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A política de atenção básica do Ministério da Saúde: refletindo sobre a definição de prioridades

The Ministry of Health's primary care policy: reflecting on the definition of priorities

Resumos

O artigo busca problematizar o discurso do gestor nacional, que declara a Atenção Básica em Saúde como prioridade desde os anos 1990, e analisar esta política a partir da perspectiva de sua institucionalidade. Para empreender essa análise, recorreu-se tanto aos discursos sobre atenção básica presentes em textos oficiais como àqueles apresentados em artigos científicos, utilizando-se como referencial metodológico a análise de discurso proposta por Foucault. A Atenção Básica em Saúde desponta na agenda de prioridades do governo como estratégia de reestruturação do modelo de atenção em meados dos anos 1990, tendo como carro-chefe a Estratégia de Saúde da Família. Desde a entrada da Atenção Básica em Saúde na agenda de prioridades, essa política incorporou gradativa institucionalidade, mobilizando recursos e incluindo milhares de novos atores na disputa política de organização do sistema de saúde. Ainda assim, a prioridade enunciada para essa política se contrapõe a um cenário de fragilidades na atenção à saúde, especificamente na atenção básica, apontando para a necessidade de análise da direcionalidade e da construção de viabilidade da mesma.

atenção primária à saúde; atenção básica; política de saúde; agenda de prioridades em saúde


The article aims to question the discourse of the national manager, who states that Primary Health Care has been a priority since the 1990s, and to review this policy from the perspective of its institutionality. Both the discourses concerning primary care published in official texts and those presented in scientific articles were analyzed, using the discourse analysis proposed by Foucault as the methodological framework. Primary Health Care appeared on the top of the government priority agenda as a strategy to restructure the health care model in the mid-1990s, with the Family Health Strategy as its flagship. Since Primary Health Care was put on the priority agenda, this policy has gradually incorporated institutionalization, setting resources into motion and including thousands of new players in the political dispute to organize the health system. Still, the stated priority for this policy goes against a backdrop of weakness in health care, specifically primary care, pointing to the need for an analysis of its directionality and construction feasibility.

primary health care; primary care; health policy; the priority agenda in health


ARTIGO ARTICLE

A política de atenção básica do Ministério da Saúde: refletindo sobre a definição de prioridades

The Ministry of Health's primary care policy: reflecting on the definition of priorities

Camila Furlanetti Borges1 1 Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. < camilaborges@fiocruz.br> ; Tatiana Wargas de Faria Baptista2 2 Professora-pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj). < twargas@ensp.fiocruz.br>

Endereço para correspondência Correspondência: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde (Laborat) Avenida Brasil, 4.365, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 21040-900

RESUMO

O artigo busca problematizar o discurso do gestor nacional, que declara a Atenção Básica em Saúde como prioridade desde os anos 1990, e analisar esta política a partir da perspectiva de sua institucionalidade. Para empreender essa análise, recorreu-se tanto aos discursos sobre atenção básica presentes em textos oficiais como àqueles apresentados em artigos científicos, utilizando-se como referencial metodológico a análise de discurso proposta por Foucault. A Atenção Básica em Saúde desponta na agenda de prioridades do governo como estratégia de reestruturação do modelo de atenção em meados dos anos 1990, tendo como carro-chefe a Estratégia de Saúde da Família. Desde a entrada da Atenção Básica em Saúde na agenda de prioridades, essa política incorporou gradativa institucionalidade, mobilizando recursos e incluindo milhares de novos atores na disputa política de organização do sistema de saúde. Ainda assim, a prioridade enunciada para essa política se contrapõe a um cenário de fragilidades na atenção à saúde, especificamente na atenção básica, apontando para a necessidade de análise da direcionalidade e da construção de viabilidade da mesma.

Palavras chave: atenção primária à saúde; atenção básica; política de saúde; agenda de prioridades em saúde.

ABSTRACT

The article aims to question the discourse of the national manager, who states that Primary Health Care has been a priority since the 1990s, and to review this policy from the perspective of its institutionality. Both the discourses concerning primary care published in official texts and those presented in scientific articles were analyzed, using the discourse analysis proposed by Foucault as the methodological framework. Primary Health Care appeared on the top of the government priority agenda as a strategy to restructure the health care model in the mid-1990s, with the Family Health Strategy as its flagship. Since Primary Health Care was put on the priority agenda, this policy has gradually incorporated institutionalization, setting resources into motion and including thousands of new players in the political dispute to organize the health system. Still, the stated priority for this policy goes against a backdrop of weakness in health care, specifically primary care, pointing to the need for an analysis of its directionality and construction feasibility.

Keywords: primary health care; primary care; health policy; the priority agenda in health.

Introdução

A atenção básica em saúde (ABS)3 3 Neste artigo utilizam-se os termos 'atenção básica em saúde' e 'atenção primária em saúde' como sinônimos, entendendo que o primeiro expressa a concepção da política de saúde brasileira para o que internacionalmente se convencionou chamar de Atenção Primária em Saúde (APS). Sobre essa discussão, ver, também, Fausto (2005); Fausto e Viana (2005). desponta na agenda de prioridades do governo como estratégia de reestruturação do modelo de atenção em meados dos anos 1990, tendo como carro-chefe a Estratégia de Saúde da Família (ESF) (Levcovitz e Garrido, 1996). Conforme Kingdom (1984), uma agenda governamental se estabelece mediante a percepção de problemas que chamam a atenção do governo e da sociedade. Desde a entrada da ABS na agenda de prioridades governamentais, essa política incorporou gradativa institucionalidade, mobilizando recursos e incluindo milhares de novos atores (estados, municípios, profissionais, instituições formadoras e usuários) na disputa política de organização do sistema de saúde. Ainda assim, a prioridade enunciada para essa política se contrapõe a um cenário de fragilidades na atenção à saúde, especificamente na atenção básica, com uma pulverização de estratégias e recursos para áreas concorrentes.

Este texto problematiza o discurso do gestor nacional quanto à ABS, desde os anos 1990, especialmente no que se refere à propalada prioridade dessa política, que é aqui analisada da perspectiva de sua institucionalidade. As questões que norteiam esta análise são: Quais os significados de prioridade atribuídos à ABS desde a entrada desta política na agenda governamental? Tomada como política prioritária de governo, foi possível à ABS construir maior institucionalidade e obter mais recursos de poder? O que a trajetória de implementação do Programa de Saúde da Família e os resultados obtidos com sua expansão trazem de lições para a análise dos rumos da política? A que serve o enunciado de prioridade de uma política?

Para responder a essas perguntas, a primeira parte do artigo faz uma revisão teórica que busca explicitar os conceitos de agenda, prioridade e institucionalidade das políticas, discutindo os limites e possibilidades no uso desses referenciais na análise das políticas de saúde no Brasil. Num segundo momento, essas mesmas perguntas guiarão nossa revisão de documentos, que apresentam o discurso oficial do governo apontando a ABS como prioridade, e revisão de uma literatura que traz análises dessa política. Antes, porém, de iniciarmos a apresentação dos resultados desse estudo é preciso esclarecer o percurso metodológico deste trabalho e as afiliações teóricas que embasam a análise aqui empreendida, o que se explora a seguir.

O contexto da pesquisa educacional no Brasil

O discurso relacionado à política de atenção básica no Brasil é o ponto de partida deste estudo. Contudo, não se trata de adotar a perspectiva de uma análise da linguística e das construções ideológicas presentes em um texto, ou tentar compreender o discurso como um simples conjunto de signos e relações entre significantes e significados, mas sim de uma análise dos enunciados e relações que se apresentam e que o próprio discurso põe em funcionamento, assumindo uma perspectiva foucaultiana (Foucault, 1979, 1987). A análise do discurso, a partir desta lente, busca dar conta das relações históricas e das práticas discursivas que constroem sujeitos e objetos, das relações de poder e saber que se implicam mutuamente, das condições de existência de um determinado discurso, enunciado ou conjunto de enunciados.

Assim, pode-se dizer que os discursos podem prestar-se a múltiplas análises, pois suas imbricações, seus jogos de forças e relações são também múltiplos, não possuindo uma identidade particular que os nomeie universalmente, de uma mesma forma e ótica, através dos tempos. Não são entendidos como a manifestação de um sujeito, mas um lugar de sua dispersão e descontinuidade.

