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METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE LÍNGUAS: A APRENDIZAGEM POR INTERAÇÃO EM MEIO REMOTO

RESUMO

A pandemia do coronavírus intensificou o uso criativo de recursos tecnológicos que promovam a comunicação dinâmica entre os aprendizes de forma significativa. Este estudo investigou a contribuição das metodologias ativas nas aulas remotas de língua inglesa para a interação entre aprendizes de nível básico. Com base nesse objetivo, analisamos os recursos que promovem o desenvolvimento linguístico dos alunos por meio da interação em ambientes virtuais, tendo, por referencial teórico, estudos sobre metodologias ativas, aprendizagem, interação e ensino de línguas estrangeiras e teoria sociocultural. Os dados foram gerados por meio de questionários respondidos pelos estudantes, das interações no Google Classroom e do diário de observação da docente sobre as interações síncronas no Google Meet e analisados à luz da teoria fundamentada nos dados. Ao contrastar os instrumentos, obtivemos três categorias globais que emergiram da comparação e contraste entre eles: flexibilidade, autonomia e interação. As categorias mostraram que tarefas criativas desenvolvidas por meio de metodologias ativas, como a produção de vídeo, atividades autônomas como o acesso prévio a videoaulas e tarefas flexíveis como as atividades disponíveis nos fóruns semanais, permitiram aos aprendizes identificar possíveis erros no que concerne ao uso da língua inglesa e ajudar os colegas, resolvendo problemas de forma colaborativa. Os resultados confirmam as contribuições de metodologias ativas no ambiente on-line.

PALAVRAS-CHAVE
metodologias ativas; interação em meio remoto; ensino de inglês; teoria fundamentada nos dados; pandemia

ABSTRACT

The coronavirus pandemic has intensified the creative use of technological resources that significantly promote dynamic communication among learners. This study investigated the contribution of active methodologies in remote English language classes for the interaction between basic level learners. Based on this goal, we analyzed the resources that promote the linguistic development of students through interaction in virtual environments, based on studies on active methodologies on learning, interaction and teaching of foreign languages and sociocultural theory. Data were generated from an online questionnaire applied to students, interactions in the Google Classroom environment, and the field observation journal of synchronous interactions in Google Meet and were analyzed in the light of grounded theory. By contrasting the instruments, we obtained three global categories that emerged from the comparison and contrast between them: flexibility, autonomy, and interaction. The categories showed that creative tasks developed through active methodologies, such as video production, autonomous activities such as prior access to video classes and flexible tasks such as the activities available in the weekly forums, allowed learners to identify possible errors regarding the use of the language and collaborate with colleagues, solving problems collaboratively and answering questions. The results confirm the contributions of active methodologies in the online environment.

KEYWORDS
active methodologies; remote learning; teaching English; grounded theory; pandemic

Introdução

O processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras foi afetado pelo contexto de isolamento durante a pandemia do coronavírus (Nóbrega, 2022NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022.). O trabalho com as quatro habilidades linguísticas, sendo elas habilidades de produção e compreensão oral e escrita, mudou de acordo com o uso de ferramentas tecnológicas que favorecessem a interação entre aprendizes.

Essas novas formas de interação, delineadas a partir do uso de ferramentas e ambientes virtuais, promovem alternativas às formas de ensinar e de aprender a língua inglesa. A aplicação de metodologias ativas de ensino encontrou solo fértil devido à imensidão do universo on-line, conduzindo o aluno a um lugar de destaque, em que este pode exercer sua autonomia e protagonismo durante o processo de aprendizagem (Brito; Diniz, 2022BRITO, A.; DINIZ, G. O uso do Canva como ferramenta mediadora nas aulas de inglês durante a pandemia de covid-19. In: NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022. p. 45–57.).

Com o intuito de aprofundar as pesquisas sobre as interações ocorridas no ambiente virtual durante o período de isolamento pela Covid-19, investigamos a contribuição das metodologias ativas nas aulas remotas de língua inglesa para a interação entre os aprendizes da língua de nível básico. Mais especificamente, analisamos os recursos que promoveram o desenvolvimento linguístico de alunos de inglês por meio da interação em ambientes virtuais.

Propusemo-nos, a partir desta investigação, a responder às seguintes questões: De que forma as metodologias ativas aplicadas às aulas de língua inglesa, em ambiente remoto, contribuem para a interação entre os aprendizes? Perguntamo-nos também quais são os recursos digitais responsáveis por contribuir para o desenvolvimento de habilidades linguísticas por meio da interação entre aprendizes de inglês. Essas questões foram levantadas a partir da mudança entre o ensino presencial e o ensino remoto, imposto pelo então necessário isolamento devido à pandemia do coronavírus.

A mudança entre o ensino presencial e o ensino remoto emergencial (doravante ERE) motivou o uso de recursos digitais que viabilizassem não somente a apresentação do insumo das aulas, como também questões relacionadas ao agrupamento de alunos, seleção de atividades a serem realizadas individualmente, prática de compreensão oral, entre outros.

Apesar de muito comentada nos últimos anos, a ideia de uso de metodologias que fossem ativas nasceu na década de 1980, em uma oposição às metodologias que destacavam a transmissão de conhecimentos de maneira unilateral, que partia do professor e finalizava no aluno. O método de gramática e tradução é um exemplo de metodologia tradicional em que o professor ensina as regras gramaticais para os alunos, os quais devem traduzir textos com o objetivo de aprender a língua-alvo (Figueiredo; Oliveira, 2017FIGUEIREDO, F. J. Q. de; OLIVEIRA, E. C. de. Sobre métodos, técnicas e abordagens. In: FIGUEIREDO, F. J. Q. de. (org.). Formação de professores de línguas estrangeiras: princípios e práticas. 2. ed. rev. ampl. Goiânia: Ed. UFG, 2017. p. 11–41.; Larsen-Freeman, 2000LARSEN-FREEMAN, D. Technique and language principles in language teaching. London: Oxford, 2000.). Diante dos problemas encontrados na aprendizagem de línguas através de métodos tradicionais, enfatizamos a responsabilidade do processo de aprendizagem. Com o uso de metodologias ativas de ensino, essa responsabilidade é fracionada entre professor e aluno, fazendo com que o aluno desenvolva também a sua capacidade de autoaprendizagem (Mota; Rosa, 2018MOTA, A. R.; ROSA, C. T. W. da. Ensaio sobre metodologias ativas: reflexões e propostas. Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 25, n. 2, p. 261–276, 2018.). A autoaprendizagem é manifestada a partir de incentivos pensados e planejados pelo professor, o qual medeia não somente a aprendizagem de uma língua estrangeira por seus alunos, como também a aquisição de estratégias de aprendizagem da língua-alvo. A descoberta de estratégias próprias por cada aprendiz é fomentada pela forma como ele interage com seus colegas, também aprendizes de inglês. Ao buscar soluções para problemas pontuais como uso vocabular, pronúncia e uso de estruturas gramaticais, os alunos experienciam diferentes estratégias de aprendizagem. Swain (1985)SWAIN, M. Communicative competence: Some roles of comprehensible input and comprehensible output in its development. In: GASS, S.; MADDEN, C. (ed.). Input in second language acquisition. Rowley: Newbury House, 1985. p. 235–253. reitera que a ação de aprender uma língua estrangeira é mais eficaz quando a língua aprendida é utilizada de forma interativa.

