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Concepções e práticas pedagógicas nas escolas técnicas do Sistema Único de Saúde: fundamentos e contradições

Conceptions and teaching practices in the technical schools of the Unified Health System: foundation and contradictions

Resumos

O presente artigo apresenta resultados empíricos de pesquisa sobre as concepções e práticas das Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ET-SUS), influenciadas pelas políticas de educação profissional em saúde dos anos 1980 aos 2000 pelo Ministério da Saúde, a saber: Projeto Larga Escala, Programa de Profissionalização dos Auxiliares de Enfermagem (Profae) e Política de Educação Permanente. Tendo como base as correntes pedagógicas que estiveram em disputa no âmbito dessas políticas, apresenta-se a análise do material empírico qualitativo, composto por textos acadêmicos coletados com a revisão de literatura. Outra fonte empírica foram entrevistas realizadas com coordenadores pedagógicos, com as quais procuramos identificar dimensões do nosso objeto que se revelam na interação com os sujeitos da pesquisa. O material escrito foi submetido à análise de conteúdo, seguida da análise histórico-dialética, com base na categoria 'relação teoria-prática'. Procuramos captar as principais contradições que dificultam ou potencializam a educação profissional em saúde no sentido da emancipação da classe trabalhadora. A contraposição entre o pragmatismo e a filosofia da práxis foi a base dessa análise. As conclusões deste texto tratam dessas contradições, dialogando com a concepção de educação politécnica que tem o trabalho como princípio educativo, orientada para a práxis social transformadora.

educação profissional em saúde; pragmatismo; práxis pedagógica; práxis social


This article presents the empirical results of research on the concepts and practices of the Technical Schools of the National Health System (SUS-ET), influenced by the policies of professional education in health from the 1980's to the 2000's by the Ministry of Health, namely: large scale project, Program of training of Nursing Assistants (Profae) and long-term educational policy. Based on the current teaching that is in dispute under such policies, an analysis is presented of qualitative empirical material, consisting of academic texts collected through a literature review. Other empirical sources were interviews done with educational coordinators, in which we tried to identify dimensions of our object revealed in the interaction with the research subjects. The written material was submitted to a content analysis, followed by historical and dialectical analysis, based on the category 'theory-practice relationship'. We seek to capture the main contradictions that hinder or enable the education of health professionals towards the emancipation of the working class. The contrast between pragmatism and the philosophy of praxis was the basis of this analysis. The conclusions of this article deal with these contradictions, in terms of the understanding of polytechnic education which sees work as an educational principle, oriented towards transforming social customs.

professional education in health; pragmatism; pedagogical praxis; social praxis


ARTIGO ARTICLE

Concepções e práticas pedagógicas nas escolas técnicas do Sistema Único de Saúde: fundamentos e contradições

Conceptions and teaching practices in the technical schools of the Unified Health System: foundation and contradictions

Marise Ramos1 1 Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) e da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional em Saúde da EPSJV/Fiocruz. Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). < mnramos@oi.com.br>

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fundação Oswaldo Cruz Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Programa de Pós-graduação em Educação Profissional em Saúde Avenida Brasil, 4.365, 3º andar, sala 312, Manguinhos Rio de Janeiro, CEP 21040-900

RESUMO

O presente artigo apresenta resultados empíricos de pesquisa sobre as concepções e práticas das Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ET-SUS), influenciadas pelas políticas de educação profissional em saúde dos anos 1980 aos 2000 pelo Ministério da Saúde, a saber: Projeto Larga Escala, Programa de Profissionalização dos Auxiliares de Enfermagem (Profae) e Política de Educação Permanente. Tendo como base as correntes pedagógicas que estiveram em disputa no âmbito dessas políticas, apresenta-se a análise do material empírico qualitativo, composto por textos acadêmicos coletados com a revisão de literatura. Outra fonte empírica foram entrevistas realizadas com coordenadores pedagógicos, com as quais procuramos identificar dimensões do nosso objeto que se revelam na interação com os sujeitos da pesquisa. O material escrito foi submetido à análise de conteúdo, seguida da análise histórico-dialética, com base na categoria 'relação teoria-prática'. Procuramos captar as principais contradições que dificultam ou potencializam a educação profissional em saúde no sentido da emancipação da classe trabalhadora. A contraposição entre o pragmatismo e a filosofia da práxis foi a base dessa análise. As conclusões deste texto tratam dessas contradições, dialogando com a concepção de educação politécnica que tem o trabalho como princípio educativo, orientada para a práxis social transformadora.

Palavras chave: educação profissional em saúde; pragmatismo; práxis pedagógica; práxis social.

ABSTRACT

This article presents the empirical results of research on the concepts and practices of the Technical Schools of the National Health System (SUS-ET), influenced by the policies of professional education in health from the 1980's to the 2000's by the Ministry of Health, namely: large scale project, Program of training of Nursing Assistants (Profae) and long-term educational policy. Based on the current teaching that is in dispute under such policies, an analysis is presented of qualitative empirical material, consisting of academic texts collected through a literature review. Other empirical sources were interviews done with educational coordinators, in which we tried to identify dimensions of our object revealed in the interaction with the research subjects. The written material was submitted to a content analysis, followed by historical and dialectical analysis, based on the category 'theory-practice relationship'. We seek to capture the main contradictions that hinder or enable the education of health professionals towards the emancipation of the working class. The contrast between pragmatism and the philosophy of praxis was the basis of this analysis. The conclusions of this article deal with these contradictions, in terms of the understanding of polytechnic education which sees work as an educational principle, oriented towards transforming social customs.

Keywords: professional education in health; pragmatism; pedagogical praxis; social praxis.

Introdução

A história da educação profissional em saúde nos mostra que as políticas de formação dos trabalhadores em saúde se desenvolveram sob a referência da integração da formação dos trabalhadores com a realidade dos serviços. O principal objetivo aparece, mesmo nas diferentes políticas - Projeto Larga Escala, anos 1980;2 2 Projeto oriundo do Acordo de Recursos Humanos firmado entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério da Previdência e Assistência Social e a Organização Pan-Americana de Saúde. Foi decorrente da apresentação, pelos segmentos progressistas, na VIII Conferência Nacional de Saúde e na Conferência Nacional de Recursos Humanos, realizadas em 1986, de uma proposta distinta de formação dos trabalhadores técnicos em saúde, cuja ênfase estava menos na divisão técnica do trabalho e mais nas discussões sobre as estratégias pedagógicas de formação. A proposta se voltava especialmente para aqueles já inseridos nos serviços, posto que deles os trabalhadores não podiam se afastar para se formarem em cursos técnicos regulares. Programa de Profissionalização dos Auxiliares de Enfermagem (Profae), anos 1990;3 3 O Profae foi uma iniciativa do Ministério da Saúde, que contou com empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cujo objetivo principal consistiu na qualificação e profissionalização dos trabalhadores da área de enfermagem de nível básico e técnico. O Profae ofereceu três modalidades de cursos gratuitos para os trabalhadores da área de enfermagem: 1) Curso de Qualificação Profissional de Auxiliar de Enfermagem, para os trabalhadores que concluíram o Ensino Fundamental (antigo 1º Grau); 2) Complementação do Ensino Fundamental, para os trabalhadores que não o concluíram e Auxiliar de Enfermagem; 3) Curso de Técnico de Enfermagem, para os trabalhadores que têm o Certificado de Conclusão do Ensino Médio (antigo 2º Grau) e o Certificado de Conclusão do Curso de Auxiliar de Enfermagem. e Educação Permanente em Saúde, anos 20004 4 Política de formação de trabalhadores da saúde instituída no governo Lula, com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, baseada no princípio da integração 'ensino-serviço-gestão-controle social'. Em termos pedagógicos, a concepção de educação permanente difundida pelo Ministério da Saúde, conforme documento aprovado na Reunião da Comissão Intergestores Tripartite, realizada em Brasília, em 18 de setembro 2003, parte do pressuposto da aprendizagem significativa e propõe que a transformação das práticas profissionais esteja baseada na reflexão crítica sobre as práticas reais de profissionais em ação na rede de serviços. -, como a transformação de práticas na perspectiva da atenção integral à saúde.

