Acessibilidade / Reportar erro

A importância do PET-Saúde para a formação acadêmica do enfermeiro

The importance of PET-Health for nurse education

Resumos

O Programa de Educação para o Trabalho na Saúde (PET-Saúde) é uma estratégia associada ao Pró-Saúde que preconiza ações para a transformação da formação profissional em saúde, mediante maior integração entre ensino, serviço e comunidade. Neste trabalho, objetiva-se relatar, com base nas vivências dos acadêmicos de enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, o papel do PET-Saúde no processo de formação do enfermeiro. As ações desenvolvidas, dinâmicas como bricolagem, atividades em grupo, dramatizações, vídeos, músicas, entre outras, articulavam ensino, pesquisa e extensão e estimularam a reflexão da formação do enfermeiro, provocando um novo olhar para a conformação dos saberes e práticas cotidianas. Por sua vez, as interações estabelecidas estimularam a troca de conhecimentos, a interdisciplinaridade e a postura crítica e reflexiva dos mediadores desse processo. Essas práticas contribuíram para uma formação diferenciada dos futuros enfermeiros, uma vez que enfatizavam os princípios do Sistema Único de Saúde e as necessidades da população. Estratégias como essas devem ser estimuladas e potencializadas, na perspectiva de contribuir para a formação e as práticas em saúde, tornando os trabalhadores conscientes e engajados com as necessidades cotidianas da saúde da população.

PET-Saúde; formação profissional; enfermagem


The Education for Work in Health Program (PET-Health) is a strategy associated with Pro-Health which recommends actions to transform vocational training in health through greater integration among teaching, community, and service. The purpose of this article is to report, based on the experiences of nursing students at the University of Rio Grande do Norte, the role of PET-Health in the nursing education process. Actions carried out, dynamic activities such as DIY (do-it-yourself), group activities, role playing, videos, and music, among others, brought together teaching, research, and extension and encouraged reflection in the nurse's education process, engendering a fresh look on the conformation of knowledge and daily practices. The interactions, in turn, drove the exchange of knowledge, interdisciplinarity, and a critical and reflective posture among the mediators of this process. These practices have contributed to providing unique training to future nurses, since they emphasized the principles of the Health System and the needs of the population. Strategies such as these should be encouraged and enhanced in order to contribute to education and health practices, making workers aware of and engaged with the population's everyday health needs.

PET-Health; vocational training; nursing


RELATO

A importância do PET-Saúde para a formação acadêmica do enfermeiro

The importance of PET-Health for nurse education

Fátima Raquel Rosado Morais1 1 Professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN), Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). < frrm@bol.com.br> ; Graciella Madalena Lucena Jales2 2 Aluna não-bolsista do PET-Saúde. Graduanda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN). < graciellajales@hotmail.com> ; Maria Jaqueline Carlos da Silva3 3 Aluna bolsista do PET-Saúde. Graduanda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN). < mjaquelinecarlos@hotmail.com> ; Sâmara Fontes Fernandes4 4 Aluna não-bolsista do PET-Saúde. Graduanda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN). < saminhafontes@hotmail.com>

Correspondência Correspondência: Rua Frei Miguelinho, 1.137, 103-B Condomínio Manoel Negreiros, bairro Doze Anos CEP 59603-350, Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil.

RESUMO

O Programa de Educação para o Trabalho na Saúde (PET-Saúde) é uma estratégia associada ao Pró-Saúde que preconiza ações para a transformação da formação profissional em saúde, mediante maior integração entre ensino, serviço e comunidade. Neste trabalho, objetiva-se relatar, com base nas vivências dos acadêmicos de enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, o papel do PET-Saúde no processo de formação do enfermeiro. As ações desenvolvidas, dinâmicas como bricolagem, atividades em grupo, dramatizações, vídeos, músicas, entre outras, articulavam ensino, pesquisa e extensão e estimularam a reflexão da formação do enfermeiro, provocando um novo olhar para a conformação dos saberes e práticas cotidianas. Por sua vez, as interações estabelecidas estimularam a troca de conhecimentos, a interdisciplinaridade e a postura crítica e reflexiva dos mediadores desse processo. Essas práticas contribuíram para uma formação diferenciada dos futuros enfermeiros, uma vez que enfatizavam os princípios do Sistema Único de Saúde e as necessidades da população. Estratégias como essas devem ser estimuladas e potencializadas, na perspectiva de contribuir para a formação e as práticas em saúde, tornando os trabalhadores conscientes e engajados com as necessidades cotidianas da saúde da população.