O contexto de fala real é importante para que o aprendiz se torne conhecedor de seus limites estratégicos e linguísticos. Ellis (1993)ELLIS, N. Rules and instances in foreign language learning: Interactions of implicit and explicit knowledge. European Journal of Cognitive Psychology, Abingdon, v. 5, n. 3, p. 289–318, 1993. afirma que a interação em sala de aula é importante não apenas para praticar a língua, mas também para verificar sua compreensão. Com a aplicação de uma metodologia ativa de ensino, há uma mudança de comportamento no que concerne ao papel do aluno, que passa a desempenhar uma função ativa e dinâmica enquanto interage com seus colegas. Podemos observar também a mudança de comportamento do professor, que passa “de transmissor do conhecimento para monitor, com o dever de criar ambientes de aprendizagem repletos de atividades diversificadas” (Mota; Rosa, 2018MOTA, A. R.; ROSA, C. T. W. da. Ensaio sobre metodologias ativas: reflexões e propostas. Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 25, n. 2, p. 261–276, 2018., p. 263).

Ao longo de nosso percurso investigativo, dialogamos com autores e seus estudos sobre metodologias ativas (Bergmann; Sams, 2012BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip your classroom: Reach every student in every class every day. Eugene: International Society for Technology in Education, 2012.; Mota; Rosa, 2018MOTA, A. R.; ROSA, C. T. W. da. Ensaio sobre metodologias ativas: reflexões e propostas. Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 25, n. 2, p. 261–276, 2018.; Novak, 2011NOVAK, G. M. Just-in-Time Teaching. New Directions for Teaching and Learning, Hoboken, n. 128, p. 63–73, 2011.), teorias de aprendizagem de língua estrangeira (Ellis, 1993ELLIS, N. Rules and instances in foreign language learning: Interactions of implicit and explicit knowledge. European Journal of Cognitive Psychology, Abingdon, v. 5, n. 3, p. 289–318, 1993.; Figueiredo, 2023FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Aprendendo com os erros: uma perspectiva comunicativa do ensino de línguas. 4 ed. rev. ampl. São Paulo: Parábola, 2023.; Larsen-Freeman, 2000LARSEN-FREEMAN, D. Technique and language principles in language teaching. London: Oxford, 2000.; Swain, 1985SWAIN, M. Communicative competence: Some roles of comprehensible input and comprehensible output in its development. In: GASS, S.; MADDEN, C. (ed.). Input in second language acquisition. Rowley: Newbury House, 1985. p. 235–253.), interação e ensino de línguas estrangeiras (Figueiredo, 2001FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Correção com os pares: Os efeitos do processo da correção dialogada na aprendizagem da escrita em língua inglesa. 2001. 340 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) — Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001., 2003FIGUEIREDO, F. J. Q. de. A aprendizagem colaborativa: foco no processo de correção dialogada. In: LEFFA, V. J. (org.). A interação na aprendizagem das línguas. Pelotas: Educat, 2003. p.125–157., 2006FIGUEIREDO, F. J. Q. de. A aprendizagem colaborativa de línguas. Goiânia: Ed. UFG, 2006., 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019.) e teoria sociocultural (Vygotsky, 1981VYGOTSKY, L. S. The development of higher forms of attention in childhood. In: WERTSCH, J. V. (ed.). The concept of activity in Soviet psychology. New York: M.E. Sharpe, 1981. p. 189–240., 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.), esta sendo essencial para a investigação sobre a interatividade na aplicação da metodologia da sala de aula invertida.

As metodologias ativas e a interação na aprendizagem de língua inglesa

Diante da diversidade de definições do termo metodologias ativas, construímos um prisma (figura 1) em que centralizamos o fato de o processo de aprendizagem ser um processo ativo, ou seja, o aprendiz possui um lugar de destaque, sendo o protagonista de sua aprendizagem. Em sua definição, o prisma é “um sólido prismático de seção triangular, de vidro ou de cristal, que serve para decompor os raios luminosos” (Prisma, 2023).

Figura 1
– Prisma do processo ativo de aprendizagem de língua inglesa

Os insumos utilizados nas aulas de língua inglesa são geralmente oferecidos pelo professor, mas é papel do aprendiz subjetivar esses insumos de acordo não somente com seus conhecimentos de mundo, mas também a partir da interação com outros colegas. O insumo representado como uma cor única, ao entrar em contato com o aprendiz e seu protagonismo dentro do processo de aprendizagem, fragmenta-se em diferentes cores, as quais representam os múltiplos contextos de aplicação da língua e do conhecimento adquirido. O aprendiz é, então, profuso no que diz respeito à disseminação do conhecimento linguístico e, por meio da interação com seus colegas, é capaz de adaptar novas formas de aplicação desse conhecimento adquirido.

De acordo com Brown (2007)BROWN, H. D. Principles of language learning and teaching. White Plains: Longman, 2007., a aprendizagem ativa é um processo em que os alunos decidem sobre aspectos de sua aprendizagem, de modo a se tornarem autorregulados. Conforme esclarece a teoria vygotskyana, o indivíduo passa por três estágios de desenvolvimento cognitivo (Vygotsky, 1981). São eles: a) regulação pelo objeto: o ambiente exerce influência sobre o indivíduo; b) regulação pelo outro: o indivíduo é capaz de realizar certas tarefas com o auxílio de outras pessoas; c) autorregulação: o indivíduo, de forma independente, desenvolve estratégias para realizar as tarefas. A transição do estágio de regulação pelo outro (atividade interpsicológica) para o estágio de autorregulação (atividade intrapsicológica) é favorecida por estruturas de apoio conhecidas como scaffolding e ocorre na zona de desenvolvimento proximal, na qual a criança e o adulto se engajam em um processo dialógico (Lantolf; Appel, 1994LANTOLF, J.; APPEL, G. Theoretical framework: An introduction to Vygotskian perspectives on second language research. In: LANTOLF, J.; APPEL, G. (ed.). Vygotskian approaches to second language research. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 1994. p. 1–32.).

O scaffolding é descrito como um processo que possibilita à criança ou ao aprendiz solucionar um problema, realizar uma tarefa, ou atingir um objetivo que estaria além dos seus esforços, caso não tivesse a ajuda de uma outra pessoa (Wood; Bruner; Ross, 1976). Conforme nos esclarece Figueiredo (2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019., p. 57), o scaffolding “pode ocorrer de várias formas: por meio de perguntas, demonstrações, incentivos, instruções, explicações ou modelos que orientam a realização da tarefa”.

Ao se tornar autorregulado, o aprendiz começa a compreender o seu processo de aquisição de conhecimentos e a exercer controle sobre ele, o que resulta em um processo metacognitivo que, por sua vez, favorece o desenvolvimento cognitivo do indivíduo (Ivić, 1989).

Para Bakir (2011)BAKIR, S. Is it possible to have students think creatively with the help of active learning techniques? Procedia, Amsterdam, v.15. p. 2533–2539, 2011., essa autorregulação da aprendizagem provoca não somente o pensamento crítico do aluno, mas também sua criatividade, ou seja, o aluno deve ter consciência do seu processo de aprendizagem e não somente estar no centro dele, uma vez que isso o torna mais criativo e atuante.

Os estudos sobre metodologias ativas compreendem a psicologia cognitiva, mais especificamente os conceitos de metacognição e socioconstrutivismo, em que a metacognição reforça “a importância da reflexão e da autonomia do aluno no processo de aprendizagem” (Mota; Rosa, 2018MOTA, A. R.; ROSA, C. T. W. da. Ensaio sobre metodologias ativas: reflexões e propostas. Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 25, n. 2, p. 261–276, 2018.), e o socioconstrutivismo leva o aprendiz a ser visto como “um participante ativo na construção do conhecimento” (Figueiredo, 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019., p. 61). A prática linguística é, sobretudo, uma prática social e a interatividade é um fator de grande relevância para a aprendizagem da língua-alvo.