Para empreender essa análise, recorreu-se tanto aos discursos sobre atenção básica presentes em textos oficiais como aos apresentados em artigos científicos e outros. Nossa revisão não se pretendeu exaustiva, mas apenas suficiente diante da metodologia de análise do discurso proposta por Foucault. Nesse sentido, partiu-se de uma revisão dos principais documentos oficiais que tratam da política de atenção básica no Brasil (Brasil, 1994, 1996, 1997, 1999, 2001, 2000a, 2000b, 2003, 2004, 2006a, 2006b, 2010; Levcovitz e Garrido, 1996) e de uma revisão da literatura acadêmica que produziu análises sobre a implementação da política, em especial os resultados dos estudos de avaliação realizados no âmbito das pesquisas de Linhas de Base incentivadas pelo Programa de Expansão da Estratégia de Saúde da Família;4 4 Foram dois grandes momentos de realização de estudos sobre a implementação da política de atenção básica no âmbito do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf): 2002 e 2005. Os artigos gerados por esses estudos estão, principalmente, em dois volumes especiais das revistas Ciência & Saúde Coletiva e Cadernos de Saúde Pública, respectivamente, v. 11, n. 3, 2006, e v. 24, n. S1, 2008. Além dessas duas, foram analisadas outras publicações que divulgaram resultados do Proesf, tais como: Caetano e Dain (2002), Escorel (2002), Escorel et al. (2007), Viana e Silva (2005). e ainda de outros estudos de análise da política (Bodstein, 2002; Castro, 2009; Souza, 2002; Viana e Dal Poz, 2005).

Estes documentos foram tratados como 'monumentos' (Foucault, 1987), como discursos que obedecem a regras de formação próprias de sua época e de seu domínio, como um acontecimento em relação a outros acontecimentos históricos. Foi, portanto, em seus fragmentos sobre ABS que se buscaram elementos para a construção de novos argumentos e enunciados sobre a política de atenção básica no Brasil, colocando em análise o contraditório e as diferentes interpretações que se apresentam no âmbito deste debate.

Agenda governamental, prioridade política e institucionalidade

Os conceitos de agenda e de prioridade têm sido amplamente utilizados nas análises de políticas como um argumento-chave para a identificação dos rumos e estratégias adotadas pelos governos no desenvolvimento de ações e definição de políticas públicas. Já o conceito de institucionalidade tem sido pouco utilizado como referencial de análise. Nesta seção, argumentamos como a associação dos conceitos - agenda, prioridade e institucionalidade - pode conformar um referencial analítico interessante para o estudo das políticas de atenção básica no Brasil.

Kingdom (1995) define agenda como um conjunto de temas, assuntos e problemas que chamam a atenção do governo e da sociedade. Os temas eleitos como prioritários pelas autoridades governamentais compõem a agenda de prioridades do governo (agenda setting). O autor destaca que a definição de uma agenda de prioridades não é um processo natural, lógico ou mecânico, mas fruto de um complexo processo de disputa e negociação entre diferentes atores (governamentais e não-governamentais) em contextos políticos, sociais e históricos concretos. Ou seja, o reconhecimento de problemas pelos governos se dá mediante características dos órgãos, das instituições e dos aparelhos vinculados à produção de políticas públicas, bem como da dinâmica e regras do jogo político (political stream). Assim, a inclusão ou exclusão de um tema como prioridade de governo precisa ser analisada numa perspectiva das oportunidades ('janelas de oportunidade') que se apresentam para o fortalecimento de uma dada política.

A definição de prioridade na agenda política remete a uma compreensão de que há um interesse do governo na resolução de um problema, ou pelo menos de demonstrar que há um interesse em resolvê-lo. Contudo, deve-se considerar que nem sempre a definição de prioridade vem acompanhada de uma análise política de viabilidade, de um projeto de sustentabilidade ou de um interesse real de enfrentá-lo. Ao contrário, os estudos de análise de política têm se dedicado a mostrar que existem incongruências entre as fases da política num distanciamento cada vez mais crescente entre a chamada fase de formulação (onde são eleitos os problemas e decididas as diretrizes) e a de implementação da política (onde um projeto é posto em ação), evidenciando as inconsistências no momento da formulação (Hogwood e Gunn, 1984).

Portanto, depreende-se que entre a eleição de uma prioridade e a construção de viabilidade de uma política há um conjunto de variáveis e circunstâncias a considerar que não se apresentam no simples enunciado de prioridade.

Esse caminho nos remete ao momento de implementação de uma política, quando há uma reformulação dos pactos e a busca (ou não) de respostas concretas aos problemas que se apresentam. A construção de viabilidade de uma política põe em cena os diferentes atores participantes e induz à formação de uma base institucional que possa dar sustentação e continuidade aos processos políticos definidos (institucionalidade).

Assim, falar de prioridade sem considerar a institucionalidade da política pode ser insuficiente, principalmente quando se busca a compreensão do alcance de uma política. Enquanto a prioridade remete às decisões formais de governo, a institucionalidade refere-se às raízes de sustentação da política no âmbito das instituições, diz respeito à trajetória prévia das instituições, aos arranjos de poder, às regras e condutas da organização política e societal. É, portanto, algo que extrapola as decisões meramente administrativas, formais ou que se apresentam no discurso.5 5 O conceito de institucionalidade é uma tentativa de combinação de autores e teorias explicativas que se debruçam sobre a análise de processos políticos e a de instituições. É a utilização dos referenciais teóricos como ferramentas para compor uma nova análise. Assim, tomaram-se de empréstimo do neoinstitucionalismo histórico os conceitos de path dependance e increasing returns (Pierson, 2000), os de instituído e instituinte da análise institucional (Lourau, 1995), os de poder e micropoderes de Foucault (1979) e da esquizoanálise (Deleuze; Guattari, 1999 e 1997).

Quando se faz referência a algo que extrapola decisões administrativas, formais ou do discurso, alude-se não apenas ao instituído e sua força sobre o presente e o futuro, mas também a processos micropolíticos que capilarizam poderes instituintes nem sempre dependentes de trajetórias prévias. As possibilidades de invenção também têm força sobre a institucionalidade quando dotadas de princípios políticos com direcionalidade e coerência processual.

Portanto, reconhecer a institucionalidade de uma política significa considerar o protagonismo dos sujeitos, dotados sempre de direcionalidade política. Da mesma forma, admitir a prioridade de uma política remete ao reconhecimento dos sujeitos que enunciam tal prioridade. A prioridade será sempre prioridade para alguém, para algum grupo, em algum momento. O enunciado de prioridade deve então ser compreendido a partir dos diferentes pontos de vista presentes no processo de formulação de uma política e do contexto em que se insere. Além disso, o discurso de prioridade pode também ser esvaziado de sentido - mas não de intencionalidade política e servir como um argumento político para desmobilizar diferentes grupos e ações. É nesse sentido que a análise de prioridade de uma agenda governamental precisa ser compreendida para além dos aspectos formais que a definem. É preciso reconhecer o contexto, os atores e as estratégias desenhadas para sua consecução. É preciso entender o quanto de institucionalidade uma política tem conseguido empreender.

A discussão da institucionalidade de uma política especialmente a de ABS, que tem uma proposta de gestão que provoca as relações intergovernamentais incorpora a análise da formulação de políticas em contextos de descentralização, indicando a 'circularidade' desse processo. Ou, dito de outra maneira, a formulação e implementação de políticas por um nível central não é um processo de mão única, ou pelo menos não deve ser, mas envolve o retorno, a ideia de processo, a ação questionadora e propositiva nesses espaços onde se dá a materialidade da política no cotidiano da população a que se destina. A formulação de uma política de ABS que se pretenda nacional e componente de um sistema único democrático e participativo deve estar sempre no gerúndio, e disposta a várias 'rodadas de negociação', para usar um termo de Abrucio (2005), numa referência ao que se espera de um modelo de Estado federativo, como o nosso. É nessa via de mão dupla da construção política que reside um dos sentidos da integralidade nas políticas específicas (Mattos, 2003), e é com esse sentido que analisaremos os discursos em torno da atenção básica.