Palavras-chave: PET-Saúde; formação profissional; enfermagem.

ABSTRACT

The Education for Work in Health Program (PET-Health) is a strategy associated with Pro-Health which recommends actions to transform vocational training in health through greater integration among teaching, community, and service. The purpose of this article is to report, based on the experiences of nursing students at the University of Rio Grande do Norte, the role of PET-Health in the nursing education process. Actions carried out, dynamic activities such as DIY (do-it-yourself), group activities, role playing, videos, and music, among others, brought together teaching, research, and extension and encouraged reflection in the nurse's education process, engendering a fresh look on the conformation of knowledge and daily practices. The interactions, in turn, drove the exchange of knowledge, interdisciplinarity, and a critical and reflective posture among the mediators of this process. These practices have contributed to providing unique training to future nurses, since they emphasized the principles of the Health System and the needs of the population. Strategies such as these should be encouraged and enhanced in order to contribute to education and health practices, making workers aware of and engaged with the population's everyday health needs.

Keywords: PET-Health; vocational training; nursing.

Introdução

Dentre as recomendações da Declaração de Alma-Ata (1978) para implantação da atenção primária à saúde, está o fortalecimento de recursos comunitários, como os agentes comunitários de saúde (ACS). A experiência brasileira com um programa governamental de ACS iniciou-se no Ceará, na década de 1980, sendo implantada nacionalmente a partir de 1991. Assim, os conhecimentos e as reflexões sobre a formação e o trabalho de ACS, acumulados nesses dez anos, têm sido a base para projetos de cooperação do Brasil com outros países.

Fruto dos embates sociais em favor de práticas em saúde universais, em 1988 foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), que anunciava um novo modelo de assistência à saúde que preconiza a integralidade dos serviços e a universalidade dos cuidados nas práticas cotidianas. Esse novo modelo estimulava a participação popular e a visualização das necessidades sociais dos usuários no planejamento e na definição das ações a serem desenvolvidas, reconhecendo a importância do contexto social nessa dinâmica. Teoricamente, a proposta do SUS "engloba a reorientação do modelo assistencial curativista para um modelo que visa a cura e reabilitação de doenças, a promoção da saúde e a prevenção de agravos" (Ribeiro et al., 2008, p. 137).

No que diz respeito à enfermagem e em relação com essa luta em favor de um sistema de saúde universal, com mudanças nas práticas vigentes, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) discute, em diversos seminários regionais e nacionais, inquietações quanto à necessidade de construção de um novo perfil de competência para o enfermeiro. Esse perfil deve ser voltado para a nova dinâmica de atenção à saúde, que aponta a importância de ver o indivíduo em sua integralidade e inserido em seu contexto social. As mobilizações geradas em torno da construção coletiva de um projeto educacional para a enfermagem brasileira subsidiam a homologação do parecer n. 314/94 do Conselho Federal de Educação (CFE) e de um currículo mínimo pela portaria n. 1.721 do Ministério da Educação (Silva et al., 2010).

Paralelamente às discussões da ABEn, na busca por esse novo perfil profissional, na área da educação, foi construída a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996. Ela ressalta a importância de se incrementar, no ensino superior, a necessidade de estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, oferecendo serviços especializados à comunidade e instituindo com ela uma relação de reciprocidade (Brasil, 1996).

Associada a essa discussão, foi instituída a resolução CNE/CES n. 3 de 7/11/2001, que aborda a necessidade de o profissional ter uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capaz de conhecer os problemas de saúde-doença e intervir neles. Assim, atuará com senso de responsabilidade social e cidadania, na busca pelo atendimento integral do ser humano (Brasil, 2001).

Diante desse contexto, e na busca de práticas que se aproximem dos objetivos do SUS, é possível identificar a gestão de mudanças paradigmáticas na formação do profissional de saúde. A transformação desse processo de formação em saúde nas instituições superiores vem procurando superar o modelo flexneriano, centrado na assistência curativista hospitalocêntrica. A substituição desse modelo hegemônico tem sido estimulada por meio da gestão de políticas públicas que buscam estabelecer um modelo centrado na atenção à integralidade humana (González e Almeida, 2010).

