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Avaliação do padrão estafilococos coagulase positiva estabelecido pela legislação brasileira para massas alimentícias

Evaluation of the coagulase-positive staphylococci standard required by Brazilian regulations for pasta

Resumos

A multiplicacão de Staphylococcus aureus e a produção de enterotoxinas estafilocócicas dependem de fatores intrínsecos e da temperatura de armazenamento dos alimentos. O objetivo deste trabalho foi discutir o padrão estafilococos coagulase positiva (ECP) para massas alimentícias, estabelecido pela RDC n.º 12 de 2001 da ANVISA, baseando-se nos resultados de atividade de água (a w), potencial hidrogeniônico (pH) e contagem de ECP. Cinquenta amostras de 25 tipos de massas de treze marcas diferentes foram analisadas. A contagem de ECP de todas as amostras foi menor que 10 Unidades Formadoras de Colônia por grama (UFC/g), inferior a 5,0 × 10³ UFC/g, estabelecido como limite máximo pela legislação. As médias de a w das massas secas com e sem recheio variaram entre 0,70 e 0,61, respectivamente, o que impossibilita a multiplicação de ECP e produção de toxina. Por outro lado, a média de a w das massas frescas foi de 0,96, o que propicia o desenvolvimento desse padrão microbiológico. Os resultados obtidos neste trabalho indicam que a a w poderia ser utilizada como parâmetro para determinar em quais tipos de massas o padrão ECP deveria ser pesquisado, ou seja, para massas alimentícias cruas que possibilitassem a multiplicação de Staphylococcus spp. (a w > 0,86).

Regulamentação; Atividade de água; pH; Staphylococcus spp.; Enterotoxina


The growth of Staphylococcus aureus and the production of staphylococcal enterotoxins depend on intrinsic food factors and the food storage temperature. The aim of this study was to discuss the coagulase-positive staphylococcal count limit (CPS) for pasta, established by RDC no 12, 2001, ANVISA, based on the results of water activity (a w), hydrogenionic potential (pH) and the CPS count. Fifty samples of 25 types of pasta from 13 different brands were analyzed. The CPS count of all the samples analyzed was less than 10 Colony-Forming Units per gram (CFU/g), below the limit of 5.0 × 10³ CFU/g, established by Brazilian Legislation. The average a w for dry pasta with and without stuffing varied between 0.70 and 0.61, which prevents the development of CPS and toxin production. On the other hand, the average a w for fresh pasta was 0.96, which allows for the growth of CPS. The results of this study indicate that a w may be used as a parameter to determine in which kind of pasta the CPS count should be done, ie for pasta that allow for the development of Staphylococcus spp. (a w > 0.86).

Food regulations; Water activity; pH; Staphylococcus spp.; Enterotoxin


Avaliação do padrão estafilococos coagulase positiva estabelecido pela legislação brasileira para massas alimentícias

Evaluation of the coagulase-positive staphylococci standard required by Brazilian regulations for pasta

Mário Sérgio Azevedo RestaI,* * Autor Correspondente | Corresponding Author ; Tereza Cristina Rocha Moreia de OliveiraII

IServiço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) Departamento Regional do Paraná (SENAI/PR) Área de Serviços Tecnológicos e Inovação (STI) Rua Belém, 844 – Centro CEP: 86026-000 Londrina/PR - Brasil e-mail: mario.resta@pr.senai.br

IIUniversidade Estadual de Londrina (UEL) Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos Londrina/PR - Brasil e-mail: terezaoliveira@yahoo.com.br

