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O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas

RESENHAS REVIEWS

Sauloéber Társio de Souza

Universidade Federal do Tocantins <sauloeber@uft.edu.br>

O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. José Claudinei Lombardi, Mara Regina Jacomeli e Tânia Mara da Silva (orgs.). Campinas: Autores Associados, 2005, 186 pp. (Coleção Memória da Educação).

A Coleção Memória da Educação aborda, neste volume, um tema que tem causado celeuma entre os pesquisadores da história educacional brasileira: o caráter privado ou público da educação escolar.

Os artigos aqui reunidos resultam das apresentações de conferencistas na III Jornada do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HistedBR), da Faculdade de Educação da Unicamp, cuja temática foi "O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas", realizada entre os dias 22 e 25 de abril de 2003 na cidade de Americana, SP, no Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

É importante ressaltar que tal temática foi ganhando relevância junto ao HistedBR desde a realização do IV Seminário Nacional do grupo, no ano de 1997. Nesse evento, após um balanço geral dos trabalhos apresentados, constatou-se que os temas predominantes giravam em torno da escola pública e que, entre seus diversos aspectos passíveis de investigação, priorizava-se as relações entre modernidade e educação e entre oralidade e escrita.

Assim, após a III Jornada ficou decidido que, dada a importância da temática, os esforços deveriam ser voltados para a socialização dos debates e reflexões gerados no evento, buscando-se divulgá-los para o grande público, em especial àqueles dedicados direta ou indiretamente às pesquisas em educação. Dessa forma, este livro tem como conteúdo os textos apresentados na conferência de abertura e nas três mesas-redondas, organizados na obra na ordem em que foram apresentados.

Os autores aqui reunidos têm se dedicado há décadas às pesquisas em educação, de forma que em algum momento de seus percursos acadêmicos se depararam com as questões relativas ao tema central da coletânea. Esse é o ponto alto da obra; a riqueza das visões aqui apresentadas permite assinalar que se trata de um balanço, uma referência para a discussão do estado da arte sobre o caráter público e/ou privado da educação nacional.

Talvez seja desnecessário ressaltar que, em alguns momentos, as colocações apresentadas pelos autores parecem se distanciar do eixo norteador, já que este parece ser ponto comum aos trabalhos que reúnem certa diversidade de visões sobre um determinado tema. Fato este observado pelos próprios organizadores ao afirmarem que "os autores tenham se sentido livres para expor suas idéias de um ponto de partida que lhes fosse próximo" (p. xii, grifo nosso).

Carlos Roberto Jamil Cury proferiu a conferência de abertura, cujo título coincidira com o tema central do evento. Abordou as relações entre o público e o privado a partir da intervenção da igreja, da família, do Estado e da iniciativa privada na conformação da educação escolar brasileira. Buscou na legislação as formas de manifestação dessas instituições, apontando como a "liberdade de ensino" tem sido discutida pelas diversas vertentes de educadores no país, lançando ao embate privatistas e defensores da escola pública.

Na primeira mesa-redonda, debateu-se "O público e o privado como categoria de análise em educação". Antônio Joaquim Severiano, Éster Buffa e José Claudinei Lombardi abordaram a temática por caminhos diversos. O primeiro faz crítica ao entendimento de que o termo 'estatal' seja equivalente ao conceito de público, visão burocrática e empobrecedora que conceitua, rigidamente, público como estatal e privado como 'não-estatal'.

Buffa apresentou trabalho historiográfico analisando textos publicados sobre a temática que envolve a relação público e privado, buscando apreender aspectos significativos sobre a educação e a sociedade brasileiras, realizando um interessante balanço, muito embora faça ressalvas aos riscos que assumiu ao se propor trabalho extenso passível de esquecimentos e desconhecimentos de textos importantes sobre o assunto.

Lombardi, por sua vez, preocupou-se em discutir "O que são categorias?" 'Carimbado' no meio acadêmico como marxista, não entende o público e o privado como 'categorias de análise científica', classificando-os como termos burgueses que mascaram

"(...) o exercício do poder de Estado por uma classe, em seu próprio benefício, jogando uma cortina de fumaça sobre as relações sociais, como se o Estado moderno fosse um bem comum e o exercício administrativo fosse para o bem de todos" (p. 79).

