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Efeito da adição de açúcar e do processo de envelhecimento na qualidade sensorial de amostras de cachaça obtidas tradicionalmente e por redestilação

The effect of sugar addition and the ageing process on the sensory quality of sugarcane spirit samples obtained traditionally and by redistillation

Resumo

A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil. O seu consumo está crescendo e atraindo o interesse do mercado externo, que exige altos padrões de qualidade. Este estudo avaliou o efeito da adição de açúcar líquido na qualidade sensorial da aguardente, comparando amostras obtidas tradicionalmente e por redestilação e envelhecidas ou não em tonéis de carvalho. As amostras analisadas foram obtidas a partir de um lote de aguardente tradicional, que foi diluída a 40 °GL e adicionado 0,5% de açúcar (líquido). Após o processo de redestilação, foram obtidas as amostras, também diluídas a 40 °GL e adicionado 0,5% de açúcar (líquido). Os resultados obtidos mostraram uma grande influência do processo de envelhecimento e do processo de redestilação e uma influência pontual da adição do açúcar líquido na qualidade sensorial da cachaça, bem como em sua composição química. Os resultados mostraram ainda que a prática da redestilação é eficiente para reduzir o nível de cobre e de carbamato de etila na bebida. Verificou-se também que o cobre, presente nas paredes dos tonéis, pode retornar à bebida durante o envelhecimento e, pela sua ação catalítica, produzir carbamato de etila a partir de precursores eventualmente presentes na bebida.

Palavras-chave:
Cachaça; Redestilação; Envelhecimento; Cobre; Carbamato

Summary

Sugarcane spirit is the second most consumed alcoholic beverage in Brazil and its consumption is increasing and attracting the interest of the foreign market, which demands high quality standards. This study evaluated the effect of adding liquid sugar on the sensory quality of sugarcane spirit samples obtained traditionally and by redistillation and submitted to an ageing process in oak casks or otherwise. The samples analyzed came from a batch of traditionally obtained sugarcane spirit, which was diluted to 40 °GL and 0.5% of liquid sugar added. The results obtained showed a great influence of the ageing process and of the redistillation process, as well as a specific influence of the addition of sugar on the sensory quality and on the chemical composition of the sugarcane spirit. The results also showed that the practice of redistillation is efficient in decreasing the levels of copper and ethyl carbamate in the beverage, but that the copper, present in the walls of the casks used, can return to the beverage during the ageing process and produce ethyl carbamate by catalytic action as from precursors eventually present in the beverage.

Keywords:
Sugarcane spirit; Redistillation; Ageing; Copper; Carbamate

1 Introdução

Segundo a definição da legislação, aguardente de cana é a bebida com graduação alcoólica de 38 a 54% vol a 20 °C, obtida do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até 6 g/L, expressos em sacarose, sem especificação no rótulo; já a cachaça adoçada pode conter açúcares em quantidade superior a 6 g/L e inferior a 30 g/L, expressos em sacarose, sendo necessária a especificação “Cachaça Adoçada” no rótulo.

Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 a 48% vol a 20 °C, obtida do mosto fermentado de cana-de-açúcar, com características sensoriais peculiares. A legislação brasileira ainda exige controle sobre contaminantes, como carbamato de etila e cobre, entre outros (BRASIL, 2005aBRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n. 13 de 29 de junho de 2005. Aprova o regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade para aguardente de cana e para cachaça. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 29 jun. 2005a. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 08 jul. 2015.
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).

Segundo dados do Instituto Brasileiro da Cachaça ‒ IBRAC (2015)INSTITUTO BRASILEIRO DA CACHAÇA – IBRAC. Brasil e México assinam declaração conjunta para proteção da cachaça e da tequila. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://ibrac.net/index.php/noticias/noticias-do-ibrac/478-brasil-e-mexico-assinam-declaracao-conjunta-para-protecao-da-cachaca-e-da-tequila>. Acesso em: 15 jul. 2015.
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, o Brasil possui quase dois mil produtores devidamente registrados, responsáveis por cerca de quatro mil marcas comerciais.

Mediante as novas exigências de mercado, a busca por uma maior padronização da bebida e por melhorias em sua qualidade tem aumentado. Desta forma, práticas, como redestilação, envelhecimento e adição de açúcares, vêm sendo adotadas a fim de suprir a necessidade de produtos que apresentem melhor qualidade sensorial, respeitando os limites permitidos de contaminantes, como cobre e carbamato de etila.

No caso da adição de açúcar e considerando-se que até 6 g/L não é necessário constar no rótulo que a cachaça é adoçada, julgamos conveniente avaliar também o efeito da adição de 5 g/L de açúcar líquido (açúcar invertido) na qualidade sensorial da cachaça. O açúcar líquido invertido é produzido pela hidrólise da molécula de sacarose em solução. A quebra da sacarose ocorre na ligação entre o núcleo de piranose e furanose, com a liberação de uma molécula de glicose e uma de frutose.

