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Uso de metodologias ativas na formação técnica do agente comunitário de saúde

Use of active methods in the technical training of community health agents

Resumos

O objetivo deste relato é sistematizar a experiência com metodologias ativas dentro da formação técnica do agente comunitário de saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba. O curso está organizado em etapas, tendo sido concluída a primeira, cujo propósito foi o de contribuir para a construção da identidade dos agentes comunitários de saúde. A aplicação de metodologias ativas leva o discente a refletir sobre o seu processo de trabalho e a transformar a sua realidade, beneficiando-a, tendo em vista que desperta nele o senso crítico e a busca de mudanças em sua relação consigo mesmo, com o usuário e com a comunidade em geral. Os resultados foram positivos, inclusive no que diz respeito ao fortalecimento do uso de metodologias ativas no processo ensino-aprendizagem da escola formadora.

agente comunitário de saúde; formação técnica; metodologia ativa


The purpose of this report is to systematize the experience with active methodologies within the technical training of community health agents of the Federal University of Paraíba's Technical School of Health. The course is organized in stages, the first of which has already been completed and was aimed at contributing to building the identity of the community health agents. Applying active methods leads students to reflect on their work process and transform their reality, benefiting from it, given that it awakens a critical sense and the pursuit of changes in their relationships with themselves, with the user, and with the community at large. The results were positive, including with regard to strengthening the use of active methods in the teaching-learning process used at the school providing the training.

community health worker; technical training; active methodology


RELATO ACCOUNT

Uso de metodologias ativas na formação técnica do agente comunitário de saúde

Use of active methods in the technical training of community health agents

Ivanilda Lacerda Pedrosa1 1 Coordenadora-geral do projeto de Formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). < ivanildalp@hotmail.com> ; Gildeci Alves de Lira2 2 Coordenadora pedagógica do projeto de Formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). < gillira@bol.com.br> ; Bernadete de Oliveira3 3 Coordenadora pedagógica do projeto de Formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Mestre em Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz. < bernanunes2003@yahoo.com.br> ; Maria do Socorro Moura Lins Silva4 4 Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). < cemila@terra.com.br> ; Maria Betânea dos Santos5 5 Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). < betanea@yahoo.com.br> ; Eliete Alves da Silva6 6 Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). < elietealves2008@terra.com.br> ; Djacyr Magna Cabral Freire7 7 Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutora em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). < cicipaiva@terra.com.br>

RESUMO

O objetivo deste relato é sistematizar a experiência com metodologias ativas dentro da formação técnica do agente comunitário de saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba. O curso está organizado em etapas, tendo sido concluída a primeira, cujo propósito foi o de contribuir para a construção da identidade dos agentes comunitários de saúde. A aplicação de metodologias ativas leva o discente a refletir sobre o seu processo de trabalho e a transformar a sua realidade, beneficiando-a, tendo em vista que desperta nele o senso crítico e a busca de mudanças em sua relação consigo mesmo, com o usuário e com a comunidade em geral. Os resultados foram positivos, inclusive no que diz respeito ao fortalecimento do uso de metodologias ativas no processo ensino-aprendizagem da escola formadora.

Palavras-chave: agente comunitário de saúde; formação técnica; metodologia ativa.

ABSTRACT

The purpose of this report is to systematize the experience with active methodologies within the technical training of community health agents of the Federal University of Paraíba's Technical School of Health. The course is organized in stages, the first of which has already been completed and was aimed at contributing to building the identity of the community health agents. Applying active methods leads students to reflect on their work process and transform their reality, benefiting from it, given that it awakens a critical sense and the pursuit of changes in their relationships with themselves, with the user, and with the community at large. The results were positive, including with regard to strengthening the use of active methods in the teaching-learning process used at the school providing the training.

Keywords: community health worker; technical training; active methodology.

Introdução

A Estratégia Saúde da Família (ESF) vem sendo implantada em todo o Brasil como um importante programa para a reordenação da atenção à saúde, segundo preconizam os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) de universalização, descentralização, equidade, integralidade e participação comunitária (Brasil, 2004).

Nesse cenário, o agente comunitário de saúde (ACS) desempenha um papel de mediador social, sendo considerado

um elo entre os objetivos das políticas sociais do Estado e os objetivos próprios ao modo de vida da comunidade; entre as necessidades de saúde e outros tipos de necessidades das pessoas; entre o conhecimento popular e o conhecimento científico sobre saúde; entre a capacidade de autoajuda, própria da comunidade, e os direitos sociais garantidos pelo Estado (Brasil, 2000, p. 15).

