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Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque

Phycocyanin, tocopherol and ascorbic acid in the prevention of lipid oxidation in jerked beef

Resumos

Este estudo objetivou avaliar a prevenção da oxidação lipídica em charque através do uso de substâncias antioxidantes naturais e do antioxidante sintético butil hidroxitolueno (BHT). Utilizou-se bovino da raça Holandesa e o corte ponta de agulha para a elaboração das peças de charque. Os tratamentos foram: Controle (sem adição de antioxidante), Tocoferol (adição de 0,03 %), Ficocianina (adição de 0,5 %), BHT (adição de 0,01 %), Tocoferol e Ácido ascórbico (adição de 0,03 % de cada) e cada tratamento foi composto por 5 mantas de charque. Os percentuais de antioxidantes foram adicionados com base no teor de lipídios da matéria-prima. Após o período de elaboração do charque, tempo zero, as mantas foram armazenadas em temperatura ambiente de 25 °C por 60 dias. Amostras representativas foram retiradas para a análise da oxidação lipídica através de índice de peróxidos (IP) e de índice de substâncias reativas ao ácido 2-tiobarbitúrico (TBARS). Os antioxidantes utilizados atenuaram a oxidação lipídica do charque e, dentre os antioxidantes naturais testados, a ficocianina apresentou a maior inibição da formação de peróxidos. O antioxidante α-tocoferol apresentou melhor eficiência quando utilizado sinergicamente com o ácido ascórbico. Os resultados de TBARS indicaram que o BHT apresentou maior inibição e, dentre os naturais testados, a mistura de ácido ascórbico com tocoferol foi a mais eficiente. A utilização de antioxidantes naturais pode se tornar uma alternativa no retardamento da oxidação lipídica em charque e produtos similares.

peroxidação lipídica; carne seca; rancidez oxidativa


This study aimed to evaluate the prevention of lipid oxidation in jerked beef through the use of natural antioxidant substances and the synthetic antioxidant BHT. It was used spare ribs from Holstein cattle to elaborate the jerked beef pieces. The treatments were: Control (no addition of antioxidant), Tocopherol (addition of 0,03 %), Phycocyanin (addition of 0,5 %), BHT (addition of 0,01 %), Tocopherol and Ascorbic acid (addition of 0,03 % of each one), and each treatment had five slabs of jerked beef. The percentages of antioxidants added were according to the lipid content of the raw material. After preparation, zero time, the slabs were stored for 60 days at room temperature, 25 °C. Representative samples were taken for the analysis of lipid oxidation by way of the peroxide value (PV) and 2-thiobarbituric acid reactive substances (TBARS). The antioxidants attenuated the lipid oxidation of jerked beef and, among the natural antioxidants which were tested, Phycocyanin showed the highest inhibition of peroxide formation. The antioxidant α-tocopherol presented a better efficiency when used synergistically with ascorbic acid. The TBARS results indicated that BHT showed the highest inhibition and, among the natural antioxidants tested, the mixture of ascorbic acid with tocopherol was more efficient. The use of natural antioxidants may become an alternative in delaying lipid oxidation in jerked beef and similar products.

lipid peroxidation; dried meat; oxidative rancidity


Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque

Phycocyanin, tocopherol and ascorbic acid in the prevention of lipid oxidation in jerked beef

Telma Elita BertolinI, * * Autor Correspondente | Corresponding Author ; Ana Claudia Freitas MargaritesII; Bruna GiacomelliII; Andréia FruettiII; Camila HortsII; Débora Marli de Freitas TeixeiraII

IUniversidade de Passo Fundo (UPF) Curso de Engenharia de Alimentos Laboratório de Fermentações BR 285, Km 171, Bairro São José 99001-970 - Passo Fundo - RS - Brasil E-mail: telma@upf.br

