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A VIVÊNCIA DE PROFISSIONAIS DO ACOLHIMENTO EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE: UMA ACOLHIDA DESAMPARADA

THE EXPERIENCE OF FOSTERING PROFESSIONALS AT BASIC HEALTH UNITS: DESTITUTE FOSTERING

LA VIVENCIA DE PROFESIONALES DE ACOGIDA EN UNIDADES BÁSICAS DE SALUD: UNA ACOGIDA DESAMPARADA

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que analisou a vivência de profissionais na atividade de acolhimento em unidades básicas de saúde. O pressuposto foi o de que a lógica neoliberal está cada vez mais presente em diversos âmbitos sociais, incluindo os serviços públicos de saúde, influenciando as relações de trabalho e sua organização e, consequentemente, podendo dificultar a prática do acolhimento tal qual preconizado pelo Ministério da Saúde. Foram realizadas cinco entrevistas reflexivas com profissionais que praticam o acolhimento em unidades básicas de saúde, submetidas à análise de conteúdo. Os resultados indicam que a contratação formal, a exigência de flexibilidade e a falta de recursos são aspectos indicativos da precarização das condições de trabalho. Somadas à prevalência da concepção de atendimento médico-centrada e à medicalização excessiva, prejudicam a prática do acolhimento de acordo com o Ministério da Saúde. As entrevistadas demonstraram ter consciência dessas contradições presentes no cotidiano de trabalho, mas mostraram-se impotentes para mudar a situação. Tais aspectos configuram a situação de precariedade subjetiva a que esses profissionais estão submetidos e geram desgaste mental que pode resultar em sofrimento e adoecimento.

Palavras-chave
saúde do trabalhador; SUS; humanização; acolhimento; desgaste mental

Abstract

This article presents the results of a survey that examined the experiences of professionals working in providing foster care at basic health units. The assumption was that the neoliberal logic is increasingly present in various social fields, including public health services, influencing their labor relations and organization and, thus, possibly hindering the practice of fostering the Ministry of Health recommends. Five reflexive interviews were carried out among professionals working with fostering at basic health units. The interviews were submitted to content analysis. The results indicate that formal employment, the need for flexibility, and the lack of resources are indicative aspects of precarious working conditions. Coupled with the prevalence of the doctor-centered care concept and over-medicalization, this undermines the fostering practice the Ministry of Health recommends. The interviewees showed they are aware of these contradictions in their daily work, but are powerless to change the situation. These aspects make up the subjective precariousness that these professionals are submitted to and generate mental strain that can result in suffering and illness.

Keywords
occupational health; SUS; humanization; fostering; mental strain

Resumen

Este artículo presenta los resultados de una investigación que analizó la vivencia de profesionales en la actividad de acogida en unidades básicas de salud. El supuesto fue el de que la lógica neoliberal está cada vez más presente en diversos ámbitos sociales, incluyendo los servicios públicos de salud, influyendo en las relaciones de trabajo y su organización y, en consecuencia, pudiendo dificultar la práctica de la acogida tal cual lo recomienda el Ministerio de la Salud. Se realizaron cinco entrevistas reflexivas con profesionales que llevan a cabo la acogida en unidades básicas de salud, sometidas al análisis de contenido. Los resultados indican que la contratación formal, la exigencia de flexibilidad y la falta de recursos son aspectos indicativos de la precariedad de las condiciones de trabajo. Aunadas a la prevalencia de la concepción centrada en la atención médica y a la excesiva medicalización, perjudican la práctica de la acogida, de acuerdo con el Ministerio de la Salud. Las entrevistadas mostraron tener conciencia de esas contradicciones presentes en el trabajo cotidiano, pero se mostraron impotentes para cambiar la situación. Tales aspectos configuran la situación de precariedad subjetiva a que están sometidos estos profesionales y generan un desgaste mental que puede resultar en sufrimiento y padecimiento.

Palabras clave
salud del trabajador; SUS; humanización; acogida; desgaste mental

Introdução

As novas tecnologias e a globalização da economia com um cunho neoliberal têm provocado rápidas e profundas mudanças no chamado ‘mundo do trabalho' (Antunes, 1995ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1995.; Boltanski e Chiapello, 1999BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Le nouvel esprit du capitalisme. Paris: Gallimard, 1999.). Esse contexto, segundo Antunes (2007ANTUNES, Ricardo. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tania (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, p. 13-22, 2007., p. 17), tem como características a precarização estrutural do trabalho e uma mudança no “modo do capital produzir as mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais, corpóreas ou simbólicas”. O resultado desse processo seria evidenciado pela intensificação das formas de exploração do trabalho, pelas terceirizações e pelas mudanças na noção de tempo e espaço. Carelli (2007)CARELLI, Rodrigo de L. Terceirização e direitos trabalhistas no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, p. 59-68, 2007. nos lembra, por exemplo, como a força de trabalho é tratada nesse contexto:

A terceirização chegou a um nível de desumanização tal que o trabalhador virou moeda de troca nos contratos. Há contratos de terceirização que preveem, na prestação de serviços, o aluguel de trabalhadores a mais como ‘cortesia' da empresa contratada, junto com walkie-talkies. É o máximo da mercantilização do trabalho e banalização do mal ou da injustiça social: quando para a venda do produto se dão como ‘amostra grátis' o suor e a disposição da vida do ser humano tratado como objeto (Carelli, 2007CARELLI, Rodrigo de L. Terceirização e direitos trabalhistas no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, p. 59-68, 2007., p. 68).

Não é difícil pensar que tal contexto tem consequências para a saúde dos trabalhadores, incluindo sua saúde mental. De acordo com Franco, Druck e Seligmann-Silva,

Estamos diante do entendimento de que os processos políticos, econômicos e culturais que terão ressonância no desgaste mental dos trabalhadores percorrem as passagens que se apresentam entre a esfera macrossocial, os contextos nacionais e as várias estruturas internas das organizações até alcançarem os indivíduos em diferentes situações concretas de trabalho (Franco, Druck e Seligmann-Silva, p. 240, 2010FRANCO, Tania; DRUCK, Graça; SELIGMANN-SILVA, Edith. As novas relações do trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 35, n. 122, p. 229-248, 2010.).

