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Adoecimento dos trabalhadores da Estratégia Saúde da Família em município da região Centro-Oeste do Brasil

Illness among the workers of the Family Health Strategy in a municipality of the Brazilian Midwest

Enfermedad entre los trabajadores de la Estrategia Salud de la Familia en un municipio del Medio Oeste de Brasil

Resumo

Estudo qualitativo que teve por objetivo analisar o adoecimento dos trabalhadores das Unidades Básicas de Saúde da Família de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 2015-2016. Os dados sobre as licenças médicas dos trabalhadores foram obtidos nos bancos de dados do Sistema de Gestão de Capital Humano para o Serviço Público e do Sistema do Instituto Municipal de Previdência. Dentre os trabalhadores licenciados há mais de 30 dias (n = 114), 39 responderam às escalas do Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento. Os principais motivos das licenças estavam relacionados aos diagnósticos de transtornos mentais e comportamentais (337, 53%) e às doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (171, 27%). Os índices relativos aos riscos de adoecimento no contexto do trabalho mostraram-se satisfatórios apenas na escala de indicadores de prazer no trabalho, no fator liberdade e realização profissional. As escalas de indicadores de sofrimento no trabalho e avaliação dos danos relacionados ao trabalho apresentaram risco grave, e as escalas de avaliação do contexto de trabalho e custo humano do trabalho, risco crítico. Os trabalhadores estão física e emocionalmente adoecidos, necessitando de intervenções para a melhoria da qualidade de suas vidas e da eficiência dos serviços prestados à população.

saúde do trabalhador; processo de trabalho; atenção primária à saúde; Estratégia Saúde da Família

Abstract

This qualitative study had the goal of analyzing illness among the workers of the Basic Units of the Family Health Strategy in the city of Campo Grande, state of Mato Grosso do Sul, Brazil, between 2015 and 2016. The data regarding the medical leaves of the workers were obtained from the databases of the Management System of Human Capital for Public Service (Sistema de Gestão de Capital Humano para o Serviço Público) and of the System of Municipal Welfare Institute (Instituto Municipal de Previdência). Among the workers with medical leaves longer than 30 days (n =114), 39 answered the four scales of the Inventory on Work and Risk of Illness. The main reasons for the medical leaves were related to the diagnoses of mental and behavioral disorders (337; 53%) and to diseases of the osteomuscular system and of the connective tissue (171; 27%). The rates regarding the risks of falling ill in the context of labor were only satisfactory for the pleasure indicators at work scale, in the professional achievement and freedom factor. The indicators at work scale and assessment of work-related injury presented serious risk, and the scales of assessment of the work context and human cost of labor presented critical risk. The workers are physically and emotionally ill, and in need of interventions to improve the quality of their lives and the efficacy of the services provided to the population.

health of the worker; work process; primary health care; Family Health Strategy

Resumen

Estudio cualitativo que tuvo el objetivo de analizar la enfermedad entre los trabajadores de las Unidades Básicas de Salud de la Familia del municipio de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, entre 2015 y 2016. Los datos sobre las licencias médicas de los trabajadores fueron obtenidos en los bancos de datos del Sistema de Gestión de Capital Humano para el Servicio Público y del Sistema del Instituto Municipal de de Previsión Social. Entre los trabajadores licenciados hacía más de 30 días (n = 114), 39 contestaron a las cuatro escalas del Inventario sobre Trabajo y Riesgo de Enfermedad. Los motivos principales para las licencias estuvieron relacionados a los diagnósticos de trastornos mentales y comportamentales (337; 53%) y a las enfermedades del sistema osteomuscular y del tejido conectivo (171; 27%). Los índices relativos a los riesgos de enfermarse en el contexto del trabajo solamente fueron satisfactorios en la escala de indicadores de placer en el trabajo, en el factor libertad y realización profesional. Las escalas de indicadores de sufrimiento en el trabajo y evaluación de los daños relacionados al trabajo presentaron riesgo grave, y las escalas de evaluación del contexto laboral y costo humano del trabajo, riesgo crítico. Los trabajadores están física y emocionalmente enfermos, necesitando intervenciones para la mejora de la calidad de sus vidas y de la eficiencia de los servicios prestados a la población.

