Com o presente artigo (e com o projeto de que ele resulta), esperamos ter contribuído para fazer avançar o conhecimento em torno das migrações contemporâneas e dos discursos que elas engendram, desenvolvendo, ao mesmo tempo, uma pesquisa socialmente útil e apta a abrir novos caminhos rumo a práticas (socio)discursivas fortalecedoras.

Quadro 1
– Informações sobre os sujeitos da pesquisa

REFERÊNCIAS

  • AKOKA, K. Qu’est-ce qu’un réfugié: Des usages politiques des definitions juridiques. In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 183-197.
  • ARFUCH, L. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Tradução de Paloma Vidal. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010.
  • BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p.19-241. Original de 1930-1936.
  • BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João, 2010a. Original de 1920-1924.
  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Tradução, notas e prefácio Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b.
  • BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução e Introdução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 3-192. Original de 1924-1927.
  • BARTHES, R. Le grain de la voix: Entretiens. 1962-1980. Paris: Seuil, 1981.
  • BARTRAM, D. et al. Key concepts in migration. London: Sage, 2014.
  • BERNARD, P. Immigration: le défi mondial. Paris: Gallimard, 2002.
  • BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005.
  • BLANCHARD, P. et al. Atlas des immigrations en France. Paris: Autrement, 2016.
  • BOUDON, B. Étranger: la constitution progressive d’une catégorie juridique et statistique. In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 91-97
  • BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-31.
  • BRÉANT, H. Démontrer le rôle positif des migrations internationales par les chiffres: Une analyse de la rhétorique instituionnelle du système des Nations Unies. Mots, Paris, n. 100, p. 153-171, 2012.
  • CALABRESE, L. Diversité, entre constat et injonction. In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 71-79.
  • CALABRESE, L.; VENIARD, M. Mots, discours et migration, une relation dialectique: In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 9-31.
  • CAMPOS, M. T. R. A. Teias do tempo: o jovem do ensino médio como sujeito na gestação do futuro. Orientadora: Beth Brait. 2018. 365f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. Bolsa CNPq. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/21804/2/Maria%20Tereza%20Rangel%20Arruda%20Campos.pdf Acesso em: 23 fev. 2022.
    » https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/21804/2/Maria%20Tereza%20Rangel%20Arruda%20Campos.pdf
  • CLOCHARD, O. Les réfugiés dans le monde entre protection et illégalité. EchoGéo, Paris, v. 2, p. 1-8, sep./nov. 2007. Disponível em: http://echogeo.revues.org/1696 Acesso em: 14 jul. 2021.
    » http://echogeo.revues.org/1696
  • DUCARD, D. Dar a palavra: da reportagem radiofônica à ficção documental. Tradução de Glaucia Proença Lara e Aline Saddi Chaves. In: LARA, G. P.; LIMBERTI, R. P. (org.). Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015. p. 109-128.
  • GÓIS, P.; MARQUES, J. C. Percursos e trajetos migratórios dos brasileiros. In: PEIXOTO, J. et al. (org.). Vagas atlânticas: migrações entre Brasil e Portugal no início do século XXI. Lisboa: Mundos Sociais, 2015. p. 39-57.
  • KEATING, C. Biographizing migrant experience. International Journal of the Sociology of Language, Berlin, n. 257, p. 49-75, 2019.
  • LAACHER, S. Ce qu’immigrer veut dire. Paris: Le Cavalier Bleue, 2012.
  • LARA, G. M. P. De “Ouvrons les portes” a “Em casa no Brasil”: olhares contemporâneos sobre a migração. Revista Gláuks, Viçosa, v. 19, n. 1, p. 79-100, jan-jun 2019. Disponível em: https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/issue/view/24/27 Acesso em: 22 jun. 2020.
    » https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/issue/view/24/27
  • LARA, G. M. P. A(s) voz(es) dos vulneráveis: narrativas de vida de imigrantes e refugiados à luz da análise do discurso. In: BARONAS, R. L. et al. (org.). As ciências da linguagem e a(s) voz(es) e o(s) silenciamento(s) de vulneráveis: reflexão e praxis. Campinas: Pontes, 2018. p. 145-166.
  • MACHADO, I. L. Narrativa de vida: um espaço de liberação para vozes femininas? In: MACHADO, I. L.; SANTOS, J. B. C.; JESUS, S. N. (org.). Análise do discurso: Afinidades epistêmicas franco-brasileiras. Curitiba: CRV, 2016. p. 12-22.
  • MACHADO, I. L.; LESSA, C. H. Reflexões sobre o gênero narrativa de vida do ponto de vista da análise do discurso. In: JESUS, S. N.; SILVA, S. M. R. (org.). O discurso & outras materialidades. São Carlos: Pedro & João, 2013. v. 1. p. 102-122.
  • MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Tradução de Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015.
  • MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005.
  • MANZINI, E. J. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semi-estruturada. In: MARQUEZINE: M. C.; ALMEIDA, M. A.; OMOTE; S. (org.). Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, 2003. p.11-25.
  • MOREIRA, G. M. Figures de migrants brésiliens en France: approche anthropologique et sociolinguistique. Direction de Monsieur le Professeur Émérite, Jean-Marie Prieur. 2018. 1495f. Thèse (Doctorat en Linguistique) - Université Paul Valéry - Montpellier III, Montpellier, 2018.
  • ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios & procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.