O discurso da prioridade na trajetória da atenção básica

Um primeiro aspecto a ressaltar na ideia de prioridade associada à atenção básica é que nem sempre, no discurso político (seja oficial, seja do movimento reformista da saúde), a atenção básica foi priorizada. Mesmo nos anos 1970 e 1980, quando a temática da atenção primária à saúde (APS) e a proposta de extensão de cobertura apresentavamse ao debate, havia uma grande preocupação do movimento reformista da saúde com o debate da focalização e restrição de cobertura, já presente em algumas propostas internacionais (Fausto e Matta, 2007).

Em outra perspectiva, a prática de construção de uma atenção primária à saúde já vinha sendo experimentada no Brasil em vários momentos da trajetória da política de saúde, seja com a definição de alguns programas de extensão de cobertura e programas de integração docenteassistencial, seja com experiências inovadoras no âmbito local (como o Silos, os Distritos Sanitários, a Cidade Saudável, o Defesa da Vida, a Vigilância à saúde) que, na prática, já transformavam a construção do modelo de atenção e a própria organização dos serviços de saúde, com foco na atenção primária e integral e na construção de políticas promotoras de saúde (Corbo et al., 2007).

Todavia, apesar de o projeto do Sistema Único de Saúde (SUS) haver sido influenciado, por um lado, por várias propostas contemporâneas de reformas setoriais, incluindo os campos de conhecimento relacionados à saúde coletiva, considerando um modelo explicativo do processo saúde-doença baseado no paradigma da determinação social da doença, por outro lado, o conhecimento acumulado por essas iniciativas locais brasileiras não foi aproveitado pelo "(...) movimento sanitário, cujos esforços centraram-se em questões mais gerais das políticas e do direito à saúde" (Conill, 2008, p. S11).

Além disso, atenta-se para o fato de, não se constituindo em novidade, a APS também não apresentou consensos nem unanimidades, exceto pela percepção de que os diversos sentidos de APS refletem uma disputa que ocorre tanto em âmbito acadêmico quanto no campo das ações de governo e políticas de saúde (Conill, 2008; Fausto e Matta, 2007; Ribeiro, 2002). Por isso a necessidade de contextualizar cada movimentação em torno dessa política a fim de compreender sua direcionalidade e conteúdo.

Quando da instituição do SUS nos anos 1990, o que se observou inicialmente foi um esvaziamento propositivo do Ministério da Saúde (MS) quanto à temática de modelos de atenção em saúde e uma concentração de esforços em questões relacionadas ao financiamento e à descentralização do sistema de saúde. Assim,

A ausência de uma discussão mais profunda no âmbito do Ministério da Saúde sobre organização da atenção fez com que prevalecesse, no SUS, o modelo de atenção centralizado, com ênfase na doença e nas ações curativas ofertadas pelos hospitais (Fausto e Matta, 2007, p. 57-8).

Ainda assim, mesmo que a ênfase da política nacional não estivesse na construção do modelo de atenção, mantinham-se no âmbito de alguns estados e municípios experiências que buscavam dar resposta aos problemas que se apresentavam. É nesse contexto que, no final dos anos 1980, algumas cidades do Ceará constituíam o primeiro projeto de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), alcançando resultados expressivos na redução da morbimortalidade infantil. Em 1991, devido ao sucesso da estratégia, o Programa de ACS (Pacs) foi definido como política nacional e encampado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), voltando-se prioritariamente para os estados do Norte e Nordeste (Corbo et al., 2007).

Desenvolviam-se também, no início dos anos 1990, em alguns contextos locais, experiências de conformação de equipes de saúde da família, que ampliavam o escopo da atuação dos ACS. Em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF) alcançou status de política nacional e passou a priorizar as áreas de maior risco social:

O Programa de Saúde da Família - PSF tem como propósito colaborar decisivamente na organização do Sistema Único de Saúde e na municipalização da saúde (...). Atenderá principalmente os 32 milhões de brasileiros incluídos no Mapa da Fome do Ipea, expostos a maior risco de adoecer e morrer e na sua maioria sem acesso permanente aos serviços de saúde. (...) Esperamos que o PSF seja uma contribuição para o desenvolvimento dos sistemas locais de saúde, promovendo a atenção primária de boa qualidade e a participação da comunidade na construção do setor de saúde, que aponte para um novo paradigma: a qualidade de vida (Brasil, 1994, p. 5).

Até este momento não se tratava de dizer que havia um enunciado de prioridade para a atenção básica presente na agenda governamental federal, dado que os programas ainda eram bastante limitados a alguns territórios e grupos, mantendo-se isolados no contexto do próprio ministério - na Funasa. Mas já havia uma percepção do gestor nacional do impacto social, sanitário e político do Pacs/PSF. Tudo isso num cenário internacional que se mostrava propício à expansão das ações básicas de saúde e num cenário nacional de escassez de recursos para a saúde e para a área social em geral, onde a principal preocupação era a estabilização da moeda e o controle inflacionário, numa política de ajuste do Estado (Noronha e Soares, 2001).

De outro modo, o fato de o gestor nacional ter assumido o Pacs/PSF como política nacional deu início a um processo de construção de uma institucionalidade no âmbito federal, como também nos contextos estaduais e municipais, o que proporcionou mais visibilidade à própria política e garantiu também maior adesão de outros grupos e atores interessados no desenvolvimento das políticas de saúde no âmbito local nos moldes de uma atenção básica.

É nesse contexto que o Pacs/PSF migra de uma posição política limitada,6 6 É interessante também lembrar que foi no ano de 1995 que os dois Programas saem da Funasa e passam a ficar sob a gestão da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS). como programa, para se tornar o principal argumento político para reorientação do modelo assistencial na segunda metade dos anos 1990, buscando afirmar-se como uma estratégia articulada aos princípios da reforma e comprometido com a garantia da universalidade e integralidade da atenção.

Em um documento histórico sobre o processo de formulação dessa política, editado no ano de 1996, o então secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, Eduardo Levcovitz, e a diretora do Departamento de Assistência e Promoção da Saúde, Neide Garrido, apresentavam uma proposta de reformulação do modelo assistencial tendo como principal estratégia reestruturante o PSF. Este não mais fundado na ação programática e na organização paralela de serviços, mas num modelo integrado e substitutivo de atenção, capaz de incorporar um conjunto de profissionais e saberes numa atuação inter e multidisciplinar. Ou seja, o PSF afirmava-se como porta de entrada do usuário no sistema, passando a se responsabilizar por todos os nós do sistema, sendo parte crítica de sua organização (Levcovitz e Garrido, 1996).

Esta orientação, ainda que não explicitada no texto da Norma Operacional Básica da Saúde de 1996 (NOB96), foi o eixo de argumentação para a proposta de criação do Piso da Atenção Básica (PAB) e para a redefinição das condições de gestão dos municípios a partir de então, constituindo também a definição da condição de gestão plena da atenção básica (Brasil, 1996).

Em outra perspectiva, associar o PSF a uma estratégia de reorientação do modelo foi, a partir da NOB96, um passo a mais na construção da institucionalidade da política de atenção básica; e, ao definir um recurso específico para financiá-lo, o PAB, essa normativa garantiu a adesão e maior possibilidade de continuidade da política. Assim, não havia naquele momento a pretensão de um discurso de prioridade da política de atenção básica, mas, ao projetar o PSF como estratégia para reorientação do sistema, visava-se uma mudança gradual do status político desta área.

O discurso de prioridade surge de forma paulatina um pouco mais tarde, no momento de implementação propriamente dita da NOB96,7 7 Um conjunto de portarias ministeriais, a partir de janeiro de 1997, introduziu mudanças importantes na proposta da NOB 96, dentre elas o valor fixado para o PAB. É só a partir destas portarias que a Norma começou de fato a ser implementada e que teve início o processo de expansão do PSF (Baptista, 2003). com a expansão do PSF especialmente a partir de 1998 e num contexto político já associado a um projeto de governo que almejava uma política de visibilidade para apoio à candidatura à presidência da República do então ministro da Saúde, José Serra (Baptista, 2003).