Os estudos de Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998. apresentam o indivíduo como alguém que aprende a partir da interação com os demais. Em uma sala de língua estrangeira, o indivíduo não só aprende a partir da interação com os colegas, ao falar, narrar ou fazer perguntas, como também reflete sobre os processos adquiridos durante a aprendizagem da língua. Em um ambiente on-line, durante nossa investigação, vimos isso acontecer em meios específicos de interação, como o chat durante aulas síncronas no ambiente Google Meet, os comentários realizados pelos colegas nos fóruns (discussion boards) no ambiente Google Classroom, nas sessões em duplas ou em grupos para prática da habilidade oral utilizando o Google Meet e durante a produção de vídeos pelos aprendizes, momento no qual eles gravavam a si mesmos e corrigiam erros que identificavam antes de entregar o vídeo à professora.

Dessa forma, afirmamos que a aprendizagem de inglês é possibilitada não somente pela interação, mas também pela reflexão oriunda da interação natural com os demais aprendizes e com os recursos disponíveis em seus ambientes de prática linguística.

A aprendizagem significativa, ocorrida no intervalo da chamada Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), leva o indivíduo a assimilar o conhecimento real e o potencial, sendo o primeiro aquele que o aprendiz consegue aplicar sozinho e o segundo aquele que é aplicado mediante auxílio dos outros. Esse auxílio proporcionado pelo colega pode ser estimulado por meio de um método de ensino conhecido por Sala de Aula Invertida (Flipped Classroom). Nesse método, há uma mudança na forma tradicional de ensino; ou seja, o conteúdo passa a ser estudado em casa, e as tarefas são realizadas durante as aulas, fazendo com que o tempo na sala de aula seja mais bem aproveitado para esclarecimentos de dúvidas e discussão sobre o conteúdo a ser aprendido. Conforme nos esclarece Schneiders (2018SCHNEIDERS, L. A. O método da sala de aula invertida (flipped classroom). Lajeado: Ed. da Univates, 2018. Disponível em: https://www.univates.br/editora-univates/media/publicacoes/256/pdf_256.pdf. Acesso em: 15 jan. 2023.
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, p. 1),

[a] inversão da sala de aula basicamente consiste em fazer em casa o que era feito em aula, por exemplo, atividades relacionadas à transmissão dos conhecimentos e, em aula, as atividades designadas a serem realizadas em casa, responsáveis pela assimilação do conhecimento, como resolver problemas e realizar trabalhos em grupo.

Ao utilizarmos o método da Sala de Aula Invertida, observamos que há maior ênfase no aprendiz, e o protagonismo do aluno aparece como elemento central neste intervalo entre o que ele consegue produzir sozinho após consumir os insumos ofertados pelo professor e aquilo que ele consegue produzir e utilizar com os demais colegas. Essa construção dos conhecimentos adquiridos durante as aulas pode ocorrer por meio de videoaulas, em que o aluno assiste ao material gravado pelo professor, em seu ritmo pessoal, por meio dos encontros síncronos com a turma toda com uso de plataforma de videoconferência ou ao comentar as respostas dos colegas em um fórum on-line.

A sala de aula invertida (Bergmann; Sams, 2012BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip your classroom: Reach every student in every class every day. Eugene: International Society for Technology in Education, 2012.) convida o aluno e o professor a uma inversão não somente na forma de ensinar e de aprender, mas também nas formas de atuação no ambiente de aprendizagem. Com a sala de aula invertida, professores e alunos mudam seus papéis e as responsabilidades do processo de aprendizagem, que agora passam a ser do próprio aprendiz. A inversão da sala de aula ocorre quando se oferecem aos estudantes insumos relacionados a vocabulário, estrutura gramatical, pronúncia e aspectos socioculturais da língua-alvo, associada a momentos de prática que visam à solução de problemas e a oportunidades de se expressarem em uma outra língua. Para que isso ocorra, é necessário que haja uma mudança na postura do aluno (Schneiders, 2018SCHNEIDERS, L. A. O método da sala de aula invertida (flipped classroom). Lajeado: Ed. da Univates, 2018. Disponível em: https://www.univates.br/editora-univates/media/publicacoes/256/pdf_256.pdf. Acesso em: 15 jan. 2023.
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), que deixa de ser coadjuvante em seu processo de aprendizagem e passa a ser o autor principal, sendo responsável pelo consumo dos insumos ofertados e pelo uso desses insumos com a mediação de seu professor e de colegas.

Para inverter a sala de aula, é preciso preparação. A começar pelo professor, que deve selecionar materiais disponíveis ou elaborar materiais autênticos e disponibilizá-los aos seus alunos antes das aulas. Um exemplo de materiais autênticos são as aulas produzidas em vídeo, em que o próprio professor grava suas aulas e orienta seus alunos a buscarem referências externas de forma a complementar o conteúdo trabalhado. O professor é o principal curador dos materiais a serem disponibilizados aos alunos. Na aula, a interação proporcionará a prática linguística em conjunto, favorecendo o uso de estratégias linguísticas.

Realizamos esses procedimentos anteriormente descritos com as turmas investigadas neste trabalho. A sala de aula invertida foi aplicada às turmas por meio da disponibilização de aulas gravadas (aulas assíncronas) e outros materiais didáticos como exercícios do livro didático e vídeos curtos com dicas de pronúncia, gramática e vocabulário. Para que as metodologias ativas fossem aplicadas de forma dinâmica aos alunos, diferentes abordagens foram utilizadas, de acordo com a necessidade de cada uma das turmas, sempre utilizando tarefas que favorecessem a interação entre os alunos.

Trabalhar com tarefas faz com que a aprendizagem passe a ser significativa para quem está aprendendo uma língua estrangeira (Long, 2016LONG, M. H. In defense of tasks and TBLT: Non-issues and real issues. Annual Review of Applied Linguistics, Cambridge, v. 36, p. 5–33, 2016.). Chen e Wang (2019)CHEN, S.; WANG, J. Effects of Task-based Language Teaching (TBLT) Approach and Language Assessment on Students’ Competences in Intensive Reading Course. English Language Teaching, Ontario, v. 12, n. 3, p. 119–138, 2019. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1205625.pdf. Acesso em: 10 jan. 2023.
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, em seus estudos sobre o ensino baseado em tarefas, no inglês task-based language teaching (TBLT), afirmam que, ao realizar tarefas, os aprendizes desenvolvem sua autonomia e capacidade autorregulatória. Para Smith e González-Lloret (2021)SMITH, B.; GONZÁLEZ-LLORET, M. Technology-mediated task-based language teaching: A research agenda. Language Teaching, Cambridge, v. 54, n. 4, p. 518–534, 2021., a TBLT passa a ser TMTBLT, em que, além da tarefa, temos também o uso das tecnologias digitais, sendo o termo atualizado para technology-mediated task-based language teaching.

Conforme advogam os autores:

As tecnologias para a aprendizagem de línguas precisam ser baseadas em pesquisas teoricamente fundamentadas, levando também em conta o contexto de ensino e aprendizagem. Essa ideia deve ser complementada com pesquisas sobre como as novas tecnologias interagem com tarefas e atividades de forma que maximizem o benefício das novas tecnologias transformadoras. Ou seja, deve haver uma maneira baseada em princípios para os professores desenvolverem e sequenciarem tarefas mediadas por tecnologia que provoquem o tipo pretendido de comportamento do aluno e uso da língua, bem como crescimento linguístico adequado, dados os recursos e acesso disponíveis. (Smith; González-Lloret, 2021SMITH, B.; GONZÁLEZ-LLORET, M. Technology-mediated task-based language teaching: A research agenda. Language Teaching, Cambridge, v. 54, n. 4, p. 518–534, 2021., p. 522, tradução nossa).

