1 Introdução
Creme de leite é a emulsão óleo em água concentrada obtida da separação física do leite cru, comumente utilizado como ingrediente alimentício devido a sua característica cremosidade, proporcionada pela fina dispersão de glóbulos de gordura protegidos por uma membrana emulsificante (Hoffmann, 2011a; Moura et al., 2001). Tradicionalmente, é considerado um ingrediente de consumo restrito, já que a gordura láctea corresponde a apenas 4% da composição do leite e exige armazenamento sob refrigeração, limitando sua disponibilidade (Hoffmann, 2011b). No entanto, a produção brasileira de todas as variantes de creme de leite teve um crescimento contínuo no período de 2010 a 2016, sendo que em 2015 a produção atingiu o máximo do período, 409 mil toneladas (Gomes et al., 2017). Além disso, cremes de leite com menor teor de gordura e submetidos a tratamentos que aumentam sua vida útil tornaram-se bastante acessíveis nos mercados brasileiros. O desenvolvimento de produtos adequados a dietas de ingestão controlada de calorias e gorduras é uma tendência importante no setor de lácteos brasileiro (Gallina & Antunes, 2017).
A classificação do creme de leite não é uniforme ao redor do mundo, e a nomenclatura utilizada pode variar de acordo com o teor de gordura, com o uso pretendido ou com os tratamentos aos quais o produto é submetido (Deosarkar et al., 2016; Lee et al., 2018). No Brasil, a legislação vigente determina que, para ser nomeado creme de leite, o produto deve possuir no mínimo 10% de gordura láctea, e aqueles com teor de matéria gorda menor que 19,9% são classificados como creme de leite leve (Brasil, 1996).
Os tratamentos de homogeneização e ultrapasteurização (UHT) do creme de leite têm como objetivo garantir sua estabilidade físico-química e microbiológica durante o tempo de vida de prateleira, respectivamente (Walstra et al., 2005). A homogeneização do leite e seus derivados, como o creme, é um processo mecânico no qual o tamanho dos glóbulos de gordura é reduzido, de modo a favorecer sua interação com a fase aquosa e diminuir o risco de coalescência, dificultando a separação de fase durante o armazenamento (Fox, 2011; Wilbey, 2011).
A oferta e demanda de produtos lácteos ultrapasteurizados UHT (ultra-high temperature) aumentou significativamente nos últimos anos devido à conveniência e praticidade conferida pela sua estabilidade à temperatura ambiente, que pode chegar até 12 meses. O tratamento UHT envolve aquecimento a temperaturas entre 135 °C e 150 °C por alguns segundos, que esterilizam o produto e destroem microrganismos patogênicos, bem como a maioria das suas formas esporuladas (Malmgren et al., 2017).
Contudo, as altas temperaturas utilizadas na ultrapasteurização do creme de leite podem promover o escurecimento não enzimático, especialmente naqueles com teor reduzido de lactose, já que a hidrólise deste dissacarídeo aumenta a concentração de açúcares redutores que participam da reação de Maillard, juntamente com aminoácidos livres. A reformulação de produtos lácteos no sentido de diminuir o teor de lactose é realizada com o fim de tornar seu consumo adequado por indivíduos incapazes de metabolizar este açúcar, presente no leite entre 4% e 7% (Trani et al., 2017; Troise et al., 2016a). A diminuição do teor de lactose em cremes de leite UHT é frequentemente realizada pela indústria de lácteos através da hidrólise catalisada pela enzima lactase (β-D-galactosidase), cuja adição pode ocorrer antes ou depois do tratamento térmico UHT (Troise et al., 2016b). Caso a adição de lactase seja feita após o tratamento térmico, ela se manterá viável e ativa durante o tempo de vida de prateleira. Troise et al. (2016a) encontraram maior quantidade de produtos da reação de Maillard em leites sem lactose cuja adição de lactase aconteceu após o tratamento térmico UHT, em comparação com aqueles em que a enzima foi adicionada após o tratamento térmico. Os autores atribuem isso ao efeito proteolítico que as misturas enzimáticas podem exercer durante o armazenamento, caso não apresentem elevado grau de pureza.