O açúcar líquido é um adoçante natural, com aspecto viscoso, brilhante e isento de material em suspensão, e possui aroma característico de cana-de-açúcar. Este açúcar apresenta maior poder adoçante quando comparado com soluções de sacarose de igual concentração, além de apresentar alta pureza química.

A dupla destilação permite a obtenção de uma aguardente com qualidade supostamente superior às aguardentes provenientes de uma única destilação, apresentando características sensoriais mais agradáveis (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2005, p. 42 apud SOUZA, 2009Souza, P. A. Produção de aguardentes de cana-de-açúcar por dupla destilação em alambique retificador. 2009. 99 f. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos)-Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2009.). Nesse sentido, tem-se adotado a prática da redestilação de cachaças consideradas de baixa qualidade, que são diluídas e, novamente, destiladas. Nesta segunda destilação, são separadas as frações cabeça e cauda e somente é utilizada a fração coração.

O envelhecimento não é uma etapa obrigatória do processo, porém, este se tornou importante na produção de bebidas destiladas, influenciando a qualidade e agregando valor econômico, pois altera acentuadamente a composição química, o aroma, o sabor e a cor dessas bebidas (CATÃO et al., 2011Catão, C. G.; Paes, J. B.; Gomes, J. P.; Araújo, G. T. Qualidade da madeira de cinco espécies florestais para o envelhecimento da cachaça. , Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e AmbientalCampina Grande, v. 15, n. 7, p. 741-747, 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662011000700013.
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).

Assim, com base no exposto, foi objetivo do presente trabalho avaliar o efeito da adição de açúcar líquido e do processo de envelhecimento na aceitação de amostras de cachaças tradicional e redestilada, comparando-se também os perfis de voláteis e de eventuais contaminantes presentes nas amostras estudadas.

2 Material e métodos

2.1 Material

A partir de um mesmo lote de aguardente adquirido da Cooperativa dos Produtores de Cana, Aguardente, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (COPACESP), foram inicialmente obtidas as amostras tradicionalmente destiladas e, a partir do mesmo lote citado, a cachaça, depois de diluída a 30% de álcool, foi novamente destilada, e, da fração coração obtida, as amostras foram redestiladas, sendo todas corrigidas a 40% de álcool.

Para os testes de aceitação, as amostras obtidas (tradicional e redestilada) foram então acrescidas ou não de 5 g/L de açúcar líquido, sendo assim obtidas as amostras tradicionais e redestiladas, com e sem adição de açúcar líquido.

As amostras de aguardente tradicional e redestilada, sem adição de açúcar, obtidas conforme acima descrito, foram então submetidas ao processo de envelhecimento em tonéis de carvalho de 200 litros, dando origem às amostras envelhecidas de um e três anos.

Desta forma, foi obtido um total de oito amostras, a serem avaliadas nos testes de aceitação:

1 – Tradicional sem adição de açúcar; 2 – Tradicional com adição de 5 g/L de açúcar líquido; 3 – Redestilada sem adição de açúcar; 4 – Redestilada com adição de 5 g/L de açúcar líquido; 5 – Tradicional sem açúcar, envelhecida um ano; 6 – Redestilada sem açúcar envelhecida um ano; 7 – Tradicional sem açúcar envelhecida três anos, e 8 – Redestilada sem açúcar envelhecida três anos.

2.2 Métodos

2.2.1 Teste de aceitação

As oito amostras de cachaça, acima descritas, foram então submetidas a testes de aceitação em relação aos parâmetros cor, aroma, sabor, gosto doce e impressão global, buscando-se traçar um perfil de aceitação das amostras.

Nesse sentido, foram recrutados, através de questionário, e selecionados, os consumidores que gostavam do produto e o consumiam pelo menos uma vez por mês, somando entre alunos, professores e funcionários da FCF- UNESP, 60 consumidores, maiores de 21 anos, que demonstraram interesse em participar dos testes.

A escolha por trabalhar com o número de 60 consumidores foi baseada no trabalho de Guaglianoni e Faria (2011)Guaglianoni, D. G.; Faria, J. B. A comparative study of sensory acceptance tests of cachaça samples: the most apropriate methods and minimum judges numbers. , Alimentos e NutriçãoAraraquara, v. 22, n. 1, p. 21-25, 2011., que realizaram um estudo envolvendo de 30 a 120 consumidores, visando a realizar uma análise de variância de dados, proveniente de teste de aceitação com amostras de cachaça. Concluiu-se, com a análise estatística feita com o teste de Friedman e Dunn, indicado para análise de dados provenientes de escalas, que este indicou ótimo desempenho a partir de 45 consumidores, comprovando, portanto, ser realmente adequado o número acima proposto. Os dados estatísticos foram trabalhados no software Bioestat 5.3.

