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Efeito dos parâmetros de extrusão termoplástica sobre as propriedades tecnológicas de farinhas pré-cozidas elaboradas com arroz e feijão

Effect of the thermoplastic extrusion parameters on the technological properties of pre-cooked flours prepared with rice and beans

Resumos

O objetivo deste trabalho foi obter uma farinha pré-gelatinizada elaborada a partir de farinha mista de arroz e feijão, e avaliar a influência das formulações e condições do processamento sobre as propriedades tecnológicas e o teor proteico do produto final. Para a elaboração da farinha pré-gelatinizada mista, utilizou-se o planejamento experimental completo 2³ com pontos centrais e axiais, testando-se os parâmetros porcentagem de farinha de feijão, umidade e temperatura de processamento, tendo como respostas teor de proteína (Y1), índice de absorção de água (Y2) e índice de solubilidade em água (Y3). As formulações testadas foram processadas em extrusora monorrosca. A temperatura na zona 3 do extrusor variou entre 46 e 114 °C, conforme o planejamento experimental. Os ensaios processados foram submetidos à secagem em estufa com circulação de ar a 50 °C por cerca de 15 horas, apresentando umidade final entre 4 e 6%, sendo, a seguir, triturados em moinho de facas e armazenados em sacos de polietileno até o momento das análises. Para a variável teor de proteína, somente a porcentagem de farinha de feijão foi significativa e com efeito positivo, ou seja, aumentando-se a quantidade desta farinha, o produto final terá um maior teor proteico, independentemente da temperatura ou da umidade utilizada no processamento. Para a variável índice de absorção de água, a farinha de feijão, o teor de umidade, a temperatura e a interação umidade e temperatura foram significativos. Observou-se maior índice de absorção de água em temperaturas intermediárias (60 a 80 °C) e altas umidades (17 a 20%). Para a resposta índice de solubilidade em água, as variáveis umidade, temperatura e a interação umidade e temperatura também foram significativas, observando-se maiores índices de solubilidade em água em temperaturas mais elevadas (100 °C) e umidades mais baixas (14%). De acordo com o planejamento experimental, a farinha pré-gelatinizada mista de arroz e feijão apresenta as melhores características tecnológicas quando processada sob temperatura de 70 °C, 21% de umidade e com adição de 30% de farinha de feijão à mistura.

Extrusão termoplástica; Planejamento experimental; Farinha pré-cozida; Propriedades tecnológicas


The objective of this study was to obtain a pre-gelatinized flour from a mixed rice and bean flour, and to evaluate the influence of the formulations and processing conditions on the technological properties and protein content of the final product. A complete 2³ factorial design was adopted with central and axial points to prepare the mixed pre-gelatinized flour, varying the following parameters: percent of bean flour, moisture content and processing temperature. The responses were: protein content (Y1), water absorption index (Y2) and water solubility index (Y3). The formulations were processed in a single screw extruder. The temperature in zone 3 of the extruder varied between 46 and 114 °C, according to the experimental design. The processed products were dried in an air circulating oven at 50 °C for about 15 hours, presenting a final moisture between 4 and 6%, and were then ground in a knife mill and packed into polyethylene bags until analysed. For the protein content, only the percent bean flour was significant and with a positive effect, that is, the higher the bean flour content, the higher the protein content of the final product, independent of the processing conditions - temperature or moisture. For the water absorption index (WAI), the moisture content, temperature and moisture and temperature interaction were significant. Higher WAI values were observed at intermediate temperatures (60 to 80 °C) and high moisture contents (17 to 20%). For the water solubility index (WSI), the moisture content, temperature and moisture e temperature interaction were again significant, higher WSI values being observed at higher temperatures (100 °C) and lower moisture contents (14%). According to the experimental design, the pre-gelatinized mixed rice and bean flour showed the best technological characteristics when processed at a temperature of 70 °C with 21% moisture content and the addition of 30% bean flour to the mix.