A construção do projeto de formação dos ACSs na Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (EST/UFPB) se deu mediante um movimento articulado que envolveu a representação desses trabalhadores, o Ministério da Saúde, docentes da escola formadora, profissionais de saúde e gestores municipais, em consonância com o estabelecido na lei n. 8.080/1990, que, ao se referir às prioridades da organização, direção e gestão do SUS, menciona não só a criação de mecanismos para a formação dos recursos humanos do SUS, como também a cooperação técnica entre as instituições de ensino profissional e superior e os serviços de saúde (Brasil, 1990).

Durante o processo de implantação do curso, emergiram discussões e reflexões sobre questões relevantes da atual política de formação de trabalhadores da saúde que possibilitaram o estabelecimento de pactos e compromissos institucionais fundamentais para a implantação descentralizada e autônoma do projeto de formação. A meta principal desse projeto foi a capacitação técnica dos ACSs para atuarem nas equipes multiprofissionais que desempenham ações de cuidado e proteção à saúde de indivíduos e grupos, nos domicílios e coletividades, visando fortalecer e ampliar a qualidade de resposta do setor saúde às demandas da população.

Este estudo objetivou sistematizar a experiência com metodologias ativas na formação técnica do ACS da ETS/UFPB, empreendida nos municípios de Bayeux, Conde e Pedras de Fogo, formação cujo número de matriculados totalizou 337 agentes comunitários de saúde.

Trajetória metodológica

A proposta do curso, financiado com recursos provenientes do Ministério da Saúde, respeitou as diretrizes curriculares nacionais para a educação, instituídas pela resolução n. 4/1999 do Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2004), os diplomas legais do ensino profissional de nível técnico e os referenciais para a formação de ACSs do Ministério da Saúde (Brasil, 2005).

O curso tem carga horária de 1.200 horas e está organizado em três etapas, que contemplam diferentes competências, habilidades e conhecimentos, assim distribuídos: Etapa I - O contexto e a instrumentalização da ação do ACS; Etapa II - A ação do ACS na vigilância à saúde; Etapa III - A ação do ACS na promoção da saúde e na prevenção de agravos dirigida a indivíduos e grupos específicos, segundo o perfil epidemiológico.

Os conhecimentos de cada etapa foram organizados em unidades didáticas contendo propósitos, objetivos, sequências de atividades para discentes e facilitadores, textos de apoio e instrumentos de avaliação do processo de ensino-aprendizagem.

A proposta do curso está fundamentada no currículo integrado, que privilegia a integração ensino/trabalho e teoria/prática; na metodologia da problematização, que possibilita a ação/reflexão/ação; na concepção do modelo de escola descentralizada, que garante a inclusão do ACS no processo de formação e respeita as características regionais e de domicílio de trabalho do discente; e na capacitação técnica e pedagógica dos docentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

O currículo integrado é definido como a união entre um plano pedagógico e sua correspondente organização institucional; nessas duas instâncias, são articuladas dinamicamente as dicotomias trabalho/ensino, prática/teoria e ensino/comunidade. As relações entre trabalho e ensino, e entre os problemas e suas hipóteses de solução devem ter sempre, como pano de fundo, as características socioculturais do meio em que determinado processo se desenvolve (Davini, 1983). Nessa nova perspectiva, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps) enfoca a educação no serviço como o tipo de formação "mais apropriado para produzir as transformações nas práticas e nos contextos de trabalho, fortalecendo a reflexão na ação, o trabalho em equipes e a capacidade de gestão sobre os próprios processos locais" (Brasil, 2009, p. 56). Em conformidade com essa política, "é necessária a coordenação de ações (pensando em problemas integrais e complexos), com o compromisso de efetivar a ação dos aprendizados em contextos organizacionais e sociais" (Brasil, 2009, p. 54).

Como recursos metodológicos para a apreensão dos conteúdos, recorreu-se a estratégias pedagógicas inovadoras direcionadas para o perfil do educando/trabalhador. Essas estratégias levaram em consideração a utilização de métodos criativos, dinâmicos e reflexivos, postos em prática por meio dos seguintes procedimentos didáticos: problematização da realidade e do processo de trabalho, exercícios em grupo, plenárias, leitura comentada, exposições dialogadas, seminários, oficinas, debates temáticos, apresentação de filmes, interpretações musicais, dramatizações e estudos de casos.