IIUniversidade de Passo Fundo (UPF) Engenharia de Alimentos Passo Fundo - RS - Brasil E-mail: anacmargarites@yahoo.com.br, giacomelli.bruna@gmail.com, deiaxisto@gmail.com, camilahorst@yahoo.com.br, deboradfreitas@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo objetivou avaliar a prevenção da oxidação lipídica em charque através do uso de substâncias antioxidantes naturais e do antioxidante sintético butil hidroxitolueno (BHT). Utilizou-se bovino da raça Holandesa e o corte ponta de agulha para a elaboração das peças de charque. Os tratamentos foram: Controle (sem adição de antioxidante), Tocoferol (adição de 0,03 %), Ficocianina (adição de 0,5 %), BHT (adição de 0,01 %), Tocoferol e Ácido ascórbico (adição de 0,03 % de cada) e cada tratamento foi composto por 5 mantas de charque. Os percentuais de antioxidantes foram adicionados com base no teor de lipídios da matéria-prima. Após o período de elaboração do charque, tempo zero, as mantas foram armazenadas em temperatura ambiente de 25 °C por 60 dias. Amostras representativas foram retiradas para a análise da oxidação lipídica através de índice de peróxidos (IP) e de índice de substâncias reativas ao ácido 2-tiobarbitúrico (TBARS). Os antioxidantes utilizados atenuaram a oxidação lipídica do charque e, dentre os antioxidantes naturais testados, a ficocianina apresentou a maior inibição da formação de peróxidos. O antioxidante α-tocoferol apresentou melhor eficiência quando utilizado sinergicamente com o ácido ascórbico. Os resultados de TBARS indicaram que o BHT apresentou maior inibição e, dentre os naturais testados, a mistura de ácido ascórbico com tocoferol foi a mais eficiente. A utilização de antioxidantes naturais pode se tornar uma alternativa no retardamento da oxidação lipídica em charque e produtos similares.

Palavras-chave: peroxidação lipídica, carne seca, rancidez oxidativa

SUMMARY

This study aimed to evaluate the prevention of lipid oxidation in jerked beef through the use of natural antioxidant substances and the synthetic antioxidant BHT. It was used spare ribs from Holstein cattle to elaborate the jerked beef pieces. The treatments were: Control (no addition of antioxidant), Tocopherol (addition of 0,03 %), Phycocyanin (addition of 0,5 %), BHT (addition of 0,01 %), Tocopherol and Ascorbic acid (addition of 0,03 % of each one), and each treatment had five slabs of jerked beef. The percentages of antioxidants added were according to the lipid content of the raw material. After preparation, zero time, the slabs were stored for 60 days at room temperature, 25 °C. Representative samples were taken for the analysis of lipid oxidation by way of the peroxide value (PV) and 2-thiobarbituric acid reactive substances (TBARS). The antioxidants attenuated the lipid oxidation of jerked beef and, among the natural antioxidants which were tested, Phycocyanin showed the highest inhibition of peroxide formation. The antioxidant α-tocopherol presented a better efficiency when used synergistically with ascorbic acid. The TBARS results indicated that BHT showed the highest inhibition and, among the natural antioxidants tested, the mixture of ascorbic acid with tocopherol was more efficient. The use of natural antioxidants may become an alternative in delaying lipid oxidation in jerked beef and similar products.

Key words: lipid peroxidation, dried meat, oxidative rancidity

1 Introdução

O charque é o produto obtido pela salga e secagem de carne bovina desossada, sob condições que permitam sua conservação à temperatura ambiente. O objetivo é diminuir a atividade de água, inibindo o desenvolvimento microbiano e diminuindo a velocidade de reações indesejáveis no produto final. O charque foi, provavelmente, o primeiro produto cárneo industrializado no Brasil (PARDI et al., 1994, FACCO; GODOY, 2003).

As condições de processamento usadas na produção do charque são responsáveis por promover a oxidação lipídica, já que o sal, a desidratação e a temperatura de secagem atuam como catalisadores do processo de oxidação. A adição de sal aumenta a atividade catalítica do ferro e reduz a atividade das enzimas antioxidantes e a remoção de água facilita o acesso do oxigênio e aproxima os componentes do alimento, facilitando as interações. As reações de oxidação podem levar a sabor e odor desagradáveis, tornando a oxidação lipídica em alimentos cárneos um dos processos degradativos mais importantes responsáveis pela perda de qualidade (TORRES et al., 1989, ARAÚJO, 1995, MELO; GUERRA, 2002, FACCO; GODOY, 2003, SOUZA et al., 2007, FACCO et al., 2009).