2.2.2 Determinações físico-químicas

Todas as diferentes amostras foram analisadas visando a obter um perfil físico-químico baseado no grau alcoólico real, nos teores de cobre presentes e na acidez volátil, seguindo a metodologia descrita na Instrução Normativa n. 24, de 8 set. 2005 (BRASIL, 2005bBRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n. 24 de 08 de setembro de 2005. Aprova o manual operacional de bebidas e vinagres. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 24 set. 2005b. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 08 jul. 2015.
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), do MAPA, na presença ou não de carbamato de etila, e nos perfis dos compostos voláteis presentes, de acordo com metodologias descritas por Alcarde et al. (2012)Alcarde, A. R.; Souza, L. M.; Bortoletto, A. M. Ethyl carbamate kinetics in double distillation of sugar cane spirit: part 2: influence of type of pot still. , Journal of the Institute of BrewingLondon, v. 118, n. 1, p. 352-355, 2012. http://dx.doi.org/10.1002/jib.48.
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e Bortoletto e Alcarde (2013)Bortoletto, A. M.; Alcarde, A. R. Congeners in sugar cane spirits aged in casks of different woods. , Food ChemistryLondon, v. 139, n. 1-4, p. 695-701, 2013. PMid:23561163. http://dx.doi.org/10.1016/j.foodchem.2012.12.053.
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.

Os conteúdos de aldeídos, ésteres, álcoois superiores (n-propílico, isobutílico e isoamílico) e metanol foram determinados usando-se cromatografia em fase gasosa. As amostras foram misturadas com o padrão interno (4-metil-2-pentanol) e alíquotas de 1,0 mL foram injetadas automaticamente no sistema de cromatografia em fase gasosa (Shimadzu, QP-2010 PLUS, Tóquio, Japão), equipado com uma coluna Stabilwax-DA (crossbond polietilenoglicol Carbowax, 30 m × 0,18 mm × 0,18 µm espessura) e um detector de ionização de chama (FID). As análises foram realizadas a uma razão de 1:25 divididas em triplicata (BORTOLETTO; ALCARDE, 2013Bortoletto, A. M.; Alcarde, A. R. Congeners in sugar cane spirits aged in casks of different woods. , Food ChemistryLondon, v. 139, n. 1-4, p. 695-701, 2013. PMid:23561163. http://dx.doi.org/10.1016/j.foodchem.2012.12.053.
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).

Os coeficientes de congêneres foram analisados utilizando-se HPLC (Shimadzu, modelo LC-10AD, Kyoto, Japão), com duas bombas Shimadzu LC-20AD, detector UV-VIS Shimadzu SPD-20A, controlador de sistema CBM-20A e um sistema de injeção automática (20 µL) com eluição de gradiente. O método utilizado possui duas fases móveis compostas de água/ácido acético (98:2v/v) e metanol/água/ácido acético (70:28:2v/v/v), com um fluxo de 1,25 mL/min (AQUINO et al., 2006, p. 696 apud BORTOLETTO, ALCARDE, 2013Bortoletto, A. M.; Alcarde, A. R. Congeners in sugar cane spirits aged in casks of different woods. , Food ChemistryLondon, v. 139, n. 1-4, p. 695-701, 2013. PMid:23561163. http://dx.doi.org/10.1016/j.foodchem.2012.12.053.
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).

As análises de carbamato de etila foram realizadas em cromatógrafo de fase gasosa (GC) acoplado a um espectrômetro de massa (MS), modelo GCMS-QP2010 Plus (Shimadzu, Kyoto, Japão), utilizando-se uma coluna de cromatografia capilar com fase polar (glicol de polietileno esterificado, HP-FFAP; 50 m × 0,20 mm × 0,33 µm de espessura de película de fase estacionária). As temperaturas do injetor e do detector utilizados foram de 230 e 220 °C, respectivamente, e o hélio foi o gás de arraste, a uma taxa de 1,2 mL/min. A quantificação foi realizada através da comparação dos resultados da cromatografia das amostras com uma curva obtida utilizando-se uma solução-padrão de carbamato de etila (ALCARDE et al., 2012Alcarde, A. R.; Souza, L. M.; Bortoletto, A. M. Ethyl carbamate kinetics in double distillation of sugar cane spirit: part 2: influence of type of pot still. , Journal of the Institute of BrewingLondon, v. 118, n. 1, p. 352-355, 2012. http://dx.doi.org/10.1002/jib.48.
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).

3 Resultados e discussão

3.1 Análise sensorial

Os resultados dos testes de aceitação em relação aos atributos ‒ cor, aroma, sabor, gosto doce e impressão global ‒ foram submetidos à análise de variância de FRIEDMAN e a diferença estatística entre as amostras foi determinada pelo teste do ponto médio de Dunn, estando os resultados assim obtidos apresentados na Tabela 1. Os resultados obtidos revelaram haver diferença significativa (p ≤ 0,05) entre vários atributos.