RESUMO

A multiplicacão de Staphylococcus aureus e a produção de enterotoxinas estafilocócicas dependem de fatores intrínsecos e da temperatura de armazenamento dos alimentos. O objetivo deste trabalho foi discutir o padrão estafilococos coagulase positiva (ECP) para massas alimentícias, estabelecido pela RDC n.º 12 de 2001 da ANVISA, baseando-se nos resultados de atividade de água (aw), potencial hidrogeniônico (pH) e contagem de ECP. Cinquenta amostras de 25 tipos de massas de treze marcas diferentes foram analisadas. A contagem de ECP de todas as amostras foi menor que 10 Unidades Formadoras de Colônia por grama (UFC/g), inferior a 5,0 × 103 UFC/g, estabelecido como limite máximo pela legislação. As médias de aw das massas secas com e sem recheio variaram entre 0,70 e 0,61, respectivamente, o que impossibilita a multiplicação de ECP e produção de toxina. Por outro lado, a média de aw das massas frescas foi de 0,96, o que propicia o desenvolvimento desse padrão microbiológico. Os resultados obtidos neste trabalho indicam que a aw poderia ser utilizada como parâmetro para determinar em quais tipos de massas o padrão ECP deveria ser pesquisado, ou seja, para massas alimentícias cruas que possibilitassem a multiplicação de Staphylococcus spp. (aw > 0,86).

Palavras-chave: Regulamentação; Atividade de água; pH; Staphylococcus spp.; Enterotoxina.

SUMMARY

The growth of Staphylococcus aureus and the production of staphylococcal enterotoxins depend on intrinsic food factors and the food storage temperature. The aim of this study was to discuss the coagulase-positive staphylococcal count limit (CPS) for pasta, established by RDC no 12, 2001, ANVISA, based on the results of water activity (aw), hydrogenionic potential (pH) and the CPS count. Fifty samples of 25 types of pasta from 13 different brands were analyzed. The CPS count of all the samples analyzed was less than 10 Colony-Forming Units per gram (CFU/g), below the limit of 5.0 × 103 CFU/g, established by Brazilian Legislation. The average aw for dry pasta with and without stuffing varied between 0.70 and 0.61, which prevents the development of CPS and toxin production. On the other hand, the average aw for fresh pasta was 0.96, which allows for the growth of CPS. The results of this study indicate that aw may be used as a parameter to determine in which kind of pasta the CPS count should be done, ie for pasta that allow for the development of Staphylococcus spp. (aw > 0.86).

Key words: Food regulations; Water activity; pH; Staphylococcus spp.; Enterotoxin.

1 Introdução

Mais de treze milhões de toneladas de massas alimentícias são produzidas anualmente por mais de quarenta e cinco países (IPO, 2011). O Brasil ocupa a terceira posição de maior produtor e consumidor em volume, atrás apenas da Itália e dos Estados Unidos. Em 2011, cerca de 1,3 milhão de toneladas foi produzido internamente, e mais de 8 mil toneladas foram exportadas (ABIMA, 2012). Em 2011, o consumo interno de massas alimentícias no Brasil foi de aproximadamente 1,2 milhões de toneladas, o que colocou o Brasil apenas em vigésimo segundo lugar no consumo mundial per capita desse produto (cerca de 6,2 kg/ano) (IPO, 2011).

A RDC nº 263, de 22 de setembro de 2005, da ANVISA (BRASIL, 2005), atualmente em vigor no Brasil, não estabelece o padrão de identidade e qualidade das massas alimentícias, que anteriormente era regulamentado pela Resolução RDC nº 93, de 31 de outubro de 2000, da ANVISA (BRASIL, 2000). Essa resolução trazia, entre outras, características sensoriais, físicas, químicas e físico-químicas para esta categoria de produtos (BRASIL, 2000). A RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001, da ANVISA, estabelece os padrões microbiológicos para os alimentos em geral, e é a única referência nacional para a avaliação das condições microbiológicas de alimentos no Brasil (BRASIL, 2001). Os padrões microbiológicos para massas alimentícias incluem limites para Bacillus cereus (5 × 103 UFC/g), Coliformes a 45 °C (102 UFC/g), Salmonella sp. (Ausência em 25 g) e Estafilococos Coagulase Positiva (5 × 103 UFC/g) (BRASIL, 2001).