Esse desafio tem gerado diversas estratégias para a implantação do novo nos serviços. Entre outras, é possível citar o Programa Saúde da Família (PSF), posteriormente conhecido como Estratégia Saúde da Família (ESF). A ideia primária era a reorganização das práticas, com o fortalecimento da atenção básica no país, com base em ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação (Brasil, 2008). Para tanto, foram constituídas equipes de saúde que seriam responsáveis por uma área específica, atendendo de forma integral aos usuários, segundo o seu contexto de vida (Ribeiro et al., 2008).

Assim, ao se pensar em novas e diferentes práticas em saúde, é possível inferir que essas mudanças serão possíveis com a formação de novos profissionais envolvidos com o contexto histórico-social, atuando na perspectiva de atenção à saúde de forma intersetorial.

Com base nessas constatações, e na tentativa de repensar a formação do profissional de saúde, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, em parceria, lançaram em novembro de 2005 o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) por meio da portaria interministerial MS/MEC n. 2.101. O eixo central do programa era a integração ensino-serviço, com a inserção dos estudantes no cenário real de práticas da rede SUS, perspectivando gerar reflexões e possíveis transformações nos saberes e ações cotidianos (Brasil, 2007).

Tentava-se desta forma minimizar o distanciamento entre a teoria construída durante a formação acadêmica e as reais necessidades de vida e saúde da população, por estimular a formação de profissionais críticos e reflexivos. Esses trabalhadores deveriam ser capazes de atuar de forma interdisciplinar, comprometidos com suas responsabilidades técnicas e sociais e com a melhoria da qualidade do ensino superior (Brasil, 2005, 2007).

Para complementar a atuação do Pró-Saúde, o Ministério da Saúde criou, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, junto com o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Superior, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), instituído pela portaria interministerial n. 421, de 3 de março de 2010.

O PET-Saúde caracteriza-se como uma estratégia do Pró-Saúde para fomentar a formação de grupos de aprendizagem tutorial em áreas prioritárias para o SUS, inserindo os estudantes das graduações em saúde nos espaços dos serviços. Esse projeto incentiva a integração entre ensino, serviço e comunidade, objetivando a interação com o cotidiano para a formação de profissionais cientes das necessidades dos serviços de saúde. Procura ainda estimular a constante capacitação dos trabalhadores já inseridos no campo de trabalho, tornando-os coprodutores de conhecimentos e práticas que deem conta das diferentes demandas da população assistida pelo sistema de saúde brasileiro (Brasil, 2010).

A dinâmica interdisciplinar do programa tende a favorecer a apreensão de um novo conhecimento para a produção de outras práticas que intencionam a articulação do saber com as necessidades dos indivíduos. Para Etges (1999, p. 73), a interdisciplinaridade é "uma ação de transposição do saber posto na exterioridade para as estruturas internas do indivíduo, constituindo o conhecimento".

Quanto à estruturação das equipes dentro do PET-Saúde, estas obedecem à seguinte configuração: para cada docente (tutor) há seis profissionais do serviço (preceptores) e até trinta discentes, divididos em 12 bolsistas e até 18 não bolsistas. No primeiro edital, de número 12/2008, lançado pelo Ministério da Saúde em setembro do referido ano, foram aprovados 84 projetos. No geral, os projetos continham ações de ensino, pesquisa e extensão para uma vigência de 12 meses, tendo sido aprovados um total de 306 grupos, organizados como descrito, entre os diversos cursos da área da saúde.

Para a continuidade das ações que estavam sendo realizadas, foi lançado outro edital, o de número 18/2009, em 16 de setembro de 2009. Este edital, com uma vigência de 24 meses, convidava todas as instituições de ensino superior, independentemente de terem grupos PET-Saúde ou não, a apresentarem, em parceria com as secretarias municipais de Saúde, propostas novas ou de continuidade para as práticas do PET-Saúde durante os anos letivos de 2010 e 2011. Nesse novo edital foram selecionados 461 grupos de trabalho, contabilizando 17.057 participantes nas diferentes categorias profissionais.