Os estudantes se envolvem de maneira diferente com as tecnologias digitais quando as utilizam como suporte para a aprendizagem. De acordo com Jenkins et al. (2009), os alunos se envolvem de maneiras diferentes com as tecnologias digitais e, muitas vezes, até mais sofisticadas do que as encontradas ou ofertadas na escola. A TMTBLT é uma abordagem que encontrou, no uso de diferentes suportes tecnológicos digitais, um auxílio para a promoção da aquisição da língua-alvo através da interação entre os aprendizes que se encontravam distantes fisicamente.

O uso de diferentes recursos tecnológicos para a aprendizagem da língua estrangeira em meio remoto possibilitou, à professora das turmas pesquisadas neste estudo, o desenvolvimento de ações individuais e coletivas: individuais no que concerne ao estudo da língua a partir dos insumos ofertados pela professora do curso e coletivas porque houve a prática da língua inglesa dentro de uma abordagem comunicativa, o que favoreceu o uso significativo da língua-alvo com pessoas reais. A seção a seguir apresenta o percurso metodológico traçado durante nossa pesquisa, em que a Teoria Fundamentada nos Dados foi utilizada para a realização de nossos procedimentos analíticos.

Percurso metodológico

O sustentáculo de nossa ação investigativa engloba o uso da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), de Strauss e Corbin (2008)STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008., bem como o Método da Comparação Constante (MCC), de Charmaz (2009), que foram aplicados na análise dos dados da pesquisa.

A Teoria Fundamentada nos Dados é um método analítico que possibilita a construção de uma teoria com base nos dados investigados. Ela recebe esse nome por não haver teoria que se antecipe aos dados, mas sim a possibilidade de uma teoria que surja dos próprios dados. Não há coleta em si, há um processo de geração de dados, os quais são concebidos a partir da observação da realidade investigada, organizando categorias conceituais que expliquem esses fenômenos.

Em nossa investigação, devido às limitações de tempo, restringimos a investigação dos fenômenos à emergência de categorias provenientes de nossos incidentes lexicais, fazendo uso da TFD para a realização de movimentos de comparação e contraste entre os incidentes lexicais de nossos instrumentos.

Por sua vez, o Método da Comparação Constante (MCC) compreende a classificação dos dados gerados em cada um dos instrumentos utilizados durante a triangulação. Em nossa investigação utilizamos três instrumentos de pesquisa, sendo o INST1 o questionário on-line aplicado aos alunos, o INST2 as interações no ambiente virtual Google Classroom e o INST3 o diário de observação da docente sobre as interações síncronas no Google Meet.

As ações dos instrumentos de pesquisa foram realizadas e documentadas por meio de textos escritos, o que permitiu a extração dos chamados incidentes lexicais (IL), sendo estes vocábulos que se referem aos fenômenos observados durante as aulas. Esses vocábulos podem pertencer a qualquer classe gramatical (substantivo, adjetivo, verbo etc.) ou se combinar em estruturas frasais diversas. Os IL foram localizados a partir dos textos dos INST e agrupados de acordo com os fenômenos que compartilhavam entre si. Um exemplo reside no INST1, o questionário on-line, em que o fenômeno interação ficou evidente através dos incidentes lexicais: diálogo, conversas, discussão, compreensão, interação, pessoas, social, troca de experiências, confiança no outro e aprendizado mútuo. Esse grupo de vocábulos refere-se à percepção que os aprendizes tiveram sobre o uso da sala de aula invertida durante as aulas remotas presentes em suas respostas ao questionário aplicado ao final da disciplina. O IL interação é chamado ainda de Incidente Lexical Individual (ILI), uma vez que foi obtido a partir da análise de um instrumento apenas (Silva, 2019SILVA, C. M. R. Tecnologias digitais e língua portuguesa: o uso da internet como ferramenta para produção textual na escola. 2019. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.). Após obtermos todos os ILI de cada um dos instrumentos, podemos comparar e contrastar os ILI entre instrumentos, gerando os Incidentes Lexicais Comparados (ILC).

Para o INST1, os ILI foram extraídos a partir dos próprios textos das respostas, já no caso do INST2, os ILI foram os textos dos alunos na plataforma Google Classroom, quando os aprendizes interagiam uns com os outros dentro das atividades propostas. No caso do INST3, os textos do diário de observação da docente continham vocábulos relacionados aos fenômenos estudados, como interação, uso de metodologias ativas, tecnologias digitais, entre outros, sendo cada ILI correspondente a um fenômeno ocorrido durante a observação do uso das tecnologias digitais com a sala de aula invertida no ensino remoto, sempre evidenciando a interação entre os aprendizes. Após emergirem os ILI de cada um dos INST, emergiram os ILC, a partir do agrupamento de ideias descritas por cada vocábulo/frase presente nos instrumentos. A comparação e o contraste entre os ILC ocorreram entre os três instrumentos de pesquisa. A triangulação ocorreu de forma dinâmica e contínua, até que não fosse mais possível reduzir o agrupamento de categorias.

Em síntese, ao final de nosso movimento analítico, as categorias relacionadas aos fenômenos investigados emergiram dos incidentes lexicais (IL), estes sendo vocábulos que indicaram fenômenos posteriormente comparados e contrastados até seu esgotamento. Sendo assim, a extração de incidentes lexicais individuais (ILI) deu origem aos incidentes lexicais comparados (ILC), os quais resultaram em categorias globais de análise (Silva, 2019SILVA, C. M. R. Tecnologias digitais e língua portuguesa: o uso da internet como ferramenta para produção textual na escola. 2019. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.). As ações realizadas para a análise dos dados desta pesquisa estão representadas na figura 2.

Figura 2
– Diagrama linear do movimento analítico em quatro etapas

Cinquenta e dois aprendizes de duas turmas de nível básico (A1) de língua inglesa participaram desta pesquisa. Os alunos estavam regularmente matriculados na Casa de Cultura Britânica, projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará. No contexto do ERE, as aulas foram ministradas pela primeira autora deste texto, que foi a professora responsável pelos procedimentos de geração de dados durante o primeiro semestre letivo de 2021, tendo os dados sido analisados pelos dois autores deste artigo, caracterizando a pesquisa como pesquisa-ação colaborativa de abordagem qualitativa (Burns, 1999BURNS, A. Collaborative action research for English language teachers. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.). Esta pesquisa, aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem parecer favorável de número 4.979761.

O uso dos dados utilizados neste trabalho foi realizado mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pelos estudantes das turmas em que realizamos a pesquisa, disponibilizado de forma digital, através da ferramenta Google Forms. O TCLE foi redigido de acordo com a norma operacional de número 001/20131 1 Disponível em: http://www.hgb.rj.saude.gov.br/ceap/Norma_Operacional_001-2013.pdf. Acesso em: 15 fev. 2022. , a qual rege a organização do sistema CEP/CONEP, e seus procedimentos de acompanhamento da pesquisa que envolvem seres humanos no Brasil.

Para cada uma das duas turmas, foi criada uma sala própria no ambiente Google Classroom. Apesar de as salas serem específicas para cada turma, o conteúdo programático foi o mesmo, já que todas as turmas foram de nível A1 e utilizaram o mesmo material didático. A sala de aula invertida foi aplicada a essas turmas e, por isso, o ambiente virtual de cada turma foi necessário para disponibilizar os insumos pela professora da disciplina, bem como para promover a interação dos alunos via fóruns de discussão.