Para o escopo deste artigo, é importante destacar que essas características não afetam apenas quem trabalha no setor privado. Um dos principais aspectos que marca o atual ‘espírito do capitalismo' (Boltanski e Chiapello, 1999BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Le nouvel esprit du capitalisme. Paris: Gallimard, 1999.) está na reformulação do papel do Estado, que deve estar cada vez mais ‘enxuto', com o pressuposto de que haveria uma ‘autorregulação' do mercado que atenderia satisfatoriamente as necessidades da população nos diversos setores que envolvem a sociedade. Nesse contexto, a educação e a saúde se convertem em mercadorias e, consequentemente, a saúde pública também passa a ser regida pela retórica neoliberal, sofrendo um processo de reestruturação do trabalho (Blanch-Ribas e Cantera, 2011BLANCH-RIBAS, José M.; CANTERA, Leonor. La nueva gestión pública de universidades y hospitales: aplicaciones e implicaciones. In: ÁLVARO, José L. (ed.). Nuevas formas de organización del trabajo y la empleabilidad. Oviedo: Universidad de Oviedo, 2011.).

Na saúde pública brasileira, a reformulação do papel do Estado é observada especialmente na crescente terceirização do gerenciamento de serviços e da contratação precária de trabalhadores. No entanto, os princípios que regem o Sistema Único de Saúde (SUS) e, sobretudo, as recentes normatizações relativas ao acolhimento vão na direção contrária dessa lógica. Cabe indagar, então, como é possível conciliar o Estado mínimo com uma política de atenção universal à saúde. Interessam especialmente a este artigo as seguintes questões: essas contradições podem ser identificadas no cotidiano de trabalho nas unidades de saúde pública? Em caso positivo, como elas se expressam e como os profissionais de saúde lidam com isso? Quais as consequências dessa vivência para a saúde e o bem-estar desses trabalhadores? Deve-se lembrar, ainda, que, no âmbito da saúde pública, a condição de trabalho e de saúde dos profissionais envolvidos podem ter reflexos diretos na qualidade dos serviços prestados, o que se torna também uma questão que não pode ser deixada de lado.

Para responder a essas indagações, buscou-se compreender como é a vivência cotidiana dos trabalhadores de saúde que realizam acolhimento em unidades básicas de saúde. Optou-se por focalizar especificamente profissionais responsáveis pela atividade de acolhimento por entender que eles estão na ‘linha de frente' do atendimento na rede básica. Para a discussão dos resultados da pesquisa, avaliou-se que, antes, é necessária uma breve contextualização da política brasileira de humanização do SUS, que institui e normatiza a realização do acolhimento, e uma argumentação sobre as possibilidades de sua implantação no atual contexto.

A política de humanização do SUS e a lógica neoliberal na saúde

Em 2003, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (HumanizaSUS) a partir da sistematização de experiências do chamado ‘SUS que dá certo'. O objetivo declarado pelo ministério foi o de pôr em prática os princípios do SUS e estimular trocas solidárias para a produção de saúde e de sujeitos (Brasil, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção da saúde. 2. ed, Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: <www.saude.gov.br>. Acesso em: 17 mar. 2011.
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). Para tal, baseava-se na proposta de acolhimento como estratégia para lidar com a demanda espontânea existente na atenção básica à saúde (Tesser, Poli Neto e Campos, 2010TESSER, Charles D.; POLI-NETO, Paulo; CAMPOS; Gastão W. S. Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 3, p. 3615-3624, nov. 2010.).

O acolhimento é apresentado como uma nova postura na recepção dos usuários na sua chegada aos serviços de saúde, substituindo a ideia de ‘triagem'. De acordo com Carvalho e Cunha,

Acolher bem o usuário significa (…) ter uma atitude que garanta a escuta qualificada das demandas com o objetivo de ofertar o máximo de tecnologias (…) para que se produza saúde individual e coletiva. O acolhimento deve traduzir-se na abertura da unidade e na plasticidade do projeto de atenção prestado a determinado indivíduo ou coletivo, procurando garantir a humanização da relação instituição/usuário (Carvalho e Cunha, p. 860, 2006CARVALHO, Sérgio R.; CUNHA, Gustavo T. A gestão da atenção na saúde: elementos para se pensar a mudança da organização na saúde. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Spisa. et al. (Orgs.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, p. 837-868, 2006.).

Wen, Hudak e Hwang (2007)WEN, Chuck K.; HUDAK, Pamela L.; HWANG, Sthephen, W. Homeless People's Perceptions of Welcomeness and Unwelcomeness in Healthcare Encounters. Journal of General Internal Medicine, Alexandria, v. 22, n. 7. p. 1011-1017, jul. 2007., em um estudo sobre a percepção de moradores de rua com relação ao acolhimento em unidades de saúde no Canadá, também ressaltam que esta prática é essencial para a relação que o usuário estabelece com o serviço de saúde, que poderá ser de cumplicidade e confiança ou de desconfiança e distanciamento. Conforme observam os autores, “o acolhimento e o não-acolhimento são importantes porque estão intimamente ligados à percepção do paciente sobre as interações pessoais como humanizadas ou desumanizadas” (Wen, Hudak e Hwang, 2007WEN, Chuck K.; HUDAK, Pamela L.; HWANG, Sthephen, W. Homeless People's Perceptions of Welcomeness and Unwelcomeness in Healthcare Encounters. Journal of General Internal Medicine, Alexandria, v. 22, n. 7. p. 1011-1017, jul. 2007., p. 1.011).

Tesser, Poli Neto e Campos (2010)TESSER, Charles D.; POLI-NETO, Paulo; CAMPOS; Gastão W. S. Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 3, p. 3615-3624, nov. 2010. afirmam que a implantação do acolhimento no Brasil foi inovadora no sentido de servir de apoio para as necessidades dos pacientes e as diferentes possibilidades de cuidado. Uma das novas propostas do acolhimento foi ampliar a clínica realizada por outros profissionais que não o médico e incluir diferentes abordagens para os problemas de saúde.

No entanto, essa avaliação positiva da política de humanização proposta pelo Ministério da Saúde não é consensual. Para Puccini e Cecílio, por exemplo, “esse movimento de exigência de humanização das atividades humanas não é, absolutamente, novidade na área da saúde nem na sociedade em geral” (Puccini e Cecílio, p. 1.346, 2004PUCCINI, Paulo T.; CECILIO, Luiz C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, out. 2004.). Segundo os autores, na verdade, tal movimento agrupa diferentes concepções e propostas que “só coincidem enquanto slogan de propaganda”, uma vez que essa denominação acabou se tornando um ‘clichê' para os mais diversos programas de instituições de saúde. Assim, “esse proceder estabelece um novo véu que se interpõe entre a realidade das coisas e os homens, mascarando-a, bem como às condições determinantes daquilo que se pretende mudar” (Puccini e Cecílio, 2004PUCCINI, Paulo T.; CECILIO, Luiz C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, out. 2004., p. 1.346).