As atividades de ensino-aprendizagem foram realizadas em momentos identificados como de concentração e dispersão, nos quais os alunos realizavam atividades teórico-práticas, problematizando a sua realidade e refletindo sobre o suporte teórico para a ação.

Na construção do livro didático e no planejamento das atividades, utilizou-se o referencial teórico de Díaz Bordenave e Pereira (1991), à luz das cinco etapas do arco de Maguerez previstas na metodologia da problematização: observação da realidade (problema), pontos-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação à realidade.

O processo de formação se fundamentou ainda em uma pedagogia dialógica direcionada às ações dos ACSs. Para tanto, foi utilizado o referencial freiriano, que possibilita a participação ativa dos alunos, valoriza o diálogo e favorece o reconhecimento dos agentes comunitários como sujeitos portadores de saberes acerca não apenas do processo saúde/doença/cuidado, mas também das condições concretas de vida, evitando-se o monólogo por intermédio do qual tem se buscado transferir o conhecimento.

Essas ações foram realizadas em salas de aulas descentralizadas, nos três municípios onde o projeto foi implantado. Os encontros presenciais aprofundaram os assuntos propostos como centrais para o campo de conhecimento sugerido. Estes encontros foram intercalados com momentos de dispersão, desenvolvidos no serviço/comunidade. A dispersão diz respeito ao momento pedagógico de aplicação dos conhecimentos sistematizados na etapa presencial. O trabalho de dispersão procura centrar-se nas necessidades do profissional e da equipe de trabalho, buscando incorporar a experiência e o saber local e estimular a criação de espaços coletivos de aprendizagem no trabalho.

Explicitação da experiência

Concluiu-se a etapa I do projeto de formação, cujo propósito é o de contribuir para a construção da identidade dos ACSs, valorizando a sua singularidade e o efetivo desempenho de ações pertinentes ao seu perfil profissional: competência técnica investigativa, reflexão crítica e compromisso social e ético para atuar em equipe multiprofissional. Essa etapa compreende quatro unidades, com carga horária total de 400 horas.

A unidade I - Nós e o mundo em que vivemos teve como propósito ampliar os conhecimentos dos ACSs sobre sociedade, cultura, cidadania e formas de organização social e de trabalho, considerando o espaço geográfico, político, econômico, social e cultural onde os agentes atuam, necessários ao efetivo controle social e à promoção da qualidade de vida.

Como produto do momento de dispersão da unidade I, os ACSs realizaram atividade extraclasse intitulada I Mostra dos Trabalhos Produzidos pelos ACSs na Formação Técnica. Nessa atividade, os agentes, organizados por Unidades Básicas de Saúde (UBSs), apresentaram o mapa inteligente das microáreas e das áreas de todas as Unidades de Saúde da Família (USFs) de cada um dos três municípios onde o programa de capacitação foi implantado. A criatividade foi o marco da atividade, pois os mapas revelavam a especificidade da região abordada, mediante a utilização de materiais diversos, e por vezes bastante coloridos, para caracterizar os diferentes elementos. Esse momento, de grande importância para o curso, teve a participação de gestores e profissionais de saúde dos três municípios e de facilitadores e coordenadores do projeto de formação; além disso, contou com o envolvimento da comunidade em geral, o que permitiu a ela ter acesso ao produto construído pelos ACSs.

O objetivo da unidade II - O ACS e o SUS - foi estimular o educando a refletir sobre o processo saúde/doença; dando ênfase às políticas sociais, a unidade destacou as políticas de saúde e a organização e o processo de trabalho nos serviços de saúde, destacando o trabalho em equipe.

De acordo com relatos de equipes das USFs, facilitadores do curso e dos próprios ACSs, o desenvolvimento dessa unidade representou um processo interessante, em decorrência de terem sido trabalhados conceitos-chave importantes que dizem respeito à realidade dos ACSs. Houve oportunidade também de discutir sobre o processo saúde/doença e as políticas públicas de saúde no Brasil, identificando-se os aspectos legais que regulamentam a ação do ACS.

Na unidade III - O ACS, um educador em saúde , enfocou-se a educação em saúde como estratégia transformadora das práticas de atenção à saúde, tomando por base as necessidades da população na área de atuação dos agentes comunitários.