A enumeração de ECP é reconhecida internacionalmente como um padrão microbiológico de segurança de alimentos e importante indicador das condições higiênico-sanitárias da sua produção e conservação. A sua relação com as condições higiênico-sanitárias dos alimentos está ligada ao fato de que o principal reservatório natural de Staphylococcus aureus é o ser humano, na pele, mucosas e, principalmente, no trato nasofaríngeo de portadores assintomáticos (TONDO e BARTZ, 2012). Dentre os padrões estabelecidos pela legislação, destaca-se o fato de os limites máximos de Estafilococos Coagulase Positiva (ECP) e de B. cereus serem os mesmos (5 × 103 UFC/g), uma vez que B. cereus é encontrado amplamente na natureza e contamina facilmente cereais e farinhas (KOTIRANTA et al., 2000), ao contrário de Staphylococcus spp., que tem o ser humano e os animais como reservatórios naturais (GENIGEORGIS, 1989). A forma como foram agrupados os produtos também chama a atenção porque todos os tipos de massa foram incluídos em uma mesma categoria, independentemente de suas características distintas (secas, frescas, conservadas sob refrigeração, com ou sem recheio, entre outras).

A intoxicação estafilocócica ocorre devido à ingestão de alimentos contaminados com enterotoxinas termoestáveis produzidas, principalmente, por S. aureus. A produção das enterotoxinas é influenciada por vários fatores intrínsecos do alimento, tais como tamanho do inóculo inicial, competição da microbiota, pH, concentração de cloreto de sódio e atividade de água, assim como pela temperatura de armazenamento (JAY, 2005; GENIGEORGIS, 1989).

Apesar da exigência da legislação e do expressivo desempenho brasileiro no mercado mundial de massas alimentícias, pouco se tem estudado sobre este tipo de produto antes do seu preparo, principalmente no que diz respeito aos seus padrões microbiológicos. O objetivo do presente trabalho foi discutir o padrão ECP estabelecido pela RDC nº 12/2001 – ANVISA (BRASIL, 2001) para massas alimentícias com base nos resultados da análise de amostras de marcas variadas, coletadas em diversos pontos de venda. Valores de atividade de água (aw) e de potencial hidrogeniônico (pH) foram determinados com a finalidade de se obter subsídios para justificar ou contestar o referido padrão microbiológico.

2 Material e métodos

2.1 Amostragem

O item 10 – farinhas, massas alimentícias, produtos para e de panificação (industrializados e embalados) e similares, descrito na RDC nº 12/2001 da ANVISA (BRASIL, 2001) é dividido em 13 alíneas diferentes, enumeradas de "a" a "n". As amostras analisadas neste trabalho pertenciam à alínea "b", a qual inclui massas alimentícias secas, com ou sem ovos, com ou sem recheio; massas frescas, cruas e não fermentadas, com ou sem ovos, com ou sem recheio e cobertura; e similares, refrigeradas.

As 50 amostras de massas alimentícias foram analisadas no mesmo dia em que foram coletadas nos pontos de venda. As coletas ocorreram no período de junho a dezembro de 2012, em 4 pontos de vendas distintos, pertencentes a redes de supermercados existentes na cidade de Londrina, PR. Em cada coleta foram adquiridos diferentes tipos e marcas, procurando-se evitar repetições. Treze marcas diferentes, envolvendo 25 variedades de massas alimentícias entre formatos e especificações, foram analisadas (Tabela 1).

2.2 Preparo das amostras para cultivo

Alíquotas de 25 g de cada amostra de alimento foram pesadas assepticamente e homogeneizadas com 225 mL de água peptonada 0,1% (SILVA et al., 2007). Depois de um período de 30 a 60 minutos sob refrigeração, as amostras foram submetidas à homogeneização em stomacher (Seward 400), em intensidade baixa por 60 segundos. Diluições decimais, a partir da diluição 10–1, foram preparadas em tubos contendo 9,0 mL de água peptonada 0,1% estéril.

