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Educação, comunicação e tecnologia educacional: interfaces com o campo da saúde. Simone Monteiro e Eliane Vargas (Orgs.). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. 252 p.

RESENHAS

Valdir de Castro Oliveira

Universidade Federal de Minas Gerais <valdirco@yahoo.com.br>

Educação, comunicação e tecnologia educacional: interfaces com o campo da saúde. Simone Monteiro e Eliane Vargas (Orgs.). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. 252 p.

No momento social em que atualmente vivemos, verificamos que o contexto de saúde é contraditoriamente marcado por significativos avanços de conhecimento e de novas tecnologias que prometem aliviar o sofrimento humano diante das doenças e prolongar, confortavelmente, a vida do ser humano. Mas também constatamos o retorno de algumas doenças que se supunham erradicadas da maioria das regiões do planeta, como é o caso da tuberculose e, simultaneamente, constatamos a difusão de outras doenças antes confinadas a determinadas regiões geográficas, como é o caso da Aids, exigindo, em contrapartida, novas formas de ação médica e social.

Tal contexto faz com que as pesquisas, as políticas públicas e as intervenções sobre os agravos da saúde sejam conduzidas sob o olhar vigilante e hegemônico do modelo biomédico que subordina à sua lógica as outras formas de conhecimento. Entretanto, ainda nesse contexto, ele não tem sido suficientemente capaz de responder à complexidade de velhas ou novas questões que surgem, sobretudo se não interagir mais horizontalmente com outros campos de conhecimento.

É certo que a saúde hoje não depende exclusivamente do saber biomédico, mas também de outros campos de conhecimento, principalmente do campo das ciências sociais voltadas para o estudo e a intervenção em diferentes processos de mobilização social, mudanças comportamentais e entendimento acerca dos padrões cognitivos e culturais da população.

No caso da comunicação, educação e tecnologia educacionais, como áreas de mediação, tal questão se torna mais evidente, pois são áreas que sofrem, a partir do modelo biomédico, uma drástica redução metodológica porque vistas por sua perspectiva quase que exclusivamente instrumental.

Isso acontece porque o modelo biomédico, diante da necessidade de espraiar conhecimentos, normas comportamentais e prescrições para o conjunto da sociedade em relação aos agravos da saúde, passa a entender as outras disciplinas sempre pelo seu viés instrumental capaz de codificar, transmitir e difundir informações. A pergunta básica a ser respondida pode ser assim resumida: como transmitir, de forma eficaz, informações de um pólo emissor (modelo biomédico) a outro pólo emissor (sociedade)?

Assim sendo, não é de se estranhar que os conceitos e os usos da comunicação, da educação e das tecnologias educacionais sejam entendidos e invocados como sinônimos de transmissão de informações cujas práticas passam muito mais pela teoria informacional e da educação bancária do que pela comunicação e educação enquanto processos abertos voltados para a interação dialógica.

O livro Educação, comunicação e tecnologia educacional: interfaces com o campo da saúde (Editora Fiocruz, 2006), organizado por Simone Monteiro e Eliane Vargas, apresenta consistentes e oportunas reflexões sobre a interdisciplinaridade entre os campos da educação e da comunicação aplicados ao campo da saúde. Simultaneamente, desvela que este campo ainda é profundamente marcado pela hegemonia do modelo biomédico, o que impede, ou dificulta, a sua interação horizontal com outros campos de conhecimento.

Para isso, o livro reúne diferentes olhares a partir de uma questão central que é a de explicar o significado do processo comunicacional gerador de material educativo na área de saúde e mostrar as lacunas e os desafios da comunicação, da educação e das tecnologias educativas aplicadas ao campo da saúde.

Composto de sete artigos, no conjunto dos seis capítulos que formam a primeira parte do livro, os autores procuraram detectar o uso de novas tecnologias e os conceitos de educação e comunicação espelhados nos processos e peças de comunicação analisados (documentários de vídeo, cartazes e folders) e os sentidos por eles produzidos no campo da saúde. Igualmente foram analisados posters apresentados em congressos de saúde coletiva buscando neles detectar teorias e metodologias comunicacionais e educacionais utilizadas e sua articulação com as experiências relatadas.

Na segunda parte, composta de um artigo e um apêndice, é apresentada uma extensa lista de materiais educativos sobre DST/Aids que não só funciona como uma memória da área, mas que também facilita o acesso dos pesquisadores e gestores a diferentes experiências comunicacionais no campo da saúde.