Tabela 1
Medianas1 obtidas no teste de aceitação das amostras de cachaça tradicionais e redestiladas, com ou sem adição de açúcar líquido, e envelhecidas.

No caso do atributo Cor, observou-se que as amostras 6, 7 e 8 (envelhecidas) diferiram significativamente das amostras 1, 2, 3 e 4 (não envelhecidas), enquanto a amostra 5 (envelhecida um ano) não apresentou diferença significativa quando comparada com as demais amostras. No entanto, vale destacar que a amostra número 5 (cachaça tradicionalmente obtida e envelhecida um ano) não apresentou diferença de cor com as demais amostras devido, provavelmente, ao pouco tempo de envelhecimento a que ficou exposta, insuficiente para obter uma coloração intensa como as amostras envelhecidas por tempos maiores.

Em relação ao atributo Aroma, observou-se que as amostras 1, 2, 3, 4 e 6 não apresentaram diferença significativa entre si, ocorrendo o mesmo entre as amostras 5, 7 e 8; note-se que as amostras 5 e 8 também não revelaram serem diferentes da amostra 6.

Tais resultados demostram a influência positiva do processo de envelhecimento na qualidade e na aceitação sensorial do produto, visto que as amostras não envelhecidas não apresentaram diferença entre si, porém revelaram diferença significativa em relação às amostras envelhecidas, com exceção da amostra número 6, o que pode ser explicado pelo fato de esta se tratar de uma amostra redestilada, processo relacionado com perdas significativas do aroma da cachaça, devido à perda de voláteis.

Em relação ao atributo Sabor, observou-se diferença significativa entre as amostras 2 e 8, respectivamente a amostra tradicional com adição de açúcar e a amostra redestilada sem açúcar envelhecida três anos, enquanto as demais amostras não apresentaram diferença significativa entre si. Nota-se, nesse caso, que as amostras que apresentaram diferença significativa entre si foram exatamente aquelas que, embora oriundas de uma mesma matriz, sofreram influência de diferentes processos ao longo do trabalho. A amostra número 2 representa uma cachaça tradicional com adição de 5 g/L de açúcar líquido, enquanto a amostra número 8 é uma cachaça redestilada, sem adição de açúcar, e que foi envelhecida em tonéis de carvalho por três anos.

O atributo Gosto Doce foi o único que não apresentou diferença significativa entre as amostras. Este dado revela que a quantidade de açúcar utilizada não foi suficiente para influenciar o perfil sensorial do produto, conforme constatado por Santos e Faria (2011)Santos, V. R.; Faria, J. B. Efeito da adição de açúcar na qualidade sensorial de cachaça obtida tradicionalmente e redestilada. , Alimentos e NutriçãoAraraquara, v. 22, n. 3, p. 489-497, 2011. em trabalho anterior, que relacionou a influência positiva da adição de pelo menos 1,5% de açúcar na aceitação de cachaças tradicionalmente obtidas como também no caso das amostras redestiladas. Este resultado mostra também que o processo de envelhecimento adiciona à cachaça características sensoriais que remetem ao gosto doce, mesmo sem a prévia adição de açúcar.

Para o atributo Impressão Global, observou-se haver diferença significativa entre as amostras 2, 7 e 8 (2 - tradicional com adição de açúcar, 7 - Tradicional sem açúcar, envelhecida três anos e 8 - Redestilada sem açúcar, envelhecida três anos), não ocorrendo, porém, diferenças significativas entre as demais amostras analisadas.

Tais resultados vêm confirmar o já exposto em relação aos outros atributos analisados, mostrando que os processos aos quais as amostras foram submetidas têm influência sobre a aceitação dos consumidores, principalmente o processo de envelhecimento, como se pode notar nas amostras 7 e 8, envelhecidas por três anos.

Para os parâmetros cor, aroma, sabor e impressão global, foram detectadas diferenças significativas entre a grande parte das amostras envelhecidas e sem envelhecer, mostrando a clara preferência do consumidor pelo produto envelhecido.

Com base nos resultados obtidos, pode-se perceber que, quando comparados os três processos aqui avaliados (adição de açúcar, redestilação e envelhecimento), foi o envelhecimento a prática que causou o maior efeito sensorial na bebida, seguido da redestilação e da adição de açúcar em pequenas quantidades. Esta dinâmica mostra que as práticas avaliadas neste trabalho representam opções válidas, que podem melhorar a qualidade sensorial do produto final, como também serem utilizadas na padronização da bebida, cabendo, porém, salientar que o produto-base deve ser bem conhecido, a fim de se aplicar o processo melhor adequado ao melhor equilíbrio da bebida.