Thermoplastic extrusion; Experimental design; Pre-gelatinized flour; Technological properties


Efeito dos parâmetros de extrusão termoplástica sobre as propriedades tecnológicas de farinhas pré-cozidas elaboradas com arroz e feijão

Effect of the thermoplastic extrusion parameters on the technological properties of pre-cooked flours prepared with rice and beans

Ana Vânia CarvalhoI; Alessandro de Oliveira RiosII; Priscila Zaczuk BassinelloIII; Tayse Ferreira FerreiraIV

IEmbrapa Amazônia Oriental, Laboratório de Agroindústria, Trav. Dr. Enéas Pinheiro, s/n, CEP: 66095-100, Belém/PA – Brasil. E-mail: anavania@cpatu.embrapa.br

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Departamento de Ciência dos Alimentos, Porto Alegre/RS – Brasil. E-mail: alessandro.rios@ufrgs.br

IIIEmbrapa Arroz e Feijão, Santo Antônio de Goiás/GO – Brasil. E-mail: priscilazb@cnpaf.embrapa.br

IVUniversidade Federal do Pará (UFPA), Belém/PA – Brasil. E-mail: ferreira.tayse@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi obter uma farinha pré-gelatinizada elaborada a partir de farinha mista de arroz e feijão, e avaliar a influência das formulações e condições do processamento sobre as propriedades tecnológicas e o teor proteico do produto final. Para a elaboração da farinha pré-gelatinizada mista, utilizou-se o planejamento experimental completo 23 com pontos centrais e axiais, testando-se os parâmetros porcentagem de farinha de feijão, umidade e temperatura de processamento, tendo como respostas teor de proteína (Y1), índice de absorção de água (Y2) e índice de solubilidade em água (Y3). As formulações testadas foram processadas em extrusora monorrosca. A temperatura na zona 3 do extrusor variou entre 46 e 114 °C, conforme o planejamento experimental. Os ensaios processados foram submetidos à secagem em estufa com circulação de ar a 50 °C por cerca de 15 horas, apresentando umidade final entre 4 e 6%, sendo, a seguir, triturados em moinho de facas e armazenados em sacos de polietileno até o momento das análises. Para a variável teor de proteína, somente a porcentagem de farinha de feijão foi significativa e com efeito positivo, ou seja, aumentando-se a quantidade desta farinha, o produto final terá um maior teor proteico, independentemente da temperatura ou da umidade utilizada no processamento. Para a variável índice de absorção de água, a farinha de feijão, o teor de umidade, a temperatura e a interação umidade e temperatura foram significativos. Observou-se maior índice de absorção de água em temperaturas intermediárias (60 a 80 °C) e altas umidades (17 a 20%). Para a resposta índice de solubilidade em água, as variáveis umidade, temperatura e a interação umidade e temperatura também foram significativas, observando-se maiores índices de solubilidade em água em temperaturas mais elevadas (100 °C) e umidades mais baixas (14%). De acordo com o planejamento experimental, a farinha pré-gelatinizada mista de arroz e feijão apresenta as melhores características tecnológicas quando processada sob temperatura de 70 °C, 21% de umidade e com adição de 30% de farinha de feijão à mistura.

Palavras-chave: Extrusão termoplástica; Planejamento experimental; Farinha pré-cozida; Propriedades tecnológicas.

SUMMARY

The objective of this study was to obtain a pre-gelatinized flour from a mixed rice and bean flour, and to evaluate the influence of the formulations and processing conditions on the technological properties and protein content of the final product. A complete 23 factorial design was adopted with central and axial points to prepare the mixed pre-gelatinized flour, varying the following parameters: percent of bean flour, moisture content and processing temperature. The responses were: protein content (Y1), water absorption index (Y2) and water solubility index (Y3). The formulations were processed in a single screw extruder. The temperature in zone 3 of the extruder varied between 46 and 114 °C, according to the experimental design. The processed products were dried in an air circulating oven at 50 °C for about 15 hours, presenting a final moisture between 4 and 6%, and were then ground in a knife mill and packed into polyethylene bags until analysed. For the protein content, only the percent bean flour was significant and with a positive effect, that is, the higher the bean flour content, the higher the protein content of the final product, independent of the processing conditions - temperature or moisture. For the water absorption index (WAI), the moisture content, temperature and moisture and temperature interaction were significant. Higher WAI values were observed at intermediate temperatures (60 to 80 °C) and high moisture contents (17 to 20%). For the water solubility index (WSI), the moisture content, temperature and moisture e temperature interaction were again significant, higher WSI values being observed at higher temperatures (100 °C) and lower moisture contents (14%). According to the experimental design, the pre-gelatinized mixed rice and bean flour showed the best technological characteristics when processed at a temperature of 70 °C with 21% moisture content and the addition of 30% bean flour to the mix.