Nessa perspectiva de análise, as propostas de acolhimento estariam em consonância com o contexto neoliberal, uma vez que não se propõe a mudar as condições geradoras do adoecimento das pessoas. Assim, o que deveria existir como ética na prestação de serviços pode tornar-se apenas um objeto de propaganda inócuo ou até negativo no sentido da promoção de saúde, por exemplo. Ainda a respeito do movimento humanizador, os autores citados destacam:

o alto risco de seu tom discursivo redundante, tal como de um culto religioso, pois já sendo as ações humanas (sejam elas julgadas boas ou más) pertencentes ao homem, por que então falar em humanizá-las? Para explicar esse paradoxo, é necessário cautela para não valorizar as subjetividades abusivamente, ultrapassando o alcance de sua potência transformadora e produzindo uma “psicologização” do processo social (Puccini e Cecílio, 2004PUCCINI, Paulo T.; CECILIO, Luiz C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, out. 2004., p. 1.346).

Apesar da redundância do termo ‘humanização' apontada pelos autores, talvez seu emprego não seja tão inadequado se se opuser à desapropriação do trabalho humano própria do capitalismo. A humanização poderia também indicar uma necessidade de reapropriação deste trabalho. Nesse sentido, tal movimento humanizador no SUS poderia estar relacionado ao oposto do que indicam Puccini e Cecílio (2004)PUCCINI, Paulo T.; CECILIO, Luiz C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, out. 2004., ou seja, à necessidade de mudança para superar as contradições cada vez mais aparentes entre o direito à saúde, garantido pela Constituição Federal, e a política neoliberal vigente. Mas seria possível promover essa mudança ou ficaria ela apenas no nível da retórica, como afirmam os autores?

Sem dúvida, o discurso que sustenta essa proposta apresenta um ideal a ser alcançado e pode criar a ilusão de uma prática, utilizando-se de uma expressão empregada em outro contexto por Antunes e Alves (2004ANTUNES, Ricardo; ALVES, Giovanni. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, ago. 2004., p. 347–348) “mais ‘humanizada' em sua essência desumanizadora”. Dessa forma, é deixada aos profissionais de saúde a tarefa de sustentar a contradição de um sistema universal de saúde pública inserido em um contexto dominado pela lógica neoliberal capitalista, devendo ‘humanizar' um serviço em que não apenas a saúde é tida como um bem, mas em que eles próprios têm sua força de trabalho tratada como tal.

Essas contradições não estão presentes apenas na atividade de acolhimento. O SUS, desde sua criação, vem enfrentando grandes dificuldades para se consolidar. Segundo Campos (2007)CAMPOS, Gastão W. S. O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo liberal-privado para organizar o cuidado à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, p.1.865-1.874, 2007. Suplemento., ele não é um sistema público sedimentado, pois jamais conseguiu superar os protestos do setor político liberal conservador, que se mobilizou para radicalizar suas ações de resistência, visando a inviabilizar a efetivação de um sistema totalmente público e a defender seus interesses corporativos e de mercado.

Conforme Oliveira e colaboradores (2007)OLIVEIRA, Denize C. et al. O Sistema Único de Saúde na cartografia mental de profissionais de saúde. Texto & Contexto – Enfermagem, Florianópolis, v. 16, n. 3, set. 2007., apesar de prever o acesso universal às ações e serviços de saúde e a equidade no atendimento, o SUS sempre enfrentou dificuldades relacionadas à insuficiência de recursos financeiros para satisfazer as demandas apresentadas, bem como “à falta de organização de estados e municípios para a efetivação de ações regionalmente hierarquizadas; ao repasse de recursos financeiros; à disparidade de salários e cargos; e à disparidade de posições dos gestores e profissionais frente ao sistema” (Oliveira et al., p. 378).

Em síntese, é possível afirmar que, no Brasil, a lógica capitalista na saúde pública pode ser observada em alguns fatos: a convivência do SUS com o sistema privado (Campos, 2007CAMPOS, Gastão W. S. O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo liberal-privado para organizar o cuidado à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, p.1.865-1.874, 2007. Suplemento.), a compra de serviços privados por parte do SUS e, mais recentemente, a crescente terceirização da contratação de trabalhadores e, mesmo, do gerenciamento dos serviços de saúde (Bernardo, Verde e Garrido-Pinzón, 2013BERNARDO, Marcia H.; VERDE, Fábio F.; GARRIDO-PINZÓN, Johanna. Vivências de trabalhadores com diferentes vínculos empregatícios em um laboratório público. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. v. 16, n. 1, p. 119-133, 2013.).

O que vem ocorrendo nesse tipo de contexto é que a ‘produção' de atendimentos torna-se o principal indicador para a avaliação do trabalho realizado pelos profissionais de saúde. Essa lógica não é compatível com as propostas de acolhimento ‘humanizador' preconizada pelo Ministério da Saúde. A vivência em um contexto contraditório como esse pode ter consequências tanto para os trabalhadores responsáveis como para a própria população. Deve-se lembrar que o acolhimento, por si só, já é desgastante, uma vez que é a porta de entrada nos serviços de saúde, tendo de dar respostas a questões que, na maior parte das vezes, não estão sob o controle dos profissionais que o realizam por se relacionarem ao contexto social mais amplo. Tal fato, somado às pressões por produção e à instabilidade no emprego, características das propostas gerenciais que vêm sendo implantadas nos serviços de saúde, sugere que o exercício dessa atividade cause maior sofrimento ao profissional.

É esse pressuposto que embasou a pesquisa apresentada aqui. Para analisar os resultados obtidos, foram utilizados os conceitos de desgaste mental e precarização subjetiva, que serão discutidos a seguir.

Desgaste mental e precarização subjetiva

Os conceitos de desgaste mental (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. Cortez Editora, São Paulo, 2011.) e de precarização subjetiva (Linhart, 2009LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009.) foram selecionados para a análise do relato das entrevistadas, porque permitem um entendimento aprofundado e abrangente de como as relações laborais podem surtir efeitos na subjetividade dos trabalhadores.

De acordo com Seligmann-Silva, “o desgaste pode ser entendido a partir de experiências que se constroem, diacronicamente, ao longo das experiências de vida dos indivíduos - no trabalho e fora dele”. Segundo a autora:

Em situações de trabalho, associadas a sucessivas frustrações em que ao longo dos anos se acrescentam experiências de sofrimento social, que vão minando a autoimagem e também estreitam progressivamente as perspectivas quanto ao futuro. Essa forma de desgaste, portanto, se por um lado é inseparável do sofrimento social, por outro, no âmbito do trabalho, se articula principalmente com as vivências conectadas à gestão e à organização deste (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. Cortez Editora, São Paulo, 2011., p. 144-145).