O uso de aditivos como antioxidantes na indústria de alimentos é um importante recurso para retardar as oxidações lipídicas em produtos cárneos. Os antioxidantes não podem melhorar a qualidade de oxidação já existente no produto, mas podem diminuir a concentração de oxigênio, interceptar o oxigênio singlete, decompor os produtos primários da oxidação para espécies não radicais e quebrar cadeias para prevenir a propagação da reação de captura do hidrogênio (MELO; GUERRA, 2002, SHAHIDI; NACZK, 2004).

O interesse pelos antioxidantes naturais se deve à tendência dos consumidores em rejeitar aditivos em alimentos e à comprovação dos malefícios causados pelo consumo de doses elevadas dos antioxidantes sintéticos (DURAN; PADILLA, 1993, RIBEIRO; SERAVALLI, 2004, FACCO et al., 2009). Além disso, a legislação brasileira (BRASIL, 2008) não permite o uso de antioxidantes sintéticos em charque, o que motiva o estudo da adição de antioxidantes naturais neste produto.

Dentre os antioxidantes classificados como primários, o sintético butil hidroxitolueno (BHT) é um dos mais utilizados na indústria de alimentos. A estrutura fenólica deste composto permite a doação de um próton a um radical livre, regenerando a molécula do acilglicerol e interrompendo o mecanismo de oxidação por radicais livres (RAMALHO; JORGE, 2006).

Os tocoferóis, compostos monofenólicos, estão presentes de forma natural na maioria dos óleos vegetais. A atividade antioxidante destes compostos se deve principalmente à capacidade de doar seus hidrogênios fenólicos aos radicais livres lipídicos, interrompendo a propagação em cadeia. O α-tocoferol é o composto que apresenta maior poder antioxidante (MELO; GUERRA, 2002, RAMALHO; JORGE, 2006).

O ácido ascórbico, comumente conhecido como vitamina C, é um antioxidante de uso largamente difundido. Seu mecanismo antioxidante está associado à remoção do oxigênio presente no meio através de reações químicas estáveis, tornando-o indisponível para atuar como propagador da autoxidação. Além disso, o ácido ascórbico tem a capacidade de regenerar o α-tocoferol (DUARTE-ALMEIDA et al., 2006, CERQUEIRA et al., 2007).

A ficocianina e a aloficocianina são pigmentos encontrados nos tilacóides de cianobactérias como a Spirulina e são estudados devido à capacidade de reagir com substâncias reativas ao oxigênio geradas durante o processo oxidativo. Em alimentos, a ficocianina tem sido usada como corante azul e antioxidante (CIFERRI, 1983; SAXENA et al., 1983; HENRIKSON, 1994, ESTRADA et al., 2001, SOUZA et al., 2006).

O presente estudo objetivou avaliar a prevenção da oxidação lipídica em charque, sem utilização de embalagem a vácuo, armazenado em condições ambiente (temperatura de 25 °C) e adicionado dos antioxidantes naturais ficocianina, α-tocoferol ou α-tocoferol com ácido ascórbico, e comparar a atividade antioxidante destes com o antioxidante sintético BHT.

2 Material e métodos

2.1 Matéria-prima

A matéria-prima utilizada para a elaboração do charque foi o corte ponta de agulha de carne bovina, raça Holandesa, fornecida pelo Centro de Extensão e Pesquisas Agropecuárias da Universidade de Passo Fundo - CEPAGRO/UPF.

A carne in natura utilizada para elaboração do charque foi desossada e cortada em mantas com cerca de 1 kg cada. Antes da salga, analisou-se o teor de lipídios das mantas de forma individual, visto que esta análise foi base para a quantidade utilizada dos antioxidantes. Os lipídios foram quantificados de acordo com as Normas do Instituto Adolfo Lutz (1985) em triplicata e as mantas de carne apresentaram em média 3,33 ± 0,14 % de lipídios, correspondente à gordura externa e intramuscular.

O BHT, o α-tocoferol e o ácido ascórbico foram fornecidos pelo Laboratório Synth, Merck e Quimex, respectivamente. A ficocianina foi extraída da microalga Spirulina platensis, cedida pela Fundação Universidade de Rio Grande.

2.2 Preparação do charque

A elaboração do charque seguiu os parâmetros tecnológicos, como de umidade e de resíduo mineral fixo, apresentados na legislação brasileira (BRASIL, 2008), sendo o fluxograma do processo apresentado na Figura 1.