A equipe do PET-Saúde da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) participou dos dois editais (12/2008 e 18/2009), tendo sido selecionada, respectivamente, com seis e cinco grupos para atuação juntamente com as instituições de saúde. O PET-Saúde da UERN desenvolve, desde o primeiro edital, trabalhos articulados entre os cursos de medicina, enfermagem e serviço social, o que aponta para um campo amplo e diversificado de saberes. Essa interação tende a permitir maior articulação entre professores, profissionais e estudantes, na perspectiva de gerar uma formação mais crítica e reflexiva em favor da qualidade da assistência prestada ao usuário.

Assim, o PET-Saúde pode ser entendido como uma estratégia de ação capaz de contribuir para melhor articulação entre a academia e os serviços de saúde, favorecendo processos reflexivos nos diferentes envolvidos na perspectiva de uma formação profissional que atenda aos princípios do SUS e às necessidades dos serviços e da população.

Diante do exposto, este trabalho buscou relatar as ações desenvolvidas pelo PET-Saúde da UERN, enfocando a importância da participação nesse projeto para a formação em saúde/enfermagem. O eixo orientador deste relato foram as atividades interdisciplinares desenvolvidas no grande grupo e as que são, especificamente, realizadas pelo grupo da enfermagem.

Acredita-se que tal relato contribuirá para a demonstração das ações propostas pelo PET-Saúde da UERN e para o entendimento da dinâmica de trabalho que tem gerado processos reflexivos nos diferentes interlocutores desse processo.

Caminhos trilhados pelo Grupo do PET-Saúde da UERN: as atividades

As atividades desenvolvidas pelo PET-Saúde da UERN, desde a sua constituição, buscaram estabelecer um trabalho interdisciplinar, articulando os diferentes cursos com os serviços, em ações que procuravam abordar o ensino, a pesquisa e a extensão de modo indissociável.

O presente relato de experiência foi construído com base nas vivências dos acadêmicos de enfermagem nessas atividades. Compreende-se que as atividades desenvolvidas por este grupo são revestidas de grande importância para a formação do enfermeiro, pois ao se buscar trabalhar na perspectiva da integralidade e da articulação ensino e serviço, aproximam-se teoria e prática e favorecem-se reflexões dos envolvidos nessa dinâmica.

Após o primeiro edital, na implantação do PET-Saúde da UERN, foi feito, como atividade inicial, um levantamento de dados para a construção do perfil epidemiológico das crianças de seis a dez anos. A pesquisa foi realizada com as famílias que tinham infantes na faixa etária citada e estavam residindo na área de abrangência das unidades básicas de saúde da família (UBSFs) escolhidas como parceiras do projeto. A coleta de dados foi norteada por um questionário estruturado, construído pelos tutores do PET-Saúde da UERN, que abordava perguntas relacionadas ao cotidiano e à estrutura familiar e social na qual se encontravam inseridas as crianças.

Essa primeira etapa gerou integração entre os grupos na medida em que os passos dados foram organizados e realizados coletivamente. Na sequência, após todos os dados coletados, a equipe se debruçou sobre as informações apreendidas, que foram tabuladas e transformadas em tabelas e gráficos para análise. Essa dinâmica favoreceu o levantamento das principais carências e necessidades apresentadas pelo grupo, contribuindo para delinear o tipo de ação que seria desenvolvida nas etapas seguintes.

Paralelamente a essa etapa investigativa, aconteciam encontros interdisciplinares mensais com a participação dos diferentes atores do PET-Saúde da UERN, dentre os quais faziam parte alunos bolsistas e não bolsistas, tutores e preceptores dos cursos de medicina, enfermagem e serviço social. Nas reuniões eram trabalhados temas diversos, inerentes ao processo ensino e aprendizagem dos cursos que participavam do programa. Nesses momentos, eram considerados e articulados os saberes dos membros do grupo em prol de reflexões e práticas para o atendimento das necessidades sociais e de saúde das crianças, foco de atenção específica desse projeto institucional.

A cada encontro, um dos grupos, de acordo com as competências da sua formação em saúde, ficava responsável pela organização da apresentação e pela partilha da discussão com os parceiros desse processo. Tal ação se caracterizou como a construção de um espaço privilegiado para a troca de saberes e tendeu a favorecer reflexões acerca da interdisciplinaridade.