A avaliação sensorial é essencial para que as indústrias de alimentos conheçam as atitudes e percepções dos consumidores sobre seus produtos, o que pode garantir o sucesso ou não destes no mercado (Sidel & Stone, 1993). As técnicas descritivas estão entre as ferramentas mais sofisticadas de análise sensorial, dentre as quais se destaca a Análise Descritiva Quantitativa (ADQ), que proporciona uma descrição completa de todas as propriedades sensoriais de um produto, bem como a intensidade em que ocorrem (Stone et al., 2012). Quando combinada com testes afetivos, fornece informações do impacto da intensidade de cada termo descritor sobre a percepção dos consumidores de determinada amostra, que pode ser positivo ou negativo (Lawless & Heymann, 2010; Tenenhaus et al., 2005).
Nos últimos anos, surgiram no mercado brasileiro diversos tipos e marcas de creme de leite em embalagens longa vida, alguns com teor de gordura reduzido, outros livres de lactose. Independentemente da natureza da modificação, os consumidores desses produtos esperam que não haja prejuízo às suas características sensoriais, as quais contribuem para sua aceitação. Diante desse cenário, este estudo buscou identificar o perfil sensorial de seis amostras comerciais de creme de leite UHT e comparar os resultados com a aceitabilidade das amostras e a atitude de compra pelos consumidores, bem como com resultados de análises instrumentais de cor e textura, a fim de verificar quais características sensoriais deste produto definem maior ou menor aceitabilidade por parte dos consumidores.
2 Material e métodos
Seis amostras de 200g de creme de leite homogeneizado UHT, embaladas em caixinhas longa vida, foram adquiridas em um supermercado na cidade de Campinas, SP, Brasil. O teor de gordura informado no rótulo das amostras 2, 4, 5 e 6 era 20%, e das amostras 1 e 3 era 17%, sendo que a amostra 1 era declarada como creme de leite leve no rótulo. As amostras 3 e 6 são do mesmo fabricante, sendo a amostra 6 descrita como 0% lactose na embalagem.
2.1 Análise sensorial
As sessões de análise sensorial foram realizadas no Laboratório de Ciência Sensorial e Estudos do Consumidor do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA - UNICAMP), em cabines com temperatura controlada (20 °C a 22 °C) e luz branca. As amostras foram apresentadas aos provadores entre 22 °C e 25 °C em copos descartáveis de 50 mL, de maneira monádica, e foi solicitado a eles que consumissem biscoitos tipo cream-cracker e água morna (a aproximadamente 50 °C) entre cada amostra, para minimizar a influência da anterior sobre a seguinte.
2.2 Determinação do perfil sensorial
O perfil sensorial das amostras de creme de leite foi determinado através da Análise Descritiva Quantitativa (ADQ), realizada segundo metodologia proposta por Stone et al. (2012). Treze alunos do Departamento de Alimentos e Nutrição da UNICAMP, que já tinham participado de outros testes sensoriais antes, foram pré-selecionados de acordo com sua disponibilidade, interesse e ausência de alergia ou intolerância ao leite e seus derivados.
O desenvolvimento da terminologia descritiva foi realizado pelo método de rede de Kelly (Moskowitz, 1983). Os provadores avaliaram as amostras em pares e apontaram suas diferenças e semelhanças de aparência, aroma, sabor e textura. Os termos gerados foram discutidos em reunião, e antônimos, sinônimos, termos redundantes e irrelevantes foram eliminados com o consentimento de todos os provadores. Os 22 termos descritores, para os quais foram determinadas definições e referências de intensidade mínima e máxima, estão listados na ficha da Tabela 1, utilizada como guia para o treinamento, o qual foi realizado em 4 sessões de uma hora.
Tabela 1 Termos descritores, suas definições e referências de intensidade máxima e mínima.