Os tratamentos foram: Controle (sem adição de antioxidante), Tocoferol (adição de 0,03 %), Ficocianina (adição de 0,5 %), BHT (adição de 0,01 %), Tocoferol e Ácido ascórbico (adição de 0,03 % de cada antioxidante). As concentrações de adição dos antioxidantes BHT, tocoferol e ácido ascórbico foram definidas de acordo com o máximo permitido pela legislação brasileira para óleos e gorduras (BRASIL, 1988). A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) (BRASIL, 2010) recomenda a ingestão diária máxima de 1,6 g de Spirulina platensis para uma pessoa adulta. A ficocianina constitui 20 % do total em massa seca desta microalga. Visto a inexistência de referências sobre a utilização de ficocianina em produto cárneo do gênero, utilizou-se 0,5 % do pigmento considerando o conteúdo lipídico da carne. A base de cálculo indica que em um pedaço do charque de 300 g, com 3,5 % de lipídios, a quantidade adicionada de ficocianina ficaria ainda muito abaixo da recomendação máxima de ingestão diária da Spirulina.

Foram elaboradas cinco peças de charque para cada tratamento. A quantidade de antioxidante adicionada foi calculada com base no teor de lipídios da matéria-prima, ou seja, do total de lipídios encontrado em massa (g) foi adicionada a respectiva porcentagem do antioxidante de cada tratamento. Cada tratamento recebeu 7 kg de sal grosso, distribuído de maneira uniforme entre as peças. A adição dos antioxidantes foi realizada conforme descrito por Pardi (1994) durante a salga.

Após a salga e adição de antioxidantes, foram realizados os tombamentos das peças de charque durante o período de quatro dias. Na sequência, realizou-se a retirada do excesso de sal via batimento das peças e estas foram conduzidas para a secagem em estufa com circulação de ar a 30 °C, até a obtenção de 45 % de umidade nas mantas de charque.

Ao término da elaboração do charque as peças foram armazenadas em local protegido por tela, sem utilização de embalagem, sem presença de luz solar ou artificial e mantidas sob temperatura ambiente de 25 ºC. As condições de armazenamento empregadas foram selecionadas para avaliar a atuação dos antioxidantes na presença de agentes catalisadores da oxidação lipídica.

2.3 Análise química do charque

A retirada das mantas da estufa foi considerada como o tempo zero. A avaliação da oxidação lipídica do charque foi realizada por amostragem representativa das cinco mantas de charque elaboradas para cada tratamento. As análises realizadas foram determinação do índice de peróxidos (IP), de acordo com o método descrito pelas Normas do Instituto Adolfo Lutz (1985), e índice de substâncias reativas ao ácido 2-tiobarbitúrico (TBARS), com base na metodologia de destilação demonstrada por Tarladgis et al. (1960), com adaptações segundo Araújo (1995). O índice de peróxidos foi determinado nos tempos 0, 10, 20, 30, 40, 50 e 60 dias enquanto que TBARS foi realizado nos tempos 0, 15, 30, 45 e 60 dias. Optou-se por realizar as análises de peróxidos e TBARS em tempos iguais para ambos (0, 30 e 60) e em tempos intermediários para TBARS, 15 e 45 dias, referentes aos tempos 10-20 e 40-50 dos peróxidos, respectivamente. Este procedimento foi adotado devido ao fato de que a análise de TBARS verifica os produtos secundários formados pela decomposição dos peróxidos.

2.4 Análise Estatística

Para a avaliação da influência do tempo e antioxidante nos índices de peróxidos e TBARS foram realizados experimentos de blocos ao acaso, com três repetições. As diferenças entre as médias foram avaliadas pela análise de variância ao nível de 5% de probabilidade e realizou-se a comparação entre estas pelo Teste de Tukey, com auxílio do software Statistica Versão 6.0.

3 Resultados e discussão

3.1 Índice de peróxidos

A Tabela 1 apresenta os resultados de índice de peróxidos do charque tratado com adição de diferentes antioxidantes.