Especificamente com relação às atividades fomentadas pelo PET-Saúde Enfermagem, foram realizados encontros semanais, envolvendo tutores, preceptores e alunos bolsistas e não bolsistas do curso de enfermagem. Esses encontros tornaram-se espaço de interação, em um grupo de estudos apoiados numa concepção de diálogo, o que favoreceu a clareza na definição das ações a serem desenvolvidas e a constituição de novos objetivos para a pesquisa e a extensão (Sichirollo, 1980).

Com base nas reflexões nesses encontros, o grupo PET-Saúde Enfermagem adotou as oficinas como ferramenta pedagógica para a interação com os atores da comunidade. Essa estratégia articula dinâmicas como bricolagem, atividades em grupo, dramatizações, vídeos, músicas, dentre outras, favorecendo o desenvolvimento do senso reflexivo e crítico e a reconstrução do conhecimento, partindo do contexto no qual vivem. Nesse sentido, as trocas de saberes entre os atores envolvidos eram subsidiadas por uma nova postura, que procurava potencializar essas pessoas nas questões relacionadas às necessidades de vida e saúde. Corroborando essa ideia, Paulo Freire afirma: "Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo" (Freire, 2002, p. 68).

Essas ações se desenvolveram ao longo do primeiro ano de atuação do PET-Saúde Enfermagem. Assim, analisando a continuidade do programa, desde a sua implantação no âmbito acadêmico, é possível caracterizá-lo como uma valiosa estratégia de interação, quer sejam discentes, quer sejam tutores, preceptores e demais segmentos da população.

As práticas dentro do PET-Saúde da UERN: alguns apontamentos

Pautado na proposta pedagógica de transformação do processo de formação em saúde, o PET-Saúde da UERN tende a contribuir para a ressignificação de saberes e práticas. Isto porque, devido às suas estratégias de ação, identificam-se valores presentes na universidade para a vivência do discente, dos profissionais do serviço e para o benefício da comunidade. Dentre esses valores, é possível citar a adoção de uma postura ativa, crítica e reflexiva dos mediadores do processo na produção de conhecimentos e práticas em saúde/enfermagem. Essa mudança de postura é reforçada por Costa Neto (2000), ao ressaltar a necessidade de se estabelecerem novas relações entre os profissionais, objetivando a comunicação horizontal entre os componentes de uma equipe. Acrescentamos que é preciso que essa relação seja estabelecida com a universidade, para que a interação favoreça a coprodução de trabalhadores críticos e reflexivos.

Essa dinamização desenvolvida na esfera educacional promove a identificação dos próprios valores e a superação de limites encontrados no processo de formação dos indivíduos. Esse novo modelo de formação deve contribuir para a construção de conceitos favoráveis à implementação de práticas eficientes e produtivas, permitindo a resolutividade das necessidades da população que configuram a sociedade atual.

Portanto, tendo em vista a proposta educacional do PET-Saúde para a academia, impulsionando a aproximação e a integração dos atores envolvidos com a realidade dos serviços, foi possível conceber a pesquisa como atividade fulcral para a produção de conhecimento na universidade. Os planos de pesquisa nessa perspectiva foram desenvolvidos em consonância com áreas estratégicas de atuação da Política Nacional de Atenção Básica em Saúde e da Vigilância em Saúde. Para tanto, foram realizadas diversas leituras de artigos, teses de dissertação e organização de minicursos relacionados à temática, bem como discussões envolvendo aspectos relacionados à pesquisa em saúde.

Além disso, os encontros interdisciplinares, as discussões entre os pares e o incentivo à (re)avaliação do ensino, da pesquisa e da práxis social serviram de estímulo para publicações e participação dos tutores, preceptores e estudantes em eventos acadêmicos. Segundo Severino (2002),

a pesquisa é fundamental no processo de extensão dos produtos do conhecimento à sociedade, pois a prestação de qualquer tipo de serviços à comunidade social, que não decorre do conhecimento da objetividade dessa comunidade, é mero assistencialismo saindo da esfera da competência da universidade (Severino, 2002, p. 123).

Assim, pensar na integração ensino e serviço passa pelos eixos basilares de qualquer instituição universitária, especialmente pela indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, potencializando a pesquisa como um meio de descobrir e transformar o cotidiano.