O Ministério da Saúde, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, tornou efetiva a prioridade para a atenção básica em saúde: aportou mais recursos, vem implementando a descentralização e promovendo a equidade (Brasil, 2000b, p. 15).

A prioridade naquele momento era anunciada como expansão de um modelo de PSF que estava em curso, enfatizando o caráter de reorganização da assistência a partir desse modelo.

O objetivo de Saúde da Família é a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças e no hospital. A atenção está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes de Saúde da Família uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que vão além de práticas curativas. (...) O Governo Federal estabeleceu como meta prioritária a expansão das equipes de Saúde da Família - Pacs/PSF, como ferramenta importante na mudança do modelo assistencial (Brasil, 1999b, p. 1).

A prioridade estabelecia-se nas metas de expansão do programa8 8 "No período 1996-99, passou-se de 847 equipes em 228 municípios, para 4.945 equipes em 1.970 municípios. Para o ano 2000, a meta é alcançar 11 mil equipes" (Brasil, 2000, p. 6). De 1997 para 1998, o número de equipes de saúde da família dobrou, e mais que dobrou o número de municípios com o Programa (Brasil, 1999b). (Brasil, 2000) e na substituição das unidades tradicionais pelas de PSF (caráter substitutivo).

Não significa a criação de novas estruturas de serviços, exceto em áreas desprovidas, e sim a substituição das práticas convencionais de assistência por um novo processo de trabalho, cujo eixo está centrado na vigilância à saúde (Brasil, 1999b, p. 2).

Cabe ressaltar que tal política pressupunha a contratação de mais profissionais em todo o território nacional, bem como a construção ou reestruturação de unidades de saúde, medidas que exigiriam um aumento no aporte de recursos. Contudo, o cenário que se apresentou foi o contrário: houve redução do papel do Estado e de contenção dos gastos públicos, num aumento de modalidades alternativas de contratação, precarização da força de trabalho em saúde e deslocamento da responsabilidade dos custos do sistema de saúde do governo federal para outras esferas de governos, prevalecendo o projeto hegemônico de reforma do Estado (Noronha e Soares, 2001; Machado, 2006). Portanto, o discurso de prioridade se apresentava com mais ênfase do que o estímulo à viabilidade e sustentabilidade da política.

Quanto ao modelo, é interessante perceber a ênfase do discurso oficial na estratégia substitutiva de reorientação. Tal ênfase se expressou, num primeiro momento, na definição de normas rígidas para organização propriamente dita das unidades e equipes de saúde da família (principalmente na composição da equipe) nos territórios, atrelando-se o repasse de recursos/incentivos a tais condicionalidades.

A adoção do PSF como modelo prioritário, atrelado a forte indução financeira e às normas de descentralização, produziu um encapsulamento, no sentido de responder prioritariamente a um problema, mas não se promoveu autonomia e governabilidade para a formulação e implementação de políticas de atenção básica, equânimes e apropriadas ao amplo espectro de diversidades do país. Tal rigidez normativa esbarrou em cenários diversos (com maior ou menor capacidade de resposta) e, principalmente, desconsiderou as trajetórias institucionais prévias (institucionalidades produzidas) na conformação de sistemas locais. Pode-se dizer que nesse momento o discurso de prioridade solapou a construção de institucionalidade nas localidades que avançavam na construção de seus modelos e esvaziou de sentido a discussão do modelo durante um período.

Em outra perspectiva, da forma como foi implantado, com rápida expansão, e com as mudanças introduzidas na NOB96, não se pode considerar que a política desenhada a partir de 1998 seja uma continuidade do que se havia pensado em 1996; ao contrário, mostra-se claro o movimento de ruptura. O PSF foi eleito como uma prioridade política de governo, mas isso não significou a priorização de um debate em torno do modelo, como se previa em 1996. No entanto, a expansão do PSF e a sua capilarização no território nacional, com a mobilização de milhares de gestores e profissionais de saúde, levaram em pouco tempo ao debate sobre o modelo.

Assim, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, já surgiam os primeiros diagnósticos (Dain et al., 2001; Escorel, 2002; Viana e Dal Poz, 19989 9 Trata-se de um dos primeiros estudos sobre o processo de implantação do PSF, buscando estabelecer a relação existente entre as atividades desenvolvidas pelo programa e os resultados encontrados. O estudo analisou a implementação do PSF em sete municípios, escolhidos de forma intencional tendo como critérios o grau de adesão regional ao programa, o tamanho do município e o grau de municipalização. ) sobre os desafios e impasses na construção de um modelo assistencial pautado no de saúde da família. Eram apontadas problemáticas em torno da formação e do vínculo dos profissionais, da dificuldade de se fixarem no interior, de carências na capacidade de gestão dos municípios, de construção da integralidade devido à lacuna de outros níveis de referência, de limitação da autonomia gestora devido ao incentivo financeiro de forte indução normativa, dentre outras questões.

O debate político e acadêmico indicava a necessidade de fortalecimento da atenção básica numa perspectiva que não se restringisse ao modelo do PSF, numa tentativa de revalorização da concepção de atenção primária em saúde, buscando o diálogo com o debate internacional (Canesqui e Oliveira, 2002; Fausto, 2005; Gil, 2006). Nesse contexto, renovava-se a discussão sobre APS no Brasil.

Nesse período, o MS passa a estabelecer intercâmbio com instituições de pesquisa e consultores internacionais que eram referências no debate da APS.10 10 Uma das participantes foi Barbara Starfield, pesquisadora de renome internacional e autora de diversos trabalhos científicos e livros sobre APS. Em 2002, o MS editou o livro de Starfield, em parceria com a Unesco, intitulado Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia (Starfield, 2002). Os conceitos divulgados pela autora passam a servir de referencial teórico na discussão da política de atenção básica no Brasil, tendo sido incorporados no documento oficial da política em 2006. A discussão sobre o modelo de atenção retorna à cena política. Todavia, a atuação do MS continuou pautada no reconhecimento do PSF como modelo prioritário para a organização e qualificação da atenção básica, fortalecendo sua capacidade de indução (Brasil, 2004).

Há relatos de pesquisa que indicam (Castro, 2009) não ter havido mudanças nas diretrizes da política de atenção básica com a nova gestão em 2003. A preocupação voltava-se para o reajuste do financiamento da política de ABS, inclusive sem questionamento do modo financiamento fragmentado por incentivos.11 11 PAB possui um componente variável, condicionado a adesão a determinadas estratégias. Cinco diferentes incentivos compõem o PAB Variável: PSF, Pacs, PSB, Iafab (assistência farmacêutica básica), IAB-PI (para atenção básica aos povos indígenas).

Nesse contexto, a partir de 2003, o MS dá início à primeira fase do Projeto de Expansão e Consolidação Saúde da Família (Proesf), com apoio do Banco Mundial, tendo três componentes: expansão da estratégia em municípios de grande porte; desenvolvimento de recursos humanos; e monitoramento e avaliação. O PSF já havia adquirido relativa importância em pequenos municípios. Todavia, ao ser adotado pelo MS como estratégia prioritária de conversão do modelo de atenção, deveria ter um alcance populacional mais significativo. Sabedor de que a maioria da população brasileira reside nos grandes centros urbanos, o Proesf adquiriu essa direcionalidade, mantida ainda hoje. Ao apostar nos municípios de grande porte, o MS assumia uma prioridade que, de fato, agregou ainda mais críticas.

Ou seja, se quando o PSF foi mais significativo em municípios menores já eram apontadas problemáticas de diversas ordens (Viana e Dal Poz, 1998), com a expansão para um grupo de municípios, que era novo nesse modelo, não se poderia esperar outra coisa a não ser o acréscimo de novas fragilidades sem já haver encontrado solução para as anteriores. Assim, não restam dúvidas de que a construção da institucionalidade cede lugar a uma prioridade com pouco respaldo em processos intermediários de aprendizagem institucional.

Em que pese o dito acima, não podemos deixar de reconhecer que todo o projeto de expansão contribuiu para a gradativa institucionalização desta política tanto no âmbito federal como nos estados e municípios. Nesse sentido, o esforço do Proesf, em 2005, de desenvolvimento de estudos para estabelecimento de "(...) Linha de Base para a análise desta expansão nos centros urbanos com mais de 100 mil habitantes" contribuiu para elaboração de indicadores político-organizacionais de gestão e do cuidado (Mendonça et al., 2008).