Na primeira parte, o primeiro artigo "Desenvolvimento e uso de tecnologias educacionais no contexto da Aids e da saúde reprodutiva: reflexões e perspectivas", de Simone Monteiro, Eliane Vargas e Marly Cruz, analisa seis anais de congressos de saúde referentes a materiais educativos produzidos para o campo da saúde com o tema DST/Aids. Constatam que existe uma crescente valorização do tema "materiais educativos" através dos trabalhos apresentados em congressos da área, mas que estes apresentam reduzida reflexão sobre os pressupostos teóricos que os constituem, e constatam a predominância do modelo de transmissão da informação como vértice da ação educativa. Deduzem ainda que os resultados da utilização desses materiais são, em grande medida, desconhecidos, tanto por parte de seus produtores quanto dos usuários dos mesmos. Finalmente, deduzem que não conseguiram identificar, na correlação entre os fundamentos, os objetivos e a metodologia a perspectiva teórica em que se assentam as suas formulações.

O segundo artigo, "Materiais educativos e produção dos sentidos na intervenção social", de Inesita Araújo, consiste em reflexão a partir de pesquisa de recepção de meios impressos, rádio, vídeo e audiovisuais no meio rural, tentando detectar de que maneira camponeses recebem e associam o significado das mensagens produzidas pelas organizações que intervêm no meio rural, a partir de organizações não-governamentais. O artigo enfatiza reflexões teóricas desenvolvidas no campo da comunicação apontando para a limitação e inadequação do modelo de transmissão de informações, partindo do princípio de que a comunicação é uma forma de produção de sentidos e modos de ver a realidade e que todo processo comunicacional depende de questões e situações contextuais (que define como contexto situacional, contexto intertextual, contexto existencial e contexto textual). Entretanto, aponta para o fato de que nem sempre os pólos produtores de mensagens (ou peças comunicacionais) levam em conta tais contextos e de que maneira elas são recebidas, interpretadas e modificadas. Sugere que a comunicação, se quer ser completa, não deveria cuidar apenas da difusão das mensagens de um pólo de saber a um outro desprovido do saber, mas principalmente da interação que ocorre no campo relativo ao uso e à interpretação das mensagens em diferentes contextos, como o da produção (núcleos produtores), circulação (mensagens) e consumo (recepção).

O terceiro artigo, "Tecnologia educacional na área de saúde: a produção de vídeos educativos no Nutes/UFRJ", de Vera Helena Siqueira, não avalia material educativo propriamente dito, mas sim o processo de constituição de um centro de produção de material educativo criado em 1972 e de que maneira foi se transformando e mudando suas formas de produção ao longo do tempo.

A autora analisa o processo de produção coletiva de materiais audiovisuais do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (Nutes), do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ, e aponta para o fato de que a produção é feita por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, além de mostrar de que maneira diferentes concepções comunicacionais e educacionais foram sendo incorporadas à prática da produção do material educativo voltado para o ensino no campo da saúde.

A ênfase da autora é sobre o processo de planejamento conjunto dos vídeos, o qual se mostra complexo e envolve diferentes profissionais cuja prática depende da interdisciplinaridade de vários campos de conhecimento. Nesse contexto, o conhecimento deixa de ser a verdade de um indivíduo e passa a ser algo coletivo construído no tempo e no espaço como resultado de negociação entre diferentes profissionais e campos de conhecimento.

A análise se torna interessante ao nos mostrar a complexidade de um contexto de produção de material educativo e que nem sempre as tensões ali presentes se apresentam no produto final, ou seja, nas mensagens produzidas.

No quarto artigo, "Experiências de desenvolvimento e avaliação de materiais educativos sobre saúde: abordagens sócio-históricas e contribuições da antropologia visual", de Denise Pimenta, Anita Leandro e Virgínia Schall, as autoras valem-se dos fundamentos da antropologia visual e do cinema para analisar as representações da leishmaniose em vídeos educativos. Fazem revisão das abordagens das experiências interdisciplinares em educação e saúde desenvolvidas nos laboratórios de Educação em Ambiente e Saúde (Leas), do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e Saúde e Educação do Centro de Pesquisas René Rachou, de Belo Horizonte, ambos da Fundação Oswaldo Cruz, e analisam 14 vídeos educativos com base nos fundamentos teóricos do cinema e da antropologia.