De fato, a permanência em campo prático permitiu aos discentes novos olhares, até então ofuscados pelo ambiente restrito de sala de aula, e possibilitou aos envolvidos no projeto uma aproximação concreta com a realidade, permitindo uma diversificação nos cenários de aprendizagem. Além disso, instigou a responsabilidade social, favorecendo o repensar do papel da academia na interlocução com a comunidade na busca pelos seus direitos sociais.

Os encontros mensais com o grande grupo, envolvendo representantes dos cursos de enfermagem, medicina e serviço social, constituíram-se também como momentos imprescindíveis para a mediação de uma série de debates interdisciplinares sobre os mais diversos temas. Tendo em vista a importância da interdisciplinaridade como ferramenta para a integração entre as diversas categorias profissionais, essa dinâmica deu oportunidades para a apresentação de problemáticas, perfis socioepidemiológicos e análise das ações realizadas pelos grupos, gerando novos olhares para as práticas individuais e coletivas delineadas pelo trabalho em equipe.

Há uma tendência mundial no sentido de estruturar equipes de saúde coordenadas em vez de mantê-las fragmentadas. Assim, novas formulações teóricas e novas práticas são criadas com o objetivo de formar redes multiprofissionais de cuidado que possam atuar melhor frente à 'problemática da saúde' (Nogueira, 2009, p. 268).

No entrelaçamento de saberes interdisciplinares, as diferentes concepções são elencadas, facilitando a compreensão dos ideais de cada curso acadêmico e das ações geradas pelos profissionais do serviço. Todos são instigados à reflexão originada em cada encontro, permitindo o aprimoramento da formação acadêmica, do serviço e da práxis em saúde.

Nesse ínterim, as reuniões e as atividades realizadas durante a atuação do projeto serviram como instrumento para a qualificação em serviço dos profissionais da saúde, contribuindo para a construção de outro olhar para as práticas cotidianas e para o fortalecimento da Atenção Básica e da Vigilância à Saúde. Os diversos momentos de integração ensino, serviço e comunidade tenderam a incentivar a constante atualização dos profissionais, na perspectiva de formá-los com perfil adequado às necessidades e às políticas públicas de saúde do país.

No entanto, muitas dificuldades ainda são enfrentadas por questões físicas, funcionais e/ou estruturais que interatuam na forma de organização do PET-Saúde da UERN. Além desses aspectos, a forma de gestão do programa, articulada com base em diretrizes administrativas que acabam por nivelar todos os processos e as práticas, tende a desconsiderar as especificidades de cada espaço. Nessa dimensão, as ações podem acabar por não darem conta dessa 'nova' formação e, consequentemente, das práticas necessárias para cada espaço, com base em um perfil crítico e reflexivo para atuação no cotidiano dos serviços de saúde.

Todavia, mesmo com os entraves que por vezes compromete o sucesso das ações realizadas pelo PET-Saúde, a interdisciplinaridade, a pesquisa e a integração ensino, serviço e comunidade, proporcionadas pelas atividades delineadas por esse programa, favoreceram o

desenvolvimento de novas práticas de atenção e experiências pedagógicas, contribuindo para a reorientação da formação e implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação da área da saúde e satisfação do usuário SUS (Brasil, 2010).

Considerações finais

Considera-se que o PET-Saúde da UERN é uma estratégia que favorece a formação em enfermagem, por oferecer momentos profícuos de reflexão e crítica que não são alcançados pelo programa curricular pedagógico do curso. Permite também períodos de interação com os serviços e outros profissionais da saúde, o que possibilita o reconhecimento da importância e da necessidade desses espaços e do trabalho do outro. Assim, esses profissionais são convidados a (re)pensarem suas práticas em saúde, na perspectiva de produção de uma dinâmica de atenção mais articulada às necessidades em saúde dos grupos.

As atividades produzidas por esse grupo têm alcançado a interação entre ensino e serviço, contribuindo efetivamente na formação acadêmica, no espaço de atenção à saúde e, principalmente, na sociedade, gerando novos olhares para as necessidades de saúde dos sujeitos. Portanto, impulsionam a responsabilidade e o compromisso dos diferentes atores, componentes do programa, desenvolvendo potencialidades para enfrentar limitações, criando possibilidades e soluções cabíveis para a melhoria na qualidade dos serviços de saúde. Dessa forma, verifica-se que essa dinâmica contribui para a formação de um novo perfil de profissionais de saúde, mais qualificados e preocupados com suas responsabilidades sociais.