  • PEIXOTO, J. et al. (org.). Vagas atlânticas: migrações entre Brasil e Portugal no início do século XXI. Lisboa: Mundos Sociais, 2015.
  • PORTES, J. Immigration. London: Sage, 2019.
  • POSSENTI, S. Apresentação. In: MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Curitiba: Criar, 2005. p. 7-9.
  • TURPIN, B. A discriminação dos ciganos na imprensa francesa. Tradução de Clebson Luiz de Brito e Aline Saddi Chaves. In: LARA, G. M. P.; LIMBERTI, R. C. P. (org.). Representações do outro: discurso, (des)igualdade e exclusão. Belo Horizonte: Autêntica, 2016. p. 117-133.
  • 1
    Este artigo resulta do projeto de pós-doutorado “Emigrantes brasileiros no contexto europeu”, desenvolvido no LAEL/PUC-SP, de agosto de 2019 a julho de 2020, com a supervisão da Professora Beth Brait. Para o período de outubro de 2019 a março de 2020 (seis meses), contamos com uma bolsa de Professor Visitante Sênior (PRINT-CAPES/UFMG) na França, com a (co)supervisão do Professor Dominique Ducard (Université Paris-Est Créteil – UPEC).
  • 2
    Os textos consultados ora usam migração/migrante, ora imigração/imigrante, numa variação muito grande. Em consonância com Calabrese e Veniard (2018)CALABRESE, L.; VENIARD, M. Mots, discours et migration, une relation dialectique: In: CALABRESE, L.; VENIARD, M. (org.). Penser les mots, dire la migration. Bruxelles: Academia; Paris: L’Harmattan, 2018. p. 9-31. , utilizaremos doravante migração (migrante) que, segundo as autoras, é um termo relativamente neutro que descreve simplesmente um processo de mobilidade. Manteremos, porém, os termos imigração/imigrante (ou emigração/emigrante) quando se tratar de citações de textos que os utilizam.
  • 3
    Disponível em: https://publications.iom.int/books/world-migration-report-2020 . Acesso em: 22 jun. 2020.
  • 4
  • 5
    Para maiores detalhes a respeito dessa metodologia, ver Campos (2018)CAMPOS, M. T. R. A. Teias do tempo: o jovem do ensino médio como sujeito na gestação do futuro. Orientadora: Beth Brait. 2018. 365f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. Bolsa CNPq. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/21804/2/Maria%20Tereza%20Rangel%20Arruda%20Campos.pdf. Acesso em: 23 fev. 2022.
    https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/...
    .
  • 6
    A entrevista narrativa aproxima-se da entrevista semidiretiva ou semiestruturada ( MANZINI, 2003MANZINI, E. J. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semi-estruturada. In: MARQUEZINE: M. C.; ALMEIDA, M. A.; OMOTE; S. (org.). Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, 2003. p.11-25. ; MOREIRA, 2018MOREIRA, G. M. Figures de migrants brésiliens en France: approche anthropologique et sociolinguistique. Direction de Monsieur le Professeur Émérite, Jean-Marie Prieur. 2018. 1495f. Thèse (Doctorat en Linguistique) - Université Paul Valéry - Montpellier III, Montpellier, 2018. ).
  • 7
    Tradução livre do original: “[...] il y a du récit de vie dès lors qu’un sujet raconte à une autre personne, chercheur ou pas, un épisode quelconque de son expérience vécue. Le verbe ‘raconter’ (faire le récit de) est ici essentiel : il signifie que la production discursive du sujet a pris la forme narrative ”. ( BERTAUX, 2005BERTAUX, D. Le récit de vie. Paris: Armand Colin, 2005. , p. 36).
  • 8
    A semântica global de Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. inclui sete planos no total. Além dos que citamos – que constituem, para nós, os mais produtivos no exame das narrativas de vida ( LARA, 2018LARA, G. M. P. A(s) voz(es) dos vulneráveis: narrativas de vida de imigrantes e refugiados à luz da análise do discurso. In: BARONAS, R. L. et al. (org.). As ciências da linguagem e a(s) voz(es) e o(s) silenciamento(s) de vulneráveis: reflexão e praxis. Campinas: Pontes, 2018. p. 145-166. , 2019LARA, G. M. P. De “Ouvrons les portes” a “Em casa no Brasil”: olhares contemporâneos sobre a migração. Revista Gláuks, Viçosa, v. 19, n. 1, p. 79-100, jan-jun 2019. Disponível em: https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/issue/view/24/27. Acesso em: 22 jun. 2020.
    https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/...
    ) –, há a intertextualidade , o estatuto do enunciador e do destinatário e o modo de coesão . Cabe esclarecer que utilizaremos os quatro planos escolhidos de maneira mais abrangente do que faz o autor. Não vemos, porém, incompatibilidades entre o que ele propõe e a nossa “releitura” desses planos. Aliás, o próprio Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2005. afirma que a ordem de sucessão dos planos é arbitrária e que nada impede que sejam isolados outros planos ou que as divisões propostas sejam repartidas de forma diferente, o que autoriza nossa “releitura”.
  • 9
    Disponível em: https://www.otempo.com.br/mundo/estudantes-portugueses-oferecem-pedras-para-atirarem-em-alunes taos-brasileiros-1.2175034. Acesso em: 10 fev. 2020. A situação ocorreu na Universidade de Lisboa, em abril de 2019, quando os candidatos brasileiros preencheram a maioria das vagas oferecidas para o Mestrado na Faculdade de Direito, levando um grupo de estudantes portugueses a colocar, em frente à referida faculdade, um cartaz xenófobo, oferecendo pedras grátis para serem atiradas em alunos brasileiros.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Rua Quirino de Andrade, 215, 01049-010 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 5627-0233 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: alfa@unesp.br