O que nos pareceu, no projeto de pesquisa que dá origem a este texto, como uma multiplicidade de referenciais epistemológicos que teriam orientado a concepção pedagógica dessas políticas, hoje se apresenta como uma unidade constituída em torno do pragmatismo, como a epistemologia que embasa o escolanovismo e a pedagogia das competências. O fundamento ético-político que orienta a formação crítica dos trabalhadores técnicos em saúde, por sua vez, se afina com as teorias da micropolítica. Este se manifesta desde o pressuposto de que o desenvolvimento da consciência pode promover mudanças sociais, apoiado no pensamento de Paulo Freire presente nos projetos de formação desde o Larga Escala até a convicção identificada na política de educação permanente, de se encontrarem nas relações internas aos serviços de saúde os elementos para essa tomada de consciência, a qual levaria à transformação das práticas e, com elas, a transformações sociais mais amplas.5 5 Lembremos que, de acordo com Foucault (2006), as pessoas dispõem de consciência, não precisando daqueles que a despertem, mas o que precisam é exercer o seu poder.

O princípio da integração ensino-serviço é o eixo estável dessa unidade, cuja gênese na educação profissional em saúde no Brasil está na implantação do Projeto Larga Escala. Este princípio foi, por um lado, reafirmado pelo Profae, com a adoção da pedagogia das competências, que passou a orientar os projetos curriculares da formação técnica em saúde; e, por outro, ampliado para a integração ensino-serviço-gestão-controle social pela Educação Permanente em Saúde, política esta não exclusivamente de formação, mas também de gestão do processo de trabalho em saúde.

Para compreendermos, a partir das próprias Escolas Técnicas do SUS (ET-SUS) e de seus intelectuais, os elementos que caracterizam suas concepções e práticas nos dias de hoje, construídas historicamente sob influência - consentida ou crítica - das referidas políticas, apresentaremos as conclusões da pesquisa, com foco especialmente no processo de ensino-aprendizagem desenvolvido pelas escolas.

O pensamento histórico-dialético é o referencial teórico-metodológico que nos orienta na produção do conhecimento. Assim, consideramos a educação profissional em saúde como uma mediação específica da formação humana na totalidade das relações sociais. Compreendemos que as práticas instituídas não são neutras nem estáticas; ao contrário, têm um fundamento filosófico e ideológico afinado com uma determinada concepção de mundo e com um projeto de sociedade, construídos a partir de um ponto de vista de classe e frações de classe. Desta forma, seu conteúdo expressa uma direção e um sentido que se pretende dar às práticas sociais.

A dimensão da historicidade traz o pressuposto de que a realidade pode ser modificada, mediante uma nova hegemonia orientada por uma concepção de mundo que reconhece os trabalhadores como sujeitos históricos responsáveis pela produção da existência humana. As práticas sociais construídas e reconstruídas no processo de disputa por hegemonia são relações contraditórias que, ao tempo em que insistem em se manter, podem também potencializar o novo.

Por essa abordagem, pretende-se romper com o caráter neutro, evidente e reificado da educação profissional em saúde como fenômeno capaz de, por si, alterar as relações de trabalho fragmentárias, hierarquizadas e excludentes que caracterizam tanto os serviços de saúde quanto os processos de trabalho em geral. Quer-se, dialeticamente, captar mediações que nos ajudem a compreender como e por que seus fundamentos epistemológicos, ético-políticos e pedagógicos ajudam a conservar e/ou superar relações que conformam psicofísicamente o trabalhador às formas de produção hegemônicas. Com base nesse referencial, os conceitos de mediação e contradição, dentro de uma totalidade social articulada, foram nossas categorias de método.

Nosso objeto de investigação, na perspectiva qualitativa, foram as concepções e práticas pedagógicas das escolas, com suas respectivas regulamentações e características de desenvolvimento, compreendendo-as como particularidades de uma totalidade social mais ampla. Nossa categoria de conteúdo - aquela que possibilita captar e compreender as principais mediações que configuram nosso objeto - foi a relação teoria-prática.6 6 O confronto entre o pragmatismo e a filosofia da práxis foi objeto específico de estudo da pesquisa, especialmente porque a relação teoria-prática foi nossa categoria de análise fundamental. Para isto, baseamonos em Marx (2001), Kosik (1976), Vásquez (2007) e Konder (1992). O escopo deste artigo não nos permite trazer essa discussão. Sendo assim, somente salientamos que a principal oposição entre essas correntes filosóficas está no sentido da relação teoriaprática e no critério de verdade da teoria. Para o pragmatismo, a prática precede a teoria e o valor desta está em justificar a prática, assim como o critério que constata uma teoria como verdadeira é a sua utilidade prática. Já a filosofia da práxis baseiase na unidade teoriaprática, sendo a teoria expressão concreta do real. Assim, uma teoria é verdadeira não porque é útil, mas é útil porque é verdadeira. Por isso, enquanto a prática, no pragmatismo, é verificada do ponto de vista individual e de adaptação à realidade, a práxis é sempre social mesmo que manifesta individualmente e potencialmente transformadora da realidade, esta constituída com a mediação fundamental do modo de produção da existência. Portanto, na filosofia da práxis, a práxis social não se desvincula das relações sociais de produção. No pragmatismo, essa relação se caracteriza pela subordinação da teoria à prática, enquanto no pensamento histórico-dialético ela se define como práxis, em que teoria e prática formam uma unidade. Ao identificarmos a natureza dessa relação no processo de ensino-aprendizagem desenvolvido pelas ET-SUS, pudemos identificar à qual epistemologia sua concepção pedagógica se vincula.

Neste artigo,7 7 Este texto apresenta os resultados empíricos da pesquisa "A Educação profissional em saúde no Brasil: concepções e práticas nas Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ET-SUS)", coordenada pela autora, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O respectivo projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética da Fiocruz. apresentaremos exclusivamente as indicações da pesquisa empírica, dialogando com o referencial teórico na apresentação de seus resultados. O primeiro item se dedica ao processo de ensino-aprendizagem das escolas, enquanto o segundo aborda especialmente as influências das políticas de educação profissional em saúde dos anos 1980 aos 2000, referidas ao início do texto, na construção de suas concepções.

Indicações da pesquisa empírica sobre o processo de ensino-aprendizagem nas ET-SUS

O desenvolvimento da pesquisa empírica partiu da revisão da literatura sobre a educação profissional em saúde, centrando-nos na produção acadêmica sobre o tema. Os textos identificados - artigos e dissertações de mestrado produzidos no período de 1980 a 2000 - foram utilizados como material de análise, visando a extrair deles concepções pedagógicas que podem ter orientado a organização e as práticas das ET-SUS ou que expressem interpretações das mesmas.

Nosso campo empírico, as ET-SUS, foi abordado mediante a aplicação de questionários e a realização de entrevistas com coordenadores pedagógicos. Por meio dos questionários, procuramos obter dados quantitativos sobre a oferta de cursos no período de 2003 a 2006, período este definido por retratar as escolas após os investimentos do Profae. Portanto, a partir de quando as escolas estariam em patamares equivalentes de investimentos. Com as entrevistas, procuramos identificar dimensões das concepções e práticas pedagógicas não manifestáveis nas fontes escritas e que se fazem revelar, normalmente, pelo questionamento e na interação entre os sujeitos da pesquisa. Todo o material escrito, sejam os textos acadêmicos, sejam as transcrições das entrevistas, foi submetido à análise de conteúdo (Bardin, 2007). Em relação à categoria processo de ensino-aprendizagem, centramo-nos nas seguintes subcategorias: finalidade da educação; relação professor-aluno; relação teoria-prática; significado e modo de seleção dos conteúdos de ensino; aprendizagem.