Igualmente, a atuação dos discentes na pesquisa e na extensão desenvolvidas com base no programa é de suma importância para a formação acadêmica. Diante das atividades propostas, foi possível a construção de variadas pesquisas que enfocaram diversos temas e necessidades da academia e dos serviços, qualificando e instigando os futuros profissionais a construírem novas formas de intervenção da realidade, contribuindo para o seu amadurecimento pessoal e profissional.

Entretanto, como todo programa ministerial, apresenta fragilidades e limites, e mesmo com um arcabouço teórico rico e bem formulado, muitas vezes, na prática, não consegue atingir todos os seus objetivos, diante das dificuldades encontradas e do dinamismo que o trabalho coletivo apresenta.

Mesmo assim, pode-se perceber que os avanços implementados na vida acadêmica, com essa nova abordagem, estão caminhando para uma reorientação da prática fundamentada nas diretrizes do SUS, na interdisciplinaridade e na coletividade em saúde. Isto exige dos futuros profissionais da saúde uma postura diferenciada, permitindo a eles a articulação entre o conhecimento teórico-prático e as necessidades da população, contribuindo, dessa forma, para uma formação pautada no posicionamento crítico e reflexivo.

Notas

Recebido em 18/11/2010

Aprovado em 01/07/2012

  • BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.
  • _____. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n. 3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem Brasília, DF: Ministério da Educação, 2001.
  • _____. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Pró-Saúde: programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Ministério da Educação, 2005.
  • _____. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - PRÓ-Saúde: objetivos, implementação e desenvolvimento potencial. Brasília, DF: Ministério da Saúde; Ministério da Educação, 2007.
  • ______. Ministério da Saúde. Painel de indicadores do SUS: temático Saúde da Família. Brasília, DF: Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde, agosto, 2008.
  • _____. Ministério da Saúde. Portal da Saúde, 2010. Disponível em: <www.portal.saude.gov.br>. Acesso em: 15 ago. 2010.
  • COHN, Amélia. A reforma sanitária brasileira: a vitória sobre o modelo neoliberal. Medicina Social, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 100-112, 2008.
  • COSTA NETO, Milton Menezes da. A implantação da Unidade de Saúde da Família Brasília, DF: Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas da Saúde, Departamento de Atenção Básica, 2000.
  • ETGES, Norberto J. Ciência, interdisciplinaridade e educação. In: JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucídio (Orgs.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. 3. ed. Petrópolis: Vozes, p. 51-84, 1999.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
  • GONZÁLEZ, Alberto Durán; ALMEIDA, Marcio José. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 551-570, 2010.
  • NOGUEIRA, Maria Inês. As mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 262-270, 2009.
  • RIBEIRO, Alessandra Fernandes et al. A competência profissional e a Estratégia de Saúde da Família: discurso dos profissionais. Revista de APS, Juiz de Fora, v. 11, n. 2, p. 136-144, 2008.
  • SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação e universidade: conhecimento e construção da cidadania. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 6, n. 10, p. 117-124, 2002.
  • SICHIROLLO, Lívio. Dialética Tradução de Lemos de Azevedo. Lisboa: Presença, 1980.
  • SILVA, Mar Gomes et al. Processo de formação da(o) enfermeira(o) na contemporaneidade: desafios e perspectivas. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 176-184, jan.-mar. 2010.
  • 1
    Professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN), Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). <
  • 2
    Aluna não-bolsista do PET-Saúde. Graduanda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN). <
  • 3
    Aluna bolsista do PET-Saúde. Graduanda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN). <
  • 4
    Aluna não-bolsista do PET-Saúde. Graduanda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAEN/UERN). <
  • Correspondência:
    Rua Frei Miguelinho, 1.137, 103-B
    Condomínio Manoel Negreiros, bairro Doze Anos
    CEP 59603-350, Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2012

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2010
    • Aceito
      01 Jul 2012
    Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Avenida Brasil, 4.365, 21040-360 Rio de Janeiro, RJ Brasil, Tel.: (55 21) 3865-9850/9853, Fax: (55 21) 2560-8279 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revtes@fiocruz.br