Keywords: Thermoplastic extrusion; Experimental design; Pre-gelatinized flour; Technological properties.

Introdução

Durante o beneficiamento do arroz e do feijão, são gerados grãos partidos e quebrados, classificados como bandinha de feijão e quirera de arroz; esse fato constitui um problema econômico para a indústria, uma vez que tais subprodutos são rejeitados para consumo humano e, portanto, possuem reduzido valor comercial (KADAN et al., 2008; LIMBERGER et al., 2009)

Tendo em vista que esses subprodutos possuem propriedades nutricionais semelhantes aos grãos originais, uma das alternativas para agregação de valor seria transformá-los em ingredientes para alimentos com maior interesse comercial e industrial. Nesse contexto, a tecnologia de extrusão tem desempenhado um papel importante na obtenção de fontes alternativas de carboidratos, transformando matérias-primas amiláceas em produtos de alta aceitabilidade e conveniência (IWE, 1998).

A extrusão termoplástica é um processo no qual a ação mecânica é combinada com o calor para, continuamente, misturar, plasticizar e gelatinizar o amido, desnaturar materiais proteicos e inativar enzimas, formando novas estruturas (DING et al., 2005; CARVALHO et al., 2010; SOUZA e MENEZES, 2008). É uma tecnologia de alta versatilidade e eficiência, baixo custo, alta produtividade, curto tempo de reação e ausência de geração de resíduos (NABESHIMA e GROSSMANN, 2001).

Vários trabalhos têm sido realizados utilizando-se o processo de extrusão para promover a formulação de alimentos mais saudáveis, ricos em fibras e outros componentes, que os caracterizam como alimento funcional, além da possibilidade de diversificação de novos produtos, que atendam às atuais necessidades dos consumidores, principalmente em relação à saúde (SILVA et al., 2008; CARVALHO et al., 2009).

Nesse contexto, a mistura arroz e feijão representa uma ótima combinação nutricional, fornecendo energia e aminoácidos essenciais requeridos em uma dieta saudável, além de fornecer quantidades consideráveis de vitaminas, minerais e fibras (COSTA et al., 2006; WALTER et al., 2008). Considerando-se que a falta de proteínas de boa qualidade e calorias em uma dieta pode resultar em uma má nutrição generalizada, surge então a possibilidade de se aproveitarem o arroz e o feijão mediante o processamento por extrusão termoplástica, com possibilidade de obtenção de produtos com boa qualidade sensorial e nutricional.

A farinha pré-gelatinizada por extrusão tem amplo campo de aplicação na tecnologia de alimentos, podendo ser utilizada como ingrediente no preparo de produtos de panificação, mingaus e sopas instantâneas (CARVALHO et al., 2009; CLERICE e EL-DASH, 2008; SILVA e ASCHERI, 2009).

A metodologia de superfície de resposta é uma importante ferramenta que correlaciona as propriedades dos produtos e os parâmetros de processo, com o objetivo de desenvolver, otimizar e analisar processos, produtos e formulações (THAKUR e SAXENA, 2000). No processo de extrusão, essa metodologia tem sido utilizada com êxito por diversos autores na otimização e na avaliação dos processos estudados, tendo em vista que as características do produto extrudado variam consideravelmente de acordo com o tipo de extrusor, a configuração da rosca, a umidade do material de alimentação, o perfil de temperatura nas zonas de aquecimento, a velocidade e a taxa de alimentação, entre outros fatores (DING et al., 2005).