Cada categoria foi conceituada de acordo com as correntes pedagógicas que poderiam ter influenciado a educação profissional em saúde no Brasil, a saber: tradicional; escolanovismo; tecnicismo; libertadora; competências; e histórico-crítica, esta última base da concepção de educação politécnica e de nosso referencial teórico. Como aprofundamento da análise de conteúdo, trabalhamos com as unidades de registro (UR), definidas por Bardin (2007, p. 98) como "a unidade de significação a codificar e correspondente ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando à categorização e à contagem frequencial", e com unidade de contexto (UC) que, para a autora citada, "serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registro) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da unidade de registro" (Bardin, 2007, p. 100).

As unidades de contexto foram recortadas do texto escrito e precisavam ser significativas para as questões da investigação, sendo que delas emergiram as unidades de registro. Essas foram palavras e/ou expressões que transmitiam ideias significativas do conteúdo analisado, permitindo-nos chegar a conclusões. Precisavam, ainda, ser recorrentes em todo o material, com o objetivo de se captar concepções presentes no conteúdo advindo das diferentes escolas. Ou seja, nosso objetivo não era captar especificidades das escolas e/ou divergências entre elas, mas, ao contrário, as ideias que as unificam. As unidades de registro trabalhadas foram: problematização/ reflexão; universalidade/totalidade; historicidade; integração curricular/ interdisciplinaridade; relação conhecimento cotidiano e científico/conhecimentos significativos; construção/reconstrução de conhecimentos; formação crítica/formação política/papel social/formação para a transformação; formação profissional/formação técnica; relação dialógica/relação horizontal/ relação mediadora; prática/cotidiano/experiência/serviços/processo de trabalho; produção da existência; desempenho/perfil profissional; competência/perfil profissional; saúde/sistema de saúde; sociedade; ciência/áreas da ciência/ áreas de conhecimento/disciplinas/conhecimentos; compreensão. A união das palavras e/ou expressões por uma barra significa que aparecem nos diferentes textos revelando a mesma ideia.

Nos resultados da análise de conteúdo, identificamos, finalmente, as principais ideias relacionadas às nossas categorias construídas com base no método dialético, quais sejam: a relação teoria-prática, que nos permitiu identificar o quanto as concepções se baseiam no pragmatismo (a teoria valida a prática; ênfase na experiência) ou no pensamento histórico-dialético (teoria e prática formam uma unidade; ênfase na práxis); e a concepção de trabalho (atividade laborativa ou mediação fundamental da produção da existência). Fizemos, então, a análise que nos possibilitou tanto captar as concepções epistemológica e pedagógica hegemônicas nas ET-SUS quanto suas contradições não somente em suas manifestações atuais, mas em suas determinações históricas.

As indicações dos textos acadêmicos

Do conjunto de textos acadêmicos analisados, observamos a predominância daqueles que versam sobre as propostas e experiências de formação de trabalhadores técnicos e auxiliares da saúde, principalmente na área da enfermagem. Vários deles discutem dimensões práticas e teóricas dessas experiências, algumas das quais já conduzidas por centros formadores de recursos humanos em saúde. Esses são os temas que predominam nos textos publicados na década de 1990, ainda que os tenhamos também nos anos 2000. Porém, é neste período que encontraremos outros de natureza crítica que se utilizam de forma predominante do referencial histórico-dialético. Destacamos, neste caso, principalmente os trabalhos de Amâncio (1997), Pereira (2002) e Bagnato (2007). Valendo-se também desse referencial, mas de forma subordinada e com predominância de uma perspectiva freireana, encontraremos o trabalho de Torrez (1994). Por fim, chegamos a encontrar um texto que aborda diretamente a emergência do modelo de competências (Lima, 2005). Por apresentarem a perspectiva teórica hegemônica da educação profissional em saúde, nossa análise ficou circunscrita especialmente ao primeiro conjunto de textos, fazendo, ainda, uma relação com a abordagem sobre as competências.

Foram predominantes as afirmações de que as ET-SUS têm como finalidade possibilitar aos trabalhadores em saúde o conhecimento dos princípios que norteiam a prática profissional e desenvolver o pensamento reflexivo como condição para reformular essa prática e promover a formação da consciência crítica. Textos publicados a partir de 1990 identificam a finalidade de desenvolvimento de competências adequadas às exigências do regime de produção flexível.

O processo de ensino-aprendizagem é apresentado como indissociável da experiência concreta dos estudantes, sendo organizado com base na problematização. Identificam-se, regularmente, os cinco passos propostos por John Dewey,8 8 Os cinco passos de John Dewey (1989) são os seguintes 1) percepção, sentimento do problema; 2) intelectualização da dificuldade que se experimentou em um problema (formulação do problema); 3) hipótese para guiar a observação e outras operações; 4) raciocínio lógico; 5) experimentação e comprovação da hipótese. Segundo Bordenave (1988), o 'método do arco' proposto por Charles Maguerez é expresso em um diagrama que representa a 'pedagogia problematizadora', contendo os seguintes passos: 1) observação da realidade (problema); 2) ponto-chave; 3) teorização; 4) hipótese de solução; 5) aplicação à realidade (prática). reelaborados por Charles Maguerez, com o 'método do arco', segundo Bordenave (1988). A importância dos materiais instrucionais e dos métodos de ensino é com frequência destacada e, nesses casos, o professor aparece como instrutor e supervisor, inclusive como modelo na operação adequada do instrumental utilizado no processo de ensino-aprendizagem. Práxis, prática e experiência surgem como sinônimos de prática profissional, ora entendida como um conjunto de procedimentos para os quais os alunos devem ser instrumentalizados a partir dos conteúdos de ensino, ora como situações de aprendizagem.

Numa primeira análise, a finalidade manifesta de a educação dos trabalhadores em saúde possibilitar o conhecimento dos princípios que norteiam a prática profissional, em contraposição à formação tecnicista, poderia sugerir algum nível de afiliação à pedagogia histórico-crítica, dada a ênfase no conhecimento dos princípios da prática profissional. A pedagogia histórico-crítica, entretanto, defende a necessidade de a educação proporcionar a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos da produção moderna e não somente da prática profissional. Para ser abordada nessa perspectiva, a prática profissional em saúde precisa ser considerada uma mediação específica da produção da existência humana, frente às suas contradições sob o modo capitalista de produção.

Notamos uma defesa da formação da consciência crítica dos trabalhadores e o processo pedagógico como um espaço em que se pode reconhecer a condição de exploração, inclusive dada a centralidade do aluno como sujeito da aprendizagem, numa clara afiliação ao pensamento freireano. Entretanto, o conhecimento parece adquirir uma função utilitária, posto que sua seleção deve ser orientada essencialmente pela prática profissional.

A finalidade política da formação, então, não está fundada no sentido dos conhecimentos como mediação para a compreensão e transformação da realidade - o que exigiria uma abordagem em totalidade na perspectiva histórico-dialética -, pois aparece como uma intencionalidade à parte, desvinculada da formação técnico-científica. A finalidade propriamente política da educação demonstra mais um aspecto do pensamento freireano. Porém, dissocia-se o universo ideológico do campo concreto da produção onde se processa a exploração dos trabalhadores. Ter-se-ia, por um lado, uma formação política para uma suposta cidadania e, por outro, uma formação pragmática para o exercício profissional.

Percebemos que, no conjunto dos textos, a perspectiva escolanovista mesclase com elementos do tecnicismo, normalmente revelado em razão da crença na eficácia dos métodos e dos materiais instrucionais, associada à responsabilidade conferida ao professor/instrutor na sua utilização. Notase, pelo papel do professor e pelo significado conferido aos métodos, o fenômeno que ocorre na transição do pensamento escolanovista ao tecnicismo, qual seja: a ênfase nos métodos pedagógicos dada pelo escolanovismo acabou desembocando numa eficiência instrumental que deu suporte ao tecnicismo, com a diferença, porém, quanto ao papel de professores e alunos. Se no primeiro professores e alunos decidem sobre a utilização de determinados meios, no segundo estes adquirem prioridade o que explica a ênfase nos materiais instrucionais e o deslocamento do professor para um segundo plano.