Termo descritor | Definição | Referências |
---|---|---|
Aparência | ||
Cor creme | Cor creme clara característica de creme de leite | Pouco: leite integral (Paulista®) Muito: 100 mL de leite desnatado (Paulista®) com 0,1 g de café solúvel original (Nescafé®) |
Viscosidade aparente | Facilidade da amostra em escorrer pelo recipiente | Pouco: iogurte batido sabor baunilha (Danone®) Muito: iogurte grego (Vigor®) |
Consistência | Escoamento do creme ao ser suspenso com colher e devolvido ao copo | Pouco: iogurte batido sabor baunilha (Danone®) Muito: iogurte grego (Vigor®)com 2 mL de leite desnatado (Paulista®) |
Homogeneidade | Capacidade do creme de leite manter sua aparência e estrutura em toda sua extensão, sem grumos e/ou grânulos | Pouco: 10 g de ricota (Queijos da Fazenda JB®) com 30 g de creme de leite (Nestlé®) Muito: 100 g de requeijão (Vigor®) |
Aeração | Presença de bolha de ar no creme de leite | Nenhum: leite desnatado (Paulista®) Forte: álcool em gel (Zupp®) |
Brilho | Habilidade do creme de leite em refletir a luz | Pouco: sobremesa láctea sabor chocolate branco (Danette, Danone®) Muito: leite integral (Paulista®) |
Aroma | ||
Leite | Aroma característico de leite | Pouco: leite desnatado (Paulista®) Muito: leite integral (Leitíssimo®) |
Creme de leite | Aroma característico de creme de leite fresco | Pouco: 50 mL de creme de leite diluído (Nestlé®) em 100 mL de leite integral (Paulista®) Muito: creme de leite fresco (Tirolez®) |
Manteiga | Aroma característico de manteiga | Nenhum: leite desnatado (Paulista®) Forte: manteiga com sal (Aviação®) |
Requeijão | Aroma característico de requeijão | Nenhum: leite desnatado (Paulista®) Forte: requeijão (Vigor®) |
Leite em pó | Aroma característico de leite em pó | Nenhum: leite desnatado Forte: 2 g de leite em pó diluído (Ninho, Nestlé®) em 50 mL de leite integral (Paulista®) |
Doce | Aroma doce relacionado à presença de açúcares | Pouco: 50 mL de leite integral (Paulista®) com 15 g de creme de leite fresco (Tirolez®) batido e 5 g de açúcar refinado (União®) Muito: 50 mL de creme de leite fresco (Tirolez®) com 5 g de açúcar refinado (União®) e 10 g de iogurte grego sabor baunilha (Vigor®) |
Sabor | ||
Leite | Sabor característico de leite integral | Pouco: leite desnatado (Paulista®) Muito: leite integral (Paulista®) |
Manteiga | Sabor característico de manteiga | Nenhum: 50 mL leite desnatado (Paulista®) com 50 mL de água Forte: manteiga sem sal (Aviação®) |
Doce | Gosto doce relacionado à presença de açúcares | Nenhum: iogurte natural desnatado (Nestlé®) Forte: 50 mL de iogurte batido (Danone®) com 20 mL de creme de leite (Nestlé®) |
Leite em pó | Sabor característico de leite em pó | Nenhum: leite desnatado (Paulista®) Forte: 50 mL de leite integral (Paulista®) com 2 g de leite em pó (Ninho, Nestlé®) |
Requeijão | Sabor característico de requeijão | Nenhum: leite desnatado (Paulista®) Forte: requeijão (Vigor®) |
Nata | Sabor característico de nata | Pouco: leite integral (Paulista®) Muito: 10 mL de creme de leite fresco (Tirolez®) com 50 g de nata (Queijos da Fazenda JB®) |
Textura | ||
Corpo | Sensação de preenchimento na boca | Pouco: iogurte batido (Danone®) Muito: iogurte grego (Vigor®) |
Textura gordurosa | Sensação gordurosa durante a ingestão | Pouco: leite integral (Paulista®) Muito: manteiga com sal (Aviação®) |
Residual gorduroso | Sensação gordurosa que permanece até 15 segundos após a ingestão | Pouco: leite integral (Paulista®) Muito: nata (Queijos da Fazenda JB®) |
Fluidez | A facilidade do creme de leite de ser engolido | Pouco: iogurte grego (Vigor®) Muito: iogurte batido (Danone®) |