Nessa unidade, os ACSs e os profissionais mostraram mais entusiasmo e envolvimento, visto que as atividades desenvolvidas nos momentos de concentração e de dispersão já faziam parte das ações do seu cotidiano de trabalho. Houve, ainda, grande envolvimento da comunidade. Assim, ao final da unidade, os ACSs, juntamente com a equipe de saúde e a comunidade, planejaram, organizaram e realizaram uma feira de saúde que objetivou a divulgação de todas as manifestações populares em saúde identificadas na sua área de trabalho.

Nos três municípios, as feiras foram realizadas em espaços públicos. O evento, considerado por todos como de grande relevância, contou com a participação de inúmeras lideranças comunitárias, ACSs, integrantes de equipes do Programa Saúde da Família (PSF) médicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem , gestores, equipe técnica do projeto da ETS/UFPB e comunidade em geral. Também participaram das feiras rezadeiros(as), raizeiros(as), pessoas em geral que trabalhavam com terapias alternativas, músicos locais, repentistas e grupos de teatro. O evento contou ainda com apresentação de danças e desenvolvimento de programas de rádio.

Observamos que os ACSs conseguiram realizar uma grande mobilização de todos os segmentos da sociedade. Além disso, organizaram seus estandes, em conjunto com as equipes de saúde, de acordo com as atividades que iam desempenhar e conforme o que tinham a oferecer e a realizar com a comunidade. Esse foi um momento muito marcante para a formação dos ACSs e para todos os envolvidos nessa formação, mas, principalmente, para a comunidade.

A unidade IV - A ação do ACS no planejamento e programação em saúde - teve como propósito estimular o ACS a buscar conhecer e a utilizar o planejamento como ferramenta de organização do processo de trabalho. Trabalhou-se não apenas o conceito de planejamento e sua aplicação na vida diária e na gestão dos serviços de saúde, mas também o uso das informações em saúde como instrumento para o planejamento e a programação das ações de saúde nas áreas de atuação dos ACSs.

Durante o processo, os agentes foram estimulados a desenvolver, com sua equipe, uma proposta de intervenção enfocando os problemas identificados na sua área de abrangência, previamente identificados na unidade I - Nós e o mundo em que vivemos. Como resultado, organizaram o Planejamento Estratégico em Saúde (PES) da sua UBS. Essa atividade, eminentemente coletiva, favoreceu a participação de todos no encerramento da etapa I, pois cada grupo de ACSs apresentou um planejamento.

Para a execução do projeto de formação dos agentes comunitários de saúde, foi formada uma equipe técnica composta de um coordenador-geral, três coordenadores pedagógicos (um para cada município) e docentes da ETS/UFPB de diversas áreas do conhecimento enfermagem, psicologia e biologia. Além desses profissionais, a equipe contou com um coordenador local para cada município, representado por um profissional do quadro de saúde municipal que favorecia a comunicação entre a escola e a localidade, contribuindo, também, na operacionalização do curso. Como facilitadores dos momentos de concentração e dispersão, participaram setenta profissionais enfermeiros, odontólogos, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e médicos dos serviços de saúde dos municípios envolvidos.

O projeto de formação utilizou livros didáticos elaborados para cada unidade, de acordo com a realidade locorregional, no intuito de nortear e favorecer a qualidade do processo de formação. A equipe de elaboração do material didático foi constituída por docentes da instituição formadora e representações dos ACSs, dos demais profissionais das equipes de saúde e da gestão dos municípios envolvidos no projeto. Após a elaboração, o material impresso dos quatro livros didáticos foi distribuído aos ACSs, aos facilitadores e à equipe do projeto. O quadro 1 apresenta as respectivas cargas horárias dos momentos de concentração e dispersão de cada uma das unidades.


Após a elaboração dos livros didáticos, foram realizadas reuniões com toda a equipe envolvida na formação a fim de elaborar o planejamento da capacitação dos facilitadores, pactuar a data da capacitação dos facilitadores e do início da unidade, e definir o local do curso e questões de infraestrutura.

Antes de cada unidade, realizaram-se oficinas de capacitação com cerca de setenta profissionais, entre facilitadores e coordenadores locais, para definir a sequência das atividades referentes ao livro didático a ser trabalhado e os conceitos-chave nele abordados.

