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Trabalho, educação e luta de classes: a pesquisa em defesa da história

RESENHAS REVIEWS

José Airton Monteiro1 1 Mestrando em Ensino de Biociências e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz < airton@cefeteq.br> ; Solange Castellano Fernandes Monteiro2 2 Doutoranda em Ensino de Biociências e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz < castellanosol@superig.com.br>

Trabalho, educação e luta de classes: a pesquisa em defesa da história. Susana Vasconcelos Jimenez e Jackline Rabelo (orgs.). Fortaleza: Brasil Tropical, 2004, 288 pp.

Inúmeros trabalhos de pós-graduação inspiram-se nas idéias da emancipação humana. Mas este livro não é apenas mais um entre tantos que assumem o interesse pela possibilidade de se tecer a tão sonhada democracia e cidadania para todas as pessoas. Os artigos não tratam apenas do enfrentamento dos problemas metodológicos sobre os quais estamos, ainda hoje, travando 'guerras' epistemológicas. A grande proposta nos trabalhos dos autores parece ser apresentar um esforço de aprendermos juntos que a educação se apresenta como realidade concreta, complexa e radicalmente diferente nos dias de hoje. O leitor encontrará artigos fartos de material reflexivo que assume a experiência do grupo de pesquisas "Trabalho, educação e luta de classes", instalado no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO), da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Assim, a proposta central do livro traz o intuito de fazer emergir o papel da tríade 'trabalho-educação-luta de classes' no contexto do capitalismo contemporâneo.

Nesta resenha evitou-se fazer uma descrição detalhada do conteúdo de cada um dos artigos. Para o melhor entendimento das pesquisas em defesa da história, o livro foi estruturado em três partes. Na primeira, os autores apresentam todo um percurso teórico-metodológico a partir das concepções de Marx em relação aos esclarecimentos sobre trabalho/produção/reprodução social. Nesse eixo da pesquisa os enfoques privilegiam a objetividade e a subjetividade originada e mediada pelo e no trabalho. A segunda parte dá ênfase às relações entre trabalho e educação, evidenciando as políticas educacionais no Brasil a partir das considerações que a Organização das Nações Unidas (ONU) estipula como pilares educacionais. Somando-se a esses pilares, as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei nº 9.394/96), assim como suas implicações para a formação do trabalhador, também são focalizadas. Por último, no decorrer da terceira parte encontra-se uma discussão bastante inovadora sobre a organização de classe e suas relações com a educação do trabalhador. Para tanto, destacam-se as particularidades, impasses e contradições da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e seu papel na formação dos trabalhadores. No entanto, cada uma das partes forma uma totalidade, não lhes faltando concisão, clareza e apoio em citações retiradas de pressupostos teóricos, estabelecendo conexões importantes entre os artigos e a análise contra-hegemônica de um método que almeja a emancipação dos sujeitos históricos nos dias de hoje.

Desse modo, a primeira parte do livro é dedicada tanto aos elementos de compreensão da pesquisa na formação identitário-profissional dos sujeitos da educação, sob a égide de pressupostos marxistas, quanto a uma leitura das relações, valor e uso da produção mercantil dominante e ao trabalho teórico dos objetos de investigação. Nesse sentido, ao apresentar "A pesquisa na formação do educador", Sandra Felismino contribui com a discussão norteadora do entendimento das visões materialistas e idealistas. Assim, essas visões apresentam, segundo a autora, uma ´radiografia' dos elementos facilitadores da reflexão do processo de conhecimento da realidade objetiva que aparece no trabalho de investigação sobre o fenômeno educativo. Ainda abordando a leitura dos pressupostos da teoria de valor desenvolvido por Marx, através de uma leitura da lógica do capital, Jackline Rabelo e Maria das Dores Mendes Segundo, discorrem e fazem uma radiografia de como funciona a sociedade capitalista, o duplo caráter do trabalho e as relações fetichistas desse mesmo trabalho nas relações sociais. Já Elvira de Morais apresenta os fundamentos ontológicos da dialética materialista, dentro de uma exposição metodológica com base na totalidade como unidade de múltiplas determinações. Também no artigo de Frederico Costa encontra-se novamente a discussão do lugar da razão nos dias de hoje e a crítica aos alicerces do marxismo por aqueles que postulam o fim das metanarrativas, a falência da razão, a decadência dos sujeitos históricos e das classes sociais. Desse modo, o autor traça algumas críticas e análises das idéias básicas do pensamento pós-moderno partindo do universal e não do singular.