A originalidade desse conceito está no modo de conceber a relação entre o desgaste do indivíduo e os processos de trabalho, indo além da denúncia de mazelas físicas para evidenciar a existência de um processo que participa dialeticamente da própria construção da identidade do trabalhador. Assim, o sofrimento e o adoecimento mental não teriam origem apenas no âmbito intrapsíquico, como preconizam algumas teorias ‘psi', mas em um processo de desgaste que inclui também as ‘cargas de trabalho' (Laurell e Noriega, 1989LAURELL, Asa C.; NORIEGA, Manuel. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.) relacionadas às condições e à organização do trabalho, as quais, por sua vez, estão condicionadas pelo contexto social mais amplo.

A precariedade subjetiva, por sua vez é outro conceito que possibilita compreender as relações de trabalho no mundo contemporâneo, especialmente no setor público. Linhart define esse tipo de precariedade como:

O sentimento de não estar ‘em casa' no trabalho, de não poder se fiar em suas rotinas profissionais, em suas redes, nos saberes e habilidades acumulados, graças à experiência ou transmitidos pelos mais antigos; é o sentimento de não dominar seu trabalho e de precisar permanentemente desenvolver esforços para se adaptar, para cumprir os objetivos fixados, para não se arriscar, nem fisicamente, nem moralmente (no caso de interações de usuários ou clientes). É o sentimento de não ter recurso em caso de problemas graves de trabalho, nem do lado dos superiores hierárquicos (cada vez mais raros e menos disponíveis), nem do lado dos coletivos de trabalho que se esgarçaram com a individualização sistemática da gestão dos assalariados e o estímulo à concorrência entre eles (Linhart, p. 2, 2009LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009.).

Tendo em vista o contexto explicitado e os conceitos a serem discutidos, a pesquisa teve como foco a vivência de trabalhadores responsáveis pela atividade de acolhimento da população na rede básica de saúde em um município que, ao longo das últimas décadas, teve uma das redes de saúde públicas mais organizadas do país. O objetivo foi investigar as características do acolhimento realizado em unidades básicas de saúde e a forma como essa prática é vivenciada pelos trabalhadores que a realizam, destacando aspectos relacionados às suas possíveis contradições, as quais podem configurar uma situação de precariedade subjetiva propícia ao desgaste mental.

A opção metodológica e as características dos sujeitos da pesquisa

O tipo de delineamento adotado na pesquisa teve caráter qualitativo, com a realização de entrevistas reflexivas em profundidade, com base em um roteiro norteador. As entrevistas foram realizadas no período de março de 2011 a janeiro de 2012, tendo sido gravadas com a autorização dos sujeitos e, posteriormente, transcritas e submetidas à análise de conteúdo (Bardin, 1977BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.).

Os sujeitos da pesquisa foram quatro enfermeiras e uma técnica de enfermagem, responsáveis pelo acolhimento em unidades da atenção básica de saúde. Os contatos com as entrevistadas se deram diretamente nos locais de trabalho ou por intermédio de pessoas conhecidas, mas nenhuma delas tinha alguma relação anterior com os pesquisadores. Alguns trabalhadores contatados não se disponibilizaram para participar, alegando falta de tempo. Aquelas que aceitaram, no entanto, se mostraram bastante abertas, parecendo estarem muito à vontade durante a entrevista.

A pesquisa focalizou um único município do interior paulista tendo em vista sua importância histórica na implantação e defesa do SUS e o momento atual bastante tumultuado com relação à terceirização (e consequente precarização) da contratação de profissionais. Também se avaliou que seria importante entrevistar profissionais que trabalhavam em unidades diferentes, considerando especialmente a região da cidade onde as unidades estavam localizadas (áreas mais periféricas, onde há maior número de pessoas dependentes do SUS e áreas onde vivem pessoas em situação social mais privilegiada).

As cinco entrevistadas são aqui chamadas pelos nomes fictícios: Dora, Marta, Ângela, Tânia e Vera. Todas eram da área da enfermagem, tendo em vista que, no município pesquisado, a atividade de acolhimento era responsabilidade desse setor.

Dora e Marta trabalhavam na mesma unidade básica de saúde, situada em uma região periférica, com alto índice de pobreza, onde grande parte da população era dependente do SUS. Dora trabalhava na rede de saúde do município havia mais de uma década, foi auxiliar de enfermagem contratada (terceirizada) e, mais recentemente, assumiu como enfermeira concursada.3 3 Na última década, as categorias profissionais da enfermagem e medicina foram, praticamente, as únicas que tiveram concursos públicos para provimento de cargos no município em questão. Marta entrou direto como enfermeira mediante concurso público, logo após terminar a faculdade.

Já Ângela, Tânia e Vera trabalhavam em unidades de saúde diferentes, todas situadas em regiões mais centrais. Ângela era enfermeira concursada, trabalhou por muitos anos em um mesmo local e mudou recentemente. Tânia também era enfermeira concursada, era a segunda unidade de saúde em que atuava, tendo trabalhado anteriormente em uma região mais pobre da cidade. Vera era auxiliar de enfermagem, concursada e trabalhava no mesmo local havia cerca de 12 anos.

Este artigo resultou da pesquisa de iniciação científica financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a qual fez parte do projeto de pesquisa institucional da docente coautora deste artigo. Tendo em vista que a proposta metodológica incluía entrevistas com características de uma conversa informal, entendeu-se que envolvia riscos mínimos aos sujeitos. Ainda assim, o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sob o número de protocolo 332/09, não havendo conflitos de interesse.

As características da vivência de profissionais que realizam acolhimento

Na análise das entrevistas, perceberam-se três categorias relacionadas ao tema da pesquisa, que permearam todas as falas e que, portanto, foram destacadas. A primeira diz respeito diretamente ao contexto de precarização – objetiva e subjetiva – do trabalho a que estão submetidas as entrevistadas e a forma como o vivenciam. A segunda se refere às consequências desse contexto na prática cotidiana e, portanto, na qualidade do acolhimento oferecido à população. Além dessas, também se identificou um terceiro eixo que merece ser destacado na análise. Esse eixo inclui uma comparação entre a vivência na atividade de acolhimento em unidades de saúde situadas em regiões com população de distintos níveis socioeconômicos. As categorias foram analisadas de forma a buscar compreender a relação entre a vivência das entrevistadas e o contexto discutido na introdução deste artigo, nos seus aspectos micro e macrossociais.

