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O caráter polissêmico e multifacetado do mundo do trabalho

The polysemic and multifaceted nature of the world of labour

Resumos

Apresentam-se, aqui, indicações empíricas e analíticas acerca das configurações atuais da classe trabalhadora. Contrariamente às teses que defendem o fim ou o desaparecimento do trabalho, busca-se oferecer uma noção ampliada de trabalho, bem como um esboço analítico da forma de ser da classe trabalhadora em nossos dias e sua nova morfologia. Desse modo, o artigo pretende se contrapor às teses que defendem o desaparecimento ou a desconstrução do trabalho.

mutações do trabalho; sociedade do trabalho; trabalho e classe trabalhadora atualmente


This article presents empirical and analytical considerations about the present configuration of the working classes. In opposition to the theses that propose that work has ended or is disappearing, the text attempts to propose a more comprehensive notion of work, as well as an analytical outline of the working class' way of being today and its new morphology. Thus the article intends to contrapose those theses that maintain that work is disappearing or being deconstructed.

changes in work; the society of work; work and the working classes today


ARTIGO ARTICLE

O caráter polissêmico e multifacetado do mundo do trabalho

The polysemic and multifaceted nature of the world of labour

Ricardo Antunes1 1 Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP) e autor, dentre outros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo, 6 a edição, 2002) e Adeus ao Trabalho? (Cortez/Unicamp, 8 a edição, 2002). É coordenador da Coleção Mundo do Trabalho (Boitempo).

RESUMO

Apresentam-se, aqui, indicações empíricas e analíticas acerca das configurações atuais da classe trabalhadora. Contrariamente às teses que defendem o fim ou o desaparecimento do trabalho, busca-se oferecer uma noção ampliada de trabalho, bem como um esboço analítico da forma de ser da classe trabalhadora em nossos dias e sua nova morfologia. Desse modo, o artigo pretende se contrapor às teses que defendem o desaparecimento ou a desconstrução do trabalho.

Palavras-chave: mutações do trabalho; sociedade do trabalho; trabalho e classe trabalhadora atualmente.

ABSTRACT

This article presents empirical and analytical considerations about the present configuration of the working classes. In opposition to the theses that propose that work has ended or is disappearing, the text attempts to propose a more comprehensive notion of work, as well as an analytical outline of the working class' way of being today and its new morphology. Thus the article intends to contrapose those theses that maintain that work is disappearing or being deconstructed.

Key words: changes in work; the society of work; work and the working classes today.

"(...) são os tempos que mudam,

(...) é o trabalho que deixou de ser o que havia sido."

José Saramago

Introdução

Neste artigo, apresentam-se as principais mutações no mundo do trabalho contemporâneo, em particular no seu universo produtivo. Vamos, para tanto, analisar as principais conseqüências destas mutações no interior da classe trabalhadora, visando a oferecer uma leitura alternativa e diferenciada em relação àquelas que defendem a tese do esgotamento ou mesmo fim do trabalho (e da classe trabalhadora). Pretendemos demonstrar que uma visão ampliada de trabalho torna-se imprescindível para a compreensão da "forma de ser" do trabalho atualmente.

Curiosamente, enquanto se amplia significativamente - em escala mundial - o conjunto dos homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho, inúmeros autores têm dado "adeus ao proletariado" e defendido a idéia do descentramento da categoria trabalho e da perda de relevância do trabalho como elemento estruturante da sociedade (Méda, 1997; Habermas, 1991 e 1992; Rifkin, 1995; Offe, 1989). Seguiremos um caminho alternativo e contrário a estas teses, mostrando como há um processo heterogêneo e complexo quando se analisa a "forma de ser" da classe trabalhadora atualmente.

Comecemos, então, com uma questão central: qual é a conformação atual da classe trabalhadora? Como se constitui a classe trabalhadora no mundo contemporâneo após as diversas mutações que vêm ocorrendo na divisão sócio-técnica do trabalho e na própria divisão internacional do trabalho sob a mundialização do capital (Chesnais, 1996)?

Nossa tese central sustenta que, se a classe trabalhadora não é idêntica àquela existente em meados do século passado, tampouco está em vias de desaparecimento e nem ontologicamente perdeu seu sentido estruturante. Vamos, portanto, procurar compreendê-la em sua conformação atual.