salud del trabajador; proceso de trabajo; atención primaria a la salud; Estrategia Salud de la Familia

Introdução

O adoecimento dos trabalhadores em saúde é um fenômeno complexo e multicausal, que inclui fatores fisiológicos, psicossociais, econômicos e referentes ao ambiente de trabalho, o que gera transtornos ao trabalhador e à sua família, além de custos diretos e indiretos para as organizações e sociedade como um todo ( Nascimento, 2015NASCIMENTO, Débora D. G. O cotidiano de trabalho no NASF: percepções de sofrimento e prazer na perspectiva da Psicodinâmica do trabalho. 2015. 239f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e Escola de Enfermagem da Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo, 2015. Disponível em: < https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/83/83131/tde-19062015-141247/publico/Debora_Dupas_Goncalves_do_Nascimento_versao_final_corrigida.pdf> . Acesso em: 11 jan. 2019.
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).

A situação de adoecimento também é vivenciada pelos profissionais que atuam nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF), que pode estar relacionada ao seu processo de trabalho, bem como ao desempenho de sua atividade laboral. Esses indivíduos estão submetidos a várias situações de risco, tanto biológicas como relativas à organização e precarização do trabalho, exigência de produtividade, dificuldade de trabalho em equipe, deficiências dos demais níveis da rede de atenção e inexistência de plano de cargos e salários ( Carreiro et al., 2013CARREIRO, Gisele S. P. et al. Processo de adoecimento mental do trabalhador da Estratégia Saúde da Família. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, GO, v. 15, n.1, p. 146-155, jan./mar. 2013. Disponível em: < https://www.fen.ufg.br/revista/v15/n1/pdf/v15n1a17.pdf> . Acesso em: 20 jan. 2019.
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).

Diversos estudos ( Carreiro et al., 2013CARREIRO, Gisele S. P. et al. Processo de adoecimento mental do trabalhador da Estratégia Saúde da Família. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, GO, v. 15, n.1, p. 146-155, jan./mar. 2013. Disponível em: < https://www.fen.ufg.br/revista/v15/n1/pdf/v15n1a17.pdf> . Acesso em: 20 jan. 2019.
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; Rodrigues e Araújo, 2016) abordam a temática do adoecimento entre os trabalhadores, mas ainda persistem lacunas no perfil sociodemográfico e nozológico que dificultam o conhecimento da realidade dos trabalhadores da saúde. Para tanto, faz-se necessário um olhar sobre o processo de trabalho e a saúde dos trabalhadores em saúde, os quais vivenciam relações interpessoais conflitivas que podem gerar desconforto, ansiedade, preocupações e, consequentemente, adoecimento, com afastamento do trabalho por longos períodos (Bizarria, Tassigny e Frota, 2009).

Buscando desvendar esse contexto, optou-se, como ferramenta, pela utilização do Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA). Tal instrumento tem como foco investigar o trabalho e os riscos de adoecimento por ele provocado em termos de representação do contexto de trabalho, exigências físicas, cognitivas e afetivas, bem como vivências e danos à saúde do trabalhador ( Mendes e Ferreira, 2007MENDES, Ana M.; FERREIRA, Mário C. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento - ITRA: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: MENDES, Ana M. (org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 110-125. ).

Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar o adoecimento dos trabalhadores das Equipes de Saúde da Família de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, nos anos de 2015 – 2016.

Métodos

Estudo de abordagem quantitativa, realizado em Campo Grande, MS, desenvolvido durante os anos de 2017 a 2019.