Os diferentes tratamentos apresentaram curva típica de formação de peróxidos, com início, propagação e término. Este comportamento é relatado por Araújo (1995), o qual expõe que a posterior redução dos peróxidos demonstra a degradação destes em produtos secundários da oxidação, como aldeídos, cetonas e álcoois. Os maiores valores (p < 0,05) foram atingidos no tempo 20 dias para o tratamento Controle e para o tratamento com adição de BHT e no tempo 30 dias para os tratamentos com adição de antioxidantes naturais, demonstrando que estes retardaram com maior eficiência a formação de peróxidos no decorrer do armazenamento.

O tratamento Controle apresentou maior índice de peróxidos em todos os tempos analisados (p < 0,05) (Tabela 1). No tempo zero nota-se que a análise não quantificou peróxidos nos tratamentos adicionados de antioxidantes, mostrando a ação de atenuação da reação de oxidação lipídica pelos antioxidantes utilizados na fase de salga e secagem. Em estudo realizado por Racanicci et al. (2000), avaliou-se o efeito da adição do antioxidante BHT e do armazenamento sobre a qualidade da farinha de carne e ossos. Nos tratamentos em que o antioxidante foi adicionado no tempo zero e com 7 dias de armazenamento, o índice de peróxidos manteve-se zero até o final do experimento (70 dias). No entanto, ao adicionar o BHT quando o processo de oxidação já havia iniciado (14, 21 e 28 dias de armazenamento), o antioxidante não proporcionou o efeito desejado. Estes resultados estão de acordo com o presente estudo, no qual se demonstra a necessidade de utilização de antioxidantes antes do processo de oxidação ser iniciado.

Na atualidade, o charque industrial é embalado a vácuo logo após o término do processo produtivo. Contudo, a utilização deste tipo de embalagem em um produto que já possui o processo de oxidação iniciado (tratamento Controle), torna a embalagem a vácuo um tanto ineficiente em relação à prevenção da oxidação lipídica. A redução do acesso do oxigênio em conjunto com a ação de um antioxidante retardaria ainda mais o processo oxidativo, melhorando a qualidade do produto final e aumentado a sua vida de prateleira.

O tratamento que utilizou o antioxidante BHT apresentou o menor IP (p < 0,05) em todos os tempos analisados, mostrando-se o mais eficiente dentre os antioxidantes utilizados para inibir a formação de peróxidos. A estrutura fenólica do BHT permite a doação de um próton a um radical livre, interrompendo o mecanismo de oxidação (BOBBIO e BOBBIO, 2001, RAMALHO e JORGE, 2006).

A ficocianina, dentre os antioxidantes naturais, mostrou a maior capacidade de inibição de peróxidos (p < 0,05). De acordo com Estrada et al. (2001) a ficocianina, quando colocada em contato com sistemas formadores de radicais livres, tem capacidade de sequestrar os radicais hidroxil, causando um efeito inibitório da peroxidação lipídica.

O α-tocoferol foi o antioxidante natural que apresentou menor capacidade de inibição de peróxidos (p < 0,05), porém quando utilizado de maneira sinérgica com o ácido ascórbico apresentou eficiência intermediária entre a ficocianina e o α-tocoferol. Os sinergistas são substâncias com pouca ou nenhuma atividade antioxidante, mas quando usados em uma combinação adequada possuem maior atividade antioxidante ou maior vida útil e o efeito obtido no controle da oxidação é maior quando se utiliza a mistura do que quando utilizados isoladamente (ARAÚJO, 1995, RAMALHO e JORGE, 2006).

3.2 Índice de TBARS

Os peróxidos são produtos primários da oxidação e na sua decomposição geram-se compostos de natureza diversa, os quais são designados como produtos secundários (SILVA et al., 1999). Um dos parâmetros utilizados para avaliar a extensão da oxidação nesta fase é o número de TBARS. No presente estudo os valores de IP entram em declínio no tempo de 20 e 30 dias e neste mesmo período se tem o aumento nos valores de TBARS.

A Tabela 2 apresenta os resultados de índice de TBARS do charque tratado com adição de diferentes antioxidantes.