Com a periodicidade de duas vezes por semana, as aulas ocorriam em dias alternados (segundas e quartas ou terças e quintas). Durante o semestre, encontros extras para prática oral foram oferecidos a alunos que se agrupavam em duplas ou em grupos de até quatro pessoas.

Os alunos receberam os insumos (aula gravada pela professora, materiais de referência e atividades extras) em um dia (segunda ou terça), para, no dia seguinte de aula, durante o encontro síncrono (quarta ou quinta), realizarem a prática do insumo previamente ofertado, como representado na figura 3. Aos alunos era solicitada a resolução do caderno de exercícios (workbook) após estes assistirem às aulas gravadas. Todas as atividades eram corrigidas no encontro síncrono, seguidas por dinâmicas de conversação em que os alunos interagiam em contextos reais de fala.

Figura 3
– Ciclo da aprendizagem ativa de língua inglesa

Como dito anteriormente, os instrumentos de pesquisa desta investigação foram: Questionário on-line (INST1), composto por 23 perguntas, aplicado às turmas investigadas; Interações no ambiente virtual Google Classroom (INST2); e Diário de observação das interações síncronas no Google Meet (INST3). Os dados foram analisados à luz da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) (Strauss; Corbin, 2008STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.; Charmaz, 2009) e discutidos de acordo os diálogos que estabelecemos com os estudos acerca da autonomia (Figueiredo, 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019.), das teorias de aprendizagem de língua estrangeira e dos estudos sobre interação, baseados na teoria sociocultural (Vygotsky, 1981VYGOTSKY, L. S. The development of higher forms of attention in childhood. In: WERTSCH, J. V. (ed.). The concept of activity in Soviet psychology. New York: M.E. Sharpe, 1981. p. 189–240., 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.). No INST1, os alunos discorreram sobre suas experiências pessoais durante o uso das metodologias ativas no semestre. Apesar de não possuir caráter obrigatório, o questionário obteve alcance de 53,8% de respondentes das duas turmas investigadas. Os procedimentos adotados em nossa análise metodológica estão descritos na seção seguinte.

Análise e resultados

Com o propósito de investigar a contribuição dos recursos utilizados nas aulas remotas de língua inglesa para o desenvolvimento linguístico dos aprendizes de nível básico, aplicamos um questionário diagnóstico (INST1) aos alunos no final do primeiro semestre letivo de 2021. O INST1 foi composto por 23 perguntas que buscavam identificar as facilidades e as dificuldades dos aprendizes no que concerne ao uso das tecnologias digitais e à metodologia adotada. Por meio do questionário, foi-nos possível investigar como se deu a interação entre os alunos no ERE e como essa interação agiu dentro de seu processo de aprendizagem. Foram 28 respondentes, um total de 53,8% dos 52 alunos matriculados nas turmas de A1, os quais todos declararam que leram e concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Dos 28 respondentes, 15 estudantes (53,6%) eram alunos da disciplina “Estrutura e Uso da Língua Inglesa I”, ofertada exclusivamente aos alunos de todos os cursos de graduação da Universidade Federal do Ceará, ao passo que 13 estudantes (46,4%) eram alunos matriculados na disciplina “Inglês A1-S1”, ofertada a toda a comunidade (alunos ou não da universidade).

A fim de compreender o contexto dos respondentes, perguntamos se os alunos já haviam tido algum contato com a língua inglesa. Dos 28 respondentes, 12 (42,9%) afirmaram que esta disciplina simbolizava seu primeiro contato com um curso de língua inglesa, e 16 (57,1%) já estavam familiarizados com aulas de inglês em cursos livres. Com isso, temos que mais da metade dos respondentes já tiveram algum contato com curso livre de inglês, conhecendo algum tipo de metodologia de ensino de língua inglesa. Relacionamos as experiências prévias com a língua inglesa em ambientes virtuais à possibilidade de aplicação da TMTBLT, uma vez que aplicativos, jogos e recursos digitais faziam-se presentes na vida dos aprendizes. Nesse sentido, as tarefas que envolvem pesquisa em meio digital ou imersão do usuário em um ambiente cultural dos países falantes de inglês podem contribuir positivamente para a aquisição de língua estrangeira, conforme advogam Smith e Gonzáles-Lloret (2021).

Dos 28 respondentes, 16 estudantes (57,1%) afirmaram que gostavam do ERE, enquanto 12 estudantes (42,9%) afirmaram não gostar. Entre as justificativas dos que gostavam do ERE, destacamos o fato de a modalidade remota abrigar um ambiente que favorece a autonomia dos aprendizes (Nóbrega, 2022NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022.). De acordo com suas respostas, essa autonomia foi alcançada não somente pelo contexto do ERE, mas também devido à flexibilização que os estudantes tiveram em relação ao seu horário de estudos. Como as aulas eram disponibilizadas na plataforma Google Classroom, os alunos podiam acessar às aulas no horário mais conveniente e quantas vezes fossem necessárias. Por outro lado, aqueles que afirmaram não gostar do modelo remoto apresentaram como justificativa o contato precário com os colegas, que, muitas vezes, ocorre apenas através de chats, fazendo com que eles sentissem que a interação estava incompleta, como no caso do aluno X, que afirmou: “A falta de contato com colegas e professores presencialmente torna o ensino infelizmente mais chato e difícil de assimilar.”

No que concerne à interação entre os aprendizes, questionamos sobre a forma mais prazerosa de se aprender inglês, se era individualmente ou em grupo. As respostas dos alunos estão descritas no gráfico a seguir.

Gráfico 1
– Resposta dos alunos à pergunta sobre interação e aprendizagem de inglês

Dos 28 respondentes, 22 (78,6%) afirmaram ser mais prazeroso aprender inglês em grupo, e apenas 6 (21,4%) preferem aprender individualmente. A partir das justificativas apresentadas nos questionários, concluímos que a interação é a principal responsável pela prática da língua-alvo, pois, de acordo com a percepção dos alunos, eles aprendem com os colegas no momento em que conversam, tiram dúvidas e ouvem o outro (Figueiredo, 2006FIGUEIREDO, F. J. Q. de. A aprendizagem colaborativa de línguas. Goiânia: Ed. UFG, 2006., 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019.; Swain, 1985SWAIN, M. Communicative competence: Some roles of comprehensible input and comprehensible output in its development. In: GASS, S.; MADDEN, C. (ed.). Input in second language acquisition. Rowley: Newbury House, 1985. p. 235–253.). Pilar fundamental da teoria vygotskyana, a interação é responsável pela capacidade do indivíduo compreender o outro e o universo ao seu redor. O indivíduo constrói o conhecimento socialmente, em comunidade (Vygotsky, 1998).

Ao serem perguntados sobre sua familiaridade com as tecnologias digitais, 27 respondentes (96,4%) afirmaram ter algum conhecimento sobre seu uso. Dessa forma, as ferramentas on-line na modalidade remota foram inseridas de forma natural e orgânica, uma vez que os alunos já possuíam o conhecimento técnico acerca dos recursos utilizados. Dos 28 participantes deste estudo, 26 (92,9%) responderam que já utilizavam a internet para estudo/trabalho. Ao serem questionados sobre os usos que os alunos faziam da internet, 18 (64,3%) responderam que utilizam para trabalho, 26 (92,9%) responderam que utilizam para estudos e entretenimento, 25 (89,3%) afirmaram que utilizam para navegar em suas redes sociais, 10 (35,7%) responderam que utilizam para compras on-line (e-commerce) e apenas 1 (3,6%) respondeu que utiliza a internet para fins de edição/produção musical e criação de peças de design. O gráfico 2 apresenta o percentual de cada resposta.