Algumas indicações da precarização do trabalho

Começa-se com o relato de uma das entrevistadas a respeito das implicações do acolhimento para a organização do trabalho:

Eu estou na rede desde uma época em que não se falava em acolhimento e, antes, a unidade era tranquila. Eu trabalhava à tarde e dava tempo pra fazer bastante coisa… Os usuários se concentravam mais no período da manhã em que havia numero ‘x’ de vagas e, no período da tarde, era relativamente tranquilo. Em 2000, com a gestão do PT [Partido dos Trabalhadores], chegaram novas propostas, inclusive o acolhimento… A gente sofreu demais com essa diretriz nova do acolhimento… De responder a todas as demandas do usuário, de cima pra baixo, o distrito impondo, a gente entendeu que tinha de dar conta de aproximadamente tudo. As unidades começaram a ficar lotadas o dia todo… Havia também uma distorção que o acolhimento tinha que ser feito pelo auxiliar de enfermagem. Tinha que dar a famosa olhadinha… A gente tinha que dar conta de tudo, resolver tudo. À medida que a população percebeu que a gente tinha que resolver tudo, ela começou a trazer outros problemas: a dor, o sinal-sintoma e as questões sociais que [antes] pouco entravam na unidade (Dora).

O relato de Dora mostra o desgaste causado pela exigência de uma mudança repentina na organização do trabalho, que impõe ao técnico de enfermagem a responsabilidade pela atenção aos diversos aspectos do ser humano, incluindo as questões sociais. Apesar de reconhecer a importância de considerar tais aspectos na atenção à saúde, o que a entrevistada destaca é a inviabilidade do acolhimento sem os recursos necessários para realizá-lo e sem um tempo adequado para uma adaptação à proposta na sua fase inicial. Não parece ser por acaso que se encontrou no depoimento de Dora uma comparação metafórica relacionando a implantação do acolhimento a uma produção tipicamente capitalista, o automóvel: “Um dia tinha-se o modelo tradicional e no outro não somos mais uma UBS [unidade básica de saúde] simplesmente – trocou a roda com o carro andando”. Essa fala se destaca, pois mostra a sensação de descaso vivenciada e, mais ainda, indica a exigência de flexibilidade permanente, que não diz respeito somente ao acolhimento da demanda da população especificamente, mas também à necessidade de se ajustar instantaneamente às mudanças nas diretrizes de organização do trabalho. De forma similar, Thébaud-Mony e Druck constatam que,

Neste contexto histórico, a flexibilização e a precarização do trabalho se metamorfoseiam, assumindo novas dimensões e configurações. O curto prazo impõe processos ágeis de produção e de trabalho e, para tal, é indispensável contar com trabalhadores que se submetam a quaisquer condições para atender ao novo ritmo e às rápidas mudanças (Thébaud-Mony e Druck, 2007THÉBAUD-MONY, Annie; DRUCK, Graça. Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, p. 23-58, 2007., p. 26).

Deve-se salientar que nenhuma das entrevistadas se coloca contra a proposta do acolhimento, mas todas apontam as dificuldades para efetivá-lo. Assim, apesar de haver alguma variação com relação ao lugar em que é realizado – na própria recepção ou em uma sala específica – a falta de condições, de diversas ordens, aparece na vivência das cinco profissionais. As seguintes falas são representativas:

Eles [os profissionais de saúde] fazem agendamento na sala de acolhimento, não respeitam a privacidade do paciente… um monte de gente entrando, pegando prontuário… (Tânia).

É muito bonito, é legal, avançou muito esse modelo, essa melhora no SUS. É um melhor jeito de fazer, só que a gente precisa de retaguarda… A equipe tem que estar respaldada… (Ângela).

Embora o HumanizaSUS preconize uma escuta atenta e preocupada com fatores biopsicossociais, as entrevistadas denunciam que ela não pode ter resultados satisfatórios sem as condições mínimas para que sua prática seja possível.

O relato das entrevistadas também encontra eco na afirmação de Linhart (2009)LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009. sobre a precariedade subjetiva, no qual a pessoa deve se mobilizar constantemente para

conseguir realizar o trabalho solicitado nas condições instáveis que caracterizam o trabalho contemporâneo; ela deve encontrar as soluções que lhe permitiram conciliar os objetivos de produtividade e de qualidade que lhe são impostos e que nem sempre são compatíveis (Linhart, 2009LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009., p. 7-8).

Desse modo, elas vivenciam um sentimento contraditório característico de tal precariedade, uma vez que a proposta de um “ideal de trabalho inatingível”, acaba por mantê-las em “um estado de tensão” (Linhart, 2009LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009., p. 9).

Nessas condições, a proposta de acolhimento parece tornar-se, na prática, apenas um ‘slogan de propaganda', conforme denunciam Puccini e Cecílio (2004)PUCCINI, Paulo T.; CECILIO, Luiz C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, out. 2004., capaz de proporcionar o ‘engajamento subjetivo' dos trabalhadores (Linhart, 2009LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009.). No entanto, tendo em vista o contexto descrito pelas entrevistadas, a implantação desta proposta gera um sofrimento que se caracteriza como uma forma de desgaste mental, que pode levar ao adoecimento.

Assim, a constatação de Seligmann-Silva com relação a trabalhadores industriais parece ser adequada também à vivência descrita pelas entrevistadas, pois, “quando a função desempenhada é complexa e exige simultaneidade de focos de atenção e de atuação prática, a fadiga mental se torna perceptível em menor espaço de tempo” (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. Cortez Editora, São Paulo, 2011., p. 264-265). Ainda, segundo a autora, essa tensão é agravada quando a vida de outras pessoas depende do exercício do trabalho dos profissionais.

Outro fator situado no nível microssocial que se mostra de extrema importância para a análise aqui empreendida diz respeito às relações interpessoais entre os profissionais do centro de saúde. As entrevistadas afirmam que há de fato uma relação “mais horizontal” entre os profissionais em comparação a outros tipos de unidade de saúde, como no hospital. Porém, como também é apontado por elas, ainda existe uma visão “médico-centrada”, na qual o médico é quem tem a “palavra final” (Marta). Entrar-se-á mais no mérito desta questão no próximo eixo de análise, contudo, é importante destacar, por enquanto, o desgaste causado por essa relação. Apesar de sua aparente horizontalidade, as falas das entrevistadas se referem às relações da equipe como verticais, especialmente em momentos de tensão, evidenciando a privilegiada posição em que o médico se encontra em relação aos profissionais que fazem o acolhimento.