A seleção dos provadores foi feita segundo sua capacidade discriminativa entre amostras, reprodutibilidade e concordância com o restante da equipe. Eles avaliaram a intensidade dos termos descritores de cada amostra em três repetições, utilizando uma ficha com escalas não estruturadas de 9 cm, cujas extremidades esquerda e direita representavam, respectivamente, intensidades mínima e máxima. Os resultados foram submetidos à Análise de Variância (ANOVA) e foram selecionados os provadores que apresentaram probabilidade de F de amostra menor ou igual a 0,50 e probabilidade de F da repetição maior ou igual a 0,05 (Damasio & Costell, 1991). Verificou-se o consenso das respostas de cada provador com o restante da equipe através da comparação das médias obtidas. Onze provadores treinados foram selecionados para determinação do perfil sensorial.
Os assessores avaliaram as amostras de acordo com as referências previamente determinadas para todos os termos descritores utilizando a ficha com as escalas. As amostras foram apresentadas sequencialmente de forma monádica em três repetições, em delineamento de blocos completos balanceados (MacFie et al., 1989). Os resultados foram tratados estatisticamente no software SAS 9.1.2 (SAS Institute, 2008), submetidos à ANOVA, provador e amostra como variáveis, e ao Teste de Médias de Tukey, com 5% de significância.
2.3 Testes com consumidores
O teste de aceitabilidade foi realizado com 119 consumidores de produtos lácteos que não rejeitassem creme de leite, recrutados através de cartazes distribuídos na UNICAMP e redes sociais. Foi solicitado que provassem as amostras e indicassem o quanto gostaram da aparência, aroma, sabor, textura e aceitação global delass, utilizando uma escala hedônica linear não estruturada de 9 cm com âncoras de “desgostei extremamente”, no extremo esquerdo da escala, e “gostei extremamente”, no extremo direito da escala (Stone et al., 2012). Todas as amostras foram apresentadas de forma monádica, utilizando delineamento de blocos completos balanceados (Wakeling & MacFie, 1995). Os consumidores também responderam a um questionário a respeito da sua intenção de compra em relação às amostras (Meilgaard et al., 1999). Utilizou-se uma escala de 5 pontos, em que 1 – certamente não compraria e 5 – certamente compraria.
Os resultados obtidos foram tratados estatisticamente por meio de ANOVA de dois fatores e Teste de Médias de Tukey, e foram correlacionados com os dados obtidos da ADQ através do método de Regressão Parcial dos Quadrados Mínimos. A impressão global do teste de aceitabilidade foi a variável dependente (matriz Y), enquanto os termos descritivos da ADQ foram as variáveis independentes (matriz X) (Cadena et al., 2013). Este tratamento foi realizado no software XLSTAT ao nível de significância de 5%.
2.4 Análises instrumentais
As amostras foram submetidas às análises de cor e de viscosidade aparente para complementar as informações obtidas nas análises sensoriais. A determinação da cor foi realizada em um espectrofotômetro Colorquest II (Hunter-Lab®), sistema de cor CIELAB, em que L* representa luminosidade, a* é o eixo vermelho-verde e b* o eixo amarelo-azul (Dufossé & Galaup, 2009; Sousa et al., 2006). As amostras foram mantidas a temperatura ambiente até o momento da leitura, que foi realizada em 3 repetições por amostra.
Para determinação da viscosidade aparente, utilizou-se um reômetro programável digital BROOKFIELD RVDVIII+, com spindle S15 e relação de raios entre cilindros interno e externo de 0,75. A temperatura foi mantida em 20,0 ± 0,5 °C por meio de banho termostatizado BROOKFIELD TC500 durante as leituras. O modelo utilizado para cálculo da viscosidade aparente em função da rotação do spindle foi adaptado de Moura et al. (2001).