3.2 Composição físico-química

A determinação da composição físico-química das amostras teve por principal objetivo verificar se os resultados atendiam aos padrões exigidos pela legislação. Nesse sentido, pode-se afirmar que a composição química das amostras estava de acordo com os padrões estabelecidos pela Instrução Normativa 13/2005 (BRASIL, 2005aBRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n. 13 de 29 de junho de 2005. Aprova o regulamento técnico para fixação dos padrões de identidade e qualidade para aguardente de cana e para cachaça. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 29 jun. 2005a. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 08 jul. 2015.
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), com exceção de algumas amostras, diante dos parâmetros teor alcoólico, álcoois superiores e furfural (Tabela 2).

Tabela 2
Teores de alguns compostos presentes nas amostras de cachaça.

As análises físico-químicas foram realizadas com as amostras: cachaça tradicional sem adição de açúcar; cachaça redestilada sem adição de açúcar; cachaça tradicional envelhecida um e três anos, e cachaça redestilada envelhecida um e três anos, sendo as mesmas amostras utilizadas nos testes de aceitação, excetuando-se as amostras acrescidas de açúcar (tradicional e redestilada).

Os parâmetros analíticos mostraram-se em conformidade com as referências da legislação vigente, com exceção dos parâmetros graduação alcoólica, álcoois superiores e furfural, em algumas amostras. A alteração na graduação alcoólica ocorreu em virtude do envelhecimento, já que, durante o referido processo, ocorre perda de álcool por evaporação, e posto que se optou por não fazer a correção do volume perdido, ocorreu, conforme esperado, uma ligeira queda dos valores do teor alcoólico real.

Os valores referentes às concentrações dos álcoois superiores apresentaram-se acima dos valores estabelecidos pela legislação vigente, o que também pode ser explicado pela influência do processo de envelhecimento, uma vez que este processo pode concentrar alguns compostos presentes na bebida.

Tal aumento nos teores de álcoois superiores em função do tempo de envelhecimento também foi percebido por Miranda et al. (2008)Miranda, M. B.; Martins, N. G. S.; Belluco, A. E. S.; Horii, J.; Alcarde, A. R. Chemical profile of aguardente: Brazilian sugar cane alcoholic drink: aged in oak casks. , Ciência Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 28, p. 84-89, 2008. Suplemento. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20612008000500014.
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, que monitoraram a concentração média dos álcoois isobutílico, isoamílico e n-propílico, separadamente, ao longo de 390 dias de envelhecimento. Assim, observou-se um aumento de aproximadamente 13% nos valores de álcoois superiores, sendo que o álcool isobutílico apresentou um acréscimo de 12% e o isoamílico de 18%, no mesmo período. A concentração do álcool n-propílico presente na aguardente praticamente não se alterou durante o período de envelhecimento, resultado que também se assemelha aos encontrados no presente trabalho.

O furfural não foi detectado (Nd) nas amostras sem envelhecer e envelhecidas um ano, tanto para cachaça tradicional como para a cachaça redestilada; porém, para as amostras envelhecidas três anos, os valores se apresentaram um pouco acima dos limites estabelecidos pela legislação.

Miranda et al. (2008)Miranda, M. B.; Martins, N. G. S.; Belluco, A. E. S.; Horii, J.; Alcarde, A. R. Chemical profile of aguardente: Brazilian sugar cane alcoholic drink: aged in oak casks. , Ciência Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 28, p. 84-89, 2008. Suplemento. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20612008000500014.
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também observaram aumento dos teores de furfural, registrando valores de até 1,14 mg/100 mL álcool anidro, após 390 dias de envelhecimento, fato provavelmente devido à degradação de pentoses presentes na madeira do tonel.

Os resultados do parâmetro acidez volátil revelaram as diferenças mais evidentes entre as amostras: tradicional sem envelhecer (18,84 mg/100 mL álcool anidro); tradicional envelhecida um ano (117,64 mg/100 mL álcool anidro); tradicional envelhecida três anos (81,38 mg/100 mL álcool anidro); redestilada sem envelhecer (1,91 mg/100 mL álcool anidro); redestilada envelhecida um ano (21,01 mg/100 mL álcool anidro), e cachaça redestilada envelhecida três anos (36,31 mg/100 mL álcool anidro), mostrando uma clara influência dos processos de redestilação e de envelhecimento nos valores aqui encontrados para este parâmetro.

Aguardentes armazenadas em tonéis de madeira podem apresentar decréscimo do pH, como verificaram Parazzi et al. (2008)Parazzi, C.; Arthur, C. M.; Lopes, J. J. C.; Borges, M. T. M. R. Avaliação e caracterização dos principais compostos químicos da aguardente de cana-de-açúcar envelhecida em tonéis de carvalho (Quercus sp.). , Ciência e Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 28, n. 1, p. 193-199, 2008., podendo tal fato estar relacionado ao aumento da acidez, devida às concentrações crescentes de ácidos no meio e, principalmente, pela presença de compostos fenólicos.