A enfermagem toca o serviço, é mais da metade da força de trabalho, mas tem a relação de poder, aquele médico que não surtaria com ninguém, mas com o auxiliar [de enfermagem] ele surta. Acontecem alguns atritos, mas não muito rotineiramente. Em geral a relação é boa. O que às vezes pega é quando o usuário pressiona o auxiliar e ele [o médico] dá o show lá na frente porque ele quer… Às vezes, ele está de fato sobrecarregado e ele acaba descontando naquele que vai pedir ‘tem um a mais pra você atender…' É a linha de frente, ? (Dora).

Os relatos indicam a posição desfavorável do profissional que faz o acolhimento em relação ao médico, situando-se no “sanduíche” (Ângela) entre a demanda de atendimento da população e o médico:

É sofrido, você sofre a pressão da demanda… (Dora).

A gente que cuida daquela população, muitas vezes superprotege, e a própria equipe faz com que o colega [trabalhador do acolhimento] fique sobrecarregado. Isso gera descontentamento e alguns ranços com a equipe (Ângela).

É um enfrentamento com o paciente por vaga… A gente gosta do que faz, mas tem dia que dá soco no ar, sai chorando… (Vera).

Pode-se notar que o grande problema é justamente a respeito das cargas de trabalho (Laurell e Noriega, 1989LAURELL, Asa C.; NORIEGA, Manuel. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.) vivenciadas pelo profissional de saúde responsável pelo acolhimento, que deve ter uma grande flexibilidade para lidar com suas tarefas cotidianas. No entanto, quando se trata das relações da equipe, as falas das entrevistadas indicam certa rigidez. O médico, que apesar de, teoricamente, não exercer relação alguma de poder sobre os colegas, encontra-se em uma posição que, claramente, lhe possibilita mais autonomia na decisão de atender ou não o usuário. Esse fato, por sua vez, aumenta o desgaste do profissional:

Ele [técnico de enfermagem que faz o acolhimento na maior parte das vezes sua unidade] tem que conversar muitas vezes com o enfermeiro ou com o médico… Eles reclamam muito de ter que pedir favor para o profissional de nível superior, o que não deveria acontecer (Marta).

Outro aspecto que não se pode deixar de abordar é a terceirização dos contratos de trabalho dos profissionais de saúde, uma precariedade bastante objetiva que atinge parte das equipes. A convivência de colegas de uma mesma categoria profissional, com situações de trabalho totalmente diferentes, é um fator que dificulta o trabalho cotidiano da equipe, com resultados para a qualidade dos serviços prestados. Veja-se como duas entrevistadas descrevem esse contexto:

Quando eu era auxiliar, eu fui contratada [por um serviço terceirizado], depois concursada… Eu estou como concursada há dois meses e meio. Nossa! [a condição de terceirizada] é péssimo. Péssimo porque tem uma desigualdade dentro do serviço. Eu fui enfermeira contratada, eu ganhava menos que as outras enfermeiras. Você pode ser mandada embora, essa sensação da instabilidade, o convênio com o hospital contratante… se eu não tivesse passado no concurso, eu estaria na rua. Os profissionais [terceirizados] estão aos poucos sendo mandados embora… Essa situação não é precária, [porque] é [contrato via] CLT, mas você não tem segurança‥ como de fato algumas pessoas… Eu estou concursada há dois meses. [Nessa condição] Você se sente mais seguro, até pra falar as coisas. Se você não é concursado, você não vai fazer propostas… Você tende a ficar mais do lado da gestão. Quando você tem um vinculo que é estável, que te oferece mais segurança, você se sente mais confortável. Enxergar o que tem de errado, a gente sempre enxerga. Dependendo do vínculo, você se sente mais seguro (Dora).

É claro que é uma condição de trabalho mais precária… Na última apresentação, a Prefeitura apresentou dados que estão bem abaixo [do limite colocado pela lei de responsabilidade fiscal]… Não dá mais pra aceitar essa desculpa de contratar de forma precária os funcionários… É assumir a ineficiência do próprio serviço. É claro que tem gente lucrando com isso… Pro controle social também é um problema. Um medo de demissão que faz o funcionário se calar… Por medo, acaba não abrindo a boca, não denunciando muita coisa errada. Isso é prejudicial para o próprio sistema (Marta).

A contrariedade em relação à terceirização se justifica pela precariedade do vínculo e pelo medo do trabalhador de perder o emprego caso conteste a gestão. No entanto, Seligmann-Silva (2011SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. Cortez Editora, São Paulo, 2011., p. 271) destaca que “os medos se imbricam e convergem para acréscimos de ansiedade, compondo um sofrimento mental que se agrava à medida que diminui a segurança no emprego”.

Ao comentar sua convivência com profissionais terceirizados, que estavam sendo ameaçados de perder o emprego, Ângela diz o seguinte:

Essas pessoas estão muito aflitas, muito sofridas, esperando o momento de sair… Em algumas categorias já foi colocada a vaga da pessoa para concurso… [eles lhe dizem:] ‘Quando é que eu saio? Eu não posso ficar com a minha vida vulnerável desse jeito' (Ângela).

Uma das entrevistadas não nos deixa esquecer que “a diferença salarial é grande” (Dora). O nível salarial é considerado um fator essencial para a garantia de qualidade de vida capaz de amenizar os aspectos psicossociais negativos do trabalho (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. Cortez Editora, São Paulo, 2011.).

Apesar dessas dificuldades, todas as entrevistadas relatam a inexistência de rivalidade entre os profissionais com vínculos empregatícios desiguais. Entretanto, revelam diferenças em relação às cobranças da gestão sobre os terceirizados, bem como em relação à remuneração, que causam o sentimento de inferioridade. Dizem elas:

Dividia em ‘casta' a unidade, brincando, mas quando você é contratado [terceirizado], por exemplo, é mais fácil você sofrer assédio moral… Eu conheço outros profissionais que em razão de sua posição eram mais cobrados… Os contratados têm uma pressão maior, não adianta (Dora).

Embora a rivalidade induzida como alimento à competitividade produtivista, aparentemente, ainda não tenha encontrado lugar nas unidades de saúde onde trabalham as entrevistadas, suas falas mostram como a terceirização já está presente, com a consequente precarização do trabalho e do serviço prestado. Tal situação provoca um sentimento de insatisfação dos profissionais de saúde, condenados a conviver com a injustiça causada pela coexistência de dois tipos de contratação bastante desiguais para a mesma função.