A segunda mesa-redonda teve como proposta o tema: "O público e o privado: teorias e configurações nas práticas educativas". Gilberto Luiz Alves, José Carlos Souza Araújo, Olinda Maria Noronha e Paulo de Tarso Gomes apresentaram seus trabalhos nesta ordem. O primeiro autor faz análise das inovações nas práticas educativas das escolas estatais e particulares, sua orientação teórica nega o caráter público da educação brasileira. Assim,

"numa sociedade de classes, o Estado, que administra e controla a educação vista por muitos como pública, é, ele próprio, um instrumento de realização dos interesses privados da classe que detém o poder. (...) no plano institucional da educação, caberia, mais apropriadamente, falar em escola estatal e em escola particular" (p. 107).

Por sua vez Araújo adota visão mais ampla, ao acreditar que as discussões em torno da dicotomia público e privado se afiguram como um campo de disputas que demonstra não só a existência de antagonismos, mas também a existência de intercâmbio e convívio. Entende que e, quando se classificam essas categorias como estanques, promove-se um tipo de história educacional imóvel; as categorias só podem ser apreendidas por sua própria historicidade:

"Categoricamente, estabelecer barreiras entre o público e o privado pode conduzir a compreensão do movimento da história educacional a uma imobilização" (p. 142).

Noronha aborda a relação público e privado a partir da transformação atual do papel do Estado. O sistema capitalista mundial teria como um de seus princípios o "monopólio do conhecimento", garantindo-se a exploração das classes subalternas, dependentes das diretrizes controladas pela classe dominante. Dessa forma, perpetua-se o movimento de apropriação do conhecimento a partir da posição que os indivíduos ocupam na organização da produção.

Encerrando a exposição desta mesa, Gomes discute o conceito de público e privado a partir de sua raiz filosófica e, em especial, da filosofia do direito. O autor também busca transcender a concepção dicotômica entre público-gratuito e privado-pago. Acredita que a educação republicana herdou da educação colonial a preocupação não apenas com a formação da consciência cidadã, mas, sobretudo, com a consciência moral, o que levou a uma ampliação do poder do Estado, que se apresentou muito mais paternalista do que liberal, na medida em que se concebeu que, no âmbito do público, forme-se o cidadão e a pessoa moral.

A última mesa da III Jornada do HistedBR teve como tema "A problemática do público e do privado na história da educação no Brasil", reunindo os expositores Dermeval Saviani, José Luís Sanfelice e Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, mas somente os dois primeiros apresentaram seus trabalhos neste livro. Saviani dividiu seu texto em dois momentos distintos, denominados de teórico-histórico e teórico-prático. Segundo o autor, só existe sentido no debate educacional sobre público e privado a partir de um tempo histórico determinado, no caso do Brasil, desde 1890, quando se configura a educação pública de forma nítida. Aponta equívocos em torno do movimento de defesa da escola pública, em especial aquele que coloca o público e o privado como blocos antagônicos. Acredita que a raiz do problema está na tutela do Estado sobre a educação, tendência que deve ser revertida, o Estado devendo assumir plenamente os encargos do bom funcionamento da rede de escolas públicas.

Concluindo, Sanfelice procura também esclarecer que a idéia de escola estatal e a idéia de escola pública não podem ser equivalentes, quando entendemos público como aquilo que pertence ao povo. Se a educação é estatal (e não pública), portanto, está comprometida com os interesses do Estado, que é esfera controlada pelas classes dominantes. Assim,

"o Estado deve desaparecer, para que o público assuma suas funções. (...) Sem Estado não deverá haver educação estatal e muito menos privada, mas somente pública" (p. 184).

A proposta da educação pública seria então uma utopia, no sentido literal do termo ('o que não está em nenhum lugar')? Como classificar os movimentos de defesa da escola pública (ou estatal, como concebem alguns dos autores) a partir das determinações histórico-sociais? São questões instigantes e provocativas aqui presentes que merecem estudos específicos que vão além das preocupações desta coletânea.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Mar 2006
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