Para identificar o número de trabalhadores licenciados para tratamento de saúde, nos anos 2015 e 2016, utilizou-se o banco de dados dos relatórios do Sistema de Gestão de Capital Humano para o Serviço Público, denominado ERGON, empregado pela Prefeitura Municipal de Campo Grande, e os do Boletim Médico Pericial (Sistema E-BOMEP), sobre as licenças médicas (LM) homologadas.

Os registros dos trabalhadores selecionados foram referentes às categorias profissionais de: médico(a), enfermeiro(a), odontólogo(a), assistente social, farmacêutico(a)/farmacêutico(a)bioquímico(a), auxiliar/técnico(a) de enfermagem, assistente administrativo I e II/auxiliar de serviço de saúde e auxiliar de saúde bucal.

Foram critérios de inclusão: ser servidor público concursado da Secretaria Municipal de Saúde (SESAU), que tenha atuado em UBSF e apresentado atestado médico por mais de 30 dias nos anos selecionados.

Não foram considerados os registros dos afastamentos dos trabalhadores com vínculo de contrato temporário; dos agentes comunitários de saúde (por ser um número expressivo e terem processos de trabalhos próprios); dos gerentes (por serem, em sua maioria, contratados), os trabalhadores das UBS e os trabalhadores do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), (por apresentarem processos de trabalho diferentes).

O banco de dados foi construído utilizando-se o aplicativo Microsoft Excel® com registro total geral de licenças dos trabalhadores da SESAU para tratamento de saúde homologadas em 2015 (1.989) e 2016 (1.939). Desse total, 634 representaram as licenças de trabalhadores das UBSF nos respectivos anos, sendo 325 (16%) em 2015 e 309 (16%) em 2016. Os registros do número de trabalhadores das UBSF em 2015 foram de 693 (base dez/2015) e 813 (base dez/2016). Licenciados para tratamento de saúde, foram 108 em 2015 (16% do total de trabalhadores da ESF existentes) e 102 em 2016, representando 16% em 2015 e 13% em 2016 do total de trabalhadores da ESF existentes. Foram 210 trabalhadores licenciados nos dois anos, dos quais 114 por mais de 30 dias.

As variáveis foram classificadas em três blocos: sociodemográficos (sexo, faixa etária e escolaridade), ocupacionais (categoria profissional, lotação na UBSF) e epidemiológicos (número de trabalhadores licenciados em geral, número de trabalhadores licenciados por diagnóstico conforme a Classificação Internacional de Doenças, 10ª versão [CID-10] e período de afastamento).

Foram identificados os trabalhadores licenciados por mais de 30 dias (n=114) e as entrevistas foram realizadas com 39(34%) trabalhadores encontrados. Não foi possível entrevistar o restante dos licenciados, uma vez que 42(37%) já tinham sido aposentados, 24(21%) continuavam de licença médica, 3(3%) faleceram, 5(4%) pediram exoneração e 1(1%) solicitou licença de interesse pessoal. Para as entrevistas, foi empregado o instrumento denominado ITRA, criado por Mendes e Ferreira (2003), e validado pelos próprios autores em 2007.

O ITRA, segundo Krug et al. (2017)KRUG, Suzane B. F. et al. Trabalho, sofrimento e adoecimento: a realidade de agentes comunitários de saúde do Sul do Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 771-788, set./dez. 2017. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/tes/v15n3/1678-1007-tes-15-03-0771.pdf> . Acesso em: 20 jan. 2019.
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, é um inventário composto por quatro escalas: Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT), Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST) e Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIST). O Quadro 1 exibe o quadro informativo das escalas do ITRA.

Quadro 1

- Quadro Informativo das Escalas do Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento


Essas escalas avaliam a inter-relação entre trabalho e adoecimento e identificam os fatores que podem interferir nesse processo. Desse modo, buscam traçar um perfil dos riscos de adoecimento provocados pela atividade profissional, dos efeitos que podem trazer para o trabalhador e das dimensões das relações entre trabalho e trabalhador no que se refere ao contexto laboral, exigências, vivências e danos.