2.3 Contagem de estafilococos coagulase positiva (ECP)

Alíquotas de 0,1 mL das diluições foram semeadas em ágar Baird-Parker (Acumedia, Lansing, MI, USA) e ágar Vogel e Johnson (Acumedia, Lansing, MI, USA), em duplicata. As placas foram incubadas a 35-37 °C e, após 48 horas, realizadas a identificação e a contagem das colônias que apresentavam as características típicas e atípicas de Staphylococcus spp. Em meio de cultivo Agar Baird-Parker, essas colônias apresentam-se negras, lustrosas, convexas, rodeadas por halo claro; e em meio de cultivo Agar Vogel-Johnson, apresentam-se negras, pequenas e com halo amarelo (SIQUEIRA, 1995; SILVA et al., 2007; BENNETT e LANCETTE, 2001).

Três colônias características obtidas em cada uma das placas de Baird-Parker e Vogel-Johnson, conforme descrito por Siqueira (1995), foram semeadas em placas contendo ágar Manitol Salgado (7,5% de NaCl) (Oxoid, Basingstoke, Hampshire, England), e incubadas a 35-37 °C por pelo menos 24 horas. Quando o número de colônias características foi inferior a 3 (três), todas as colônias foram semeadas no Manitol Salgado.

Paralelamente, as colônias foram transferidas para um tubo com 3 a 5 mL de Caldo Infusão Cérebro Coração (BHI) (HiMedia, Mumbai, India), incubado a 35-37 °C por 18-24 horas para a prova de coagulase. Depois do período de incubação, uma alíquota de 0,5 mL da suspensão obtida foi transferida para um tubo, ao qual foi adicionado 0,5 mL de plasma de coelho liofilizado (Laborclin, Pinhais, Paraná) reconstituído de acordo com as instruções do fabricante.

A leitura da prova foi realizada após 4 a 24 horas de incubação a 35-37 °C (SILVA et al., 2007). As unidades formadoras de colônias de ECP por grama de alimento (UFC/g) foram resultantes do número de colônias fermentadoras de manitol e produtoras de coagulase, considerando-se a diluição correspondente.

2.4 Determinação do pH

As amostras foram trituradas e um total de 10 g foi pesado em um béquer. Depois da adição de 100 mL de água, o conteúdo foi agitado até que as partículas ficassem uniformemente suspensas, e o pH foi medido com o aparelho previamente calibrado (Hanna Instruments HI 3221), operado de acordo com as instruções do manual do fabricante (ZENEBON et al., 2008). Os resultados apresentados foram correspondentes às médias das medições realizadas em duas alíquotas derivadas de cada amostra.

2.5 Determinação da atividade de água (aw)

As amostras foram fragmentadas para permitir que o fundo do recipiente apropriado ao equipamento pudesse ser completamente preenchido. A aw de cada amostra foi determinada individualmente, utilizando medidor de atividade de água (Aqua Lab Dew Point 4TEV). Os resultados apresentados foram correspondentes à média das medições realizadas em duas alíquotas derivadas de cada amostra.

2.6 Análise estatística

Os valores médios de pH e aw obtidos para cada tipo de produto estudado (Massa seca sem recheio, Massa seca com recheio, Massa fresca sem recheio e Massa fresca com recheio) foram comparados, utilizando análise de variância e o teste de médias (teste de Tukey, p < 0,05). As análises foram realizadas utilizando o software Statistica 7.0 (Statsoft Inc., Tulsa, OK, EUA) e a planilha eletrônica Microsoft® Excel® 2010, versão 14.0.6112.5000 (32 bits) (Microsoft Corporation, Pasadena, CA, USA).

3 Resultados e discussão

3.1 Resultados

Todas as 50 amostras de massas alimentícias analisadas apresentaram contagem de ECP menor do que 10 UFC/g, portanto abaixo do limite máximo estabelecido pela Resolução RDC nº 12/2001, da ANVISA, que é de 5,0 × 103 UFC/g (BRASIL, 2001).

As médias de aw das amostras analisadas neste trabalho são apresentadas na Tabela 2. Os valores de aw encontrados não apresentaram diferença significativa a p < 0,05 entre as médias calculadas para as massas frescas, independentemente da presença de recheio (0,96 ± 0,02). As massas secas com e sem recheio apresentaram médias de aw significativamente diferentes entre si e entre as massas secas sem recheio (0,61 ± 0,07) e com recheio (0,70 ± 0,03).