Assim, em algumas experiências da educação profissional em saúde, a crítica à escola tradicional inspirada na pedagogia nova e no pensamento de Paulo Freire acabou levando, pela ênfase metodológica da primeira, a algumas abordagens tecnicistas. Pela ênfase política do segundo, tendese à separação entre ideologia e processo concreto de produção.

Os textos elaborados num contexto histórico de difusão da pedagogia das competências, que serviu de base para a regulamentação da educação brasileira, são aqueles que fazem referências diretas ao desenvolvimento de competências como a finalidade da educação. Ao mesmo tempo, ao associá-la às exigências do regime de produção flexível, e os conteúdos de ensino a objetivos operacionais, manifestam-se, novamente, elementos do tecnicismo.

Nossos estudos teóricos nos levaram a concluir que pedagogia nova e pedagogia das competências têm a mesma raiz epistemológica, qual seja o pragmatismo. Porém, assim como na pedagogia nova ocorreu uma exacerbação metodológica que levou ao tecnicismo, a conversão das supostas competências em desempenhos, cujo desenvolvimento dependeria do uso de metodologias adequadas, levou a pedagogia das competências a se aproximar do tecnicismo.

Destaque ao pensamento freireano deve ser dado porque, mesmo tendo se aproximado da pedagogia nova pelo viés do existencialismo, ele se constituiu numa pedagogia crítica. Não obstante, como vimos, ao separar ideologia - referência da finalidade política da educação - dos processos concretos de produção, base material da exploração da classe trabalhadora, na qual forças produtivas e relações sociais de produção se encontram em contradição, a apropriação pelas ET-SUS da pedagogia de Freire impõe um limite às perspectivas de transformação social. Primeiramente, porque a separação entre ideologia e processo de produção dificulta superar o sentido instrumentalizador da aprendizagem orientada pelas necessidades da prática profissional, posto que esse processo parece ter autonomia frente ao jogo ideológico que subordina os trabalhadores. Depois, porque essa dificuldade se origina da incompreensão de que a prática profissional é uma mediação específica da práxis social que, conquanto seja produtiva, adquire potencial revolucionário à medida que os trabalhadores se apropriem dos fundamentos científico-tecnológicos e sócio-históricos da produção moderna.

As indicações das entrevistas

A análise do conteúdo das entrevistas realizadas nas ET-SUS nos levou a conclusões generalizáveis ao conjunto das escolas quanto às concepções político-pedagógicas hegemônicas nessa rede, considerando, especialmente, as orientações das políticas oficiais.

As análises realizadas nos permitem concluir que as ET-SUS nomeiam o referencial pedagógico por elas adotado como 'pedagogia da problematização'.9 9 Note-se que isto é produto da influência dos estudos de Bordenave (1988), que serviu de base para o material de formação pedagógica do Ministério da Saúde, utilizado com as escolas (Brasil, 1994). Porém, não podemos considerar a problematização como uma pedagogia propriamente, mas sim como um dos passos didáticos presentes no escolanovismo, na pedagogia libertadora, na pedagogia histórico-crítica e na pedagogia das competências. O que diferencia o sentido desse passo didático em cada uma das correntes é o objeto a ser problematizado.

No escolanovismo e na pedagogia das competências, tal objeto vem a ser as situações cotidianas às quais os estudantes precisam se adaptar, o que será feito desenvolvendo-se esquemas mentais de comparação, análise, interpretação e compreensão - as competências - mediante o pensamento reflexivo. Na pedagogia libertadora, o objeto da problematização também é o cotidiano; porém, este é considerado opressor e libertar-se dele exige o desenvolvimento da consciência crítica. Por fim, na pedagogia histórico-crítica, o objeto da problematização é a prática social, o que significa identificar os principais desafios que precisam ser enfrentados, buscando-se seus determinantes e suas contradições, para construir a emancipação humana.

Ao designarem um passo didático como sua pedagogia, pode-se inferir que as ET-SUS construíram suas concepções e práticas mediante uma forte crença no método de ensino-aprendizagem. Além disto, o fato de terem como objeto da problematização o cotidiano do trabalho em saúde nos demonstra a aproximação com o pensamento escolanovista, em que o sentido da teoria é justificar a prática.

Contudo, notamos também, em algumas escolas, a afirmação de que seu referencial pedagógico é a pedagogia das competências, e a problematização, a metodologia. Tem-se, nesses casos, uma atualização do discurso de forma coerente com um pensamento pedagógico mais estruturado. Permanecendo o cotidiano do trabalho em saúde como o objeto da problematização, continua válida a conclusão anterior, posto ser esta uma característica histórica da educação profissional em saúde, que foi atualizada pela pedagogia das competências, de mesma raiz epistemológica do escolanovismo.

Essa conclusão se consolida quando vemos que, mesmo sob a designação de pedagogia 'da problematização' e não 'das competências', as competências, hoje, são a base para o desenvolvimento dessa pedagogia, pois determinam o significado dos conteúdos de ensino, sua seleção e a avaliação da aprendizagem. Ressalte-se, porém, que estas não são elaboradas como esquemas mentais, o que seria mais coerente com a ideia de pensamento reflexivo de Dewey10 10 O pensamento reflexivo é definido por Dewey como aquele que consiste em dar voltas em um tema na cabeça e tomá-lo a sério com todas as suas consequências. A reflexão não implica tão-somente uma sequência de ideias, mas uma 'con'sequência, isto é, uma ordenação sequencial das ideias na qual cada uma delas determina a seguinte como seu resultado, enquanto cada resultado, por sua vez, aponta e remete àquelas que a precederam. Assim, o que constitui o pensamento reflexivo é o exame ativo, persistente e cuidadoso de toda crença ou suposta forma de conhecimento à luz dos fundamentos que a sustentam e das conclusões a que tende (Dewey, 1989). e com a abordagem cognitiva de Perrenoud,11 11 A abordagem de Philippe Perrenoud (1999) é fortemente cognitiva, entendendo que a competência orquestraria um conjunto de esquemas mentais, tais como percepção, avaliação, ação etc. A aprendizagem ocorreria por meio do 'pensamento reflexivo', que se instaura quando o sujeito desenvolve respostas originais e eficazes para problemas novos. O pensamento reflexivo seria a tomada de consciência, ao mesmo tempo, do obstáculo, dos limites dos conhecimentos e dos esquemas disponíveis, diante de uma situação que não pode ser enfrentada com a simples acomodação das estruturas constituídas. ambos tendo Piaget como a referência psicopedagógica, mas, sim, como desempenhos cujo uso adequado da metodologia poderia lograr. Traduz-se, aqui, a influência tecnicista e condutivista da pedagogia das competências.

Outro aspecto relevante do processo de ensino-aprendizagem detectado nessas escolas refere-se à dinâmica da problematização. Primeiramente, parte-se sempre dos problemas identificados pelos alunos na sua prática de trabalho, busca-se fazê-los apresentar seus conhecimentos sobre aquela prática - frequentemente designada pelos entrevistados como saberes cotidianos - e a esses se relacionam os conceitos científicos. Veem-se aqui, novamente, elementos do pensamento reflexivo de Dewey e de Perrenoud, pois a validade dos conhecimentos está na sua utilidade para resolver os problemas.

Sobre esse aspecto, precisaríamos aprofundar as seguintes questões:

• Em que medida se recorre aos conhecimentos científicos exclusivamente para prover instrumentos de resolução desses problemas (sentido dado aos conteúdos nas concepções pragmáticas dos autores referidos), restritos ao processo de trabalho? Ou se busca a apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas, não só os de trabalho, mas os que envolvem a prática social mais amplamente (sentido dado aos conteúdos pela pedagogia histórico-crítica)?