3 Resultados e discussão
3.1 Análise descritiva quantitativa
A Tabela 2 apresenta as médias obtidas no Teste de Médias de Tukey para os resultados da ADQ.
Tabela 2 Resultados do Teste de Médias de Tukey da ADQ das amostras de creme de leite.
Cor creme | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | MDS2 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
2,89cd1 | 7,55a | 1,71e | 3,86c | 4,93b | 2,30de | 1,01 | |
Viscosidade aparente | 2,56d | 3,79cd | 5,32ab | 4,22bc | 6,08a | 4,35bc | 1,37 |
Consistência | 2,02d | 4,30bc | 5,58b | 4,15c | 7,11a | 4,80bc | 1,36 |
Homogeneidade | 7,65a | 7,58a | 5,69b | 4,27c | 7,45a | 5,53b | 1,09 |
Aeração | 1,54a | 0,80ab | 0,50b | 0,87ab | 0,47b | 0,65b | 0,78 |
Brilho | 6,32a | 6,45a | 6,28ª | 5,73a | 5,91a | 6,05a | 0,75 |
Aroma de leite | 4,01d | 4,36cd | 6,47ª | 5,28bc | 5,06bcd | 5,70ab | 1,18 |
Aroma creme de leite | 3,62b | 4,58ab | 5,13ª | 5,23a | 5,23a | 4,33ab | 1,26 |
Aroma de manteiga | 1,17ab | 2,17ab | 1,12b | 2,18a | 1,50ab | 1,14a | 1,05 |
Aroma de requeijão | 1,16a | 1,76a | 1,37ª | 2,15a | 1,21a | 1,58a | 1,01 |
Aroma leite em pó | 1,90c | 2,34b | 3,31ª | 2,69ab | 2,90ab | 3,35a | 0,93 |
Aroma doce | 2,51a | 2,82a | 2,65ª | 2,70a | 2,48a | 2,75a | 0,86 |
Sabor de leite | 5,37a | 3,62c | 5,27ab | 4,26bc | 4,36abc | 5,34ab | 1,11 |
Sabor de manteiga | 0,95d | 2,69a | 1,76bcd | 2,36ab | 1,95abc | 1,30cd | 0,85 |
Gosto doce | 3,19b | 2,01c | 2,92bc | 2,51bc | 2,18bc | 5,39a | 1,03 |
Sabor de leite em pó | 2,43ab | 1,75b | 2,74ab | 2,09ab | 2,24ab | 2,96a | 1,05 |
Sabor de requeijão | 0,90b | 1,96a | 1,70ab | 1,82ab | 2,02a | 1,55ab | 0,96 |
Sabor de nata | 2,01c | 3,54a | 2,55bc | 3,35ab | 2,68abc | 2,55bc | 0,89 |
Corpo | 2,32d | 3,98c | 5,68ab | 3,82c | 6,72a | 4,75bc | 1,03 |
Textura gordurosa | 3,19c | 5,17a | 4,39ab | 4,39ab | 4,79a | 3,74bc | 1,04 |
Residual gorduroso | 2,92c | 5,21a | 3,71bc | 4,15ab | 4,91a | 3,68bc | 1,06 |
Fluidez | 6,37a | 4,91b | 3,37c | 5,04ab | 1,86d | 4,37bc | 1,39 |
1Na mesma linha, médias com letras em comum não diferem entre si ao nível de significância de 5%. 2MDS: mínima diferença significativa, obtida no Teste de Médias de Tukey (p ≤ 0,05).