Devemos indicar, desde logo, que a classe trabalhadora hoje compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho - a "classe-que-vive-do-trabalho", conforme denominação que introduzimos nos livros Adeus ao Trabalho? e Os Sentidos do Trabalho (Antunes, 2002a e 2002b) - e que são despossuídos dos meios de produção. Mas esta classe vem presenciando um processo multiforme, cujas principais tendências indicaremos a seguir.

Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável e especializado, herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista. Este proletariado vem diminuindo com a reestruturação produtiva do capital, dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o conjunto de trabalhadores estáveis que se estruturavam através de empregos formais (Bihr, 1998; Beynon, 1998).

Com o desenvolvimento da lean production, das formas de horizontalização do capital produtivo, das modalidades de flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo, bem como com a introdução da máquina informatizada, como a "telemática" (que permite relações diretas entre empresas muito distantes), tem sido possível constatar uma redução do proletariado estável, herdeiro da fase taylorista/fordista (Chesnais, 1996).

Há, entretanto, contrariamente à tendência apontada, outra muito significativa, que se caracteriza pelo aumento do novo proletariado fabril e de serviços, em escala mundial, presente nas diversas modalidades de trabalho precarizado. São os terceirizados, subcontratados, part-time, entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem em escala global.

Anteriormente, ainda sob a vigência do Welfare State, estes postos de trabalho eram prioritariamente preenchidos pelos imigrantes, como os gastarbeiters na Alemanha, o lavoro nero na Itália, os chicanos nos Estados Unidos, os dekasseguis no Japão. Mas, atualmente, a expansão do trabalho precarizado atinge também os trabalhadores remanescentes da era da especialização taylorista-fordista, cujas atividades vêm desaparecendo. Com a desestruturação crescente do Welfare State nos países do Norte e com a ampliação do desemprego estrutural, os capitais transnacionais implementam alternativas de trabalho crescentemente desregulamentadas e "informais", das quais são exemplos as distintas formas de terceirização.

Esta processualidade atinge, também, ainda que de modo diferenciado, os países subordinados de industrialização intermediária, como Brasil, México, Argentina, entre tantos outros da América Latina. Depois de uma enorme expansão de seu proletariado industrial nas décadas passadas, estes países passaram a presenciar significativos processos de desindustrialização, tendo como resultado a expansão do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado, informal etc., além de enormes níveis de desemprego, de trabalhadores/as desempregados/as (Sotelo, 2003).

Há outra tendência de enorme significado no mundo do trabalho contemporâneo: trata-se do aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho em diversos países avançados e que tem sido absorvido pelo capital, preferencialmente no universo do trabalho part-time, precarizado e desregulamentado. No Reino Unido, por exemplo, desde 1998 o contingente feminino tornou-se superior ao masculino na composição da força de trabalho (Pollert, 1996).

Esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, um movimento inverso quando se trata da temática salarial. Os níveis de remuneração das mulheres são, em média, inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo em relação aos direitos sociais e do trabalho, que também são desiguais.

Muitos pesquisadores afirmam que, na nova divisão sexual do trabalho, as atividades de concepção, que demandam maior domínio técnico, ou ainda aquelas de capital intensivo são realizadas predominantemente pelos homens, enquanto as atividades de maior trabalho intensivo, freqüentemente com menores níveis de qualificação, são preferencialmente destinadas às mulheres trabalhadoras - e também aos (às) trabalhadores/as imigrantes, negros/as, entre outros (Hirata, 2002).

É perceptível também, sobretudo nas últimas décadas do século XX, uma significativa expansão dos assalariados médios no "setor de serviços", que inicialmente incorporou parcelas significativas de trabalhadores expulsos do mundo produtivo industrial, como resultado do amplo processo de reestruturação produtiva, das políticas neoliberais e do cenário de desindustrialização e privatização. Nos Estados Unidos, esse contingente ultrapassa a casa dos 70%, tendência verificada no Reino Unido, na França, na Alemanha, bem como nas principais economias capitalistas (Wood, 1997).