Gráfico 2
– Respostas sobre os usos que os alunos fazem da internet

Esses números descrevem uma realidade em que apenas 1 aluno (3,6%) utilizava a internet para produzir materiais, como edição ou produção de mídias. Esse baixo percentual faz com que reflitamos acerca do protagonismo de nossos alunos, uma vez que um alto percentual afirma utilizar a internet para trabalho e estudos. Podemos inferir que a produção de materiais, como um vídeo, não parece estar associada ao ato de estudar. As principais vantagens do uso da internet para as aulas de língua inglesa residem no acesso a recursos digitais como vídeos, atividades, buscadores, filmes, livros etc., que podem contribuir para um melhor entendimento da língua inglesa. São recursos que facilitam o entendimento de vocábulos e que oferecem as formas orais para auxílio em tarefas de pronúncia. Esses recursos contribuem para a aprendizagem do estudante devido à sua celeridade; ou seja, é rápido e prático realizar uma busca utilizando um smartphone ou um computador. Há também a flexibilidade nos horários, o que permite aos alunos assistir às aulas gravadas nos horários mais convenientes para si, além de permitir também que eles assistam às aulas quantas vezes quiserem. Essa flexibilidade é fruto do uso das metodologias ativas, o que, consequentemente, promove a autonomia dos aprendizes, já que estes tornam-se responsáveis por seu processo de aprendizagem (Brito; Diniz, 2022BRITO, A.; DINIZ, G. O uso do Canva como ferramenta mediadora nas aulas de inglês durante a pandemia de covid-19. In: NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022. p. 45–57.; Figueiredo, 2006FIGUEIREDO, F. J. Q. de. A aprendizagem colaborativa de línguas. Goiânia: Ed. UFG, 2006., 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019.).

No que concerne à autonomia dos alunos, para a pergunta: “Você considera a autonomia importante para o processo de aprendizagem de língua inglesa?”, 27 (96,4%) alunos afirmaram que sim, ao passo que apenas 1 (3,6%) respondeu de forma negativa, conforme é ilustrado no gráfico 3.

Gráfico 3
– Percentual de respostas sobre a importância da autonomia para a aprendizagem de inglês

Em uma tentativa de realização de um movimento autocrítico, e com intuito de compreender como eles se veem, os aprendizes foram questionados sobre sua autonomia. Obtivemos os seguintes resultados que podem ser visualizados no gráfico 4.

Gráfico 4
– Percentual de respostas sobre aprendizes autônomos

Dos 28 respondentes, 22 (78,6%) se consideram aprendizes autônomos, 1 (3,6%) não se considera um aprendiz autônomo, 2 (7,2%) responderam “mais ou menos”, 1 (3,6%) respondeu com “meio termo”, 1 (3,6%) respondeu “Me considero, mas levando em conta as respostas anteriores, após a aula on-line da professora, teria que continuar estudando pelo computador. Isso me incomoda. Diferentemente se a aula fosse presencial e você utilizasse o computador para se aprimorar”, e 1 estudante (3,6%) respondeu que acredita que pode melhorar, principalmente no inglês.

Essas respostas nos mostram que a aquisição da autonomia é uma atividade a ser aprimorada. Conforme afirma Candy (1989)CANDY, P. C. Constructivism and the study of self-direction in adult learning. Studies in the Education of Adults, Oxfordshire, v. 21, p. 95–116, 1989., a autonomia é uma capacidade inata do indivíduo que, às vezes, é suprimida ou distorcida pela educação institucionalizada, quando o processo de ensino-aprendizagem é centralizado no professor. Desse modo, por meio de metodologias ativas, o professor proporcionará aos estudantes mais chances para se tornarem autônomos. Como sabemos, a apropriação do conhecimento, de acordo com Figueiredo (2019)FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019., ocorre de forma simultânea tanto na prática social, quanto na mente do indivíduo. Os alunos afirmaram que sentiam falta da interação em sala de aula, mas pontuaram como fator positivo a flexibilidade para estudar sozinhos, buscar conteúdos on-line e utilizar ferramentas que facilitem a aprendizagem em casa.

O processo de emergência de incidentes lexicais ocorreu após a comparação e o contraste entre os vocábulos presentes nos três instrumentos de análise, sendo o INST1 o questionário disponibilizado por meio do Google Forms, o INST2, as interações entre os alunos em suas turmas virtuais no Google Classroom, e o INST3, o diário de observação das interações síncronas, redigido pela professora pesquisadora após cada encontro (aula síncrona via Google Meet e encontros para prática oral em duplas ou em grupos).

A primeira lista de incidentes lexicais que apontavam para o uso das tecnologias digitais como ação de promoção da autonomia dos aprendizes de língua inglesa foi constituída por vocábulos que se referiam às dificuldades apresentadas pelos aprendizes durante as aulas remotas. Entre essas dificuldades, destacamos a dificuldade para a prática de produção oral em ambiente virtual, em que alguns alunos reconheciam como insuficiente o momento de encontro nas aulas síncronas. A figura 4 apresenta a constelação analítica (Silva, 2019SILVA, C. M. R. Tecnologias digitais e língua portuguesa: o uso da internet como ferramenta para produção textual na escola. 2019. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.), em que os incidentes lexicais individuais (ILI), presentes no INST1, foram comparados e contrastados com os incidentes lexicais individuais presentes nos INST2 e INST3, dando origem aos incidentes lexicais comparados (ILC). Essa movimentação realizada utilizando o MCC pode ser observada na constelação (figura 4). Após movimento exaustivo de comparação e contraste, desses incidentes emergiram as categorias globais de análise.

Figura 4
– Constelação analítica dos movimentos para emergência de categorias globais

A constelação analítica representa a dinamicidade do processo de triangulação dos dados que emergiram dos três instrumentos de análise. O MCC pode ser visto a partir das conexões entre ILI e ILC, sempre partindo dos INST 1, 2 e 3. O movimento, assim como em um céu estrelado, não é linear e permite ao pesquisador o trânsito entre diferentes instrumentos, sempre comparando e contrastando seus incidentes. Esses movimentos são realizados repetidas vezes até que se perceba um esgotamento do processo de agrupamento das categorias. Com o uso do MCC, extraímos os ILI dos INST1, INST2 e INST3.

O diagrama representado pela figura 5 apresenta todos os ILI que foram extraídos durante a primeira etapa da análise de dados. Quando comparamos os vocábulos que representaram os eventos relacionados à interação e à aprendizagem de inglês, pudemos verificar que emergiram 11 ILC, como pode ser verificado na parte azul da figura. Os ILC reforçam o uso de recursos digitais multimídia, livros digitais e digitalizados, filmes, músicas, exercícios on-line e aplicativos para uso em dispositivos móveis como suporte para a aprendizagem de língua inglesa. Após ação contrastiva entre os ILC, obtivemos três categorias globais de análise, sendo elas flexibilidade, autonomia e interação, conforme pode ser observado na figura 5.

Figura 5
– MCC aplicado à extração de ILI, ILC e categorias globais de análise

As categorias globais que emergiram de nosso movimento analítico foram flexibilidade, autonomia e interação. A flexibilidade emergiu como categoria relacionada aos recursos e às atividades que permitiram ao aluno escolher os horários mais convenientes para acesso do insumo oferecido pela professora e para a realização de tarefas que apresentavam prazos pré-estabelecidos para entrega, não sendo necessária sua realização no momento da aula (encontro síncrono). Essa flexibilidade foi observada durante todo o semestre, o que resultou na promoção da autonomia dos aprendizes, uma vez que estes assistiram às aulas em turnos mais convenientes, tornando-se mais ativos em seu processo de aprendizagem.