No penúltimo texto dessa primeira parte, Rômulo Soares faz uma bela análise das questões de uma cidadania planetária, discurso do Banco Mundial, que traz um envolvimento manipulador em favor do capitalismo liberal. Embora tenha consciência dos riscos de oferecer uma visão simplificada de um texto rico em provocações, o autor sugere uma proposta que rompa com as ilusões humanizadoras das reformas capitalistas, que possa apontar perspectivas para a práxis transformadora da organização da vida social de todos os sujeitos. Para finalizar essa primeira parte do livro, Marilene do Carmo denuncia o papel da psicologia e da teoria construtivista de Piaget no suporte à valorização do indivíduo cultivada pelo liberalismo.

A segunda parte do livro destaca a relação trabalho-educação, examinando, a partir da crítica sobre os pilares da educação concebidos pela ONU, a formação do trabalhador determinada pela LDB/96. Esses pilares trazem, inicialmente, a reflexão de Susana Jimenez e Osterne Maia, que fazem uma análise sobre as conclusões estabelecidas pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI. Ao levantar algumas provocações, e também ao discorrer sobre a compreensão das novas relações de trabalho e sua interligação com a educação, os autores concluem afirmando que: "a chave do saber não é uma questão apenas da vontade política ou de determinação da consciência, mas precisa refletir com todas as tintas o conflito inerente à atual forma de produzir bens e riquezas, fazer ciência, relacionar-se com a natureza e com outros homens" (p. 123). No artigo de Ana de Menezes, a chamada de atenção toma o viés determinista e, ao mesmo tempo, otimista que se expressa nas teorias de alguns educadores brasileiros a respeito das profundas mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho e suas implicações positivas para a educação e qualificação profissional do trabalhador. A investigação da autora leva-nos à constatação de que o direito dos trabalhadores à educação continua sendo sistematicamente negado por ser contrário aos interesses do capital.

O que se configura no texto de Regina Machado é o quanto o sistema capitalista, via da mercantilização do ensino na agenda do capital, utiliza-se do marketing. É feita uma abordagem da crise que o capital vem enfrentando nas últimas décadas e das contribuições do neoliberalismo no processo de mercantilização do ensino, além da interferência do Banco Mundial na estruturação das políticas privatizantes, utilizando estratégias de marketing para promover a venda do ensino tratado como mercadoria. O quarto texto dessa segunda parte do livro traz a discussão sobre a crise do capital e a adaptação feita por mecanismos legais que tornaram o ensino universitário mais adequado às demandas do mercado, conforme orientação dos organismos internacionais. Esse é o tema central de Raquel Araújo, que, no seu artigo "Crise do capital e universidade: a reforma pra o mercado", assume uma posição crítica em relação ao processo de destruição da universidade pública e à crescente transformação da educação superior em negócio.

O leitor ainda encontrará uma revisão da situação mundial feita por Cleide Queixada, tendo por marco a queda do muro de Berlim, que determinou o fim da bipolaridade mundial transformando o capitalismo no sistema que faz da terra um paraíso comandado por organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. É feita a denúncia de que, na área da educação, as mudanças acompanham a nova ordem mundial, emergindo uma nova concepção de gestão, de currículo e de escola com os princípios liberais/neoliberais.