• Até que ponto os conhecimentos científicos são abordados exclusivamente como recursos válidos para a resolução de problemas (perspectiva pragmática) ou são compreendidos e abordados como produções sociais preservadas historicamente (perspectiva histórico-crítica)?

• Espera-se que a apropriação desses conhecimentos pelos estudantes ocorra por um construtivismo subjetivo (assim defendido pelos autores do pragmatismo) ou tal apropriação está na dependência da transmissão direta ou indireta por parte do professor, considerando que ele se encontra em níveis diferentes de compreensão (conhecimento e experiência) da prática social em relação aos estudantes, tal como entende a pedagogia histórico-crítica)?

• Tais conhecimentos são apropriados pelos estudantes no limite das necessidades postas pelos problemas da prática de trabalho (considerados suficientes na visão pragmática) ou se poderia falar de uma apropriação catártica, dada a efetiva incorporação dos instrumentos culturais, modificados para elementos ativos de transformação social (assim defendido pela pedagogia histórico-crítica)?

• Finalmente, esses conhecimentos se revertem para a transformação exclusiva das práticas de trabalho em saúde (escopo delimitado pelo sentido particular da educação profissional em saúde) ou se estende seu potencial para a efetiva transformação da prática social, considerando as relações sociais de produção que configuram a condição de classe desses trabalhadores (universalidade visada pela educação da classe trabalhadora, em que a educação profissional é uma mediação estratégica)?

A resposta a essas questões precisaria ser elaborada mediante algumas das principais contradições do processo de ensino-aprendizagem dessas. A primeira diz respeito à clara afiliação escolanovista das concepções e práticas das ET-SUS, atravessada pela intenção de formação crítica e política de seus estudantes. A segunda trata-se de referências a perspectivas de formação em totalidade e a uma visão histórica dos processos e relações de trabalho, assim como dos conhecimentos científicos, que convivem com uma compreensão do significado e da seleção dos conteúdos de ensino delimitada pelos desempenhos esperados no exercício das práticas profissionais.

Por fim, está a valorização dos trabalhadores em saúde como sujeitos de transformações sociais e uma perspectiva pedagógica que não somente reconhece seus saberes cotidianos, mas, por vezes, tende a considerá-los como mais significativos do que os saberes formais, podendo redundar na negação do direito ao acesso e apropriação do patrimônio científico e cultural da humanidade, os quais potencializam esses trabalhadores a se tornarem dirigentes e que, por isso mesmo, estiveram historicamente restritos às elites.

A explicitação e a discussão dessas contradições pelas ET-SUS podem contribuir para a construção e a consolidação efetiva de concepções e práticas pedagógicas coerentes com sua visão de mundo, na qual a educação profissional em saúde é considerada uma mediação importante para a emancipação dos trabalhadores.

Indicações da pesquisa empírica sobre as perspectivas políticas da educação profissional em saúde

Não restam dúvidas de que o marco fundamental da concepção pedagógica das ET-SUS é aquele que esteve na origem de sua própria história, qual seja, o Larga Escala. O Profae é também reconhecido como uma política de significativa relevância, por algumas razões. Uma delas refere-se ao impulso que teria dado às escolas para (re)pensar e (re)elaborar os seus projetos político-pedagógicos (PPPs). Salienta-se, normalmente, que esse processo não teria se iniciado com o Profae, mas se reconhece que adquiriu mais dinâmica e unidade a partir dessa política. As escolas mais recentes, criadas a partir do ano 2000, inclinam-se a dar uma especial ênfase à sua importância para a consolidação do projeto da escola.

Juntamente com o Profae, temos as implicações da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - lei n.º 9.394/96 -, no sentido de terem que elaborar os planos de curso com base em competências. Esse assunto é retomado quando explicam a forma como selecionam os conteúdos e realizam as avaliações, sempre com base em competências ou nos perfis profissionais, configurados por supostas competências a serem desenvolvidas pelos educandos.

Três observações sobre este assunto são necessárias. A primeira refere-se a uma ideia de continuidade em relação às suas práticas pedagógicas que o modelo de competências inspira nas escolas. Ou seja, esse modelo parece ter proporcionado às escolas meios para sistematizarem seus planos de curso, mantendo-se os princípios da chamada 'pedagogia da problematização'. Essa constatação vai ao encontro dos depoimentos de Izabel dos Santos, presentes em Lima et al. (2006), sobre a percepção de que já trabalhavam por competências, mas não sabiam que se tratava de uma teoria pedagógica divulgada a partir da nova LDB. Tal fato evidencia, de maneira empírica, a influência do escolanovismo na concepção pedagógica das escolas, assim como revela que tanto essa proposta quanto a pedagogia das competências têm o pragmatismo como raiz epistemológica.

A segunda observação refere-se ao uso das diretrizes e dos referenciais curriculares da educação profissional de nível técnico para a área da saúde. Inicialmente, as escolas tenderam a transcrever as funções, subfunções, competências e bases tecnológicas da área e das subáreas profissionais para os planos de curso. Em depoimentos, constata-se, entretanto, que as escolas, com o tempo, foram se sentindo mais preparadas para construir os perfis profissionais com base em competências, enquanto percebiam as insuficiências das diretrizes e dos referenciais em relação às reais necessidades pedagógicas. Assim, passaram a elaborar os planos de curso com maior autonomia, incluindo e/ou reelaborando as competências e as chamadas bases tecnológicas ou conteúdos de ensino.

É importante dizer que, no mesmo sentido dado à concepção de competências pelo Profae, as escolas tendem a fazer uma crítica à vertente tecnicista de competências e a procurar conferir a essa noção um conceito mais ampliado, inclusive referente à formação política. Aqui se apresenta uma potencialidade interessante de ressignificação dessa noção. Não obstante, as chamadas competências continuam a ser apresentadas como atividades e/ou desempenhos esperados, as quais orientam, inclusive, as avaliações.

São interessantes os depoimentos sobre a preocupação com o desenvolvimento de avaliações formativas e o uso de diversos instrumentos de avaliação, tais como os portfólios, os chamados registros de fatos e desempenhos, dentre outros. É destacada, porém, uma forte crítica às provas como instrumentos de avaliação de conteúdos, julgandoas como conservadoras e retrógradas. A despeito da pertinência da crítica a avaliações que se limitam a identificar a memorização de conteúdos ou, nos termos de Ausubel (2003) e Ausubel, Novak e Hanesian (1980), da 'aprendizagem mecânica', a resistência tão significativa a esse instrumento de avaliação pode expressar, como nossa análise demonstrou, uma concepção pragmática em relação aos conteúdos. Em outras palavras, a instrumentalidade dos conteúdos de ensino em relação à prática insiste em nos remeter aos fundamentos do escolanovismo, enquanto a objetivação das competências na forma de desempenho, ao condutivismo, podendo se desdobrar no tecnicismo pela ênfase conferida aos métodos.

A vinculação da formação com o SUS e seus princípios é onde se encontra a maior potencialidade para o desenvolvimento da educação profissional sob uma concepção histórico-crítica. Poderíamos dizer que o pressuposto da associação entre educação e prática social aparece nessas escolas técnicas como a relação entre a educação profissional em saúde e o SUS. Nesse sentido, o conceito ampliado de saúde,12 12 O conceito ampliado de saúde supera a ideia da saúde como ausência de doenças e a vincula à garantia de condições necessárias à qualidade de vida. que a define como um direito e preside o princípio de acesso universal ao sistema de saúde, é o eixo que sustentaria uma formação na perspectiva da totalidade centrada na integração entre trabalho, ciência e cultura. Ou seja, a compreensão do SUS como parte de uma totalidade socioeconômica mais ampla, na qual as relações sociais de produção geram a contradição entre saúde como direito e como mercadoria, justificaria uma formação em que a categoria 'modo de produção' fosse central, tal como aborda a pedagogia histórico-crítica.