No ano de 2006, críticas ao modo de condução da política de descentralização levaram à apresentação de uma nova portaria ministerial com a proposta de um novo pacto pela saúde (pacto pela vida, pela saúde e de gestão, estabelecendo como prioridade (uma dentre as seis) a atenção básica à saúde, reafirmando "a estratégia da Saúde da Família como modelo de atenção básica à saúde e como centro ordenador das redes de atenção à saúde do SUS" (Brasil, 2006a). Ainda no ano de 2006, o MS editava a política de atenção básica, visando "revisar e adequar as normas nacionais ao atual momento do desenvolvimento da atenção básica no Brasil", considerando o PSF como "a estratégia prioritária para reorganização da atenção básica" (Brasil, 2006b). Mantinha-se, portanto, a ênfase na priorização da atenção básica tendo como eixo estratégico o PSF.

Ainda nesta gestão, associado ao discurso de expansão da atenção básica, surge o discurso de inclusão social e redução das desigualdades sociais. É nesse sentido que foi priorizada a inclusão do incentivo para Equipes de Saúde Bucal (ESB) no PSF, na lógica do Programa Brasil Sorridente (Baptista, 2008), e a incorporação das populações quilombolas e indígenas nas bases de cálculos per capita do PAB fixo. Mais uma vez, a política de ABS é utilizada como instrumento para outras prioridades que não ela mesma. Acontece que, à diferença do momento em que a prioridade que se colava à ABS era a descentralização, desta vez estamos falando de questões que não mobilizam tanto apoio e enfrentam problemas estruturais históricos do país - desigualdade e exclusão social. Trata-se de um enfrentamento que pode pôr à prova a institucionalidade da ABS, dependendo do sucesso desta e da opção de futuros governos na composição de políticas redistributivas, de combate à pobreza, geração de renda, educação etc.

De todo modo, quanto a esse potencial de transformação via PSF, há outras iniciativas em um sentido que extrapola a atenção básica para o SUS, e com potencial de promover a integração sistêmica do modelo de atenção (ex: Núcleos de Apoio ao Saúde da Família - Nasf), a integração intrassetorial (ex: incentivo financeiro referente à inclusão do microscopista na atenção básica) e até a intersetorial (ex: Programa Saúde na Escola - PSE). Parte dessas medidas tem sido viabilizada pelo instrumento do PAB Variável. Vinculado à adesão a estratégias, ele permite que se financiem, além de programas ligados ao Pacs/PSF, outras ações que produzem uma espécie alargamento do setor saúde, na medida em que se prestam a políticas integradas com outros ministérios e a políticas com uma interface cultural (ex: Programa Brasil Quilombola). Essas iniciativas, todas elas recentes, merecem acompanhamento, mas desde já sugerem ser indícios de institucionalidade da política de ABS.

Sobre os discursos de avaliação da atenção básica

Esta seção se dedica à análise dos discursos que apresentam os resultados dos estudos de avaliação da atenção básica, em específico aqueles realizados no âmbito das pesquisas de Linhas de Base incentivadas pelo Proesf. Essas pesquisas visaram municípios com mais de cem mil habitantes e tiveram recortes em diferentes regiões do país. Foram encontradas não apenas as potencialidades da ESF, mas diversas ordens de críticas e questionamentos. Para fins desse trabalho, destacaremos as fragilidades, entendendo-as como analisadores capazes de explicitar o direcionamento político sob o discurso da prioridade, indicando o quanto este tem sido ou não acompanhado de construção de viabilidade.

Desde que a política de ABS passou a ser vista como estratégia de reorientação do modelo de atenção, uma das formas de sua avaliação passa pela consideração de integração com o restante do sistema, atuando como porta de entrada, através de um modelo hierarquizado e regionalizado que garanta acesso a outros níveis de atenção. Todavia, há estudos indicadores de que esta ainda é uma questão não equacionada (Rocha et al., 2008). Os problemas decorrem de aspectos da organização e da gestão do sistema: as dificuldades para referenciar usuários a partir da atenção básica; a pouca institucionalidade dos processos de planejamento e programação, e do uso de sistemas de informação; sobrecarga das equipes de PSF (Rocha et al., 2008); insuficiência de oferta de atenção especializada, produzindo filas de espera; e baixa governabilidade sobre serviços especializados sob gestão estadual (Giovanella et al., 2009).

Essas dificuldades estão na origem do SUS, enquanto este ainda era um projeto em gestação entre os integrantes do movimento pela reforma sanitária nos anos 1970. Se, por um lado, parte desses problemas independe de o modelo de atenção básica ser o PSF ou qualquer outro, de a estratégia ser de hierarquização ou não, por outro lado, sua permanência sugere a insuficiência do debate sobre a pertinência dos modelos de gestão adotados. De todo modo, se desde o início dos anos 1990 defende-se um modelo de sistema hierarquizado, e se desde há muito se apontam gargalos entre a atenção básica e a atenção especializada (Levcovitz e Garrido, 1996), como crer na institucionalidade dessa política a partir da necessidade de viabilizar a integralidade da atenção? Parece-nos, no mínimo, incipiente.

É importante lembrar que a busca pela integralidade da atenção e pelo papel da ESF de reordenadora do modelo atenção passa também pelo enfrentamento da mercantilização dos níveis de atenção mais complexos (Escorel et al., 2007; Giovanella et al., 2009). Ou seja, temos que nos haver com a força da oferta prévia de ações que está concentrada, em geral, em equipamentos e estabelecimentos de alta complexidade, que sugam muito mais recursos e tendem também a concentrar-se no setor privado contratado. Uma particularidade da questão está no fato de que esses constrangimentos referem-se especialmente a municípios que já possuem uma rede de serviços complexa instalada, em geral municípios de grande porte.

A reversão do financiamento - da média e alta complexidade para a atenção básica - implicaria investimento maciço na atenção básica e de média complexidade - para inverter os fluxos de encaminhamentos na rede de atenção - e enfrentamento de uma recomendação discutida e polemizada nos anos 1980, qual seja, o progressivo desinvestimento no setor privado rumo a uma estatização do setor saúde (Brasil, 1986). Essa é uma discussão que não tem tido muita força nem na arena do governo, nem nos debates acadêmicos recentes ligados à temática da atenção básica e da ESF.

Segundo Castro, a criação do PAB Fixo opera uma ruptura no padrão de gastos, evidenciando distorções regionais: no financiamento da média e alta complexidade, os recursos são destinados principalmente para as regiões Sul e Sudeste, que possuem maior oferta prévia de serviços; por outro lado, no financiamento da atenção básica, "(...) os estados da região Norte e Nordeste se destacam por apresentarem não só o maior valor per capita, (...) e por terem muitos estados que recebem valores maiores em transferências federais de atenção básica do que referentes à média e alta complexidade" (Castro, 2009, p. 162).

O potencial de reversão da lógica de financiamento pelo PAB é patente. Todavia, depende do enfrentamento do setor privado nas regiões onde este é mais forte.

De todo modo, a inovação do PAB merece ser vista como uma estratégia de institucionalidade, dado que introduz uma lógica de financiamento que desatrela o faturamento da produção, aportando recursos regulares e diretos para milhares de prefeituras que podem investir nos procedimentos localmente definidos como prioritários para a prevenção e promoção da saúde (Bodstein, 2002). Segundo Bodstein (2002), o PAB traz a expectativa de alavancagem gradual de mudança do modelo assistencial.