Em razão da importância tecnológica que o processo de extrusão termoplástica representa frente aos alimentos de preparo rápido como as farinhas pré-cozidas, instantâneas, pré-gelatinizadas e gelatinizadas, entre outras, o objetivo deste trabalho foi otimizar o processamento de farinha pré-gelatinizada à base de quirera de arroz e bandinha de feijão, avaliando-se o efeito da combinação de umidade da matéria-prima, temperatura de extrusão e quantidade de bandinha de feijão sobre as propriedades tecnológicas e o teor proteico do produto final.

Material e métodos

Obtenção das farinhas de arroz e feijão

A quirera de arroz e a bandinha de feijão carioca, obtidas da Embrapa Arroz e Feijão, foram moídas em moinho de facas tipo Willye, marca Tecnal, modelo TE-650 (Piracicaba-SP), para a transformação em farinha de arroz e farinha de feijão. A farinha de arroz obtida apresentou 61,58% das partículas com granulometria entre 2,00 e 0,85 mm e a farinha de feijão apresentou 84,23% das partículas entre 2,00 e 0,85 mm. Essas farinhas foram utilizadas no processamento da farinha mista de arroz e feijão pré-gelatinizada por extrusão.

Planejamento experimental

As farinhas pré-gelatinizadas foram processadas testando-se diferentes combinações de farinha de feijão (X1), temperatura na 3ª zona de extrusão (X2) e umidade das matérias-primas (X3), e otimizadas por meio de delineamento fatorial completo 23, com oito pontos lineares, seis pontos centrais e seis axiais (BARROS NETO et al., 1995), tendo como respostas: teor de proteína (Y1), índice de absorção de água (Y2) e índice de solubilidade em água (Y3). Os níveis das variáveis estudadas no planejamento experimental foram definidos em função de testes preliminares realizados (Tabela 1).

Os ensaios foram processados em extrusora monorrosca (Labor PQ30 - INBRAMAQ, Indústria de Máquinas Ltda., Ribeirão Preto-São Paulo), de configuração e parafuso intercambiáveis, com controle de temperatura nas diferentes zonas de aquecimento e velocidade do parafuso regulável. As temperaturas nas 1ª e 2ª zonas do extrusor foram mantidas constantes (Zona 1 = 30 °C; Zona 2 = 40 °C); velocidade do parafuso de 170 rpm; taxa de alimentação de 250 g.min–1, e matriz circular de 3,85 mm. Os ensaios processados foram coletados manualmente e armazenados em sacos de polietileno até o momento das análises.

Todas as respostas do planejamento experimental foram analisadas de acordo com Barros Neto et al. (1995), com o auxílio do software Statistica® versão 5.0 (STATSOFT, 1995). O teor de proteínas das farinhas mistas pré-gelatinizadas foi determinado pelo método semimicro Kjeldahl, com fator de conversão de nitrogênio de 6,25, de acordo com método proposto por Horwitz (1997); o índice de absorção de água e o índice de solubilidade em água foram determinados segundo metodologia descrita por Anderson et al. (1969).

Resultados e discussão

Otimização do processo de extrusão de farinhas pré-gelatinizadas de arroz e feijão

Na Tabela 2, são apresentados os resultados de teor de proteína, índice de absorção de água e índice de solubilidade em água obtidos dos experimentos com farinha pré-gelatinizada de arroz e feijão, de acordo com a matriz do planejamento experimental.

Teor de proteína

Os teores de proteína observados para os diferentes ensaios variaram de 10,59% a 14,76%. De acordo com os resultados da análise estatística obtidos para a resposta teor de proteína, observou-se efeito significativo somente para a variável farinha de feijão linear, a um intervalo de confiança de 95%; à medida que se utiliza maior porcentagem de farinha de feijão no processamento das farinhas pré-gelatinizadas, obtém-se efeito positivo na resposta, ou seja, maior teor de proteínas no produto final (Tabela 3).

Os resultados indicaram que 86% da variabilidade na resposta do teor de proteínas pode ser explicada pelo modelo (r2 = 0,86). Pela análise de variância para a regressão a 5% de significância, o valor de Fcalculado foi25,63 vezes o de Ftabelado. Dessa forma, além de o modelo ser significativo, é também preditivo dentro da faixa experimental estudada, pois, segundo Barros Neto et al. (1995), para que uma regressão seja não apenas estatisticamente significativa, mas também válida para fins preditivos, o valor de Fcalculado deve ser, no mínimo, 4 a 5 vezes o valor de Ftabelado e o r² deve ser maior ou igual a 60%.