Percebemos que essa ideia atravessa a reflexão dos representantes das escolas, mas não conseguimos vê-la de forma elaborada e consciente. É como se esse sentido estivesse autoevidente na afirmação de que a finalidade da educação é formar profissionais para o SUS. Também não se percebe uma elaboração, salvo em algumas entrevistas, entre a natureza econômico-social e a política do SUS e tais determinações na relação entre trabalho e educação do técnico em saúde. Se esta consciência existe, não se pode vê-la como fundamento explícito de uma concepção epistemológica, ético-política e pedagógica das escolas. A explicitação e o aprofundamento dessa compreensão provavelmente levariam à crítica da epistemologia pragmática e da hegemonia da referência na micropolítica, abrindo caminhos para que a concepção de formação politécnica e omnilateral desse direção às práticas das ET-SUS.

Atualmente, porém, os depoimentos dos entrevistados não manifestam uma compreensão sobre a educação politécnica. Em algumas situações, frente à explicação de que a educação politécnica proporcionaria aos trabalhadores a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos, sócio-históricos e culturais dos processos e das relações sociais de produção, os entrevistados afirmavam que, então, a concepção de sua escola se aproximaria desta, pois, tendo o SUS como a referência formativa, assim não poderia deixar de ser. Ainda que reconheçamos existir, de fato, tal potencialidade nas escolas, nosso questionamento a essa concordância está na diferença entre os princípios políticos e pedagógicos que orientam a politecnia e aqueles do escolanovismo, os quais já demonstramos se manifestar nas concepções e práticas das ET-SUS.

Por fim, no que se refere à concepção de educação permanente, as respostas tendem a indicá-la como convergente com o que já fazem, ampliando-se o princípio da integração ensino-serviço para ensino-serviço-gestão-controle social. Como política, levaria as escolas a uma maior interlocução com os gestores e à busca de estratégias para participação regular na discussão de seus projetos político-pedagógicos e na elaboração dos planos de curso.

Conclusões

A conclusão da pesquisa nos permitiu retornar às hipóteses que orientaram a construção dos objetivos, refutando-as ou ratificando-as. Passamos, então, a considerar duas das hipóteses estudadas13 13 No projeto de pesquisa consideramos três hipóteses, uma delas relacionada à concepção de educação permanente. Porém, como este tema não foi tratado de forma aprofundada no presente artigo, também não faremos considerações sobre a respectiva hipótese. Um estudo aprofundado sobre a política de educação permanente do Ministério da Saúde encontra-se em Vieira (2006). à luz dos resultados obtidos.

Nossa primeira hipótese era que a educação profissional em saúde no Brasil, na tentativa de superar a hegemonia tecnicista e conteudista do ensino, desenvolveu-se sem uma concepção epistemológica e ético-política sobre o sentido da educação básica e da educação profissional para a classe trabalhadora em geral e para o trabalhador em saúde em particular, deixando uma lacuna teórica ocupada pela pedagogia das competências, especialmente a partir das reformas educacionais dos anos 1990.

Tal hipótese foi refutada com a seguinte conclusão: a educação profissional em saúde no Brasil, na tentativa de superar a pedagogia tradicional, desenvolveu-se com base na epistemologia pragmatista, cujas expressões pedagógicas em nosso país foram o escolanovismo e o freireanismo. Do primeiro, foram tomados os seguintes princípios: a) a finalidade da educação é, essencialmente, o aprimoramento da prática mediante o pensamento reflexivo; b) a perspectiva metodológica de ensino centra-se na problematização da prática, esta sinônimo de cotidiano; c) na relação professor-aluno, o primeiro caracteriza-se como mediador/facilitador, enquanto é a atividade do segundo a referência do processo de ensino-aprendizagem; d) a relação teoria-prática caracteriza-se pela função da teoria como justificativa da prática; e) os conteúdos são selecionados a partir dos desempenhos esperados na prática, e sua finalidade, então, é a estruturação desses desempenhos, que passam a ser designados como competências a partir da reforma dos anos 2000; f) as mudanças dos desempenhos proporcionadas pelo pensamento reflexivo são também o foco das avaliações. Do segundo - o pensamento freireano -, foi tomada a natureza crítica e política da educação.

Em relação à concepção ético-política, também é incorreto afirmar sua inexistência. Sem dúvida, ela se caracteriza por uma concepção crítica da educação e da sociedade, mas sem trazer para o processo pedagógico a mediação das relações sociais de produção. Por fim, não foi uma lacuna teórica a razão de a pedagogia das competências ter se constituído em referência para as escolas, mas sim o fato de se constituir numa atualização do escolanovismo no contexto de indeterminações da sociedade contemporânea, por vezes reduzida ao tecnicismo, dada à centralidade conferida aos métodos, tal como ocorreu com o próprio escolanovismo.

Refutamos, ainda, a segunda hipótese, que assim afirmava: a síncrese epistemológica que caracteriza historicamente as políticas de educação profissional em saúde constitui uma contradição fundamental que dificulta a construção de hegemonia pela concepção de educação politécnica e omnilateral dos trabalhadores nesse setor. A refutação se explica, inicialmente, pela rejeição da primeira hipótese. Ou seja, a educação profissional em saúde não se caracterizou historicamente por uma síncrese, mas se pautou, hegemonicamente, pelo referencial epistemológico do pragmatismo. Isto dificulta a construção de hegemonia pela concepção de educação politécnica e omnilateral dos trabalhadores nesse setor, posto que esta se fundamenta na epistemologia da práxis e no princípio da superação das relações sociais de produção como fundamento de formação crítica.

Cumpre ressaltar que tais conclusões não elidem as contradições internas às próprias concepções presentes nas escolas, pois, como nos ensina Gramsci (1991), não existe uma única concepção de mundo, mas várias que se encontram em disputa; uma delas, porém, tende a se tornar hegemônica e a orientar as normas de conduta.

Assim, é necessário reconhecer que o movimento de construção das referências da formação dos trabalhadores técnicos em saúde deu-se mediante a crítica à educação reprodutivista e elitista que hegemoniza o pensamento educacional burguês, que também, historicamente, deu direção à política educacional brasileira. Porém, ao se fazer a opção pela escola estritamente profissionalizante14 14 Lembremos a afirmação de Izabel dos Santos que apresentamos no relatório completo de nossa pesquisa, ao definir o que seria o projeto de escola para os trabalhadores do SUS: "uma escola exclusivamente profissionalizante voltada para os trabalhadores empregados, com processos descentralizados junto aos municípios, aproveitando a capacidade instalada nos serviços de saúde, assim como os enfermeiros e outros profissionais dos serviços como instrutores e supervisores" (Lima et al., 2006, p. 58). Esse tipo de escola, no pensamento da enfermeira, não deveria ser ligado ao MEC, mas ao setor saúde. Ao MEC caberiam as escolas de educação geral, "onde o indivíduo é preparado para a cidadania, aprende a pensar, a escrever, a se comunicar, aprende a cultivar o belo, a arte, (...) a história da humanidade, onde o homem viveu, porque viveu (...). Agora cá não!" (Santos apud Lima et al., 2006, p. 58), pois a educação profissional deveria ser essencialmente tecnológica. para esses trabalhadores, a maioria deles com escolaridade básica incompleta, acabou-se corroborando o princípio da dualidade educacional brasileira, qual seja, educação básica de qualidade para a elite e escola profissionalizante - precipuamente voltada para o exercício do trabalho manual - para os trabalhadores.

As ET-SUS cresceram buscando enfrentar essa contradição, à medida que se propuseram a proporcionar aos trabalhadores o conhecimento sob sua prática de trabalho15 15 Também em nosso relatório expusemos que Izabel dos Santos considerava que este ensino não deveria ser tecnicista ou pragmático, ainda que tais termos possam ter sido utilizados não no sentido da epistemologia pragmática, mas sim como uma designação do ensino por treinamento. O fato é que a enfermeira reconhece ser necessário "antes de saber a técnica, o que sustenta a técnica, qual a base teórica, científica, que sustenta a técnica" (Santos apud Lima et al., 2006, p. 58). e a vinculá-la aos princípios do SUS, que se pautam no conceito ampliado de saúde. Não obstante, como discutimos ao longo deste texto, os fundamentos epistemológicos e ético-políticos que orientaram suas concepções e práticas têm-se colocado como limites a esse enfrentamento.