Por outro lado, tem-se percebido que os valores transferidos do governo federal referentes aos incentivos programáticos apresentam tendência crescente, enquanto os valores referentes ao PAB fixo tendem à estabilidade (Castro, 2009). Ora, os valores do PAB fixo são justamente aqueles passíveis de serem utilizados pelos gestores municipais com maior margem de autonomia. Com isso, observa-se uma tendência histórica da gestão federal de tutelar o usufruto que os entes federados têm do processo de descentralização política. A regulamentação das transferências de recursos tem sido o principal instrumento de indução utilizado pelo MS, em detrimento de práticas de indução por pactuações e supervisões técnicas, que estimulariam a adesão dos municípios à política de atenção básica pela credibilidade no modelo ofertado, pela aposta no PSF como modelo capaz de reorientação das práticas em saúde. Chama atenção os achados da pesquisa de Machado et al. (2008), que indicam que gestores locais adotam estratégia de saúde da família por conta da possibilidade de maior aporte e regularidade de recursos com o financiamento federal, não por escolha. Ou, ainda, há estudos que revelam que poucas cidades com sistemas de saúde complexos optaram pela adoção do PSF como estratégia substitutiva do modelo assistencial, permanecendo a opção por uma estratégia voltada a grupos populacionais mais vulneráveis (Pereira et al., 2006).

Ora, uma política que estivesse preocupada com a construção de institucionalidade deveria oferecer, tanto através do modelo de financiamento quanto através da oferta de ideias e suporte técnico, um modelo de atenção flexível e passível de ser adequado às realidades locais, respeitando a dimensão política do processo de descentralização e o cenário heterogêneo do país - em termos de necessidades de saúde e de capacidade financeira, administrativa e de recursos humanos.

Ademais, essa tutela por meio do processo de descentralização e financiamento vinculado não favorece outro aspecto de enorme importância para a sustentabilidade da política de ABS: a aprendizagem institucional e o desenvolvimento da capacidade de gestão nos municípios (Viana et al., 2006).

Outro complicador é o achado da pesquisa de Pereira et al. (2006): permanece a heterogeneidade dos municípios do ponto de vista econômico-financeiro e de suas possibilidades, a curto e longo prazo, de assumir compromissos financeiros importantes em futuro próximo. Questiona-se, desse modo, a sustentabilidade financeira do PSF. Como um programa considerado prioritário pelo governo federal poderia sofrer de restrições de recursos a ponto de ameaçá-lo na proposta política? Como pode uma estratégia, que é atrelada ao movimento de descentralização através da municipalização e que busca promover cuidados no território, permanecer à mercê da lógica federal de financiamento por incentivos? Para uma política assim desenhada, não basta a afirmação de prioridade de governo, pois sua sustentabilidade pode ser posta em xeque apenas por uma questão de vontade política.

Conta para isso a forte tradição brasileira de gestão federal das políticas nacionais de saúde, sendo a gestão municipal uma novidade recente. Afinal, o que são 20 anos de descentralização frente a mais de cem anos de institucionalização das práticas de centralização política e administrativa? Nesse sentido, Conill afirma, quanto à ESF, que "o que estaria impedindo sua expansão seriam as estruturas burocráticas ainda pesadas, o corporativismo, o aparelho formador e os preconceitos em relação à tecnologia simplificada" (2008, p. S11, grifos nossos). No mais, trata-se de, no interior da burocracia do MS, romper com o histórico de disputas intrassetoriais por poder e recursos. A série de debates que têm ocorrido, desde 2008, em relação a uma possível divisão da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) do MS, é exemplo da intensidade dessas disputas (Ensp/Fiocruz, 2008).

Outro importante constrangimento à política de ABS, imposto pelo próprio governo, no campo dos recursos humanos, foi a restrição, por legislação federal, dos gastos com pessoal nas três esferas de governo. Com isso, a expansão acelerada do PSF a partir de 1998 ancorou-se principalmente em vínculos de trabalho precarizados (Escorel et al., 2007; Machado, 2006; Rocha et al., 2008; Tomasi et al., 2008).

Com relação a isso, Castro relata duas iniciativas, ambas de 2006:

Tanto a Emenda Constitucional n.° 51 (EC n.° 51) quanto a lei 11.350 regulamentam o exercício da atividade do agente comunitário de saúde. A primeira combate um problema que persiste desde a criação da Saúde da Família, que é a precarização do vínculo dos profissionais de saúde; no entanto restringe-se aos agentes comunitários de saúde. A EC n.° 51 acrescenta três incisos ao artigo 198 da Constituição Federal e com isto define que os agentes comunitários de saúde somente poderão ser contratados por meio de processo seletivo público. Já a lei 11.350 passa a regulamentar as atividades não só de agente comunitário de saúde como a de agente de combate às endemias (Castro, 2009, p. 155).

Todavia, segundo a autora, a EC n.° 51 tem sido vista, por dirigentes do governo, como uma evidência da fragilidade do MS em relação ao poder Legislativo, já que a aprovação dessa emenda contrariava a opinião do MS, do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Essas instâncias acreditam que a iniciativa prejudica a manutenção do Pacs/PSF, pois há muitas prefeituras que não têm condições de arcar com os contratos por processo seletivo.

De todo modo, trata-se de um enorme contingente de trabalhadores - não só os ACS, mas outros profissionais que compõem a estratégia de saúde da família - que traduz ainda o problema da alta rotatividade de profissionais na atenção básica, com prejuízo das relações entre estes e usuários, e ausência de complementaridade das ações e cooperação no interior das equipes de PSF (Melo, Paiva e Flecha, 2008; Morosini, 2009).

Ora, como agregar institucionalidade a uma política que não consegue sustentar vínculos de trabalho nem vínculos entre os profissionais e os usuários? Diante disso, não parece estranho que a política de ABS padeça de legitimidade social.

A aprovação dos usuários, em relação ao PSF, é inversamente proporcional à taxa de exclusão social, questionando-se o sucesso da estratégia especialmente nas camadas mais pobres, bem como a excelência em termos de enfoque familiar na atenção (Elias et al., 2006). Ou seja, mesmo que fosse entendida apenas como uma estratégia focalizada e compensatória, ainda assim a ABS padeceria de baixo reconhecimento diante de sua população alvo. Em busca de institucionalidade, deveria haver um maior investimento numa formação profissional e numa cultura de trabalho que valorizasse a dimensão relacional, o estabelecimento de vínculo e a valorização do contexto comunitário. Ora, como sustentar essa cultura de trabalho sem a estabilidade dos profissionais?

Ainda são evidências dessas lacunas os resultados encontrados por outras pesquisas: ausência de diferenças significativas, a partir de indicadores de saúde da criança, entre áreas cobertas e não cobertas pelo PSF (Roncalli e Lima, 2006); e ausência de relação direta entre introdução do PSF e melhoria do acesso (Van Stralen et al, 2008). Van Stralen et al. concluem que há dificuldades no alcance dos objetivos do PSF cuja governabilidade está para além deste, remetendo, inclusive, a mudanças nas concepções sobre os processos de saúde/doença, e ausência de questionamento, na formulação da política, sobre as relações de trabalho no interior das equipes de saúde da família (Van Stralen et al., 2008). Giovanella et al. (2009) também destacam a permanência das relações hierárquicas nas equipes.

Acredita-se que esse modo hierárquico da divisão do trabalho tem reflexos na relação do usuário com a equipe de saúde, prejudicando o alcance da integralidade da atenção.

Igualmente preocupante é a corrente de interpretação da ABS como 'medicina dos pobres' - cuidados simplificados e de baixo custo. A permanência desse discurso refere-se não apenas a um imaginário, mas a situações concretas de diversos municípios brasileiros. Segundo Conill, o PSF tem mostrado baixa capacidade de modificar a 'lei do cuidado inverso':

(...) o impacto do PSF nos indicadores de saúde permanece controverso, fato que não se constitui numa surpresa, uma vez que existe farta bibliografia sobre o papel limitado dos serviços na determinação social da doença.

A questão que nos parece central é refletirmos se o PSF tem potencial para somar-se de forma sinérgica a outras políticas públicas [grifos nossos] no enfrentamento dessa situação e, neste caso, quais os fatores setoriais que se mostram necessários para garantir um desempenho adequado (Conill, 2008, p. S14).

Giovanella et al. (2009) também reforçam a avaliação de que as condições para se contrapor a uma concepção seletiva da ABS são a integração desta ao sistema de saúde e uma atuação intersetorial que contemple aspectos biológicos, psicológicos e sociais do processo saúde-doença, fortalecendo a promoção da saúde. E confirma que

A atuação intersetorial é prevista na SF. Esta atribuição é reafirmada na PNAB de 2006, que orienta ao 'desenvolvimento de ações intersetoriais, integrando projetos sociais e setores afins, voltados para promoção da saúde' (Giovanella et al., 2009, p. 785).