Parazzi et al. (2008)Parazzi, C.; Arthur, C. M.; Lopes, J. J. C.; Borges, M. T. M. R. Avaliação e caracterização dos principais compostos químicos da aguardente de cana-de-açúcar envelhecida em tonéis de carvalho (Quercus sp.). , Ciência e Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 28, n. 1, p. 193-199, 2008. também verificaram que a acidez total aumenta em função do tempo de armazenamento. A interação com a madeira e as reações entre os componentes da aguardente podem provocar este aumento da acidez. Uma fração do etanol é oxidada a acetaldeído, que, por sua vez, pode levar à formação do ácido acético; além deste fato, vale lembrar que o envelhecimento em tonéis de madeira agrega também, ao destilado, ácidos orgânicos não voláteis, taninos e compostos fenólicos (MENDES et al., 2002, p. 197 apud PARAZZI et al., 2008Parazzi, C.; Arthur, C. M.; Lopes, J. J. C.; Borges, M. T. M. R. Avaliação e caracterização dos principais compostos químicos da aguardente de cana-de-açúcar envelhecida em tonéis de carvalho (Quercus sp.). , Ciência e Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 28, n. 1, p. 193-199, 2008.).

Os ésteres apresentaram ligeira alteração entre as amostras ao longo do processo de envelhecimento, porém se mantiveram dentro dos padrões legais estabelecidos. Segundo Cardello e Faria (2000)Cardello, H. M. A. B.; Faria, J. B. Análise da aceitação de aguardentes de cana por testes afetivos e mapa de preferência interno. , Ciência Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 20, n. 1, p. 32-36, 2000. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20612000000100007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20612000...
e Faria et al. (2003)Faria, J. B.; Loyola, E.; López, M. G.; Dufour, J. P. Cachaça, pisco e tequila. In: LEA, A. G. H.; PIGGOTT, J. R. (Ed.). Fermented beverage production. 2nd ed. New York: Klumer Academic, 2003. cap. 15, p. 335-363., os ésteres são produzidos durante a fermentação pelas leveduras e também durante o envelhecimento pela esterificação de ácidos graxos com etanol, sendo o acetato de etila o componente majoritário deste grupo, representando cerca de 80% do conteúdo total de ésteres das aguardentes. Os ésteres, juntamente com os álcoois superiores, aldeídos e ácidos, são os principais responsáveis pela formação do sabor e do aroma da bebida, compondo o chamado buquê da aguardente (PEREIRA et al., 2003Pereira, N. E.; Cardoso, M. G.; Azevedo, S. M.; Morais, A. R.; Fernandes, W.; Aguiar, P. M. Compostos secundários em cachaças produzidas no Estado de Minas Gerais. , Ciência e Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 27, n. 5, p. 1068-1075, 2003.).

O parâmetro coeficiente de congêneres apresentou valores dentro dos limites legais para cachaça; no entanto, foi possível notar um aumento de seus valores nas amostras envelhecidas quando comparadas com as sem envelhecer. O coeficiente de congêneres (componentes voláteis “não álcool”) pode ser compreendido como a somatória da acidez volátil, dos aldeídos, dos ésteres, dos álcoois superiores e do furfural (ALCARDE et al., 2010Alcarde, A. R.; Souza, P. A.; Belluco, A. E. S. Aspectos da composição química e aceitação sensorial da aguardente de cana-de-açúcar envelhecida em tonéis de diferentes madeiras. , Food Science and TechnologyCampinas, v. 30, p. 226-232, 2010.). Nesse sentido, pode-se observar que o aumento dos valores de acidez volátil, aldeídos, ésteres e álcoois superiores, observados durante o processo de envelhecimento, certamente foi o responsável pelo aumento do coeficiente de congêneres observado nas amostras de cachaça envelhecidas.

Em relação aos parâmetros cobre e carbamato de etila (Tabela 3), podem-se notar suas variações devidas ao processo de redestilação e envelhecimento. Observando-se os resultados obtidos, constata-se uma ligeira variação dos teores de cobre, variações estas que podem estar relacionadas diretamente com a troca de íons de cobre com o carvão presente nas paredes de madeira do tonel.

Tabela 3
Teores de cobre e carbamato de etila presentes nas amostras de cachaça.