Se, entretanto, inicialmente deu-se uma forte absorção pelo setor de serviços daqueles/as que se desempregavam do mundo industrial, é necessário acrescentar que as mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão também afetaram o mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submete à racionalidade do capital e à lógica dos mercados. Como exemplo, podemos lembrar a enorme redução, nos anos 90, do contingente de trabalhadores bancários no Brasil em função da reestruturação do setor, ou ainda, a redução daqueles serviços públicos que foram privatizados, gerando enorme desemprego.

Com a inter-relação crescente entre mundo produtivo e setor de serviços, vale enfatizar que, em conseqüência dessas mutações, várias atividades no setor de serviços anteriormente consideradas improdutivas tornaram-se diretamente produtivas, subordinadas à lógica exclusiva da racionalidade econômica e da valorização do capital (Lojkine, 1995). Uma conseqüência positiva dessa tendência foi o significativo aumento dos níveis de sindicalização dos assalariados médios, ampliando o universo dos trabalhadores/as assalariados/as na nova - e ampliada - configuração da classe trabalhadora (Bernardo, 2000).

Outra tendência presente no mundo do trabalho é a crescente exclusão dos jovens, que atingiram a idade de ingresso no mercado de trabalho e que, sem perspectiva de emprego, acabam muitas vezes engrossando as fileiras dos trabalhos precários e dos desempregados, dada a vigência da sociedade do desemprego estrutural.

Paralelamente à exclusão dos jovens, vem ocorrendo a exclusão dos trabalhadores considerados "idosos" pelo capital, com idade próxima de 40 anos e que, uma vez excluídos do trabalho, dificilmente conseguem reingressar no mercado de trabalho. Somam-se, desse modo, aos contingentes do chamado trabalho informal, aos desempregados, aos "trabalhos voluntários" etc. O mundo do trabalho atual tem recusado o trabalhador herdeiro da "cultura fordista", fortemente especializado, que é substituído pelo trabalhador "polivalente e multifuncional" da era toyotista.

E, paralelamente a esta exclusão dos "idosos" e jovens em idade pós-escolar, o mundo do trabalho, nas mais diversas partes do mundo, no Norte e no Sul, tem se utilizado da inclusão precoce - e criminosa - de crianças no mercado de trabalho, nas mais diversas atividades produtivas.

Como desdobramento das tendências acima apontadas, vem se desenvolvendo no mundo do trabalho uma crescente expansão do trabalho no chamado "terceiro setor", assumindo uma forma alternativa de ocupação, através de empresas de perfil mais comunitário, motivadas predominantemente por formas de trabalho voluntário, abarcando um amplo leque de atividades. No "terceiro setor", predominam as empresas de caráter assistencial, sem fins diretamente mercantis ou lucrativos, que se desenvolvem relativamente à margem do mercado.

A expansão desse segmento é um desdobramento direto da retração do mercado de trabalho industrial e de serviços em um quadro de desemprego estrutural. Esta forma de atividade social, movida sobretudo por valores não-mercantis, tem tido certa expansão através de trabalhos realizados no interior das ONGs e de outros organismos ou associações similares. Trata-se, entretanto, de uma alternativa extremamente limitada para compensar o desemprego estrutural, não se constituindo, em nosso entendimento, numa alternativa efetiva e duradoura ao mercado de trabalho capitalista (Montaño, 2002).

O "terceiro setor" acaba, em decorrência de sua gênese e configuração, exercendo um papel funcional ao mercado, uma vez que incorpora parcelas de trabalhadores desempregados pelo capital e abandonados pela desmontagem do Welfare State. Se este segmento tem a positividade de freqüentemente atuar à margem da lógica mercantil, parece-nos, entretanto, um equívoco entendê-lo como uma alternativa - real e duradoura - capaz de substituir a sociedade capitalista e de mercado. Ele tem o papel, em última instância, de funcionalidade ao sistema.

Em suma: se o "terceiro setor" vem incorporando trabalhadores que foram expulsos do mercado de trabalho formal e passam a desenvolver atividades não-lucrativas, não-mercantis, reintegrando-os; este pode ser considerado seu traço positivo. Ao incorporar - ainda que de modo também precário - aqueles que foram expulsos do mercado formal de trabalho, estes seres sociais vêem-se não mais como desempregados, plenamente "excluídos", mas como pessoas capazes de realizar atividades efetivas, dotadas de algum sentido social e utilidade. Contudo, devemos reiterar que estas atividades são funcionais ao sistema, que atualmente se mostra incapaz de absorver os desempregados e precarizados.

