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APRESENTAÇÃO

Este suplemento da revista Trabalho, Educação e Saúde - o primeiro desde o número inaugural de março de 2003 -, que compõe o volume 7, de 2009, traz a público textos especialmente produzidos para o desenvolvimento da disciplina Educação Profissional: contexto e questões atuais, componente curricular do mestrado profissional em Educação Profissional em Saúde, desenvolvido pela Escola Politécnica de Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). A disciplina foi organizada em torno de quatro unidades: 1) educação profissional como objeto do campo trabalho-educação; 2) educação profissional como política da educação e do trabalho; 3) concepção de politecnia e formação integrada; 4) estudos comparados em educação profissional. Para o desenvolvimento de cada uma dessas unidades, contamos com a participação de professores convidados e que produziram os artigos que integram este suplemento, a fim de subsidiar o debate e o trabalho em sala de aula, com os alunos.

Pretendemos, com base na problemática apresentada de forma panorâmica neste suplemento, contribuir para que a educação profissional - suas questões históricas e contemporâneas - possa ser analisada em suas múltiplas dimensões e, mais fundamentalmente, como realidade empírica que, para ser transformada, precisa ser apreendida no plano do pensamento, com o apoio da teoria e o rigor do método.

A delimitação na qual se insere o objeto 'educação profissional' é feita com base na relação trabalho e educação, sendo os polos dessa relação, por sua vez, categorias estudadas em si mesmas por diversas disciplinas das ciências sociais. Demarcamos a relação trabalho e educação como um campo interdisciplinar das ciências sociais e enunciamos o estudo da educação profissional como um objeto deste campo. Se a categoria trabalho é fundante da relação trabalho-educação, os seus significados e os sentidos por ela conferidos a essa relação no tempo histórico é uma das principais questões enfrentadas pelo campo. Se o trabalho é ou não um princípio educativo, como esse conceito foi sendo construído no campo e quais os embates históricos e contemporâneos que sobre ele se travam são alguns aspectos abordados em nossos debates. Esta é a finalidade dos estudos sob o eixo da 'educação profissional como objeto do campo trabalho-educação'.

Para o desenvolvimento desta unidade, contamos com o ensaio "A historicidade do percurso do GT Trabalho e Educação: uma análise para debate", de autoria de Eunice Trein e Maria Ciavatta, no qual buscam recuperar a historicidade do percurso teórico-empírico do GT Trabalho e Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a partir de sua documentação mais expressiva, os trabalhos selecionados e apresentados durante as reuniões anuais de 2002 a 2007, dando, assim, continuidade ao trabalho anterior por elas publicado na Revista Educação Brasileira, da Anped, em 2003.

Na análise da produção científica do GT Trabalho e Educação, as autoras recuperam algumas questões das temáticas mais recorrentes nas reuniões anuais do GT, enfatizando dois grandes eixos temáticos - a reestruturação produtiva e a nova organização do trabalho - e suas consequências para a formação profissional. Entre os temas e subtemas analisados, destacam: trabalho e educação - teoria e história; trabalho e educação básica; trabalho e educação nos movimentos sociais; educação do trabalhador nas relações sociais de produção; profissionalização e trabalho. Nos estudos analisados, constatam o pensamento das agências formadoras, sendo possível, a partir dele, chegar à compreensão da educação e da profissionalização que são oferecidas aos trabalhadores. No entanto, chamam a atenção para o fato de que a compreensão ampliada da questão da profissionalização, a partir dos próprios trabalhadores inseridos no processo produtivo, é uma perspectiva que ainda carece de novos esforços de pesquisa.

Além do ensaio de Trein e Ciavatta, contamos também, para o desenvolvimento da primeira unidade, com o artigo "O programa marxiano de educação e o fundamento da práxis", de Justino Sousa Junior, que discute a existência de um programa marxiano de educação e o lugar que nele ocupam as categorias 'trabalho' e 'práxis'. O autor entende que a temática da educação não se constitui para Marx como um problema central e por isso advoga a necessidade de ampliação do conceito de educação para além dos processos formais e dos espaços institucionalizados. Entende que a síntese do programa de educação marxiano encontra-se, principalmente, em três elementos: o trabalho, a escola e a práxis político-educativa.