As médias de pH das amostras estão apresentadas na Tabela 3. Os valores de pH encontrados variaram entre 5,69 ± 0,43 e 6,12 ± 0,23. As massas frescas sem recheio apresentaram média significativamente menor (5,69 ± 0,43) que as massas frescas (6,03 ± 0,15) e secas (6,12 ± 0,23) com recheio. Não ocorreu diferença entre a média de pH das massas secas sem recheio (5,79 ± 0,23), quando comparada com as médias obtidas com os outros três tipos de massa.

3.2 Discussão

A contagem de ECP nas 50 amostras analisadas neste trabalho foi menor que 10 UFC/g. Swartzentruber et al. (1982) também encontraram baixa contaminação por ECP (<3 NMP), após análise de 1.607 amostras de macarrão seco e 1.477 amostras de "noodles" seco.

A atividade de água (aw) e o pH são características intrínsecas dos alimentos que interferem no desenvolvimento microbiano (JAY, 2005; DAMODARAN et al., 2010) e, por conseguinte, na produção de seus metabólitos, como as enterotoxinas produzidas por isolados enterotoxigênicos de Staphylococcus spp. Contagens acima de 103 UFC de ECP indicam condições higiênico-sanitárias inadequadas de processamento. Normalmente contagens acima de 105 UFC de Staphylococcus spp. enterotoxigênicos por grama de alimento são necessárias para haver produção de enterotoxina em quantidade suficiente para causar intoxicação alimentar (GENIGEORGIS, 1989).

O pH das massas alimentícias estudadas no presente trabalho variou de 5,69 a 6,12. Embora ECP possa se multiplicar em pH igual ou superior a 4,2 (ZINK e BOHM, 2005; JAY, 2005), outras características intrínsecas relevantes, como a aw, devem ser consideradas. Valores de aw abaixo de 0,86 são limitantes ao desenvolvimento de Staphylococcus spp. (GAVA, 1984; SIQUEIRA, 1995; JAY, 2005; FRANCO e LANDGRAF, 2008). No presente trabalho, as médias de aw obtidas para massas secas com e sem recheio estavam abaixo desse limite (0,70 e 0,61, respectivamente).

A necessidade de se investigar a ocorrência de ECP nesse produto torna-se questionável, já que nestas condições, a multiplicação de ECP fica comprometida e a produção de toxina estafilocócica pouco provável. Por outro lado, a média de aw para massas frescas com e sem recheio foi de 0,96. A legislação brasileira, portanto, poderia utilizar a umidade ou aw como parâmetro para determinar em quais tipos de massas o padrão ECP deveria ser pesquisado, ou seja, aplicável apenas para massas alimentícias cruas que apresentassem condições favoráveis à multiplicação de Staphylococcus spp. e à produção de suas enterotoxinas (aw > 0,86).

Embora a média de aw das massas frescas com e sem recheio obtida neste trabalho possibilite a multiplicação de Staphylococcus spp., todas as amostras analisadas apresentaram contagens de ECP menores que 10 UFC/g, o que indicou condições adequadas de processamento e armazenamento das massas alimentícias analisadas.

Autores que avaliaram massas frescas recheadas ou não comercializadas no Brasil encontraram diferentes níveis de contaminação por ECP. Comelli et al. (2011) analisaram um total de 40 amostras de massas alimentícias refrigeradas industrializadas (24 amostras) e caseiras (16 amostras) e encontraram 3 amostras (2 industrializadas e 1 caseira) com contagens acima de 102 UFC/g. Por outro lado, em um estudo realizado com massas frescas produzidas e comercializadas em Londrina, PR, Brasil, todas as amostras analisadas estavam contaminadas com ECP, algumas com contagens superiores a 5,0 × 103 UFC/g (FERRARI et al., 2007).