A figura 6 representa o mapa conceitual dos fatores que justificam a emergência da categoria flexibilidade a partir da triangulação dos dados gerados dos INST1, INST2 e INST3. Nela, é possível perceber que esta categoria emergiu devido à presença do uso de recursos virtuais durante as aulas (síncronas e assíncronas), pela disponibilização das aulas gravadas e pela liberdade que os aprendizes tiveram para manipular as gravações, com a possibilidade de controle de velocidade do vídeo. Com as ferramentas disponíveis no ambiente de armazenamento de videoaulas pela professora, foi possível pular partes do vídeo que já eram de conhecimento dos alunos, assistir a ele mais de uma vez, pausar o vídeo para a resolução de tarefas do livro ou até mesmo realizar buscas de outros materiais que auxiliassem a compreensão do conteúdo.

Figura 6
– Mapa conceitual da categoria flexibilidade

Outro fenômeno descrito por esta categoria foi o não deslocamento para o ambiente de sala de aula físico, possibilitando a presença de alunos nas aulas com maior frequência. No INST3, por exemplo, obtivemos os ILI assiduidade, colaboração, contribuição e atenção (figura 6). Observamos que a frequência dos alunos nas aulas síncronas era quase total, exceto nos casos em que os próprios alunos justificavam a ausência ou apresentavam problemas de conexão com a rede de internet.

A categoria autonomia, por sua vez, descreveu os fenômenos relacionados ao uso da sala de aula invertida e da oferta de insumo em momento anterior aos encontros síncronos. Dos 28 respondentes, 22 (78,6%) viam a si mesmos como aprendizes autônomos, o que nos leva a pensar no processo de aquisição da autonomia como atividade a ser aprimorada. 100% dos respondentes afirmaram ser a interação com os colegas fator principal de auxílio de seu processo de aprendizagem da língua inglesa. Todos declararam que se sentiram prejudicados pela falta do contato pessoal com os colegas, apesar de apontarem como positiva a flexibilidade alcançada no estudo individual. Na figura 7, observamos os fatores que justificam a emergência da categoria autonomia a partir da triangulação dos dados gerados dos INST1, INST2 e INST3.

Figura 7
– Mapa conceitual da categoria autonomia

Com base nos resultados apresentados, podemos concluir que a autonomia se fez presente a partir do uso da sala de aula invertida. Nessa metodologia, em que o aluno é protagonista de seu processo de aprendizagem (Bergmann; Sams, 2012BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip your classroom: Reach every student in every class every day. Eugene: International Society for Technology in Education, 2012.; Brito; Diniz, 2022BRITO, A.; DINIZ, G. O uso do Canva como ferramenta mediadora nas aulas de inglês durante a pandemia de covid-19. In: NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022. p. 45–57.), é preciso que se reconheça que o professor é mediador e não detentor do conteúdo a ser aprendido (Figueiredo, 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019.). Pudemos também observar um melhor desempenho dos alunos durante a prática de habilidades orais. O tempo que antes era direcionado à fala da professora, para a apresentação das estruturas gramaticais, agora torna-se tempo de prática de resolução de problemas. O aluno é ativo dentro e fora de sala de aula.

Assim, a figura 7 representa não somente o mapa conceitual da categoria global autonomia, mas expressa também as ações promovidas a partir de atividades realizadas e protagonizadas pelos aprendizes. Nela podemos ver que a autonomia é um processo promovido pela aplicação da sala de aula invertida, pela preparação que os aprendizes devem fazer para seus encontros síncronos, devido ao uso do vocabulário aprendido enquanto os alunos assistiam às aulas gravadas e devido à execução de tarefas criativas. O protagonismo do aprendiz fica em evidência quando dele é exigida uma tarefa em que deva haver organização prévia e antecipação à resolução de problemas, como é o caso do uso do insumo pelo aprendiz antes do encontro síncrono.

A criatividade reside não somente nas atividades planejadas previamente pela professora, como também na liberdade de escolha dada ao aluno, visto que este se sente livre para pensar no formato da tarefa que deseja realizar para a prática de determinada habilidade linguística, como foi o caso da produção audiovisual durante o semestre investigado. A professora solicitou que os alunos produzissem um vídeo com informações sobre sua vida (uma autobiografia curta) e sobre alguns familiares. Um guia com perguntas foi disponibilizado aos alunos, mas estes tiveram o poder de escolher como gostariam de realizar essa tarefa, se através de um story do instagram, um vídeo do tiktok, uma entrevista em um formato de videocast no YouTube, entre outros.

O uso de recursos digitais potencializa o uso criativo da língua através do uso de recursos semióticos (Schreiber, 2015SCHREIBER, B. R. ‘I am what I am’: Multilingual identity and digital translanguaging. Language Learning & Technology, Honolulu, v. 19, n. 3, p. 69–87, 2015.). A gravação dos vídeos finais, tarefa denominada de Final Project, contribuiu para o desenvolvimento da autonomia dos aprendizes (Bergmann; Sams, 2012BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip your classroom: Reach every student in every class every day. Eugene: International Society for Technology in Education, 2012.; Brito; Diniz, 2022BRITO, A.; DINIZ, G. O uso do Canva como ferramenta mediadora nas aulas de inglês durante a pandemia de covid-19. In: NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022. p. 45–57.), pois, durante o processo, relataram a necessidade de regravação de seus vídeos, uma vez que, ao assistirem às suas produções, identificavam erros de pronúncia (autofeedback). Em uma conversa realizada no último dia da disciplina, os alunos narraram sua experiência com a gravação do projeto final (Final Project). Eles afirmaram que precisaram regravar o vídeo a cada vez que assistiam a ele e localizavam erros de pronúncia ou erros gramaticais da língua inglesa.

Eles afirmaram que, antes de gravar, ensaiavam seus textos, que eram previamente escritos, caracterizando o uso do recurso rehearsal (Nguyen; Newton, 2019NGUYEN, B. T. T.; NEWTON, J. Learner proficiency and EFL learning through task rehearsal and performance. Language Teaching Research, London, v. 24, n. 5, p. 588–615, 2019.) para aquisição de língua estrangeira. O rehearsal, ou ensaio, consiste na repetição de tarefas. De acordo com Bygate e Samuda (2005BYGATE, M.; SAMUDA, V. Integrative planning through the use of task-repetition. In: ELLIS, R. (ed.). Planning and task performance in a second language. Amsterdam: John Benjamins, 2005. p. 37–74., p. 29, tradução nossa), “parte do trabalho de conceituação, formulação e articulação realizada na primeira ocasião é mantida no armazenamento de memória dos alunos e pode ser reutilizada em uma outra ocasião”; ou seja, os alunos roteirizam, gravam, revisam, promovem autofeedback e regravam. A aprendizagem ocorre durante o processo de realização da tarefa e não a partir do produto final. Durante o processo, há um movimento crítico-reflexivo que possibilita ao aprendiz dominar os meios de uso da língua mais eficientes dentro de sua realidade.

A interação emergiu, portanto, como categoria relacionada aos fenômenos de prática das habilidades orais de língua inglesa. Essa prática, ocorrida de forma on-line, necessitou do suporte de ferramentas como Google Meet, para promoção do diálogo de forma síncrona, Whatsapp, para troca de mensagens, e Google Classroom, para interação por meio dos fóruns mediados pela professora do curso.