Junto dessa contradição está uma outra muito significativa. Trata-se da forte vinculação dessas escolas aos princípios do SUS, os quais expressam uma materialidade e um projeto social coerentes com a construção da politecnia como horizonte de formação que interessa à classe trabalhadora, e a não hegemonia dessa concepção nas escolas. Mais do que isto, as entrevistas demonstraram certo desconhecimento sobre o tema e não uma crítica elaborada que justificasse a sua não adesão a esse pensamento. A concepção de trabalho, por sua vez, aparece, à exceção de uma única escola que o definiu como 'produção da existência', como sinônimo de prática de trabalho, ou exclusivamente como a ação laborativa nos serviços de saúde. Com isso, somos levados a concluir que o princípio educativo do trabalho é subsumido a uma função pedagógica, ou seja, como o contexto no qual e para o qual se desenvolve a aprendizagem. Retomar alguns aspectos do referencial teórico desta pesquisa pode nos ajudar a compreender melhor esta contradição.

Discutimos que o conceito de educação politécnica está associado à concepção de formação omnilateral do ser humano; portanto, à formação plena, integral do trabalhador, que desenvolva todas as potencialidades do ser para satisfazer suas necessidades materiais e espirituais e, assim, transitar dialeticamente entre a necessidade e a liberdade. Trata-se, então, da formação de um ser que é, ao mesmo tempo, produtivo e criativo, o qual, como espécie que se produz e se reproduz socialmente, seja autodeterminado por sua capacidade de criação, ao contrário de ser sobredeterminado por relações de exploração.

Como a formação humana não se dá abstratamente, mas em relações sociais concretas produzidas historicamente, a formação omnilateral, cujo horizonte é a emancipação humana, implica a apreensão das determinações históricas da realidade em que se vive, ou seja, das relações que constroem e configuram o processo histórico de produção da existência, mediado pela própria ação humana, ao qual chamamos de trabalho.

O trabalho, então, na dimensão tanto ontológica - capacidade do ser de ter a consciência de suas necessidades, projetar formas de satisfazê-las e agir para tal - quanto histórica, nas formas específicas adquiridas pelo trabalho sob determinadas relações sociais de produção, é a mediação fundamental que determina a produção social da existência humana. Por isso, compreender e transformar a vida humana exige apreender o trabalho em suas contradições, inclusive aquelas que opõem sua dimensão ontocriativa às relações históricas que configuram o trabalho alienado no modo de produção capitalista. Implica, então, apreender o trabalho como mediação de primeira ordem na relação homem-natureza-homem; e as mediações de segunda ordem, que se interpõem entre o ser e o trabalho ontocriativo, produzindo a alienação, quais sejam, a propriedade privada, a divisão social do trabalho e o intercâmbio baseado na mercadoria (Mészáros, 2006).

É isto que se quer dizer quando nos referimos ao princípio educativo do trabalho. Não é porque 'trabalhando se aprende' ou porque é preciso 'formar para o exercício do trabalho', dentre outras ideias que se desdobram, equivocadamente, da primeira. O trabalho é princípio educativo porque expressa a natureza produtiva e criativa do ser. Compreendê-lo significa entender que a realidade e a própria vida humana são determinadas pelo próprio ser humano, mas que, sob as relações sociais de produção configuradas pela propriedade privada, pela mercadoria e pela divisão social do trabalho, a força produtiva e criativa do trabalho pode ser apropriada para a satisfação de interesses de outrem - dos que detêm os meios de produção -, alienando o ser dessa mesma natureza, processo que se constitui na exploração do trabalho.

A educação politécnica tem o trabalho como princípio educativo nesse sentido e busca proporcionar ao trabalhador a compreensão dos fundamentos científicos, tecnológicos, sócio-históricos e culturais da produção da existência humana. É uma educação que visa à formação omnilateral do ser.

Os princípios do SUS podem ser convergentes com essa concepção por algumas razões. Primeiro, porque a atenção à saúde, a assistência e o cuidado são processos que visam a assegurar a produção e a reprodução da vida humana. Sendo assim, o trabalho em saúde guardaria sua dimensão ontológica, se compreendida como relação entre homem-natureza/vida-homem, mediada pelas capacidades produtiva e criativa do ser, que proporcionam a produção de sua existência. Ao contrário, marcado pela divisão técnica e social e configurado como mercadoria, o trabalho em saúde guarda as mesmas contradições históricas das relações sociais de exploração. Portanto, sob os princípios do SUS - integralidade, universalidade e equidade -, o trabalho em saúde pode se contrapor à alienação e se traduzir como processo de criação humana. A não consecução desses princípios é, também, uma forma de se manter a alienação pelo trabalho.

Além disso, não sendo a saúde somente ausência de doença, mas a plena existência com qualidade de vida, todas as dimensões da realidade social são determinantes de tais condições. Portanto, uma educação politécnica em saúde implicaria proporcionar aos sujeitos a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos, sócio-históricos e culturais que levam à desigualdade dos sujeitos frente às suas condições de vida e aos direitos humanos. Por isso, necessariamente, seria uma educação não restrita ao processo de trabalho em saúde, mas, ao contrário, alargada ao processo de produção da vida que se dá no âmbito da realidade assim determinada.

Por essa razão, a educação politécnica em saúde não pode ficar restrita aos serviços. Precisa ir ao SUS, mas não pode se deter ao SUS. Precisa, antes, compreendê-lo como universo específico no qual se produzem condições objetivas e subjetivas de manutenção da vida humana, esta determinada por relações econômicas, físico-ambientais, históricas, culturais, dentre outras. A educação politécnica em saúde é uma educação integral e integrada, que visa à plena formação humana e incorpora no processo formativo as dimensões fundamentais da atuação do ser, quais sejam, o trabalho, a ciência e a cultura.

Seu campo de referência é a totalidade do real e da práxis social, na qual a saúde e a organização dos serviços são mediações. Por serem mediações, porém, encontram-se em relação dinâmica e contraditória com a lógica do modo de produção capitalista. Nesse sentido, a unicidade do SUS é também convergente com a concepção de politecnia, se expressar a síntese contraditória do diverso, ou seja, como fenômeno em si - uma particularidade -, mas que carrega as dimensões da totalidade.

Se a plena formação humana e sua plena realização como espécie é uma utopia em construção, assim também nos parece ser o pleno direito à saúde e a produção social da vida em condições de igualdade e qualidade, questões também presentes no projeto do SUS. Por isso, a educação politécnica pode ser uma mediação importante para a consolidação desse projeto. A educação fragmentada e o processo de trabalho dividido social e tecnicamente, que limita as pessoas à exclusividade de suas funções para produzir a saúde como mercadoria e/ou somente como serviços, são, ao contrário, impedimentos de tal consolidação.

Inscrever o debate sobre as concepções e práticas das ET-SUS no plano dessas contradições e associá-las à possibilidade de sua superação na perspectiva de uma educação comprometida com a classe trabalhadora nos parece uma condição fundamental para a consolidação do SUS e a construção de um tipo de sociedade cuja utopia sustentou as lutas da Reforma Sanitária. Compreender as disputas sobre o projeto de educação dos trabalhadores técnicos de saúde, instauradas na década de 1980 e que perduram até os dias de hoje, mesmo com novas mediações, é um processo necessário para dar materialidade histórica a essa contradição.

