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APRESENTAÇÃO

A atual política de saúde mental, denominada de Reforma Psiquiátrica, é um processo complexo que se iniciou nos anos 1980 a partir do movimento dos trabalhadores, usuários, seus familiares e segmentos da sociedade civil que questionavam o modelo repressor e segregador hegemônico da época.

Com base na crítica do modelo hospitalocêntrico focado na doença mental e não na pessoa portadora de transtorno, a reforma fazia parte de toda uma aspiração que a população brasileira começou a expressar de mudanças no cenário nacional no campo político-institucional de redemocratização do país.

A Reforma Psiquiátrica sempre caminhou juntamente com a Reforma Sanitária, na qual grandes nomes, como Sergio Arouca, foram os principais porta-vozes desse processo.

Como uma estratégia complexa, envolvendo vários atores, a Reforma não se limitou simplesmente ao fechamento de manicômios no Brasil, mas sim em refletir e construir uma nova lógica de cuidado onde se propõe o deslocamento da figura de quem trata para o coletivo de todos que participam da estratégia do cuidado. No modelo tradicional, a responsabilidade do tratamento recaía na figura do médico e os outros profissionais tinham um papel coadjuvante e acessório no tratamento. Seus papéis prescritos eram basicamente os de vigiar, controlar, ou executar as prescrições médicas. Assim, esses profissionais ficavam relegados a um plano secundário, sem participação nenhuma nos processos decisórios nas condutas de tratamento.

Entretanto, no novo paradigma da Reforma, o papel da equipe fica mais evidente, trazendo à tona todas as questões que envolvem os profissionais de nível técnico que compõem as equipes de saúde.

As práticas tradicionais de atenção em saúde restringem sua visão apenas no campo individual, focando a doença no organismo. Dessa forma, impedem que se possam avaliar os fatores que promovem situações de estresse e, consequentemente, provocam diversas formas de adoecimento no trabalhador. Essa discussão se torna relevante a partir do momento em que se começa a desenhar estratégias políticas de saúde mais inclusivas e desse modo é essencial trazer à tona para o debate o cuidado dos profissionais de saúde, especialmente os profissionais de nível técnico que estão na ‘linha de frente’ e estão mais expostos aos fatores patogênicos.

O que está em jogo são as relações de trabalho. Quando se estabelecem relações em uma equipe hierarquizada, surgem questões que refletem diretamente na qualidade do produto final do trabalho. Assim, o estresse, o assédio moral, as resistências em se instituir novas estratégias de atenção refletem as conformações das equipes com baixa ou pouca relação democrática entre os trabalhadores e, consequentemente, comprometem o conceito de equipe. O desafio então será pensar como que a formação, a capacitação, a supervisão técnica e institucional podem trazer à luz essas situações. Quando se propõe um modelo libertário de ação no campo da saúde, é imprescindível que as relações e vínculos de trabalho e as estratégias de formação e qualificação também sejam libertárias.

Nesta edição temática será possível encontrar estudos sobre o adoecimento de trabalhadores de saúde relacionados com os fatores estressores no processo de trabalho. O debate apresentado, que perpassa mais de um artigo, é como que as diferentes trajetórias de profissionais de serviços de saúde e as diferentes formas de contratualizações influem na visão política do trabalhador. Essa discussão se apresenta em um trabalho sobre os profissionais de saúde de um CAPSi, mas é possível inferir para todos os profissionais de saúde.

Então, capacitação, relações democráticas de trabalho e formas de contratualizações aparecem nos artigos como fatores que afetam direta ou indiretamente na saúde e saúde mental do trabalhador.

Assim, poderemos ver nesta edição temática de Trabalho, Educação e SaúdeSaúde Mentalcomo as discussões se tornam relevantes não apenas para os profissionais de saúde, mas também para os gestores e estrategistas, contribuindo nas decisões coletivas e no cuidado em saúde mental da população brasileira.

Marco Aurélio Soares Jorge
Grupo de Trabalho em Saúde Mental, Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015
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