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Emir Sader

Emir Sader

Resumos

Graduado em Filosofia e Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo - com a tese "A crise hegemônica e sua ideologia: teorias do Estado brasileiro durante o regime militar" -, o professor Emir Sader lecionou em instituições públicas nacionais e internacionais, mantendo intensa colaboração com países latino-americanos. Desde 2000, é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e coordenando o Laboratório de Políticas Públicas. Coordena também o grupo de pesquisa Conhecimento, Autonomia e Participação, onde desenvolve pesquisas em Políticas Públicas e Educação. Em 2004, foi agraciado com o Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Entre suas obras mais recentes destacam-se Perspectivas (Record, 2005) e Crisis hegemônicas en tiempos imperiales (Centro de Investigación y Desarrollo, Havana, 2004). Temas como o esgotamento teórico do neoliberalismo - e o papel dos movimentos sociais na resistência a este modelo - e o recrudescimento dos fundamentalismos religiosos são abordados nesta entrevista, em sintonia com a produção acadêmica de Sader, que destaca sua arguta visão desses movimentos e do contexto geopolítico do subcontinente latino-americano, resgatando a perspectiva libertadora presente nas diferentes experiências dos países da região.


Emir Sader majored in Philosophy and obtained his doctor's degree in Political Sciences at São Paulo University with a thesis entitled "Hegemony crisis and its ideology: theories of the Brazilian State during the military regime". As a professor, he taught in many national and international institutions and maintained an intense collaboration with Latin American countries. Since 2000, he has been teaching at the State University of Rio de Janeiro in the Graduate Program in Sociology and coordinating the Laboratory of Public Policies of the university. Emir Sader also coordinates the research group Knowledge, Autonomy and Participation, which researches Public Policies and Education. In 2004, he won the Jabuti Award, granted by the Brazilian Book Chamber. Among the author's recent books are Perspectivas [Prospects] (Record, 2005) and Crisis hegemónicas en tiempos imperiales [Hegemonic crises in imperial times] (Center for Investigation and Development, Havana, 2004). In this interview, which reveals the author's keen sense of these movements and of the geopolitical context of Latin America (reclaiming the liberating perspective present in the region's historical background), Emir Sader speaks of the weakening of the theory of neoliberalism, the roles of social movements in resisting to this model, and the aggravation of religious fundamentalism.


ENTREVISTA INTERVIEW

Entrevista: Emir Sader

Interview: Emir Sader

RESUMO

Graduado em Filosofia e Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo - com a tese "A crise hegemônica e sua ideologia: teorias do Estado brasileiro durante o regime militar" -, o professor Emir Sader lecionou em instituições públicas nacionais e internacionais, mantendo intensa colaboração com países latino-americanos. Desde 2000, é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e coordenando o Laboratório de Políticas Públicas. Coordena também o grupo de pesquisa Conhecimento, Autonomia e Participação, onde desenvolve pesquisas em Políticas Públicas e Educação. Em 2004, foi agraciado com o Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Entre suas obras mais recentes destacam-se Perspectivas (Record, 2005) e Crisis hegemônicas en tiempos imperiales (Centro de Investigación y Desarrollo, Havana, 2004). Temas como o esgotamento teórico do neoliberalismo - e o papel dos movimentos sociais na resistência a este modelo - e o recrudescimento dos fundamentalismos religiosos são abordados nesta entrevista, em sintonia com a produção acadêmica de Sader, que destaca sua arguta visão desses movimentos e do contexto geopolítico do subcontinente latino-americano, resgatando a perspectiva libertadora presente nas diferentes experiências dos países da região.

ABSTRACT

Emir Sader majored in Philosophy and obtained his doctor's degree in Political Sciences at São Paulo University with a thesis entitled "Hegemony crisis and its ideology: theories of the Brazilian State during the military regime". As a professor, he taught in many national and international institutions and maintained an intense collaboration with Latin American countries. Since 2000, he has been teaching at the State University of Rio de Janeiro in the Graduate Program in Sociology and coordinating the Laboratory of Public Policies of the university. Emir Sader also coordinates the research group Knowledge, Autonomy and Participation, which researches Public Policies and Education. In 2004, he won the Jabuti Award, granted by the Brazilian Book Chamber. Among the author's recent books are Perspectivas [Prospects] (Record, 2005) and Crisis hegemónicas en tiempos imperiales [Hegemonic crises in imperial times] (Center for Investigation and Development, Havana, 2004). In this interview, which reveals the author's keen sense of these movements and of the geopolitical context of Latin America (reclaiming the liberating perspective present in the region's historical background), Emir Sader speaks of the weakening of the theory of neoliberalism, the roles of social movements in resisting to this model, and the aggravation of religious fundamentalism.

Revista

Como o senhor analisa a capacidade dos movimentos populares contemporâneos para desenvolverem formas amplas de disputa de hegemonia política?

Emir Sader

Os movimentos sociais têm sido os grandes protagonistas da luta de resistência às políticas neoliberais. Em primeiro lugar, porque são as vítimas mais diretas dessas políticas, dado que o neoliberalismo é, em última instância, uma monstruosa máquina de expropriar direitos, especialmente no plano social. Suas vítimas encontram, assim, nos movimentos sociais o espaço privilegiado de luta por seus direitos.

Em segundo lugar, porque, ao se situarem mais diretamente em contato com suas bases, os movimentos sociais expressam de forma mais legítima os interesses dessas bases, frontalmente opostos às políticas econômicas neoliberais - eixo desse modelo. É praticamente impossível um movimento social, seja sindical ou de outro tipo, apoiar essas políticas econômicas - de ajuste fiscal, de prioridade da estabilidade monetária, de obtenção de superávits fiscais permanentes, de congelamento de recursos das áreas sociais etc. - sem perder automaticamente o apoio de suas bases.