Notas

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  • VIEIRA, Mônica et al Análise da política de educação permanente em saúde. Um estudo exploratório dos projetos aprovados pelo Ministério da Saúde. Relatório Final Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2006.
  • 1
    Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) e da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional em Saúde da EPSJV/Fiocruz. Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). <
  • 2
    Projeto oriundo do Acordo de Recursos Humanos firmado entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério da Previdência e Assistência Social e a Organização Pan-Americana de Saúde. Foi decorrente da apresentação, pelos segmentos progressistas, na VIII Conferência Nacional de Saúde e na Conferência Nacional de Recursos Humanos, realizadas em 1986, de uma proposta distinta de formação dos trabalhadores técnicos em saúde, cuja ênfase estava menos na divisão técnica do trabalho e mais nas discussões sobre as estratégias pedagógicas de formação. A proposta se voltava especialmente para aqueles já inseridos nos serviços, posto que deles os trabalhadores não podiam se afastar para se formarem em cursos técnicos regulares.
  • 3
    O Profae foi uma iniciativa do Ministério da Saúde, que contou com empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cujo objetivo principal consistiu na qualificação e profissionalização dos trabalhadores da área de enfermagem de nível básico e técnico. O Profae ofereceu três modalidades de cursos gratuitos para os trabalhadores da área de enfermagem: 1) Curso de Qualificação Profissional de Auxiliar de Enfermagem, para os trabalhadores que concluíram o Ensino Fundamental (antigo 1º Grau); 2) Complementação do Ensino Fundamental, para os trabalhadores que não o concluíram e Auxiliar de Enfermagem; 3) Curso de Técnico de Enfermagem, para os trabalhadores que têm o Certificado de Conclusão do Ensino Médio (antigo 2º Grau) e o Certificado de Conclusão do Curso de Auxiliar de Enfermagem.
  • 4
    Política de formação de trabalhadores da saúde instituída no governo Lula, com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, baseada no princípio da integração 'ensino-serviço-gestão-controle social'. Em termos pedagógicos, a concepção de educação permanente difundida pelo Ministério da Saúde, conforme documento aprovado na Reunião da Comissão Intergestores Tripartite, realizada em Brasília, em 18 de setembro 2003, parte do pressuposto da aprendizagem significativa e propõe que a transformação das práticas profissionais esteja baseada na reflexão crítica sobre as práticas reais de profissionais em ação na rede de serviços.
  • 5
    Lembremos que, de acordo com Foucault (2006), as pessoas dispõem de consciência, não precisando daqueles que a despertem, mas o que precisam é exercer o seu poder.
  • 6
    O confronto entre o pragmatismo e a filosofia da práxis foi objeto específico de estudo da pesquisa, especialmente porque a relação teoria-prática foi nossa categoria de análise fundamental. Para isto, baseamonos em Marx (2001), Kosik (1976), Vásquez (2007) e Konder (1992). O escopo deste artigo não nos permite trazer essa discussão. Sendo assim, somente salientamos que a principal oposição entre essas correntes filosóficas está no sentido da relação teoriaprática e no critério de verdade da teoria. Para o pragmatismo, a prática precede a teoria e o valor desta está em justificar a prática, assim como o critério que constata uma teoria como verdadeira é a sua utilidade prática. Já a filosofia da práxis baseiase na unidade teoriaprática, sendo a teoria expressão concreta do real. Assim, uma teoria é verdadeira não porque é útil, mas é útil porque é verdadeira. Por isso, enquanto a prática, no pragmatismo, é verificada do ponto de vista individual e de adaptação à realidade, a práxis é sempre social mesmo que manifesta individualmente e potencialmente transformadora da realidade, esta constituída com a mediação fundamental do modo de produção da existência. Portanto, na filosofia da práxis, a práxis social não se desvincula das relações sociais de produção.
  • 7
    Este texto apresenta os resultados empíricos da pesquisa "A Educação profissional em saúde no Brasil: concepções e práticas nas Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ET-SUS)", coordenada pela autora, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O respectivo projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética da Fiocruz.
  • 8
    Os cinco passos de John Dewey (1989) são os seguintes 1) percepção, sentimento do problema; 2) intelectualização da dificuldade que se experimentou em um problema (formulação do problema); 3) hipótese para guiar a observação e outras operações; 4) raciocínio lógico; 5) experimentação e comprovação da hipótese. Segundo Bordenave (1988), o 'método do arco' proposto por Charles Maguerez é expresso em um diagrama que representa a 'pedagogia problematizadora', contendo os seguintes passos: 1) observação da realidade (problema); 2) ponto-chave; 3) teorização; 4) hipótese de solução; 5) aplicação à realidade (prática).
  • 9
    Note-se que isto é produto da influência dos estudos de Bordenave (1988), que serviu de base para o material de formação pedagógica do Ministério da Saúde, utilizado com as escolas (Brasil, 1994).
  • 10
    O pensamento reflexivo é definido por Dewey como aquele que consiste em dar voltas em um tema na cabeça e tomá-lo a sério com todas as suas consequências. A reflexão não implica tão-somente uma sequência de ideias, mas uma 'con'sequência, isto é, uma ordenação sequencial das ideias na qual cada uma delas determina a seguinte como seu resultado, enquanto cada resultado, por sua vez, aponta e remete àquelas que a precederam. Assim, o que constitui o pensamento reflexivo é o exame ativo, persistente e cuidadoso de toda crença ou suposta forma de conhecimento à luz dos fundamentos que a sustentam e das conclusões a que tende (Dewey, 1989).
  • 11
    A abordagem de Philippe Perrenoud (1999) é fortemente cognitiva, entendendo que a competência orquestraria um conjunto de esquemas mentais, tais como percepção, avaliação, ação etc. A aprendizagem ocorreria por meio do 'pensamento reflexivo', que se instaura quando o sujeito desenvolve respostas originais e eficazes para problemas novos. O pensamento reflexivo seria a tomada de consciência, ao mesmo tempo, do obstáculo, dos limites dos conhecimentos e dos esquemas disponíveis, diante de uma situação que não pode ser enfrentada com a simples acomodação das estruturas constituídas.
  • 12
    O conceito ampliado de saúde supera a ideia da saúde como ausência de doenças e a vincula à garantia de condições necessárias à qualidade de vida.
  • 13
    No projeto de pesquisa consideramos três hipóteses, uma delas relacionada à concepção de educação permanente. Porém, como este tema não foi tratado de forma aprofundada no presente artigo, também não faremos considerações sobre a respectiva hipótese. Um estudo aprofundado sobre a política de educação permanente do Ministério da Saúde encontra-se em Vieira (2006).
  • 14
    Lembremos a afirmação de Izabel dos Santos que apresentamos no relatório completo de nossa pesquisa, ao definir o que seria o projeto de escola para os trabalhadores do SUS: "uma escola exclusivamente profissionalizante voltada para os trabalhadores empregados, com processos descentralizados junto aos municípios, aproveitando a capacidade instalada nos serviços de saúde, assim como os enfermeiros e outros profissionais dos serviços como instrutores e supervisores" (Lima
    et al., 2006, p. 58). Esse tipo de escola, no pensamento da enfermeira, não deveria ser ligado ao MEC, mas ao setor saúde. Ao MEC caberiam as escolas de educação geral, "onde o indivíduo é preparado para a cidadania, aprende a pensar, a escrever, a se comunicar, aprende a cultivar o belo, a arte, (...) a história da humanidade, onde o homem viveu, porque viveu (...). Agora cá não!" (Santos
    apud Lima
    et al., 2006, p. 58), pois a educação profissional deveria ser essencialmente tecnológica.
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    Também em nosso relatório expusemos que Izabel dos Santos considerava que este ensino não deveria ser tecnicista ou pragmático, ainda que tais termos possam ter sido utilizados não no sentido da epistemologia pragmática, mas sim como uma designação do ensino por treinamento. O fato é que a enfermeira reconhece ser necessário "antes de saber a técnica, o que sustenta a técnica, qual a base teórica, científica, que sustenta a técnica" (Santos
    apud Lima
    et al., 2006, p. 58).
  • Endereço para correspondência:
    Fundação Oswaldo Cruz
    Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
    Programa de Pós-graduação em Educação Profissional em Saúde
    Avenida Brasil, 4.365, 3º andar, sala 312, Manguinhos
    Rio de Janeiro, CEP 21040-900
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2009
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