O malonaldeído (MDA) é o principal produto secundário que reage com o ácido 2-tiobarbitúrico (TBA). Porém, o teste de TBARS não deve ser utilizado para quantificar o MDA presente na amostra, mas sim para avaliar a extensão da oxidação lipídica de forma geral, pois outros componentes do alimento, como proteínas e nitritos, também podem reagir com o TBA e interferir no resultado da análise (ARAÚJO, 1995, SILVA et al., 1999). Por este motivo, os valores de TBARS encontrados no tempo zero podem não indicar os produtos secundários formados a partir da decomposição dos peróxidos, já que o início da degradação dos peróxidos foi entre os tempos 20 e 30 dias (Tabela 1).

Através da Tabela 2 verifica-se que a partir do tempo quinze dias o tratamento Controle apresentou resultados de TBARS estatisticamente maiores (p < 0,05) com relação aos tratamentos com adição de antioxidante, o que evidencia a maior oxidação lipídica deste tratamento. Como verificado no teste de IP, os tratamentos com adição de antioxidantes apresentaram menor IP, e por conseqüência também apresentaram menor formação de produtos secundários comparados ao tratamento controle.

Nos tempos 15 e 30 dias, o tratamento Ficocianina apresentou os menores valores de TBARS (p < 0,05), sendo seguido do tratamento Tocoferol e Ácido ascórbico. A ficocianina apresenta um grande número de insaturações, o que, de acordo com Gray (1978), está diretamente relacionado ao potencial antioxidante, sendo que, quanto maior o número de insaturações maior será a atuação frente à oxidação. Já no tempo 45 e 60 dias, os menores valores de TBARS foram encontrados no tratamento BHT (p < 0,05), sendo que o tratamento Tocoferol e Ácido ascórbico mostrou-se o mais eficiente dentre os naturais para inibir a formação dos produtos secundários da oxidação. Estes resultados indicam que a adição de ficocianina e α-tocoferol com ácido ascórbico, antioxidantes naturais, apresentaram inibição da oxidação lipídica comparável com o antioxidante sintético BHT, favorecendo a possibilidade de utilização de substâncias naturais no controle desta reação indesejada.

Considerando que a vida de prateleira do charque pode chegar de 120 a 180 dias devido à embalagem a vácuo utilizada, os antioxidantes naturais testados devem ser avaliados durante períodos mais longos para verificar a eficiência destes na manutenção das características do charque.

Nassu et al. (2003), avaliando a estabilidade oxidativa de embutido fermentado tipo salame, observaram valores de TBARS semelhantes ao presente estudo. Os valores encontrados no tempo zero foram em torno de 7 a 14 mg malonaldeído.kg-1 amostra chegando a valores próximos a 17 mg malonaldeído.kg-1 amostra no tempo 30 dias. Estes autores utilizaram extrato de alecrim como antioxidante e encontraram os maiores índices de oxidação no tratamento Controle.

Youssef et al. (2003) avaliaram o efeito da salga na cor e no aroma de requentado durante o processamento de charque e, da mesma forma que o presente estudo, encontraram os maiores valores de TBARS no final da estocagem do charque. Garcia et al. (2003) estudaram a rancidez de carne de frango salgada, utilizando tratamentos com e sem a utilização dos antioxidantes BHA e BHT. Estes autores encontraram aumento significante nos níveis de TBARS durante o processamento e estocagem das amostras sem adição de antioxidantes.

De acordo com a legislação brasileira (BRASIL, 2008), o charque é considerado alterado se apresentar odor e sabor desagradáveis ou se a gordura estiver rançosa. Os resultados de peróxidos e de TBARS para o charque Controle evidenciam a maior facilidade deste tratamento desenvolver sabores e odores de ranço no decorrer do armazenamento e confirmam que a utilização de antioxidantes pode melhorar a qualidade sensorial e aumentar a vida de prateleira do charque.

4 Conclusões

O uso dos antioxidantes naturais e sintético inibiu a formação de peróxidos e também de substâncias secundárias. Os antioxidantes naturais ficocianina e α-tocoferol com ácido ascórbico, nas concentrações utilizadas, evidenciaram uma capacidade de inibição da oxidação lipídica semelhante ao do antioxidante sintético BHT, o que favorece a possível substituição de substâncias artificiais por substâncias naturais na indústria de alimentos.

Recebido em: 22/06/2010

Aprovado em: 04/08/2011

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    Autor Correspondente | Corresponding Author
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Jun 2010
    • Aceito
      04 Ago 2011
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