Esse distanciamento entre o discurso e a implementação da política evidencia e fortalece a crítica de Cohn ao fato de o MS oferecer a ESF como estratégia única e prioritária - à qual estão constrangidos a aderir milhares de municípios sem capacidade financeira e administrativa autônoma - como resposta a um vazio programático da questão assistencial. Essa condução, segundo a autora, tem promovido uma redução da ABS ao tema da racionalização do sistema:

(...) ao se assumir o PSF como uma estratégia de mudança do modelo assistencial brasileiro, esvazia-se, paradoxalmente, a dimensão da política e tende a tomar seu lugar a dimensão técnica na busca de avaliação, monitoramento e aperfeiçoamento desse modelo (Cohn, 2008, p. S24).

Não deixa de ser consequência disso a baixa capacidade de reverter a 'lei do cuidado inverso', ficando diversos municípios na dependência de capacidade de autonomia política, financeira e de gestão, e da 'vontade política' de desenvolver um sistema de saúde universal, equânime, integral e adequado às necessidades locais específicas (Cohn, 2008). Depender de vontade política é uma situação oposta ao que se considera característica de uma política que agregue institucionalidade.

Campos é bastante incisivo nessa dimensão crítica ao afirmar que o PSF não é, na prática, a única ou a principal forma de organização da atenção básica no Brasil:

Constato haver um amplo desacordo cultural, epistemológico e político sobre a atenção básica no país. (...) Os gestores do Ministério da Saúde, desde 1994, sucessivamente, têm subestimado esse obstáculo, na medida em que tentam ultrapassá-lo não pelo debate, mas por meio de indução financeira e de emissão de portarias doutrinárias (Campos, 2008, p. S17).

Finalmente, entendemos que o encapsulamento da dimensão política na construção de modelos de atenção no Brasil, dado pela emissão de portarias doutrinárias, ganha um valor de gravidade maior diante do destaque de Bodstein (2002) acerca do baixo grau de cultura cívica e participativa no Brasil. Segundo a autora, este seria um fator que dificultaria o controle da sociedade sobre as políticas públicas.

Conill (2008) reitera a necessidade de construir uma tradição de escuta e diálogo entre os envolvidos, de fortalecimento do controle social e de manutenção de acordos firmados para que se possa usufruir das potencialidades da ESF nos locais onde esta se mostrar adequada à reforma da atenção básica.

Ao falar em diálogo e escuta, cabe ainda notar que, dos artigos pesquisados para este trabalho, poucos foram os que teceram considerações sobre o trabalho cotidiano no contexto da ESF. Nesse sentido, Campos (2008) analisa que, na busca por resolutividade, as equipes ABS deveriam atuar na dimensão da clínica, da saúde pública e do acolhimento de demandas espontâneas. No entanto, a atual política de atenção básica tem valorizado sobremaneira a dimensão da saúde pública em detrimento das demais.

A valorização da dimensão clínica traria à cena o protagonismo dos usuários na prática do cuidado, recuperando a dimensão política dos modelos de atenção que já foram defendidos pela reforma sanitária brasileira nos anos 1970 sob enfoque da Saúde Coletiva. Ademais, a recuperação da dimensão política valorizaria qualquer modelo de ABS caso se reconhecesse que, em se tratando de estratégia territorializada e voltada para a clínica e para o cuidado humano, os trabalhadores em saúde - sujeitos com suas próprias histórias e saberes - são fator de grande relevância para o alcance da almejada flexibilidade e abrangência da ABS.

Nesse sentido, marca-se a necessidade de trazer para a arena de discussão a questão dos processos de trabalho e formação dos trabalhadores da saúde, sem discriminação por nível de escolaridade e/ou categoria profissional, uma vez que a ABS toma como um de seus valores o atendimento mais abrangente das necessidades da população, ou seja, a integralidade (Corbo et al., 2007).

Considerações finais: para que servem os enunciados de prioridade e de institucionalidade de uma política?

A discussão que fizemos a partir das pesquisas componentes do Proesf evidenciam, ademais, o fato de que as respostas municipais ao estímulo à expansão do Pacs/PSF são distintas. Nesse sentido, as pesquisas apresentadas, por terem como objeto municípios com mais de cem mil habitantes, oferecem certo viés de análise. Ainda assim, considera-se pertinente sua análise, dado que refletiram essa diversidade de respostas e cobriram todas as regiões do país.12 12 As pesquisas do Proesf foram divididas em lotes, para a distribuição das regiões estudadas, contemplando a extensão das áreas com implantação do Pacs/PSF.

O empenho de avaliação da atenção básica tem sido reforçado não apenas nas pesquisas acadêmicas, mas também no âmbito do governo federal, buscando criar uma cultura de rotina de avaliação na atenção básica (Felisberto, 2006). Nesse sentido, as avaliações tendem a aproximar-se cada vez mais das peculiaridades locais, sendo incorporadas aos processos de trabalho:

Com este pressuposto, queremos crer que o interesse de avaliar sua própria prática é algo que, se minimamente despertado, pode transformar o fazer, fortalecendo a dedicação e a vontade de acertar inerente àqueles que no seu cotidiano dedicam-se à função pública (Felisberto, 2006, p. 555).

Buscando aprimoramento institucional e profissional, a avaliação deve extrapolar os limites da atenção básica e fomentar o desenvolvimento do próprio SUS.

A partir das fragilidades expostas no item anterior, e dos tipos de enfrentamento que exigiriam do MS, concluímos que se trata de um esforço necessário de políticas de planejamento e investimento abrangentes e de longo prazo, ou seja, com continuidade garantida.

Nesse embate, expressam-se as tensões entre a agenda setorial e os projetos de governo, bem como os limites de governabilidade do Ministério da Saúde, visto que, em uma conjuntura desfavorável à expansão da proteção social, a autoridade sanitária tende a adotar uma postura pragmática, orientada para programas específicos e por uma perspectiva de curto prazo (Machado, 2006, p. 48).

Nesse sentido, concorda-se também com a análise de Bodstein (2002), quando afirma que, ao ser implementada no nível municipal, a política de atenção básica tem efeitos de difícil avaliação por causa da diversidade de contextos locais. Assim, importa que sejam avaliados processos e resultados intermediários voltados para o desempenho institucional. Com isso, ficariam evidentes os investimentos políticos que devem ser feitos, inclusive a médio e longo prazo, considerando também que os resultados finais não devem ser pautados por imediatismos.

Não se está querendo dizer que a simples continuidade no tempo seja um indicativo de institucionalidade de uma política. Neste caso, determinado conjunto de ações ou público alvo pode constar de um programa de governo por anos, atravessar distintas gestões, sob a afirmação de que é prioritário, mas nem por isso mobilizar gestão, planejamento, negociações intergovernamentais - no sentido de que extrapola esferas de governo - e participação social, recursos humanos e financeiros, ou conhecimentos de forma sustentável e consequente do ponto de vista da efetividade - esta entendida como consequências positivas de ordem prática nas vidas que são alvos da política. Exemplo disso é a citação de um pronunciamento de José Carlos Seixas (1977), então secretário geral do Ministério da Saúde, na VI Conferência Nacional de Saúde:

O Piass não é mais um programa de saúde a ser desenvolvido; é uma metodologia de trabalho, para a implantação de uma estrutura permanente de Saúde Pública, ao nível da população necessitada de bens e serviços básicos de saúde - saneamento. Não é, pois, algo que se justapõe ao já existente, mas é algo que deva modificar de forma permanente o que existe (Seixas apud Van Stralen et al., 2008, p. S149).

Ao que se apresenta, em seguida, a consideração de Van Stralen e colaboradores:

Passaram-se muitos anos, mas permanece o desafio de organizar a atenção primária ou atenção básica não meramente como estratégia de controle de gastos, mas principalmente, como componente crítico do sistema de saúde" (Van Stralen et al., 2008, p. S149).

A institucionalidade é dada pela mobilização de esforços de continuidade sempre acompanhado de avaliações e reiterações e retificações de processo. Nesse sentido, se entendemos a política como um processo cujo sentido está atrelado a determinado espaço e tempo, as reformulações durante o caminho são inevitáveis, desejáveis e necessárias. Por isso, a institucionalidade não pode ser entendida apenas como continuidade, mas como um complexo movimento de transformação capaz de manter uma direcionalidade coerente com um conjunto de princípios.