O Google Meet foi utilizado tanto para as aulas síncronas, em que toda a turma comparecia, quanto para as práticas em grupos ou em duplas, mediadas pela professora. Essas práticas ocorreram em horários de contraturno e foram ofertadas como atividade extra. Apesar de realizadas em horários diferentes do horário das aulas, houve boa adesão pela turma. O Whatsapp também foi ferramenta importante para troca de materiais, áudios e lembretes pelos alunos. A interação mesclou o uso da língua inglesa e da língua portuguesa. Os alunos interagiram de forma espontânea, tirando dúvidas dos próprios colegas e compartilhando materiais de suporte, como aplicativos ou sites.

Já a interação no Google Classroom foi baixa e ocorreu a partir dos comentários que os alunos faziam sobre as respostas de seus colegas. A interação mais evidente foi observada durante os encontros síncronos, com toda a turma ou nos grupos de prática extra. Durante os encontros síncronos, com toda a turma, foi observada maior interação entre os aprendizes pela possibilidade de uso do recurso chat no Google Meet. Esse dado evidencia uma preferência dos alunos para ambientes mais interativos, em que as conversas podem ocorrer de forma síncrona.

O meio virtual favoreceu também momentos de correção e de auxílio entre os alunos. No ambiente Google Meet, pelo chat, essa interação ocorreu de forma que aprendizes que dominavam mais um conteúdo ensinavam a outros colegas. Ou seja, os alunos não viam apenas a professora como forma de solucionar seus problemas ou sanar as dúvidas. O scaffolding (Figueiredo, 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019.; Wood; Bruner; Ross, 1976) foi provido de forma orgânica, sem haver preparação específica ou planejamento prévio de atividades para este fim, ocorrendo à medida que dúvidas surgiam. Enquanto a professora corrigia a atividade durante o encontro no Google Meet, os alunos tiravam dúvidas via chat, perguntando a outros colegas que estavam dominando o conteúdo. Uns ajudavam os outros enquanto a professora se ocupava em corrigir algum exercício. Pudemos verificar, pela análise dos dados, que os alunos não perguntavam sobre conteúdos das unidades passadas à professora, para tirar dúvidas sobre o que já havia sido trabalhado. Em vez disso, eles consultavam seus colegas via chat. Caso sentisse necessidade, a professora trazia o conteúdo para a discussão em sala, mas geralmente as dúvidas eram sanadas pelos colegas via chat.

A figura 8 apresenta o mapa conceitual da categoria interação e seus desdobramentos a partir dos fenômenos observados nos INST1, INST2 e INST3. Por meio dela, podemos observar que a interação ocorreu devido ao uso da sala de aula invertida, às ferramentas que possibilitaram o diálogo entre os aprendizes e aos ambientes com múltiplos recursos de comunicação, como foi o caso do uso do chat durante as aulas, promovendo o scaffolding entre os aprendizes. Assim, podemos afirmar que a sala de aula invertida permite que os aprendizes tenham mais tempo de prática durante a sala de aula.

Figura 8
– Mapa conceitual da categoria interação

A interação ocorre não somente pelo tempo destinado a este fim, como também pelo uso de recursos que descentralizam a figura do professor, antes visto como a pessoa encarregada de tirar dúvidas e responder a questões sobre pronúncia, uso de vocabulário e estruturas gramaticais. A ideia de se aprender em meio remoto usando metodologias ativas reside também em fazer do professor um sujeito que proporciona “um ambiente de aprendizagem em que os alunos se engajem em atividades nas quais tenham a chance de interagir significativamente” (Figueiredo, 2019FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Vygotsky: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo: Parábola, 2019., p.108). Ou seja, o professor promove a interação, mas esta deve ocorrer organicamente, a partir da necessidade que os alunos irão encontrar de se comunicar, interagir e trocar experiências.

Considerações finais

O uso de ferramentas digitais no ensino de língua inglesa possibilitou a promoção de alternativas às formas não somente de ensinar, como também de aprender o inglês. Dentro de um contexto de aulas remotas devido ao isolamento pela pandemia da Covid-19, as metodologias ativas ganharam destaque e, com elas, destacou-se também o aluno, que passou a ser visto como elemento central de seu processo de aprendizagem. Neste estudo, apresentamos os resultados da investigação acerca das interações ocorridas virtualmente em duas turmas de nível A1 (básico) da Casa de Cultura Britânica, projeto de extensão de ensino de língua inglesa para a comunidade e alunos da Universidade Federal do Ceará. Nosso objetivo foi investigar a contribuição das metodologias ativas nas aulas remotas de língua inglesa para a interação entre os aprendizes da língua de nível básico, analisando, também, os recursos que promoveram o desenvolvimento linguístico deles por meio da interação em ambientes virtuais.

Compreendemos os processos de aquisição da autonomia dos aprendizes de inglês em ambiente virtual como resultado do uso das metodologias ativas on-line, com aplicação da sala de aula invertida. Entre nossos achados, destacamos o uso das tecnologias digitais como elemento de promoção da autonomia dos aprendizes, ocorrência de maior flexibilização das formas de aprender e de ensinar o inglês, estimulando o desenvolvimento da autonomia dos aprendizes, que ganham destaque na sala de aula e dividem algumas responsabilidades com o professor e com seus colegas. O professor, apesar de não ser mais elemento central para a aprendizagem do aluno, é o capitão do navio dentro do imenso mar de possibilidades que os recursos digitais podem proporcionar. É o professor o elemento-chave para uma aplicação eficiente de metodologias que façam do aprendiz o centro do processo, que deve ser interativo e oferecer aos alunos diferentes oportunidades de fazer um uso significativo e criativo da língua-alvo.

A partir do uso do MCC, as categorias flexibilidade, autonomia e interação emergiram, caracterizando o ensino remoto por meio da sala de aula invertida como ambiente fértil para a prática das habilidades linguísticas apesar da distância física. A interação por meio de múltiplos recursos comunicativos, como o chat disponível no Google Meet e troca de mensagens via Whatsapp, por exemplo, ofereceu aos alunos a chance de interação para a resolução de problemas de forma colaborativa.

A realização de tarefas criativas como a produção de vídeo assegurou o autofeedback a partir da identificação dos erros de produção oral e de erros gramaticais após a repetição da tarefa por meio do recurso rehearsal. A aprendizagem da língua inglesa em meio remoto é possível a partir da aplicação de metodologias ativas que levem em consideração o uso de recursos para a interação livre entre os aprendizes. Desse modo, cabe a nós, professores, proporcionar um ambiente virtual favorável à interação, pois, assim, poderemos proporcionar um ambiente propício à aprendizagem, em que o aprendiz é o centro de seu processo e peça importante no processo do outro, estimulando, com isso, a colaboração entre eles.

Agradecimentos

Carolina Morais Ribeiro da Silva agradece ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás (PPGLL — UFG) pelo aceite de seu projeto de estágio pós-doutoral e pela Casa de Cultura Britânica da Universidade Federal do Ceará (CCB — UFC), por ter abrigado a pesquisa em suas turmas de língua inglesa de nível básico. Francisco José Quaresma de Figueiredo agradece ao CNPq pelo apoio concedido na forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ).

REFERÊNCIAS

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  • BRITO, A.; DINIZ, G. O uso do Canva como ferramenta mediadora nas aulas de inglês durante a pandemia de covid-19. In: NÓBREGA, D. G. de A. (org.). Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras em tempos de pandemia: reconfigurando saberes e práticas docentes. Campina Grande: EDUEPB, 2022. p. 45–57.
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  • BYGATE, M.; SAMUDA, V. Integrative planning through the use of task-repetition. In: ELLIS, R. (ed.). Planning and task performance in a second language. Amsterdam: John Benjamins, 2005. p. 37–74.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2023
  • Aceito
    22 Jun 2023
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