Vale dizer, no entanto, que os trabalhadores estáveis tampouco estão imunes à precarização, pois vivenciam outra forma de precariedade, que se dá no âmbito subjetivo (Linhart, 2009LINHART, Danièle. Modernisation et precarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n. 43, CEIC (Centro de Estúdios sobre la Identidad Colectiva), Universidad del País Vasco, 2009.). Na medida em que se reduz o número de contratados terceirizados, como estava ocorrendo nas unidades das entrevistadas na ocasião da pesquisa, o volume e a intensidade de trabalho para aqueles que permanecem crescem. Trata-se da lógica ‘minimax' -mínimo de investimento com o máximo de rendimento – que, segundo Blanch-Ribas e Cantera (2011)BLANCH-RIBAS, José M.; CANTERA, Leonor. La nueva gestión pública de universidades y hospitales: aplicaciones e implicaciones. In: ÁLVARO, José L. (ed.). Nuevas formas de organización del trabajo y la empleabilidad. Oviedo: Universidad de Oviedo, 2011., invade cada vez mais os setores públicos de saúde e educação. Esse contexto dificulta ainda mais a atividade de acolhimento, tendo em vista que, além de haver menos pessoas para realizá-lo, também haverá menos profissionais na retaguarda do atendimento, o que se traduz em maior desgaste para os trabalhadores que exercem essa função.

A interferência das condições de trabalho nas concepções e nas práticas relativas ao acolhimento

Pode-se observar que existe uma grande contradição entre a proposta nacional de humanização e o relato das enfermeiras acerca da prática do acolhimento, que, em última instância, parece se restringir à triagem seguida de consulta. Apesar de Marta afirmar que “nem todo acolhimento necessariamente precisa virar uma consulta médica…”, essa parece ser a regra:

O acolhimento como é preconizado, que é acolher de fato as queixas, ouvir as pessoas, acontece de uma forma muito restrita no lugar em que eu trabalho. Ele acabou sendo reduzido a um trabalho de triagem, de seleção de queixas clínicas: quem vai passar com o médico e quem não vai… Eu acho isso muito ruim… Se restringe muito à queixa clínica e conduta clínica. Tem o paciente que tem uma dor e quer passar numa consulta médica que não entra nas agendas de rotina que entra na vaga do dia, que é uma reserva técnica de agenda. Então, acaba que o acolhimento fica muito restrito a isso, muito condicionado à consulta médica. Isso é bem ruim. É o que eu tenho pensado e fazendo propostas de mudança onde eu trabalho pra melhorar isso (Marta).

Esse relato exemplifica um aspecto destacado por todas as entrevistadas ao mostrar quão longe está a prática daquilo que é preconizado, especialmente em relação à horizontalidade e à transdisciplinaridade.

A medicalização desnecessária e abusiva é outro problema colocado pelas entrevistadas, que pode ajudar a entender melhor a questão da visão “médico-centrada”. Marta lembra um fato cada vez mais comum nas unidades de saúde:

Eu vejo paciente que passa comigo porque perdeu o filho faz uma semana… Ganhou antidepressivo… ‘o médico falou que eu estou com depressão'… Isso não é depressão, isso é luto, eu vejo que há um despreparo muito grande dos profissionais.

Pode-se supor que a pessoa com sintomas do processo de luto considerado normal poderia ser atendida pelo profissional responsável pelo acolhimento e, muitas vezes, o simples fato de ter alguém para escutá-la bastaria para aliviar seu sofrimento. Ou, em alguns casos, ser ouvida por outro profissional da equipe que não o médico. Porém, segundo Marta, “chorou, ganha fluoxetina [antidepressivo]”. É justamente nesse caso, que poderia ser considerado modelo para se pensar a importância do acolhimento da humanização nos atendimentos de saúde, que vê-se o abismo que há entre a teoria proposta e a prática do acolhimento.

Além do despreparo dos trabalhadores e seu número reduzido, há uma grande demanda da população por medicamentos e exames:

A gente tem uma demanda crescente da saúde mental… para ajudar nessas questões. É claro que a gente também tem uma psicologização de tudo, até das demandas sociais, que é uma coisa da sociedade, pessoas cada vez mais ávidas por exames, às vezes sem necessidade, pressionados por essa sociedade capitalista que consome bens e também consome saúde (Dora).

É como se a pessoa [o paciente] aliviasse a culpa [por não cuidar da própria saúde] através do remédio e através do exame… É difícil negociar com os próprios pacientes (Marta).

De acordo com Campos (2007CAMPOS, Gastão W. S. O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo liberal-privado para organizar o cuidado à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, p.1.865-1.874, 2007. Suplemento., p. 1.867), “o consumismo aliado ao exercício de uma clínica restrita tem ampliado a medicalização social. Inclusive com a medicalização de conflitos subjetivos e sociais”. E é sabido que essa lógica está vinculada à influência da indústria farmacêutica, um dos setores mais ricos e poderosos no contexto neoliberal atual. Assim, não é por coincidência que o gasto com medicamentos no Brasil venha crescendo proporcionalmente muito mais do que o gasto total com saúde (Guerra, 2010GUERRA, Augusto. O direito à saúde e o acesso a medicamentos. In: BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Relatório do Seminário Internacional de Assistência Farmacêutica do CONASS, realizado em 15 e 16 de junto de 2009, em Brasília, DF. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS, 2010.).

É interessante destacar que, assim como exemplificado com as falas de Dora e Marta, todas as entrevistadas mostram uma visão crítica com relação ao uso excessivo de medicamentos e sua inadequação para alguns problemas, bem como com relação à necessidade de outro tipo de intervenção que não apenas a consulta médica e a medicação. Suas falas demonstram uma grande sintonia com os princípios que regem a proposta de acolhimento. Todavia, elas mostram-se impotentes para mudar o contexto. Essa vivência cotidiana contraditória se configura como uma característica típica da precariedade subjetiva que também pode gerar desgaste mental para essas trabalhadoras.

Comparação da vivência dos trabalhadores na organização do acolhimento em regiões distintas

Além dos aspectos discutidos até aqui, outra questão que se colocava para a pesquisa dizia respeito ao interesse na realidade de trabalho em unidades de saúde situadas em diferentes regiões da cidade. É sabido que, se, por um lado, as regiões periféricas têm uma população mais dependente do SUS, por outro, costumam ter menos recursos, especialmente de profissionais. De acordo com Lefèvre e Lefèvre,

As desigualdades sociais passam, também, a ser evidenciadas pela forma de ocupação do espaço urbano. A privatização e a distribuição dos serviços urbanos têm aumentado a desigualdade no acesso a esses serviços. Desta forma, as áreas mais ricas, onde habita a população de maior poder aquisitivo, contam com uma oferta maior de serviços e equipamentos que distribuem o bem-estar urbano, como saneamento, telefonia, escolas, postos e outros serviços de saúde, áreas de lazer etc. (Lefèvre e LefÈvre, p. 102, 2007LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. Cavalcanti. Promoção de Saúde: a negação da negação. São Paulo: Ed. Barba Ruiva; 2007.).