De maneira geral, as amostras variaram na maioria dos termos descritores, exceto brilho, aroma de requeijão e aroma doce, nos quais não houve discriminação entre as amostras ao nível de significância de 5%. Em relação à cor creme, houve variação entre as amostras, sendo que a amostra 2 apresentou cor creme mais intensa que as demais, seguida das amostras 5 e 4. A formação de compostos de coloração escura em produtos lácteos, como leite e creme de leite, pode estar relacionada com as altas temperaturas atingidas durante o tratamento térmico UHT. No entanto, variações nas médias de cor creme das amostras podem estar relacionadas à geração de produtos de coloração escura através da reação de Maillard durante o armazenamento, caso os produtos sejam expostos a ciclos de temperatura na vida de prateleira, conforme observado por Sunds et al. (2018).
Os provadores consideraram a amostra 6, zero lactose, como a mais doce. Este resultado era esperado pelos pesquisadores, pois a hidrólise da lactose gera glicose e galactose, compostos com dulçor relativo superior ao dissacarídeo original, contribuindo para maior percepção de dulçor nesta amostra (Adhikari et al., 2010; Monti et al., 2017; Moskowitz, 1970).
As amostras também foram discriminadas em relação aos termos descritores que caracterizam os aspectos reológicos do creme de leite, que são viscosidade aparente, consistência, fluidez e corpo. A amostra 5 foi caracterizada como a mais consistente, com maior viscosidade aparente, mais corpo e menos fluida (p> 0,05), seguida pelas amostras 3 e 6. A amostra 1 foi considerada a menos consistente, com menor viscosidade aparente, menos corpo e mais fluida.
3.2 Teste de aceitabilidade
A Tabela 3 traz as médias da análise de aceitabilidade. As maiores diferenças entre as amostras foram percebidas em relação à aparência e textura. A amostra 5 teve as maiores médias de aparência e de textura, e não apresentou diferença significativa da amostra 6 para textura. A amostra 1 teve a menor média para textura, e a amostra 4 apresentou a menor média de aparência. Quanto ao aroma, sabor e impressão global, chama atenção o fato de que as amostras foram segmentadas em dois grupos pelos consumidores, sendo que as amostras 3, 5 e 6 não apresentaram diferença significativa entre si e receberam as maiores médias, e as amostras 1, 2 e 4 também não diferiram significativamente entre si e tiveram as menores médias.
Tabela 3 Resultados do Teste de Médias de Tukey do teste de aceitação de creme de leite.
Parâmetros de aceitabilidade | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | MDS2 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Aparência | 5,06c1 | 4,60c | 6,07b | 3,87d | 7,17a | 6,21b | 0,72 |
Aroma | 4,96b | 5,22b | 6,26a | 4,95b | 6,02a | 6,31a | 0,62 |
Sabor | 4,68b | 4,64b | 6,22a | 4,75b | 5,93a | 6,48a | 0,76 |
Textura | 3,71d | 4,92c | 6,07b | 4,14d | 6,97a | 6,25ab | 0,76 |
Impressão global | 4,50b | 4,91b | 6,26a | 4,47b | 6,50a | 6,49a | 0,67 |
1Na mesma linha, médias com letras em comum não diferem entre si ao nível de significância de 5%. 2MDS: mínima diferença significativa, obtida no Teste de Médias de Tukey (p ≤ 0,05).
A Figura 1 apresenta os dados da análise de intenção de compra. Pode-se observar que a tendência de os consumidores apresentarem maior intenção de compra para as amostras 3, 5 e 6 e menor intenção de compra para as amostra 1, 2 e 4 está de acordo com as médias da análise de aceitabilidade.
3.3 Análises instrumentais
A Figura 2 mostra os valores dois eixos L* (luminosidade), a* (verde–vermelho) e b* (azul–amarelo) para as amostras de creme de leite. É possível observar que a amostra 2, à qual foi atribuída a maior média de cor creme pela equipe treinada, apresentou o componentes L* mais baixo, sendo a mais escura, e o componente a* mais elevado, ou seja, a mais avermelhada. Os valores de b* não variaram entre as amostras.