Então, é preciso nos perguntarmos: a ABS é uma prioridade? Inegável que sim. Afinal, foi com esse discurso de que a ABS foi ganhando alguma institucionalidade - o que também se buscou explicitar no decorrer deste trabalho. Sua presença na agenda de governo foi constantemente reafirmada no decorrer dos últimos anos. Mas talvez não seja uma prioridade com sustentabilidade. É uma prioridade em um discurso que encobre fragilidades, mas que pode servir de estratégia de enfrentamento de oposições e disputas. É também no sentido de que mobiliza interesses que tanto mantêm a ABS na agenda de governo quanto consolida avanços de forma processual. Mas as avaliações de seus avanços e desafios, e as propostas de soluções sobre as fragilidades da ABS sugerem a necessidade de construir institucionalidade.

Esse processo afina-se com a 'circularidade' da política, pois tira o MS do papel de principal formulador-financiados-executor-gestor da ABS e amplia a arena. Isso explica, inclusive, porque foram possíveis momentos em que a atuação do MS foi mais ou menos visível, pressupondo a atuação dos municípios e estados.

Ademais, pensada a institucionalidade por essa via, algum risco mantém-se presente. O fato de a ABS ser executada e gerida por municípios e estados, mas com sustentação financeira do governo federal, pode ser um meio de desmonte dessa política caso uma futura gestão ministerial recue da ESF. Será que esse modelo de ABS sobreviveria apenas com os recursos de municípios e estados? Por isso, a ABS deve ser mantida tanto como prioridade na agenda de governo quanto como institucionalidade nas políticas do SUS, em toda a sua complexidade intergovernamental. Ou seria grande o risco de: a) a ABS reduzir-se a uma cesta básica de serviços; b) a ABS no Brasil acentuar as desigualdades regionais na atenção, tornando o princípio da equidade cada vez mais distante.

Assim, vale a pena questionar em que ser prioridade ou institucionalidade pode contribuir para a consolidação de um modelo de ABS que faça a reversão do modelo assistencial, alcançando universalidade, integralidade, equidade e outros princípios que norteiam o SUS.

Enquanto o discurso da prioridade poderia passar ao largo dessas questões todas, desde que mantivesse a continuidade dos investimentos, o discurso da institucionalidade teria que incorporar, incessantemente, essas críticas como objeto de sua política. Elas deveriam ser tomadas como problemas a serem resolvidos com vistas à sustentabilidade, intra e intersetorial, da política de ABS.

Em outras palavras, as fragilidades e os constrangimentos apontados por diversos estudos podem ser entendidos como parte do processo de institucionalidade. Não fosse isso, essas fragilidades seriam vistas como empecilhos à prioridade.

Na perspectiva da construção de institucionalidade de uma política, concorda-se com Felisberto, quando, ao se referir às dificuldades do campo da avaliação, afirma que

Uma das primeiras convicções explicitadas na condução da gestão é a de que não se deve esperar pelas condições ideais para superação de problemas estruturais que insistem em dificultar o aprimoramento e a qualificação da atenção básica e do SUS (Felisberto, 2006, p. 560).

Acredita-se que essa postura consiste, entre outras coisas, em extrapolar o discurso da prioridade da atenção básica e apostar em processos de distintos âmbitos de ação que enfrente, seja na macro ou na micropolítica, entraves que, estruturais ou não, dependem de disputas políticas e consolidação de ideias, projetos e ações. A institucionalidade de uma política constrói-se, assim, com distintas frentes de luta que não passem necessariamente pelo discurso oficial nem pelo enfrentamento direto de grandes problemas estruturais. Aposta, sim, inclusive, nos microprocessos capilarizados, mais ou menos verbalizados, vivenciados por atores sem grande visibilidade, mas que traduzem a política de atenção básica, cotidianamente, em ações de cuidado.

Notas

Recebido em 17/12/2009

Aprovado em 08/03/2010

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  • 1
    Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. <
  • 2
    Professora-pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj). <
  • 3
    Neste artigo utilizam-se os termos 'atenção básica em saúde' e 'atenção primária em saúde' como sinônimos, entendendo que o primeiro expressa a concepção da política de saúde brasileira para o que internacionalmente se convencionou chamar de Atenção Primária em Saúde (APS). Sobre essa discussão, ver, também, Fausto (2005); Fausto e Viana (2005).
  • 4
    Foram dois grandes momentos de realização de estudos sobre a implementação da política de atenção básica no âmbito do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf): 2002 e 2005. Os artigos gerados por esses estudos estão, principalmente, em dois volumes especiais das revistas
    Ciência & Saúde Coletiva e
    Cadernos de Saúde Pública, respectivamente, v. 11, n. 3, 2006, e v. 24, n. S1, 2008. Além dessas duas, foram analisadas outras publicações que divulgaram resultados do Proesf, tais como: Caetano e Dain (2002), Escorel (2002), Escorel
    et al. (2007), Viana e Silva (2005).
  • 5
    O conceito de institucionalidade é uma tentativa de combinação de autores e teorias explicativas que se debruçam sobre a análise de processos políticos e a de instituições. É a utilização dos referenciais teóricos como ferramentas para compor uma nova análise. Assim, tomaram-se de empréstimo do neoinstitucionalismo histórico os conceitos de
    path dependance e
    increasing returns (Pierson, 2000), os de instituído e instituinte da análise institucional (Lourau, 1995), os de poder e micropoderes de Foucault (1979) e da esquizoanálise (Deleuze; Guattari, 1999 e 1997).
  • 6
    É interessante também lembrar que foi no ano de 1995 que os dois Programas saem da Funasa e passam a ficar sob a gestão da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS).
  • 7
    Um conjunto de portarias ministeriais, a partir de janeiro de 1997, introduziu mudanças importantes na proposta da NOB 96, dentre elas o valor fixado para o PAB. É só a partir destas portarias que a Norma começou de fato a ser implementada e que teve início o processo de expansão do PSF (Baptista, 2003).
  • 8
    "No período 1996-99, passou-se de 847 equipes em 228 municípios, para 4.945 equipes em 1.970 municípios. Para o ano 2000, a meta é alcançar 11 mil equipes" (Brasil, 2000, p. 6). De 1997 para 1998, o número de equipes de saúde da família dobrou, e mais que dobrou o número de municípios com o Programa (Brasil, 1999b).
  • 9
    Trata-se de um dos primeiros estudos sobre o processo de implantação do PSF, buscando estabelecer a relação existente entre as atividades desenvolvidas pelo programa e os resultados encontrados. O estudo analisou a implementação do PSF em sete municípios, escolhidos de forma intencional tendo como critérios o grau de adesão regional ao programa, o tamanho do município e o grau de municipalização.
  • 10
    Uma das participantes foi Barbara Starfield, pesquisadora de renome internacional e autora de diversos trabalhos científicos e livros sobre APS. Em 2002, o MS editou o livro de Starfield, em parceria com a Unesco, intitulado
    Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia (Starfield, 2002). Os conceitos divulgados pela autora passam a servir de referencial teórico na discussão da política de atenção básica no Brasil, tendo sido incorporados no documento oficial da política em 2006.
  • 11
    PAB possui um componente variável, condicionado a adesão a determinadas estratégias. Cinco diferentes incentivos compõem o PAB Variável: PSF, Pacs, PSB, Iafab (assistência farmacêutica básica), IAB-PI (para atenção básica aos povos indígenas).
  • 12
    As pesquisas do Proesf foram divididas em lotes, para a distribuição das regiões estudadas, contemplando a extensão das áreas com implantação do Pacs/PSF.
  • Correspondência:
    Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz
    Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde (Laborat)
    Avenida Brasil, 4.365, Manguinhos
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 21040-900
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Dez 2009
    • Aceito
      08 Mar 2010
    Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Avenida Brasil, 4.365, 21040-360 Rio de Janeiro, RJ Brasil, Tel.: (55 21) 3865-9850/9853, Fax: (55 21) 2560-8279 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revtes@fiocruz.br