As entrevistas realizadas confirmaram o pressuposto de que as unidades de saúde situadas em regiões mais favorecidas contam com maior e melhor estrutura física, o que permite um espaço mais adequado para realizar o acolhimento e maior número de profissionais disponíveis, situação bem diferente daquela descrita com relação às unidades da periferia. As diferenças entre os usuários dos serviços nos dois tipos de região também é apontada como um fator importante.

O relato de Tânia, uma das entrevistadas que trabalhou em unidades de saúde situadas em regiões com características distintas, destaca algumas especificidades de sua vivência. Segundo ela, “a unidade básica [de uma região central] funciona melhor porque é uma população mais esclarecida e que exige mais do serviço”. A própria entre vista da explica: essa população tem mais opções de atendimento do que a da periferia, mas, nem por isso, deixa de ser exigente com relação aos seus direitos.

A enfermeira destaca também a preocupação em relação ao nível de envolvimento no trabalho em uma unidade de saúde de uma região onde grande parte da população é dependente do SUS, “a preocupação passa a ser maior porque você acaba vivenciando muito o contexto social do paciente (Tânia). Desse modo, pode-se deduzir que as condições objetivas de trabalho têm relação direta com o desgaste do trabalhador. Aqui, não é a precarização do vínculo empregatício que está em questão, mas a própria precarização social.

O atendimento a uma população mais carente, juntamente com condições mais precárias de trabalho (falta de pessoal e de estrutura), coloca os profissionais que realizam o acolhimento nas unidades de saúde mais periféricas em uma situação potencialmente muito mais desgastante física e mentalmente.

Parece relevante o comentário de duas das entrevistadas que trabalham em unidades de saúde de regiões mais centrais sobre a presença de estudantes de uma universidade pública que desenvolve um programa de residência nesses locais. Tendo em vista a falta crônica de profissionais para o atendimento das necessidades da população, ambas consideram tal programa como de grande auxílio. Apesar disso, Tânia destaca: “eu nunca vi um aluno, a não ser da enfermagem, participar de uma reunião de equipe”, o que indica falta de entrosamento com a equipe, especialmente, por parte dos estudantes de Medicina.

Dessa forma, o que acaba ocorrendo nessas unidades de saúde é apenas uma maior oferta de atendimento, sem, no entanto, uma grande mudança qualitativa no sentido de fazer valer o que é preconizado na proposta de acolhimento.

Considerações finais

Os resultados da pesquisa apresentados aqui parecem corroborar os achados de Brehmer e Verdi no que se refere à forma como o acolhimento é realizado. Nesse estudo com usuários do serviço os autores identificaram “duas imagens díspares” – a expectativa do que seria o acolhimento e a frustração “da falta de acesso e da precariedade do atendimento que resulta em experiências excludentes” (Brehmer e Verdi, 2012, p. 3.577).

No entanto, não se pode esquecer que o profissional que realiza o acolhimento também é um trabalhador, cada vez mais sujeito a dificuldades muito similares àquelas do setor privado e não pode ser o único responsável pela precariedade do serviço oferecido à população em muitas unidades de saúde.

Observamos que as profissionais entrevistadas concordam com os princípios do SUS e com a política de humanização proposta pelo Ministério da Saúde, mas identificam aspectos de diversos níveis que dificultam a realização do acolhimento adequado às demandas da população. Esses aspectos incluem a precarização do trabalho, a falta de condições estruturais básicas, como uma sala mais privativa para o acolhimento, e até nas relações de poder dentro das equipes de trabalho.

É importante ressaltar que, apesar de nenhuma das entrevistadas fazer referência direta a algum tipo de adoecimento e sofrimento psíquico, suas falas indicam que as condições oferecidas para realizar o acolhimento parecem caracterizar uma situação de precariedade subjetiva vivenciada pelos profissionais de saúde que o realizam. Tal situação, por sua vez, configura uma vivência potencial de desgaste mental, que pode culminar no adoecimento desses trabalhadores. Assim, certamente, não é por acaso que os enfermeiros e técnicos de enfermagem – responsáveis por essa atividade – componham uma das categorias nas quais os transtornos mentais e comportamentais são as principais causas do afastamento do trabalho (Sancinetti, 2009SANCINETTI, Tania R. Absenteísmo por doença na equipe de enfermagem: taxa, diagnóstico médico e perfil dos profissionais. 2009. 113p. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).

Ainda que esta pesquisa tenha focalizado um número restrito de entrevistas e de unidades de saúde, é muito provável que essa vivência de precariedade objetiva e subjetiva das entrevistadas não seja exceção, conforme também identificaram Brehmer e Verdi (2012).

As razões para tal parecem ser múltiplas. No contexto mais amplo, notam-se as consequências da lógica liberal privatista: a precarização dos contratos de trabalho, o reduzido número de funcionários com relação às atividades exigidas, a falta de condições objetivas para a realização do trabalho e o uso excessivo de medicamentos. Já no nível microssocial, destacam-se as relações hierarquizadas na equipe, com o predomínio do poder médico como grandes obstáculos para a efetivação de um verdadeiro acolhimento.

Entende-se que este estudo mostra a relevância de se buscar compreender as consequências das atuais características da gestão no contexto da saúde pública especialmente quando elas entram em choque com os princípios do SUS e das atividades propostas, como é o caso do acolhimento.

Desse modo, também se sinaliza a necessidade de mais pesquisas que foquem a prática cotidiana e a compreensão dos trabalhadores da área da saúde acerca de suas atuações e que evidenciem as contradições postas pelo contexto do capitalismo neoliberal e suas consequências para a saúde desses trabalhadores e da população em geral.

Finaliza-se destacando a importância da valorização do profissional que trabalha na atenção básica no SUS, particularmente aqueles que atuam no acolhimento dos usuários, que, apesar de todos os problemas citados, ainda têm a responsabilidade de se desdobrar para reinventar a prática cotidiana da atenção à saúde.

  • 3
    Na última década, as categorias profissionais da enfermagem e medicina foram, praticamente, as únicas que tiveram concursos públicos para provimento de cargos no município em questão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2013
  • Aceito
    31 Mar 2014
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