Apesar dos relatos no Brasil de massas alimentícias contaminadas com ECP, é importante salientar que a indústria de massas brasileira nos últimos anos investiu em tecnologia, equipamentos de última geração e capacitação dos profissionais, resultando em um parque industrial entre os mais modernos do mundo (ABIMA, 2012). Os controles estabelecidos na cadeia de produção diminuem o risco de contaminação e a posterior multiplicação de ECP, o que leva, consequentemente, à diminuição do risco da presença de enterotoxinas estafilocócicas neste tipo de produto. Além disso, outros fatores intrínsecos e extrínsecos são considerados para o armazenamento desses produtos, de forma a constituir barreiras à contaminação e multiplicação de ECP. As massas frescas possuem conservantes e aditivos em suas formulações, algumas possuem embalagens com atmosfera modificada e são comercializadas sob refrigeração (4 a 10 °C)

É muito importante ressaltar que a ausência de células viáveis de Staphylococcus spp. no momento da análise do produto final não assegura que o produto esteja livre de enterotoxinas estafilocócicas, devido à sua termoestabilidade (LANCETTE e TATINI, 1992). Somente a detecção de enterotoxinas no produto final poderia contestar a sua inocuidade definitivamente, entretanto a detecção de enterotoxinas diretamente nos alimentos é difícil de ser utilizada na rotina laboratorial devido ao seu alto custo. Torna-se essencial, portanto, o controle de todas as etapas da cadeia produtiva de massas alimentícias por meio da implantação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC).

A legislação europeia (CE, 2005) não estabelece critérios para o padrão ECP em massas alimentícias, e não foram encontradas informações sobre este tipo de critério para o referido produto nos websites de órgãos oficiais dos Estados Unidos (FDA, USDA). O padrão para ECP estabelecido na Austrália (AUSTRALIA, 2001), Argentina (ARGENTINA, 2013), Canadá (CANADA, 2008) e Nova Zelândia (NEW ZEALAND, 1995) variou de 103 a 104 UFC/g. Embora a legislação desses países também estabeleça um único limite máximo, independentemente das diferenças de aw existentes entre os tipos de produtos, não é possível afirmar que nesses países tenha sido realizada uma avaliação de risco que possibilitasse saber se massas alimentícias cruas são associadas com frequência a casos ou surtos de intoxicação estafilocócica. No Brasil, de fato, não há informações disponíveis sobre a implicação de massas alimentícias cruas como responsáveis por veiculação de enterotoxinas estafilocócicas.

Um padrão microbiológico deveria ser estabelecido e aplicado quando há evidências de que o alimento poderia representar um risco à saúde pública ou após uma avaliação de risco. Além disso, esses padrões deveriam ser revisados periodicamente a fim de se manterem atualizados quanto a patógenos emergentes, tecnologias em desenvolvimento e novos conhecimentos científicos como preconiza o Codex Alimentarius (1997).

O avanço tecnológico da indústria de massas alimentícias, que reduziu o contato do manipulador com o produto, da aplicação de embalagens com atmosfera modificada e o uso de conservantes associados à conservação refrigerada, assim como a baixa contaminação por ECP nas massas industrializadas encontrada neste trabalho, permitem conjecturar sobre a necessidade do estabelecimento desse padrão microbiológico, principalmente, para massas secas.

A partir dos resultados do presente trabalho pode-se inferir que é necessária a realização de análises laboratoriais sistemáticas dos produtos alimentícios produzidos no mercado interno para estabelecer padrões microbiológicos coerentes com as condições higiênico-sanitárias de processamento desses produtos.

4 Conclusões

A média de aw das massas secas com e sem recheio variou de 0,70 a 0,61, respectivamente, o que impossibilita a multiplicação de ECP e a produção de toxina estafilocócica. Como a média de aw das massas frescas foi de 0,96, esse parâmetro intrínseco poderia ser utilizado para determinar em quais tipos de massas o padrão ECP deveria ser pesquisado, ou seja, em massas alimentícias cruas que apresentassem condições favoráveis à multiplicação de S. aureus enterotoxigênicos (aw > 0,86).

Recebido | Received: 05/07/2013

Aprovado | Approved: 29/11/2013

Publicado | Published: dez./2013

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    Autor Correspondente | Corresponding Author
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Jul 2013
    • Aceito
      29 Nov 2013
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