Com o desmonte do Welfare State e dos direitos sociais adquiridos ao longo da vigência da sociedade capitalista, estas atividades acabam suprindo, em alguma medida, as lacunas sociais que foram se abrindo. Como mecanismo minimizador do desemprego estrutural, cumprem uma função, ainda que limitadíssima. Porém, quando são concebidas como um momento efetivo de transformação social, convertem-se, em nosso entendimento, em uma nova forma de mistificação, que imagina ser capaz de alterar o sistema de capital em sua lógica, processo este muito mais complexo.

Outra tendência que gostaríamos de apontar é a da expansão do trabalho em domicílio, permitida pela desconcentração do processo produtivo e pela expansão de pequenas e médias unidades produtivas. Através da telemática, com a expansão das formas de flexibilização e precarização do trabalho e, ainda, com o avanço da horizontalização do capital produtivo, o trabalho produtivo doméstico vem presenciando formas de expansão em várias partes do mundo.

Sabemos que a telemática (ou teleinformática) nasceu da convergência entre os sistemas de telecomunicações por satélite e a cabo, juntamente com as novas tecnologias de informação e a microeletrônica, possibilitando enorme expansão e agilização das atividades das transnacionais. Essa modalidade de trabalho tem se ampliado em grande escala, de que são exemplos a Benetton e a Nike entre as inúmeras empresas que vêm aumentando as atividades de trabalho produtivo realizado no espaço domiciliar ou em pequenas unidades produtivas, conectadas ou integradas às empresas. Assim, o trabalho produtivo em domicílio mescla-se com o trabalho reprodutivo doméstico, aumentando as formas de exploração do contingente feminino (Antunes, 2002).

Há, ainda, uma última tendência que vamos indicar: no contexto do capitalismo mundializado, dado pela transnacionalização do capital e de seu sistema produtivo, a configuração do mundo do trabalho é cada vez mais transnacional. Com a reconfiguração, tanto do espaço quanto do tempo de produção, novas regiões industriais emergem e muitas desaparecem, além de inúmeras regiões inserirem-se, com maior freqüência, no mercado mundial, como a indústria automotiva, em que os carros mundiais praticamente substituem o carro nacional.

Esse processo de mundialização produtiva desenvolve uma classe trabalhadora que mescla sua dimensão local, regional, nacional com a esfera internacional. Assim como o capital se transnacionalizou, há um complexo processo de ampliação das fronteiras no interior do mundo do trabalho. Da mesma forma que o capital dispõe de seus organismos internacionais, a ação dos trabalhadores deve ser cada vez mais internacionalizada (Bernardo, 2000).

Podemos exemplificar com a greve dos trabalhadores metalúrgicos da General Motors (GM), nos Estados Unidos, de junho de 1998, iniciada em Michigan, em uma pequena unidade estratégica da empresa e que teve repercussões profundas em vários países. A ampliação do movimento foi crescente à medida que, freqüentemente, faltavam equipamentos e peças em diversas unidades da empresa. A unidade produtiva em Flint, que desencadeou a greve e fornecia acessórios para os automóveis, ao paralisar suas atividades afetou as demais unidades, paralisando praticamente todo o processo produtivo da GM por falta de equipamentos e peças. Além das transformações indicadas anteriormente, a classe trabalhadora também se reconfigura mundialmente.

Portanto, este é o desenho compósito, diverso, heterogêneo, polissêmico e multifacetado que caracteriza a nova conformação da classe trabalhadora, a "classe-que-vive-do-trabalho": além das clivagens entre trabalhadores estáveis e precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e negros, qualificados e desqualificados, 'incluídos' e 'excluídos', entre outros, temos as estratificações e fragmentações que se acentuam em função do processo crescente de internacionalização do capital.

A nova forma de ser do trabalho

Desse modo, para se compreender a nova forma de ser do trabalho, a classe trabalhadora em nossos dias, é preciso partir de uma concepção ampliada de trabalho. Ela compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho, não se restringindo aos trabalhadores manuais diretos. Incorpora também a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário.