A coleta de dados do ITRA ocorreu no período de novembro 2018 a fevereiro 2019, sendo os trabalhadores participantes da pesquisa abordados nas UBSF em que estavam lotados. Foram informados sobre o objetivo e convidados a participar da pesquisa com a aplicação do instrumento pela pesquisadora, contendo quatro escalas que levaram, em média, 20 minutos para as respostas.

Ao analisar cada fator e o conjunto, pode-se interpretar como: satisfatório, crítico e grave. Satisfatório significa um resultado positivo, que produz prazer no trabalho. Crítico é um resultado mediano, indicador de situação-limite, com custo negativo e sofrimento no trabalho. Sinaliza estado de alerta e requer providências imediatas a curto e médio prazo. Grave é um resultado negativo, que produz custo humano e sofrimento no trabalho. Apresenta forte risco de adoecimento e requer providências imediatas nas causas, visando a eliminá-las ou atenuá-las ( Mendes e Ferreira, 2007MENDES, Ana M.; FERREIRA, Mário C. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento - ITRA: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: MENDES, Ana M. (org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 110-125. ).

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (nº 78713917.0.0000.0021, parecer nº 2.355.468), e aprovado em 29/10/2017.

Resultados

O total geral de licenças para tratamento de saúde dos trabalhadores da SESAU, em 2015, foi de 1.989 e, em 2016, de 1.939. Desse total, 325(16%) e 309(16%) representaram as licenças de trabalhadores das UBSF (n=634) para os dois anos, respectivamente.

Os principais motivos dessas licenças (n=634), conforme a CID-10, foram por transtornos mentais e comportamentais (CID-F) ‒ 337(53%) ‒ e por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (CID-M) ‒ 171(27%). Os dois motivos representam, juntos, 508(80%) licenças; outros motivos representaram 126(20%) licenças.

Os principais motivos de licenças por CID-F em 2015 encontrados foram: episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (16,5%), e transtornos misto ansioso e depressivo (15,3%). Para 2016, episódio depressivo moderado e episódios depressivos (15,6%) e transtorno de pânico (11,4%) foram os mais significativos. O somatório de todos os episódios ou transtornos depressivos totalizaram 74% dos motivos das licenças em 2015 e 67,7% em 2016 ( Tabela 1 ).

Tabela 1
– Número de licenças e motivos dos afastamentos de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, 10ª versão (CID-10). Campo Grande, MS, 2015-2016 (n=508)

Licenças por CID-M, no ano de 2015, teve prevalência sobre outras sinovites e tenossinovites; outros transtornos dos tecidos moles, não classificados em outra parte (10,5%) e sinovite e tenossinovite (9,5%). Em 2016, o transtorno do disco cervical com radiculopatia representou 9,2%; lesões do ombro e transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia, 6,6% ( Tabela 1 ).

Ao comparar o número de licenças por CID-M nos anos de 2015 e 2016, observou-se que, no primeiro ano do estudo, houve prevalência das doenças (outras sinovites e tenossinovites, outros transtornos dos tecidos moles) que compõem as lesões por esforços repetitivos (LER), com 21% dos casos. No segundo ano, prevaleceu os motivos por transtornos relacionados ao disco lombar e cervical (lesões do ombro e transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia), o que representou 15,8% das licenças ( Tabela1 ).

Ao analisar os motivos de licenças para tratamento de saúde, por categoria profissional, observou-se que a equipe de enfermagem (auxiliar, técnicos e enfermeiros) representou mais da metade do número de licenças: 61,8% por CID-F em 2015 e 63,4% em 2016; as licenças por CID-M foram 69,4% em 2015 e 48,7% em 2016 ( Tabela 2 ).

Tabela 2
– Número de licenças por categoria profissional, segundo a Classificação Internacional de Doenças 10ª versão, Grupo F e Grupo M. Campo Grande, MS, 2015- 2016 (n=508)

Outro destaque são os profissionais médicos, que representaram 10,5% do número de licenças por CID-M em 2015 e 6,6% em 2016 ( Tabela 2 ).