O objetivo das oficinas foi subsidiar os profissionais envolvidos na formação com pressupostos teóricos que fundamentam o processo de ensinoaprendizagem, dentro de um modelo pedagógico que faz uso da metodologia da problematização, da integração ensino/serviço e do currículo integrado. As oficinas foram desenvolvidas com utilização de técnicas dialógicas, participativas e horizontais, e discussões em plenárias, em pequenos ou grandes grupos, para a sistematização e a síntese dos processos apreendidos e construídos. Incluíramse nelas também textos, dinâmicas e vivências em grupo, visando ao fortalecimento e à flexibilidade das atividades, ao fomento da consciência crítica e à articulação ensino/serviço e teoria/prática.

Foram organizadas quatro oficinas uma para cada unidade: a primeira com 40 horas, a segunda com 24 horas, a terceira com 20 horas e a quarta com 16 horas. Na segunda oficina, decidiu-se priorizar a reflexão sobre os processos avaliativos. Essa atividade emergiu da experiência vivenciada na unidade I, quando se sentiu necessidade de aprofundar questões relativas ao ato de avaliar, uma vez que grande parte dos facilitadores não tinha formação pedagógica ou experiência em ensino; além disso, na maioria das vezes os ACSs seus alunos faziam parte de sua equipe de trabalho na unidade de saúde, e avaliar colegas mostrou-se realmente muito difícil. A equipe de coordenadores definiu momentos para a discussão do processo avaliativo com todos os facilitadores. Os instrumentos de avaliação adotados no livro didático foram utilizados e avaliados durante todo o processo. O acompanhamento pedagógico das atividades, realizado em vários momentos, foi empreendido, de forma coletiva e articulada, pelos coordenadores do projeto e facilitadores dos três municípios, como forma de acompanhar o processo de ensino-aprendizagem e esclarecer dúvidas surgidas durante a formação.

Foi construído coletivamente um cronograma de visitas às salas de aula e USFs, para os períodos de concentração e dispersão. As visitas foram desenvolvidas com o propósito de acompanhar, esclarecer e apoiar facilitadores e ACSs. Com base nos encontros com a equipe local, o processo de ensino foi reformulado, a fim de atender as demandas locais. Além disso, as coordenações promoveram encontros com facilitadores para relato de experiências e avaliação do processo de formação, bem como para relacionar os pontos positivos e as dificuldades encontradas. A equipe técnica ficou satisfeita com essa avaliação, pois os resultados mostraram que o curso atendeu às expectativas.

Ao final de cada unidade, no momento do recebimento de relatórios e diários de classe das turmas, fez-se um levantamento dos discentes que, por qualquer motivo doença, licençamaternidade e outros , não houvessem acompanhado o processo, e a equipe de condução do programa discutia estratégias de inclusão para garantir a esses ACSs a continuidade no curso. Decidiu-se, então, pela criação de turmas extras em cada município. Essas turmas contavam com etapas de concentração e dispersão e seguiam a mesma metodologia adotada no curso para as turmas regulares. Dessa forma, os ACSs puderam recuperar os conteúdos do curso e acompanhar as unidades seguintes.

Para o desenvolvimento das oficinas de capacitação pedagógica que antecipavam cada unidade, a equipe técnica da escola elaborou um projeto de extensão, cadastrado no Sistema de Informação e Gestão de Projetos (Sigproj), de forma que, ao final das oficinas de capacitação pedagógica da etapa I, todos os facilitadores e ministrantes foram certificados em um total de cem horas de trabalho. Os alunos também foram certificados pela conclusão da etapa I, em uma solenidade no auditório da reitoria da UFPB.

Discussões

Nas avaliações realizadas, ao final dos momentos de concentração e dispersão de cada unidade, pela coordenaçãogeral, coordenação pedagógica, equipe técnica das secretarias municipais de Saúde e profissionais de saúde que atuavam como facilitadores, observouse que a utilização de metodologias ativas que preveem a problematização da realidade implicou mudanças significativas no processo de trabalho do ACS. Tais mudanças foram evidenciadas nos relatos de profissionais das equipes nas quais os agentes capacitados estavam integrados, que perceberam posturas mais comprometidas com a qualidade das ações, melhor integração com a equipe e aumento da autoestima desses trabalhadores. Percebese, então, que o uso de metodologias ativas na formação refletiu-se no maior interesse dos ACSs nas suas práticas, tendo havido uma aproximação entre o conhecimento adquirido e a realidade dos agentes.