Por outro lado, os movimentos sociais, por não se situarem no plano político, de alternativas de governo, não precisam aparecer como alternativas de direção da sociedade. A resistência é de alguma maneira mais fácil do que formular alternativas de governo, a que se lançam os partidos.

Esta é uma vantagem e uma desvantagem dos movimentos sociais. Vantagem porque resistem às conseqüências de uma política, sem ter necessariamente que apontar alternativas de política econômica. Desvantagem, porque dependem de outras forças políticas para poder superar positivamente o neoliberalismo.

Alternativas supõem um modelo hegemônico alternativo, a começar por políticas econômicas também alternativas, a partir das armadilhas montadas pelo neoliberalismo, que gerou economias muito dependentes do capital especulativo e fragilizadas diante dele. Qualquer medida que contrarie os interesses desses capitais provoca sua fuga, crise cambial, desestabilização econômica. Não basta, além disso, uma ou outra medida, como, por exemplo, a regulamentação da circulação de capitais. É necessário um outro modelo, que, sobretudo, promova a prioridade do social, como contraponto radical ao neoliberalismo, o que supõe capacidade de formular políticas, de constituir alianças, de promover idéias alternativas e, principalmente, de disputar no espaço político a hegemonia ao neoliberalismo, característica das forças políticas e não dos movimentos sociais, que requerem força política para triunfar.

Revista

Alguns teóricos, como Frederic Jameson, relacionam o crescimento dos fundamentalismos religiosos, de diferentes matizes, à crise das grandes tradições revolucionárias marxistas. Revolução é um conceito fundamental para essas tradições. Diante da atual ordem social, como operar o conceito de revolução?

Emir Sader

É certo que o refluxo das idéias de revolução e de socialismo acentuou um vazio de identidades. A isso se soma a crise de identidades no mundo do trabalho, na política, na definição de gêneros, de nacionalidades, para nos darmos conta de como os fundamentalismos religiosos vêm preencher um espaço de que as pessoas necessitam. Necessitam de formas de transcendência - histórica ou metafísica -, necessitam de valores com perdurabilidade, necessitam do sentimento de pertencimento, de vínculos afetivos, de identidades coletivas. Se àqueles vazios acrescentamos a retração da socialização pela família, pela escola, pelo trabalho, pelo sindicato, além da retração das políticas públicas, isto é, do Estado, vemos como se desenha uma cartografia de carência, a que as religiões vêm atender.

A atualização da revolução depende do resgate da cultura de socialização, do desenvolvimento do anticapitalismo, do antimercantilismo, do resgate dos valores do trabalho e do mundo do trabalho.

Revolução hoje tem de significar a ruptura com o neoliberalismo e com o capitalismo, com a exploração, com a dominação, com a discriminação e com a alienação.

Revista

Como o senhor caracteriza o esgotamento teórico do neoliberalismo?

Emir Sader

O neoliberalismo prometia que, com as medidas de desregulação que o caracterizam, se liberariam as travas para que o capital voltasse a promover o desenvolvimento. Tudo o que se opunha a isso, tudo o que aparecesse como contrário a essa concepção, era caracterizado como 'atrasado', 'conservador', 'populista'. Mas o balanço dessas promessas é negativo. As economias não voltaram a crescer, a desigualdade social aumentou, assim como a miséria e o abandono. O próprio Banco Mundial passou a propor políticas que tentassem diminuir os efeitos negativos das suas políticas econômicas, numa confissão de que o 'mercado' não daria conta dos problemas sociais. Ao mesmo tempo, candidatos que mais personificaram essas políticas, aqui na América Latina, onde o neoliberalismo foi aplicado antes e onde mais se generalizou, foram derrotados - como Carlos Menem, Alberto Fujimori, Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo, Sanchez de Losada. Ao passo que candidatos que se propunham a superar o modelo neoliberal, promovendo a prioridade do social - como Lula, Nestor Kirchner, Tabaré Vazquez - foram eleitos, mesmo que posteriormente não tenham cumprido suas promessas.

São indícios desse esgotamento. Aqui no Brasil, a grave crise de 1999 já revelava isso. A partir dali a economia não voltou a crescer, oscilando para cima ou para baixo, sem crescer mais. A continuidade dessas políticas com Lula levou ao aprofundamento da recessão no primeiro ano do governo, retomou o crescimento apenas utilizando a capacidade ociosa existente, mas voltou a ritmos mais baixos este ano, com perspectivas de nova estagnação em 2006, desmentindo as previsões da equipe econômica de que se teria entrado em um desenvolvimento sustentado.

Revista

Nas últimas décadas, no esteio das políticas compensatórias e no crescimento da ação das ONGs, a solidariedade parece ter sido destituída de seu sentido emancipatório, de síntese de uma postura contrária ao consumismo e, sobretudo, à mercantilização. A solidariedade pode ser 'repolitizada'? Ela ainda pode ser operada como um valor na luta antiliberal?

Emir Sader

A luta maior do nosso tempo é pela emancipação da humanidade. Luta contra a exploração, contra a opressão, contra a discriminação e contra a alienação.

Lutar contra a mercantilização é lutar pela universalização dos direitos. O que significa universalizar a solidariedade, dar-lhe um caráter anticapitalista. Acho que nessa direção ela [a solidariedade] pode ter um potencial humanista forte.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2012
  • Data do Fascículo
    Set 2005
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