O autor analisa a proposta de politecnia afirmando que os debates em torno desse conceito recolocam a tendência de supervalorização, pelos educadores/pesquisadores marxistas, do mundo formal/institucional do trabalho e da escola, desprezando ou atribuindo importância secundária aos processos de educação desenvolvidos no mundo da práxis cotidiana.

Trabalho e educação, que por serem categorias estruturantes da existência humana conformam também campos científicos, se apresentam, no mundo social concreto, como esferas da política pública. Nessa perspectiva, a educação profissional constitui-se em política de formação da classe trabalhadora e expressa, objetivamente, o conteúdo da relação trabalho-educação em determinados tempos e contextos sócio-históricos, definidos a partir do movimento dialético de união e separação entre o trabalho e a educação. Isto nos leva ao estudo da unidade do curso centrada na discussão da 'educação profissional como política da educação e do trabalho'.

Para o seu desenvolvimento, contamos especialmente com os professores Gaudêncio Frigotto e Francisco José da Silveira Lobo Neto. O artigo de Frigotto, "Teoria e práxis e o antagonismo entre a formação politécnica e as relações sociais capitalistas", cuja base é a aula inaugural da primeira turma do mestrado profissional em Educação Profissional em Saúde da EPSJV/ Fiocruz, traz para análise o sentido teórico, político e educacional, particular e universal, da experiência da EPSJV no sentido de construir, no âmbito das contradições e dos limites deste sistema capitalista, as possibilidades de processos educativos vinculados à luta de construção do socialismo. Nesse sentido, revisita a trajetória da escola, analisando seus marcos teóricos e a concepção de educação politécnica e/ou tecnológica e omnilateral que orientaram sua criação no sentido da superação, tanto do determinismo do fim da história, quanto do teorismo, voluntarismo e ativismo sem direção. Uma utopia cuja teleologia se produz mediante a compreensão histórica do caráter mutilador das relações sociais capitalistas e de suas contradições estruturais.

Dando continuidade à segunda unidade, Francisco José da Silveira Lobo Neto, em seu artigo "A questão da tecnologia na relação trabalho-educação: das concepções aos argumentos e às formulações legais", partindo dos discursos sobre tecnologia, traz elementos de entendimento das formulações normativas sobre educação profissional no quadro da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996). O autor começa por discutir tendências e concepções de tecnologia presentes em diferentes documentos legais para depois buscar significados da relação trabalho, tecnologia e educação profissional. Evidencia em discursos educacionais, como o de Rui Barbosa ou o Manifesto dos Pioneiros, de que maneira se explicita nessas argumentações a relação entre trabalho, ciência e técnica. Para tentar compreender as concepções atuais da técnica e da tecnologia na sua relação com a ciência, o autor defende a necessidade de se ter presente uma variedade de posições, na medida em que não se pode pretender definir um sentido estrito e universal de termos que significam realidades historicamente produzidas.

Na distinção entre técnica e tecnologia, chama a atenção para a possibilidade de reforço de uma dicotomia entre sistematizadores/pensadores/ cientistas que teriam a competência e o poder de reflexão e planejamento da ação, reservando-se aos trabalhadores a ação material de lidar diretamente com a técnica.

A legislação e a regulamentação da educação profissional, formuladas no contexto das reformas educacionais dos anos 1990 aos anos 2000, são expressão política do pensamento hegemônico deste tempo premido pelas necessidades de adequação às transformações. O núcleo estável desse movimento é a objetivação do ser humano como fator de produção, ainda que dele se solicitem, agora, menos força neuromuscular e mais criatividade e flexibilidade. O pensamento contra-hegemônico é também foco de nossos estudos, buscando-se analisar e compreender a 'concepção de politecnia e formação integrada', eixo a partir do qual estruturamos a terceira unidade da disciplina.

Nesta terceira unidade, Celso Ferretti, em seu artigo "O pensamento educacional em Marx e Gramsci e a concepção de politecnia", enfatiza a necessidade de compreender historicamente a concepção de politecnia associada à formação integrada, situando-as no universo teórico do materialismo histórico. Examina, ainda, como Marx e Gramsci elaboram suas visões sobre as relações entre a educação e o trabalho, captando aproximações e distanciamentos entre esses autores-chave no que se refere à concepção de politecnia e formação integrada.