Para a análise dos vídeos as autoras se valem, entre outras, da categoria do grotesco (que definem como sendo uma categoria estética na qual sobressai a tensão dos estados fronteiriços - o humano e o animal, o corpo e o espírito, a natureza e a cultura, teoria esta amplamente trabalhada por Muniz Sodré e Eliane Paiva, conhecidos teóricos da Comunicação). Mostram que o tema da leishmaniose tegumentar é tratado pela ênfase dada às imagens de feridas ou membros desfigurados como um grotesco 'chocante' e escatológico voltado para a provocação superficial de um choque perceptivo com intenções sensacionalistas. Verificam ainda que nos vídeos analisados predomina uma forte estética televisiva e, ao mesmo tempo, grotesca. Também concluem que, na maioria dos vídeos, a informação, além de ser altamente técnica, não se inclui nenhum ou poucos fatores sociais ou culturais relativos à doença, privilegiando-se assim o modelo biomédico como único detentor de uma verdade sobre a doença. Sugerem que os materiais educativos audiovisuais acabam por reforçar estereótipos sobre a saúde em vez de contribuir para a educação em saúde.

Já o quinto artigo, "Videoteca da mulher. Mas afinal, vídeos para quem?", de Clarice Peixoto, examina 14 vídeos produzidos por organizações não-governamentais dedicados à abordagem da sexualidade, saúde feminina, doenças sexualmente transmissíveis, trabalho doméstico e temas afins. Com a contribuição da antropologia visual, analisa e questiona se as imagens produzidas cumprem a função de estimular o debate sobre os temas e de oferecer subsídios para os projetos educativo ou preventivos. A análise sugere que as mensagens são mais centradas nos 'utilizadores' (agentes sociais, pesquisadores...) do que no receptor ou espectador das imagens.

Além disso, a autora concluiu que a estrutura narrativa não é adequada, assim como a própria narrativa com base na proposta dos autores dos vídeos, que seria a de estimular o debate sobre a mulher oferecendo recursos e subsídios para os projetos educativos preventivos. Segundo ela, os vídeos não deixam transparecer claramente a quais públicos de mulheres são destinados por entender que não se pode desvincular o receptor de seu espaço social de recepção.

Para ela as mensagens da maioria dos vídeos pode ser compreensível para o produtor, mas não para o público porque, se não deixam de lado a perspectiva do olhar do observador- filmador e daquele que é observado, esquecem do terceiro elemento desse jogo de olhares: o espectador, ou seja, aquele para quem essas imagens são produzidas.

No sexto artigo, "Novas tecnologias de informação e comunicação na formação de recursos humanos em saúde", de Miriam Struchiner e Taís Gianella, é abordado o tema das tecnologias de informação e comunicação na formação continuada de recursos humanos em saúde. O objetivo das autoras foi o de oferecer subsídios para a reflexão sobre questões relevantes à integração das novas tecnologias de informação e de comunicação no contexto da formação de recursos humanos em saúde. Concluem que as atividades desse tipo de formação ainda são consideradas isoladamente, não obstante a grande massa de profissionais trabalhando na área.

O pressuposto é o de que estes recursos não podem ser considerados como fins em si mesmos e propõem abordagem inovadora sobre a tecnologia que deve estar a serviço da autonomia, da diversidade cultural, da inclusão tecnológica e da participação ativa dos sujeitos nos processos de desenvolvimento social.

No sétimo artigo, que compõe a segunda parte do livro, intitulado "Banco de materiais: desenvolvimento e estímulo a novas pesquisas", de Eliane Vargas e Simone Monteiro, são descritos os processos de formação de um banco de materiais educativos na área de saúde composto por grande parte da produção nacional de materiais educativos (folders e folhetos), manuais, jogos, (catálogos e vídeos) produzidos na década de 1990. O artigo apresenta análise exploratória a partir da sistematização dos temas e públicos-alvos predominantes nas publicações do banco e aponta para a importância de se refletir sobre as definições de públicos-alvos, visando a análise das concepções de identidade sociocultural, sexual e de gênero a elas associadas.

Como último capítulo do livro, um apêndice apresenta uma extensa lista dos materiais do banco de dados, formada por 745 folders e folhetos, 334 manuais e 17 jogos produzidos por vários grupos e instituições. O objetivo foi o de disponibilizar, para os pesquisadores e profissionais da educação e da saúde, uma fonte de recursos e de investigação acerca das relações entre a produção, a distribuição, o acesso e o consumo de materiais educativos, servindo para consultas e pesquisa nas diversas áreas de conhecimento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Jul 2007
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