Nesse mesmo enfrentamento teórico-metodológico, o objetivo principal do trabalho de Sandra Marinho é analisar criticamente os pressupostos e encaminhamentos do Programa Nacional de Qualificação Social e Profissional. Na primeira parte de seu artigo a autora faz uma contextualização das "novas" propostas para a formação profissional. Na segunda parte do texto, é feita uma análise do documento-base do seminário. Finalmente, empreende uma crítica às tendências do governo atual em relação aos desígnios do capital e aos ajustes de uma economia hegemônica que destrói as esperanças dos trabalhadores.

Saindo um pouco do viés da constatação e da elucidação do que ainda não vai bem, o artigo "A pedagogia e a modernidade do mercado", de Susana Jimenez e Adriano Barbosa, apresenta alguns resultados de uma pesquisa sobre o curso de pedagogia e seus sujeitos no contexto da Uece. A pesquisa caracteriza o estudante de pedagogia do ponto de vista de suas relações com o curso e com a profissão de pedagogo, situando os principais problemas e os eixos norteadores do referido curso.

A terceira parte apresenta relatos de pesquisas relacionadas ao tripé trabalho, educação e organização de classes. Suzana Vasconcelos Jimenez relata em seu artigo a experiência da CUT no processo de qualificação profissional, tomando por base a "pesquisa-avaliação" desenvolvida num programa estabelecido pelo Sindicato dos Bancários do Ceará para (re)qualificação de trabalhadores bancários desempregados ou em risco eminente de demissão. A inclusão, no currículo, de estudos sociológico-políticos permitiu "injetar no curso uma dimensão formativa casada aos interesses históricos da classe trabalhadora". Ressaltando que a educação que interessa à classe trabalhadora não é a formação para o mercado, mas sim uma formação ampla que desenvolva o homem em suas múltiplas capacidades, Cristina Porfírio do Rio aponta as contradições da atuação da CUT no campo da formação do trabalhador. Outra pesquisa interessante é a de Liana Brito Araújo. Ela relata sua experiência no assentamento rural de Santana, no Ceará. Esse assentamento, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Ceará, é destacado pela autora como possibilidade de análise de como esses movimentos fazem ressurgir a questão agrária no Brasil, trazendo toda a sua história e a complexidade da luta dos trabalhadores da terra e de seus aliados. São levadas em consideração a historicidade da luta e a conquista da terra, as experiências de tomada de decisão, os embates e os enfrentamentos imediatos que surgem no dia-a-dia da comunidade. Assim, a autora levanta a premissa de que esses assentamentos rurais são verdadeiros exemplos "da propriedade coletiva da terra" e evidencia os laços de solidariedade que estão sendo tecidos entre os assentamentos da mesma região. Ela também propõe analisar esses movimentos sociais buscando o que emerge como alternativa de vida coletiva e espaço de emancipação solidária. Finalmente, o resgate da memória do movimento operário cearense, utilizando os registros dos atos comemorativos do Primeiro de Maio realizados ao longo da existência da CUT, é o tema do artigo elaborado por Lindacy Lins, que ressalta o uso da propaganda em mídia como de grande valia na formação da classe operária. Incomodada com a atual desmobilização estudantil, Laura Maia dos Santos faz uma pesquisa "exploratório-descritiva" procurando identificar, em meio aos documentos arquivados no Centro Acadêmico de Pedagogia da Uece, o papel desempenhado pelo movimento estudantil na defesa da escola pública.

A partir de tudo que foi exposto, este parece ser um livro que merece ser lido com muita atenção, por abordar uma proposta temática tão criticada pela pós-modernidade no panorama da vida contemporânea. A importante contribuição dos diversos autores assume ou "toma partido", como nos diz Ivo Tonet no prefácio, dos caminhos trilhados pelo conhecimento científico numa dialética concreta, possibilitando, assim, num momento em que o pensamento marxista parecia estar superado, ressuscitar quem nunca morreu.

Notas

  • 1
    Mestrando em Ensino de Biociências e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz <
  • 2
    Doutoranda em Ensino de Biociências e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2005
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