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EDITORIAL

A reflexão de Zilma Fonseca no ensaio Circularidade perversa da exclusão-inclusão no Brasil contemporâneo, que abre o segundo fascículo de 2014, parte da crítica à difusão do conceito de exclusão social, que se constrói em oposição ao referencial de divisão da sociedade em classes sociais e se filia ao paradigma da 'nova questão social'. A autora marca que o conceito tem sido apropriado operacionalmente em diversos estudos que focalizam temas específicos, daí se criando uma generalização de fenômenos sociais cujos processos e bases são diferentes. Fonseca sublinha o contexto de reestruturação produtiva e nos coloca diante da sobreposição de formas primárias e secundárias de exploração do capital. Sua análise destaca a relevância do conceito de expropriações secundárias configurado para colocar em discussão modos de radicalizar a disponibilização dos trabalhadores ao mercado, típica das relações de exploração do capitalismo.

Desde os anos 1990, quando o Programa de Saúde da Família ganhou amplitude nacional, a Atenção Primária em Saúde (APS) passou a ter destaque na agenda nacional. A partir de 2000, mais enfaticamente, a APS foi incorporada como enfoque prioritário para o reordenamento do sistema de saúde no Brasil. Nesse processo têm sido instituídas políticas de caráter geral e políticas específicas em diálogo direto com as práticas de saúde e a organização da atenção básica. Assim, a presença de quatro artigos que desenvolvem pesquisas no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF) pode ser lida como um desdobramento esperado desse processo que ocorre na configuração do Sistema Único de Saúde (SUS) e que repercute sobre a pesquisa. Os quatro artigos têm como base a metodologia qualitativa e tratam de temas diversos do trabalho por meio de uma interação direta com os profissionais da ESF.

No primeiro artigo, Dificuldades, desafios e superações sobre educação em saúde na visão de enfermeiros de saúde da família, de Cinara Moutinho et al., os autores trazem questões como a manutenção de uma perspectiva prescritiva para a educação em saúde, o que possivelmente desestimula a participação da comunidade nas atividades de grupo e aponta para uma desarticulação do trabalho na equipe. No artigo de Danielle Sousa Silva Varela e Dulcian Medeiros de Azevedo, Saberes e práticas fitoterápicas de médicos na Estratégia Saúde da Família, as autoras investigaram repercussões da política de inserção das práticas integrativas e complementares no SUS. Em Caiapó, Rio Grande do Norte, as pesquisadoras indagaram como os médicos têm se apropriado do conhecimento de fitoterápicos. Na discussão destacase a disposição dos profissionais em usar fitoterápicos ao lado de um grau reduzido de conhecimento sobre esse tipo de medicamento, cujo estudo raramente compõe a formação médica.

No texto Conhecimento de uma equipe da Estratégia Saúde da Família sobre a política de atenção à saude masculina, de Luís Paulo Souza et al., há duas questões que se articulam: o conhecimento sobre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) e o conhecimento sobre o processo saúdedoença especificamente do homem. Os resultados mostram que a política continua desconhecida pelos profissionais. Mas isso não implica a incapacidade de esses profissionais reconhecerem as especificidades envolvidas no cuidado do homem. Os autores indicam a pertinência de difundir a política pelas contribuições que contêm para a reflexão e organização do processo de trabalho.

O quarto artigo desse número permite ao leitor conhecer pontos importantes que o enfoque da APS assumiu na Venezuela no período abordado pelo estudo. O texto Modelo de Atenção Primária à Saúde na Venezuela, Misión Barrio Adentro I: 2003-2006, de Flávia Henrique et al., traz um painel que abrange vários aspectos – formação das equipes, atividades desempenhadas, características da estrutura física, por exemplo – incluindo elementos para se pensar sobre esse processo que contou com a participação de 15 mil médicos cubanos.

Na pesquisa que dá origem ao texto Características ideais do cirurgiãodentista na Estratégia Saúde da Família, de Érika Soares, Sandra Cristina Reis e Maria do Carmo Freire, as autoras investigam as percepções que profissionais da ESF partilham sobre as características desejáveis para um dentista atuar nesse modelo. Diversos atributos pessoais sobressaem, superando a valorização das capacidades técnicas.