Mendonça (2014)Mendonça, J. G. P. Análise de carbamato de etila em cachaças de alambique produzidas por levedura selecionada e fermentação espontânea. 2014. 128 f. Dissertação (Mestrado em Agroquímica)-Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2014., trabalhando com amostras de cachaças envelhecidas, mostrou que, durante o armazenamento, constata-se uma diminuição do teor de cobre ao longo do tempo. Outros autores também apontam o processo de envelhecimento como forma de reduzir o teor de metal da bebida. Cavalheiro et al. (2003)Cavalheiro, S. F. L.; Andrade-Sobrinho, L. G.; Faria, J. B.; Maria, H.; Cardello, A. B. Influência do envelhecimento no teor de cobre em cachaças. , Boletim do CEPPA: boletim do Centro de Pesquisa de Processamento de AlimentosCuritiba, v. 21, n. 1, p. 99-108, 2003. observaram uma redução significativa em relação aos teores de cobre de cachaças envelhecidas por um período de seis meses, como também Miranda et al. (2008)Miranda, M. B.; Martins, N. G. S.; Belluco, A. E. S.; Horii, J.; Alcarde, A. R. Chemical profile of aguardente: Brazilian sugar cane alcoholic drink: aged in oak casks. , Ciência Tecnologia de AlimentosCampinas, v. 28, p. 84-89, 2008. Suplemento. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20612008000500014.
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, e Santiago et al. (2012)Santiago, W. D.; Cardoso, M. G.; Zacaroni, L. M.; Anjos, J. P.; Machado, A. M. R.; Mendonça, J. G. P. Perfil físico-químico e quantificação de compostos fenólicos e acroleína em aguardentes de cana-de-açúcar armazenadas em tonéis de diferentes madeiras. , CientíficaJaboticabal, v. 40, n. 2, p. 189-197, 2012. relataram a possibilidade de uma interação dos íons cobre com compostos presentes nas madeiras, resultando um possível processo de absorção de cobre pela madeira durante o envelhecimento. No presente trabalho, observaram-se variações que podem indicar um possível processo de solubilização do cobre presente na madeira, causando, assim, a contaminação da bebida.

Nas amostras redestiladas, verificou-se valores muito baixos dos teores de cobre para a amostra sem envelhecer e um posterior aumento desses teores nas amostras envelhecidas, provavelmente devido ao tempo de envelhecimento. As amostras redestiladas revelam também valores inferiores de cobre quando comparadas às amostras tradicionais, resultado já esperado, como mostram Bizelli et al. (2000)Bizelli, L. C.; Ribeiro, C. A. F.; Novaes, F. V. Dupla destilação da aguardente de cana: teores de acidez total e de cobre. , Scientia AgrícolaPiracicaba, v. 57, n. 4, p. 623-627, 2000. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90162000000400005.
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, que compararam cachaças oriundas de diferentes tratamentos. Segundo Lucena (1959, p. 624) apud Bizelli et al. (2000)Bizelli, L. C.; Ribeiro, C. A. F.; Novaes, F. V. Dupla destilação da aguardente de cana: teores de acidez total e de cobre. , Scientia AgrícolaPiracicaba, v. 57, n. 4, p. 623-627, 2000. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90162000000400005.
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, o cobre presente nas aguardentes está relacionado à dissolução do “azinhavre” (carbonato básico de cobre solúvel em ácido), formado no interior dos alambiques, o que explicaria os valores menores de cobre contaminante nas amostras redestiladas, devido aos teores de álcool sempre maiores nestas amostras.

Já o aumento dos teores de cobre durante o envelhecimento pode ser explicado por uma possível interação dos íons de cobre presentes na madeira com a cachaça agora ali armazenada, permitindo a extração do cobre do tonel já utilizado inúmeras vezes para envelhecimento de cachaça, pois quando a cachaça redestilada “limpa” (baixos teores de cobre) é colocada no tonel pode ocorrer sua contaminação, como resultado de um processo de equilíbrio químico com as paredes do tonel.

No caso do carbamato de etila, presente nas amostras tradicionais, notou-se a completa eliminação do referido composto nas amostras envelhecidas. A variação foi de 223,69 µg/L na amostra tradicional sem envelhecer para Nd (não detectado) na amostra tradicional envelhecida um ano e na amostra tradicional envelhecida três anos. Tal resultado não era esperado, uma vez que uma cachaça que já apresente valores elevados do contaminante e ainda teores de cobre em sua composição normalmente tenderia a aumentar seus teores pela catálise dos precursores pelo cobre.

Anjos et al. (2011)Anjos, J. P.; Cardoso, M. G.; Saczk, A. A.; Zacaroni, L. M.; Santiago, W. D.; Dórea, H. S.; Machado, A. M. R. Identificação do carbamato de etila durante o armazenamento da cachaça em tonel de carvalho (quercus sp) e recipiente de vidro. , Quimica NovaSão Paulo, v. 34, n. 5, p. 874-878, 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422011000500025.
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constataram uma variação dos teores de carbamato de etila em cachaças envelhecidas, apresentado também uma amostra (11 meses de envelhecimento) que contrariou as expectativas, revelando valores abaixo dos limites de detecção. Os autores acreditam que a falta de uma homogeneização eficiente no momento das coletas das alíquotas da bebida armazenada em tonéis de carvalho (devido ao volume de bebida armazenada ser relativamente alto) possa ter acarretado a inesperada variação de alguns resultados, como observado na amostra armazenada por 11 meses em tonel de madeira, que apresentou uma concentração de carbamato de etila inferior àquela observada naquela armazenada por dez meses. Entretanto, tal comportamento pode ter ocorrido também devido a possíveis interações, ainda desconhecidas, entre o referido composto com componentes da madeira, sugerindo a necessidade de novos estudos. Em se tratando das amostras redestiladas, o comportamento deste contaminante foi inverso ao encontrado nas tradicionais, não sendo encontrado o carbamato de etila na amostra redestilada sem envelhecer (“não detectado”) e mantendo o mesmo resultado para a amostra redestilada e envelhecida um ano em tonéis de carvalho. No entanto, os valores de carbamato de etila para a amostra redestilada e envelhecida por três anos foram de 250,06 µg/L, valor este acima do limite estabelecido pela legislação vigente.