As amostras apresentaram comportamento reológico tixotrópico (Figura 3), já que os valores de viscosidade aparente diminuíram com o aumento da taxa de cisalhamento (Conti-Silva et al., 2018). Além disso, nota-se que a amostra 5 destaca-se em relação às outras amostras pelos seus valores de viscosidade aparente, que são muito superiores às demais. As amostras 1 e 2 apresentaram as menores viscosidades aparentes nas três rotações estudadas.
3.4 Regressão por quadrados mínimos parciais
A análise de regressão por quadrados mínimos parciais correlaciona as médias obtidas na ADQ com as médias de impressão global do teste de aceitabilidade, a fim de identificar quais termos descritores aumentam (colunas azuis) ou diminuem (colunas vermelhas) a aceitabilidade das amostras pelos consumidores (Gomes et al., 2014).
Os resultados deste tratamento estatístico estão na Figura 4 e indicam que viscosidade aparente, consistência, aroma de leite em pó e corpo influenciaram de forma positiva a aceitabilidade das amostras, ao passo que fluidez, aroma de manteiga e aeração apresentaram efeito contrário. Além disso, foi observado que residual gorduroso e textura gordurosa não tiveram influência negativa sobre a aceitabilidade das amostras.

Figura 4 Análise de Regressão de Quadrados Mínimos Parciais. Colunas azuis = contribuição positiva para aceitabilidade; colunas vermelhas = contribuição negativa para aceitabilidade; colunas pretas = nenhuma contribuição para aceitabilidade; tamanho das colunas = intensidade do impacto sobre aceitabilidade (quando a linha vertical atravessa o eixo X, o termo correspondente não tem influência sobre aceitabilidade).
Os resultados sugerem que as propriedades reológicas dos cremes de leite homogeneizados UHT embalados em caixinha longa vida e comercializados no mercado brasileiro são determinantes para a aceitabilidade pelos consumidores e influenciam sua decisão de compra. Ainda que o termo cremosidade não tenha surgido durante a determinação do painel treinado, a preferência por cremes de leite mais viscosos, firmes e encorpados pelos consumidores pode estar associada com maior intensidade deste atributo sensorial.
Evidências sugerem que a viscosidade aparente é a propriedades física mais correlacionada com a percepção de cremosidade em emulsões lácteas semissólidas (Dickinson, 2018). No entanto, um estudo demonstra que, em produtos lácteos semissólidos, a alta viscosidade favorece a percepção de cremosidade enquanto o alimento se encontra na parte frontal da cavidade oral, e que, conforme o consumo progride, outras propriedades físicas do alimento determinam a percepção de cremosidade, como tamanho das partículas emulsionadas e fricção destas com a mucosa (Sonne et al., 2014). Além de possivelmente indicar maior cremosidade, a alta viscosidade de emulsões lácteas semissólidas também parece favorecer a expectativa de saciedade de consumidores, de maneira significativamente superior que o sabor (Hogenkamp et al., 2011).
A amostra 1, qualificada como a menos viscosa e mais fluida no painel sensorial e na análise instrumental, contém 17% de gordura, assim como a amostra 3. No entanto, esta última não foi discriminada pelo painel treinado em relação ao corpo e à viscosidade aparente da amostra 5, a mais viscosa de todas, inclusive no teste instrumental. Portanto, não foi possível estabelecer uma relação direta da quantidade de gordura na amostra e sua viscosidade aparente, firmeza, corpo ou fluidez, reforçando a falta de correlação entre teor de gordura e parâmetros reológicos em produtos lácteos (Nguyen et al., 2016).
4 Conclusão
Ainda que o creme de leite homogeneizado UHT em caixinha longa vida seja um produto amplamente consumido no Brasil, não havia estudos que abordassem seus aspectos sensoriais até hoje. Este estudo é inovador, pois estabelece o perfil sensorial de variadas marcas e tipos deste produto, além de apontar quais são seus direcionadores de preferência. As informações obtidas serão úteis para profissionais de pesquisa e desenvolvimento na indústria de lácteos, no sentido de orientar a obtenção de produtos com maior aceitabilidade pelos consumidores.