Observou-se ainda que as metodologias ativas que utilizam a problematização como estratégia de ensino-aprendizagem motivam o discente e o direcionam para buscar informações, no intuito de solucionar impasses e promover o seu próprio desenvolvimento. Dessa forma, o discente percebe que a nova aprendizagem é um instrumento necessário e significativo para ampliar suas possibilidades e caminhos (Cyrino, 2004). As metodologias ativas também vão ao encontro da pedagogia da autonomia, que preconiza para a educação contemporânea um discente capaz de autogerenciar ou autogovernar o seu processo de formação (Freire, 2006). Essa concepção pedagógica baseia-se no aumento da capacidade do discente de detecção dos problemas reais e de busca por soluções originais, participando como agente de transformação social (Díaz Bordenave et al., 2005). Constatou-se também que a metodologia utilizada propiciou a participação efetiva do aluno e estimulou a reflexão das práticas, melhorando a integração entre coordenação, facilitadores e ACSs, e, principalmente, a relação de trabalho entre as equipes da ESF.

Ainda no que se refere a esse aspecto, é importante lembrar que o processo ensino-aprendizagem se desenvolve por meio da troca de saberes entre os sujeitos envolvidos, na qual existe uma integração íntima entre quem aprende e quem ensina, num processo de partilha de conhecimentos, vivências e sentimentos. O processo não se faz somente pela transferência de conteúdos, normas e protocolos; deve levar em conta as experiências vivenciadas pelos indivíduos e sua bagagem profissional e pessoal (Zani, 2006).

É importante destacar que as atividades de coordenação-geral e coordenação pedagógica, desenvolvidas durante a formação, foram realizadas de forma contínua e horizontalizada, utilizando-se ininterruptamente o diálogo com os ACSs e demais profissionais de saúde envolvidos no programa. Foram organizadas rodas de conversas e reuniões para discussões e avaliações, bem como a participação em eventos festivos promovidos pelas prefeituras locais que, direta ou indiretamente, envolvessem os ACSs e os profissionais de saúde.

Observou-se, assim, que a integração dos docentes da UFPB, instituição responsável pela formação dos agentes comunitários de saúde, ao lado da valorização dos saberes e conhecimentos dos discentes e facilitadores de saúde envolvidos foram fatores relevantes para o maior compromisso de todos, determinando melhores resultados do programa de formação. Nesse sentido, ao se propor um processo de ensino-aprendizagem que pressupunha o respeito não apenas à bagagem cultural do discente, mas também aos saberes por ele construídos na prática comunitária, exigiu-se dos docentes características como humildade, como forma de reconhecer a sua finitude e os limites de seu conhecimento. Neste sentido, Freire (2006) afirma que o ganho substantivo advindo da sua interação com o estudante, a importância de sua avaliação pelo aprendiz e a amorosidade, especialmente dirigida ao discente e ao processo de ensinar, só se tornam possível quando o docente adota uma atitude de compaixão (Freire, 2006).

Por outra parte, o nível de escolaridade dos alunos era diversificado, uma vez que, nessa primeira etapa, exigia-se apenas que o aluno estivesse cursando o ensino fundamental. Isso dificultou o acompanhamento das atividades e a compreensão dos textos selecionados no livro didático de alguns dos alunos; essa mesma heterogeneidade, porém, favoreceu a troca de experiências necessária para enriquecer a produção do conhecimento. Vale salientar, assim, que, em alguns momentos de teorização, foi necessária a participação direta do facilitador na leitura e explicação dos textos e que o acesso ao livro didático auxiliou bastante no processo. Em relação à avaliação do processo de formação como um todo, ficou evidente que o acompanhamento, empreendido de forma processual e coletiva, foi um elemento fundamental para que a experiência tivesse êxito. As atividades da formação foram avaliadas continuamente, tanto internamente, nas reuniões da equipe técnica, quanto entre os profissionais do serviço. Além dessa avaliação contínua, foram feitas avaliações ao final de cada unidade, momento no qual se apresentavam para a comunidade os resultados dos trabalhos desenvolvidos naquele período e se analisava, com os sujeitos envolvidos, o impacto das ações empreendidas, levantando-se sugestões para a continuidade do trabalho.