Ferretti analisa a gênese, o desenvolvimento e as contradições da escola no capitalismo, ressaltando as razões principais que levaram, na sociedade moderna, à necessidade de generalização da educação escolar. A partir do pensamento de Marx/Engels e Gramsci a respeito da educação escolar, ressalta as identificações teóricas e os distanciamentos entre essas concepções.

A problemática da educação profissional como política que articula trabalho e educação tem sido intensamente estudada e debatida nacional e internacionalmente e, por isso, sistematiza-se na última unidade da disciplina sobre "estudos comparados em educação profissional". O pensamento hegemônico mundial, por meio de organismos internacionais como o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fomenta reformas educacionais em diversos países, especialmente na América Latina, com o objetivo de alinhar a política educacional destes países às necessidades da acumulação flexível. O setor saúde também sofre os impactos do processo de ajuste macroestrutural. A complexidade que caracteriza os serviços de saúde faz com que a formação de trabalhadores em saúde seja uma importante questão para os organismos internacionais e nacionais desta área. Isto já nos indica a existência de questões relativas à educação profissional que transcendem aos contextos próprios de cada país.

Maria Ciavatta, uma das pesquisadoras que mais se destaca no Brasil no desenvolvimento de estudos comparados em educação, nos traz, em seu texto "Estudos comparados - sua epistemologia e sua historicidade", uma reflexão sobre o que é comparar e suas exigências epistemológicas, partindo de três questões preliminares: conhecimento e verdade, história e historicidade e o sentido da comparação. Analisa a contribuição de autores que se ocupam dos estudos comparados e resgata estudos comparativos que desenvolveu anteriormente sobre o tema.

Com base em Lukács, entre outros autores, advoga uma concepção de verdade que implica admitir que o conhecimento que podemos ter é sempre aproximativo, dependente da totalidade social e das mediações históricas particulares ao objeto focalizado. Ciavatta analisa a 'natureza sistêmica' da educação comparada na América Latina, onde os problemas da educação nos diversos países são tratados de forma estatística, descritiva, descontextualizada, com dados isolados do desenvolvimento social, econômico, cultural e educacional da história de cada país. Por fim, ressalta que "os dados quantitativos dão a dimensão dos problemas, mas não os explicam, apenas os descrevem com algumas de suas características. São as relações, tensões, conflitos entre as mudanças conjunturais e a materialidade estrutural de uma determinada sociedade, o tecido social, que nos permite apreender, de forma dialética, o sentido e a natureza dos acontecimentos em um determinado momento histórico".

Apresentamos também, neste suplemento, artigos construídos a partir dos resultados de nossas pesquisas, cujos objetos se inscrevem na dinâmica do campo trabalho-educação e dizem respeito especificamente à temática da educação profissional em saúde. Marise Nogueira Ramos, no artigo "Concepções e práticas pedagógicas nas Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde: fundamentos e contradições", analisa o processo de ensino-aprendizagem nas ET-SUS e as influências das políticas de educação profissional em saúde dos anos 1980 aos 2000 na construção das concepções político-pedagógicas dessas escolas. Ana Margarida Campello et al., por sua vez, em "O ensino como negócio: a expansão da oferta dos cursos de formação de tecnólogos em saúde no Brasil", discutem o caráter privado do crescimento da oferta dos cursos superiores de tecnologia em saúde como mediação do processo de mercantilização do ensino superior brasileiro.

Esperamos que a leitura do conjunto dos textos que integram o primeiro suplemento de Trabalho, Educação e Saúde contribua para um maior aprofundamento do debate e dos conhecimentos sobre educação profissional em saúde. Encerramos esta apresentação com uma questão que teima em se manter presente nesses tempos de crise financeira do capitalismo, tempos de movimento oscilante por maior aproximação entre os países latino-americanos, principalmente da região sul, tempos de mobilização nas ruas de muitas cidades do mundo: quais as bases objetivas e subjetivas necessárias à luta histórica dos educadores por uma educação que faculte os fundamentos científicos, sociais, culturais e ético-politicos para o desenvolvimento omnilateral de cada ser humano?

Ana Margarida Campello

Marise Ramos

Editoras convidadas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2012
  • Data do Fascículo
    2009
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