Esta nova forma engloba tanto os "trabalhadores produtivos", que integram o núcleo central do proletariado industrial e participam diretamente do processo de criação de mais-valia e da valorização do capital (que atualmente, como vimos, transcende em muito as atividades industriais, dada a ampliação dos setores produtivos nos serviços), quanto os "trabalhadores improdutivos", cujo trabalho não cria diretamente mais-valia, uma vez que é utilizado como serviço, seja para uso público, como os serviços públicos, seja para uso capitalista.

Podemos também acrescentar que os trabalhadores improdutivos, criadores de anti-valor no processo de trabalho, vivenciam situações muito semelhantes àquelas experimentadas pelo conjunto dos trabalhadores produtivos. Incorporam tanto os trabalhadores "materiais", como aqueles que exercem trabalho "imaterial", predominantemente intelectual (Marx, 1978; Antunes, 2002; Vincent, 1995; Tosel, 1995).

A classe trabalhadora atual também engloba o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital, de que são exemplos os assalariados das regiões agro-industriais. Incorpora também o proletariado precarizado, o proletariado moderno, part-time, fabril e de serviços, que se caracteriza pelo vínculo de trabalho temporário e pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo. Inclui, ainda, em nosso entendimento, a totalidade dos trabalhadores desempregados.

Naturalmente, em nosso desenho analítico não fazem parte da classe trabalhadora moderna os gestores do capital, devido ao papel central que exercem no controle, na gestão e no sistema de mando do capital. Também estão excluídos os pequenos empresários e a pequena burguesia urbana e rural, proprietária e detentora, ainda que em pequena escala, dos meios de sua produção. Por fim, estão excluídos aqueles que vivem de juros e da especulação (Mandel, 1986).

Portanto, compreender de modo ampliado a "classe-que-vive-do-trabalho", a classe trabalhadora atual, implica entender este conjunto de seres sociais que vivem da venda da sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção. Como todo trabalho produtivo é assalariado, mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção contemporânea de classe trabalhadora deve incorporar a totalidade dos/as trabalhadores/as assalariados/as.

A classe trabalhadora, por conseguinte, é mais ampla do que o "proletariado industrial produtivo" do século passado, embora este ainda se constitua em seu núcleo fundamental. Tem, portanto, uma conformação mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada, mais polissêmica e mais multifacetada. Uma conformação que só pode ser apreendida se partirmos de uma noção ampliada de trabalho. E apresentar essa processualidade multiforme, como procuramos fazer aqui, é muito diferente, como vimos, de afirmar o fim do trabalho ou mesmo o fim da classe trabalhadora.

Notas

  • ANTUNES, Ricardo. 2002a. Os Sentidos do Trabalho 6a ed. São Paulo: Boitempo Editorial. (Coleção Mundo do Trabalho)
  • ____ . 2002b. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho 8a ed. São Paulo: Ed. Cortez/Ed. Unicamp.
  • BERNARDO, João. 2000. Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores São Paulo: Boitempo Editorial.
  • BEYNON, Huw. 1998. As práticas do trabalho em mutação. In: Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: reestruturação produtiva no Brasil e na Inglaterra. (Antunes, R., org.), pp. 9-38, 2a ed. São Paulo: Boitempo Editorial.
  • BIHR, Alain. 1998. Da "grande noite" à "alternativa" (o movimento operário europeu em crise) São Paulo: Boitempo Editorial. (Coleção Mundo do Trabalho)
  • CHESNAIS, François. 1996. A mundialização do capital São Paulo: Xamã
  • HABERMAS, Jürgen. 1991. The theory of communicative action (reason and the rationalization of society), Vol. I. Londres: Polity Press.
  • ____ . 1992. The theory of communicative action (reason and the rationalization of society), Vol. II. Londres: Polity Press.
  • HIRATA, Helena. 2002. Nova divisão sexual do trabalho? São Paulo: Boitempo Editorial. (Coleção Mundo do Trabalho)
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  • 1
    Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP) e autor, dentre outros, de
    Os Sentidos do Trabalho (Boitempo, 6
    a edição, 2002) e
    Adeus ao Trabalho? (Cortez/Unicamp, 8
    a edição, 2002). É coordenador da Coleção
    Mundo do Trabalho (Boitempo).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2003
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