O modelo ajustado utilizando-se apenas os fatores significativos, obtido para a proteína em função das variáveis estudadas, está apresentado abaixo (Equação 1):

O teor máximo de proteína (15%) foi atingido quando se utilizaram 47% de farinha de feijão na formulação (Figura 1); porém, valores entre 12,30 e 14% foram alcançados quando se utilizaram entre 30 e 40% de farinha de feijão. Este comportamento pode ser explicado pelo fato de o feijão ser mais rico em proteína do que o arroz. Silva et al. (2007) encontraram teor de proteína para a farinha de quirera de arroz de 7,32%, enquanto Antunes et al. (1995) obtiveram médias de 24,7% ao estudarem o valor nutricional de farinhas provenientes de quatro cultivares de feijão.


Índice de absorção de água

Durante o processo de extrusão, a matéria-prima passa por diversas transformações químicas e estruturais, de modo que o amido é um dos componentes que sofrem as maiores modificações. Os índices de absorção de água (IAA) e de solubilidade em água (ISA) são parâmetros que possibilitam mensurar o grau de transformação sofrido pela fração amilácea dos materiais extrudados (CAMIRE, 2000; GUY, 2001).

O IAA tem relação direta com a quantidade de hidroxilas que se encontram livres para se ligar à água; esse índice variou de 5,37 a 7,47 g.g–1 nos diferentes ensaios de farinha pré-gelatinizada de arroz e feijão. A análise estatística dos dados mostrou que os parâmetros significativos, a 95% de confiança, foram porcentagem de farinha de feijão quadrática, temperatura quadrática, umidade linear e a interação entre temperatura e umidade lineares (Tabela 4).

As variáveis independentes farinha de feijão quadrática, temperatura quadrática e a interação temperatura e umidade apresentaram efeitos negativos sobre o IAA, indicando que um aumento nessas variáveis contribui para sua diminuição no produto extrudado. Para a variável umidade linear, a elevação deste fator indica um efeito positivo, ou seja, um aumento do IAA.

De acordo com a análise de variância, observou-se valor de r2 de 0,72, indicando que o modelo explica 72% da variação dos dados observados para o IAA. Observou-se, também, que o valor de Fcalculado foi três vezes o valor de Ftabelado, a 5% de significância, tornando o modelo, além de significativo, também preditivo.

O modelo ajustado, utilizando-se apenas as variáveis significativas, obtido para o índice de absorção de água em função das variáveis estudadas está apresentado a seguir (Equação 2):

O gráfico da Figura 2 indica que o IAA atingiu valores máximos quando se extrudou a mistura sob condições intermediárias, isto é, 30% de farinha de feijão a 80 °C. Por sua vez, o aumento da umidade influencia positivamente o IAA, sendo a formulação com 22% de umidade a que apresentou maior IAA (Figura 3).



Segundo Silva e Ascheri (2009), altos teores de umidade na extrusão promovem lubrificação da rosca do extrusor, diminuindo a degradação do amido e, consequentemente, aumentando o IAA. Clerice e El-Dash (2008) obtiveram pães sem glúten, com textura semelhante à do pão de trigo, usando farinhas pré-gelatinizadas extrudadas a 180 °C e 20% de umidade, indicando que altos IAA podem ser importantes na formação de ligações com hidroxilas. Conforme expõe Silva et al. (2008), um bom IAA em amidos pré-gelatinizados, ou seja, valores em geral superiores a 6 g.g–1, facilita a interação destes com a água e favorece o ganho de peso dos produtos em que são utilizados, aumentando seu rendimento.

Índice de solubilidade em água

O índice de solubilidade em água (ISA) é empregado como medida de grau de dextrinização do amido durante a extrusão, isto é, quanto maior a degradação das moléculas de amido em moléculas menores, maior o ISA. Segundo Carvalho et al. (2002), um baixo ISA indica menor degradação do amido por ruptura da molécula e, assim, maior absorção de água, o que refletirá positivamente no IAA.