Existem várias vias possíveis para a formação de carbamato de etila nas bebidas destiladas, envolvendo geralmente a reação entre o etanol e os precursores nitrogenados, tais como ureia, fosfato de carbamila e cianeto. Este último é considerado um precursor do carbamato de etila durante e após o processo de destilação (ANDRADE-SOBRINHO et al., 2002Andrade-Sobrinho, L. G.; Boscolo, M.; Lima-Neto, B. S.; Franco, D. W. Carbamato de etila em bebidas alcoólicas (cachaça, tiquira, uísque e grappa). , Quimica NovaSão Paulo, v. 25, n. 6b, p. 1074-1077, 2002. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422002000700005.
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). Acredita-se que a formação do carbamato de etila durante o período de armazenamento da cachaça possa ocorrer de maneira gradativa, por meio da reação entre o etanol e a ureia formada pela degradação de precursores nitrogenados, intrínsecos ao processo de produção da bebida, sendo os aminoácidos arginina, ornitina e citrulina os principais dentre eles (ZACARONI et al., 2011Zacaroni, L. M.; Cardoso, M. G.; Saczk, A. A.; Santiago, W. D.; Anjos, J. P.; Masson, J.; Duarte, F. C.; Nelson, D. L. Caracterização e quantificação de contaminantes em aguardentes de cana. , Quimica NovaSão Paulo, v. 34, n. 2, p. 320-324, 2011.).

Para alguns autores, a realização da destilação da cachaça em alambiques de cobre poderia representar uma agravante na formação do carbamato de etila, já que há a possibilidade de esse metal atuar como catalisador nas reações de formação desse contaminante (ARESTA, 2001, p. 323 apud ZACARONI et al., 2011Zacaroni, L. M.; Cardoso, M. G.; Saczk, A. A.; Santiago, W. D.; Anjos, J. P.; Masson, J.; Duarte, F. C.; Nelson, D. L. Caracterização e quantificação de contaminantes em aguardentes de cana. , Quimica NovaSão Paulo, v. 34, n. 2, p. 320-324, 2011.). Porém, vale lembrar que, se formado durante o processo de destilação, o carbamato pode condensar-se e não destilar juntamente com o destilado, principalmente na parte ascendente do alambique.

Com base, portanto, nos resultados até agora obtidos e considerando-se o aumento dos teores de cobre presentes nas amostras estudadas e sua reconhecida ação catalítica na formação do carbamato de etila durante o processo de envelhecimento, provavelmente pode ter ocorrido sim a formação de carbamato de etila ao longo do referido processo.

Os resultados mostraram também que, embora o processo de redestilação possa diminuir ou mesmo eliminar os teores de cobre, “arrastados” pela destilação, estes teores podem voltar a se elevar durante o processo de envelhecimento, caso os tonéis estejam saturados pelo cobre oriundo de outras cachaças neles envelhecidas, indicando ainda que, caso a amostra a ser envelhecida possua precursores para formação de carbamato de etila, tal produto certamente irá se formar na presença do cobre.

4 Conclusões

Os resultados obtidos neste trabalho mostram que os processos estudados tiveram influência positiva na melhoria da aceitação sensorial da cachaça, bem como em relação à composição dos voláteis e de contaminantes presentes na bebida. Do ponto de vista sensorial, verificou-se a clara influência positiva do processo de envelhecimento em tonéis de carvalho na qualidade da bebida, bem como a ineficiência da adição de 5 g/L de açúcar líquido. O processo de redestilação da cachaça apresentou efeito positivo na diminuição dos teores de acidez volátil e poderá causar aumento dos teores de cobre e carbamato de etila presentes na cachaça, após o processo de envelhecimento. Os teores de cobre podem se elevar durante o processo de envelhecimento, quando os tonéis estiverem saturados pelo cobre, e este metal pode catalisar a formação de carbamato de etila, a partir de possíveis precursores presentes na bebida.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/Brasil), pelo suporte financeiro. Ao Prof. Dr. A. R. Alcarde, ESALQ-USP, pelas análises físico-químicas. À Empresa Dulcini®, pela doação do açúcar líquido utilizado neste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2015
  • Aceito
    08 Out 2016
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