Também foram realizadas, ao final de cada unidade e em cada um dos três municípios, oficinas de avaliação do projeto; nessa ocasião, avaliaram-se as atividades desenvolvidas e a participação de cada um dos integrantes. A forma de avaliação proposta pela metodologia ativa é uma experiência enriquecedora, pois envolve todos os atores na tomada de decisão, garantindo o compromisso e a responsabilidade de todos. Nesse sentido, qualquer estratégia de inovação deve levar em conta essas práticas de avaliação, integrando-as à reflexão (Perrenoud, 1999). Achados na literatura reforçam que

(...) a avaliação precisa ser, antes de tudo, processual e formativa para a inclusão, autonomia, diálogo e reflexões coletivas, na busca de respostas e caminhos para os problemas detectados. Não pune, nem estigmatiza, mas oferece diretrizes para se tomarem decisões e definirem prioridades (...). Ademais, a avaliação deve ser um processo amplo, que provoque uma reflexão crítica sobre a prática, no sentido de captar seus progressos, suas resistências, suas dificuldades e possibilitar deliberações sobre as ações seguintes (Mitre, 2008, p. 2.138).

As idas e vindas, os enfrentamentos e a busca por solucionar as questões postas pelo coletivo dos atores envolvidos foram um fio condutor importantíssimo na reflexão crítica que passamos a fazer sobre nossa prática docente. Percebe-se que, nesse processo, a aprendizagem foi relevante para todos os atores envolvidos, pois, a partir da experiência, sentimos a necessidade de mudar nossas práticas pedagógicas, dando maior ênfase às nossas ações no contexto social e acadêmico.

Considerações finais

Pôde-se perceber que a organização do curso em unidades favoreceu momentos de avaliação e reflexão ao final de cada uma delas, permitindo que se reorientassem ou se reforçassem determinadas ações. Outro fator positivo foi a possibilidade de, como resultado da diversidade das áreas de conhecimento dos profissionais envolvidos na execução do projeto, contar com diferentes olhares, aspecto determinante nos resultados alcançados.

Com o uso da metodologia problematizadora, o discente pode refletir sobre o seu processo de trabalho, sua realidade, sua profissão e sua relação com a comunidade; a metodologia problematizadora, despertando o senso crítico para a busca de mudanças na relação com o contexto mais amplo, com o usuário do serviço e com a comunidade em geral, leva o aluno a refletir sobre seu papel nesses contextos e, consequentemente, a transformar a sua realidade.

Assim, verificou-se que os ACSs passaram a ter uma ação diferenciada em seu processo de trabalho, pois os outros membros da equipe da ESF passaram a ouvi-los em decisões relativas às demandas da unidade e da comunidade. Os agentes comunitários se colocaram, então, como sujeitos do processo; a partir da experiência, passaram a ser mais críticos, participativos e propositivos. Houve, portanto, um empoderamento das suas ações.

Observou-se, ainda, que os profissionais das unidades que participaram do processo de formação dos ACSs também foram capacitados, na medida em que começaram a discutir em suas equipes sobre esse novo profissional, assim como refletiram sobre as relações de trabalho e suas práticas. É notório que as atividades passaram a ser compartilhadas, bem como as decisões das equipes a respeito de questões gerais das unidades. Há maior integração entre as equipes e maior participação dos agentes nas decisões. O ACS não é mais só um elo: ele agora se sente e comporta como membro da equipe.

Diante dessas considerações, afirma-se que a experiência pode ser aplicada em diferentes instituições de ensino nas quais haja a necessidadede maior interação com os serviços de saúde local e com a comunidade em geral. Os resultados foram positivos, inclusive no fortalecimento do uso de metodologias ativas no processo ensino-aprendizagem da escola formadora.

Para a continuidade das etapas subsequentes do curso, atualmente a ETS/UFPB busca articular os gestores dos municípios envolvidos. Entendemos que a conclusão do curso técnico é muito importante para a consolidação das atividades dos ACSs, resultando em melhor qualidade das ações direcionadas à comunidade.

Notas

Recebido em 01/06/2010

Aprovado em 04/10/2010

* Rua Deputado Geraldo Mariz, n. 753, ap. 602, Tambauzinho, CEP 58042-060, João Pessoa, Paraíba, Brasil.

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  • 1
    Coordenadora-geral do projeto de Formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). <
  • 2
    Coordenadora pedagógica do projeto de Formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). <
  • 3
    Coordenadora pedagógica do projeto de Formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Mestre em Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz. <
  • 4
    Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). <
  • 5
    Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutoranda em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). <
  • 6
    Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). <
  • 7
    Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba (ETS/UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil. Doutora em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2010
    • Aceito
      04 Out 2010
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