Para o ISA, obteve-se influência significativa a 95% de confiança para as variáveis independentes temperatura linear, temperatura quadrática, umidade linear e a interação entre umidade e temperatura. A variável temperatura linear apresentou efeito positivo sobre o ISA, indicando que um aumento desse fator contribui para a elevação no ISA das farinhas pré-gelatinizadas. Por sua vez, a temperatura quadrática, a umidade linear e a interação umidade e temperatura lineares apresentaram efeitos negativos, ou seja, a elevação desses fatores indica uma diminuição no ISA das farinhas extrudadas (Tabela 5).

De acordo com a análise de variância, o valor para o r2 foi de 0,89, o queindica que 89% da variabilidade na resposta é explicada pelo modelo. A relação FCalculado/FTabelado para a regressão apresentou valor de 10,42, concluindo-se que o ajuste do modelo é bom, podendo ser utilizado para fins preditivos.

O modelo ajustado, utilizando-se apenas as variáveis significativas, obtido para o índice de solubilidade em água em função das variáveis estudadas está apresentado a seguir (Equação 3):

A partir da superfície de contorno (Figura 4), verifica-se a influência positiva da temperatura no ISA, o qual aumenta com a elevação da temperatura, de modo que índices mínimos de solubilidade foram atingidos quando se processou em condições mais brandas de temperatura (60 °C) e índices máximos sob condições extremas de temperatura (114 °C). Verifica-se ainda que o aumento da umidade da matéria-prima implica em diminuição do ISA, que tendeu a ser mínimo em altas umidades (Figura 5). Clerice e El-Dash (2008) obtiveram comportamento semelhante extrudando farinha de arroz pura, constatando que os menores teores de umidade e as mais altas temperaturas foram as variáveis que mais influenciaram no aumento do valor de ISA.



Em geral, materiais pouco úmidos extrudados a altas temperaturas apresentam um índice de solubilidade maior e, em contrapartida, um índice de absorção de água menor. Vários estudos confirmam tal comportamento, como o estudo de Ding et al. (2005), em que os autores avaliaram o efeito das condições de extrusão nas propriedades físico-químicas de extrudados à base de arroz e verificaram que amostras com alto teor de umidade (22 a 24,73%) obtiveram maiores valores de IAA (6,95 a 7,65 g.g–1), enquanto o ISA apresentou crescimento quando os materiais foram extrudados com umidades menores (11,27 a 14%) e altas temperaturas (140 a 153,6 °C).

Conclusão

Uma vez que as características tecnológicas são primordiais para a obtenção de uma farinha pré-gelatinizada de qualidade e considerando-se que, para produtos de panificação, é interessante que essa farinha apresente alto índice de absorção de água e valores intermediários ou baixos de solubilidade em água, a farinha pré-gelatinizada obtida a partir da extrusão de farinha mista de arroz e feijão apresentou as melhores características tecnológicas e nutricionais quando processada sob temperatura de 70 °C, 21% de umidade e com adição de 30% de farinha de feijão à mistura.

A farinha pré-gelatinizada obtida apresenta possibilidade de utilização como ingrediente em produtos de panificação, como pães, bolos e cookies. Além disso, representa uma alternativa para consumo conjunto de arroz e feijão, possibilitando a ingestão de todos os aminoácidos essenciais, visto que o arroz e o feijão se complementam em termos de fornecimento destes aminoácidos.

O estudo possibilitou o desenvolvimento de um novo produto, a farinha pré-gelatinizada de arroz e feijão, representando uma alternativa de aproveitamento para a quirera de arroz e a bandinha de feijão, atualmente subutilizadas.

IWE, M. O. Effects of extrusion cooking on functional properties of mixtures of full-fat soy and sweet potato, Plant Foods for Human Nutrition, Dordrecht, n. 53, p. 37-46, 1998. http://dx.doi.org/10.1023/A:1008095703026

Recebido | Received: 27/06/2011

Aprovado | Approved: 05/09/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2011
  • Aceito
    05 Set 2012
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