No artigo seguinte, de Mirelle Finkler, João Caetano e Flavia Ramos, Modelos, mercado e poder: elementos do currículo oculto que se revelam na formação em odontologia, os autores retomam o contexto do trabalho em odontologia para questionar sobre a dimensão ética da formação desses profissionais. A pesquisa voltase para o currículo oculto, por entenderem sua importância na constituição da identidade profissional. O argumento final é pela inclusão de seus elementos na pauta de discussão dos espaços de gestão do ensino.

Os dois artigos seguintes apresentam análises da produção científica. O primeiro, Educação em saúde e cidadania: revisão integrativa, de Viviane Ferreira et al., proporcionou, a partir da análise temática, a identificação de duas categorias centrais em face dos artigos analisados: a primeira indica a historicidade e as bases conceituais da educação em saúde; e a segunda situa a educação popular como geradora de cidadania. Os autores registram a tentativa de alterar o eixo de uma educação sanitária para uma ação reflexiva, ainda que as práticas educativas conservem os traços tradicionais que marcam a assimetria entre profissional da saúde e usuário dos serviços. O enfoque dialógico debatido na literatura articulase com a educação popular em saúde, que contribui para desestabilizar a normatividade das práticas educativas.

O artigo de Neuza Macêdo, Paulette Albuquerque e Kátia Rejane de Medeiros, O desafio da implementação da educação permanente na gestão da educação em saúde, além de textos científicos, inclui portarias relacionadas aos processos de formação. A pesquisa é conduzida com base em questões sobre: o significado atribuído à formação profissional; a mudança de posicionamento apontada para o trabalhador da saúde; a opção teóricoconceitual assimilada nessas formações; e os modos de implementar as mudanças na educação na saúde. As autoras assinalam que as mudanças conceituais na gestão da educação em saúde permanecem como um desafio para gestores e profissionais.

Ao aprofundar o entendimento sobre os desafios da educação permanente em saúde (EPS), o artigo Contribuições das comissões de integração ensinoserviço na educação permanente em saúde, de Luiz Anildo da Silva, Marinês Tambara Leite e Camila Pinno, volta seu foco para um instrumento de gestão da política de EPS, os planos regionais de EPS, buscando entender como os membros das comissões de integração ensinoserviço do Rio Grande do Sul caracterizam as potencialidades e dificuldadades de desenvolvimento desses planos. Os autores oferecem condições para que o leitor pense sobre diversos aspectos do processo de viabilização da politica de EPS e ressaltam a baixa participação dos gestores, que pouco conhecem e valorizam as ações educativas para o aperfeiçoamento do processo de trabalho na saúde.

O artigo Educação permanente em saúde segundo os profissionais da gestão de Recife, Pernambuco, de Sayonara Lima, Paulette Albuquerque e Leandro Wenceslau, dialoga diretamente com atoreschave que trabalham na gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Recife. Os autores mostram que o deslocamento conceitual proposto pela EPS é de difícil assimilação, coexistindo a perspectiva de reflexão e problematização com base no cotidiano com a centralidade da atualização técnicocientífica sobre temas pontuais. O estudo mostra ainda que dispositivos que vêm sendo implantados, como o apoio institucional, o apoio matricial e o projeto terapêutico singular, são identificados como formas de concretizar a EPS. Em sua conclusão, tratam da necessidade dos âmbitos de gestão assumirem de forma plena a política de educação permanente em saúde.

Este número publica ainda o relato Narrativas na formação comum de profissionais de saúde, de Angela Aparecida Capozzolo et al., que discute um dispositivo pedagógico incorporado à formação de diferentes profissionais da saúde.

Duas resenhas encerram este fascículo. A do livro Democracia, federalismo e centralização no Brasil, de Marta Arretche, é de Francisco José da Silveira Lobo Neto, e a do Dicionário de Trabalho e Tecnologia, organizado por Antonio David Cattani e Lorena Holzmann, é assinada por Raphael Jonathas da Costa Lima.

Angélica Ferreira Fonseca

Carla Macedo Martins

Marcela Alejandra Pronko

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2014
  • Data do Fascículo
    Ago 2014
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