Os profissionais assistentes administrativos apresentaram adoecimento tanto por CID-F 18,8% em 2015 e 10,8% em 2016, como por CID-M, 0% em 2015 e 11,8 % em 2016. Os adoecimentos dos odontólogos que geraram mais licenças foram CID-M ‒ 7,4% em 2015 e 15,8% em 2016 ( Tabela 2 ).

Dos registros analisados, predominaram trabalhadores licenciados na faixa etária entre 31 e 40 anos, sendo 32% para 2015 e 37% para 2016; com nível de escolaridade do ensino médio, 54% em 2015 e 48% do ensino superior em 2016. Em ambos os períodos, a maioria de trabalhadores licenciados correspondeu ao sexo feminino (84%).

Os trabalhadores da enfermagem (auxiliares, técnicos de enfermagem e enfermeiros) representaram 61% do total dos licenciados em 2015 para tratamento de saúde (n=210). No entanto, para 2016, observou-se uma queda no número de licenças dos auxiliares e técnicos de enfermagem (de 45% para 40%); de médicos, de 7% em 2015 para 5% em 2016. Já os enfermeiros, aumentaram de 16% em 2015 para 18% em 2016 e os odontólogos, de 6,5% em 2015 para 12% em 2016 ( Tabela 3 ).

Tabela 3
– Número de trabalhadores licenciados por categoria profissional. Campo Grande, MS, 2015-2016 (n=210)

Os resultados encontrados com a aplicação do ITRA (n=39) na Escala de Avaliação do Contexto do Trabalho apresentaram classificação de risco de adoecimento crítico para os três fatores: organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho.

A Escala de Custo Humano no Trabalho teve classificação de risco grave para o fator custo cognitivo e classificação de risco crítico para os fatores custo afetivo e custo físico ( Quadro 2 ).

Quadro 2
– Médias e classificação de risco de adoecimento das escalas do inventário sobre trabalho e risco de adoecimento. Campo Grande, MS, 2018-2019 (n=39)

A Escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho teve classificação de risco satisfatória relacionada ao prazer no trabalho. Quanto ao fator liberdade e ao fator realização no trabalho, a classificação de risco de adoecimento foi crítica. No que se refere ao sofrimento no trabalho, obteve-se classificação de risco grave para o fator esgotamento profissional e classificação de risco crítica para o fator falta de reconhecimento ( Quadro 2 ).

A Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho apresentou classificação de risco grave para os danos físicos e danos sociais e classificação de risco crítico para os danos psicológicos, conforme Quadro 2 .

Ao analisar os três principais itens de cada fator das escalas do ITRA para os resultados de classificação de risco, a resposta relativa a ‘satisfatório’ foi encontrada na EIPST, apenas nos itens referentes ao prazer: liberdade para falar sobre o trabalho com os colegas, solidariedade entre os colegas, liberdade para falar sobre o trabalho com a chefia, liberdade para usar a criatividade. No fator referente ao sofrimento, nos itens de identificação com as tarefas e orgulho com o que faço, também houve classificação satisfatória ( Quadro 3 ).

Quadro 3
– Resultados por escala, fatores e classificação de risco de adoecimento com a aplicação do Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento. Campo Grande, MS, 2018-2019 (n=39)

Na EACT, os fatores da Organização do Trabalho (Tarefas Repetitivas, Ritmo de Trabalho Excessivo e Forte Cobrança por Resultados) foram classificados com risco grave. Já os itens relativos ao fator de Relações Socioprofissionais (Distribuição de Tarefas é Injusta, Tarefas não Claramente Definidas, Comunicação entre Funcionários Insatisfatória), foram classificados com risco crítico ( Quadro 3 ).

Na ECHT, no fator custo afetivo, os itens ser obrigado a lidar com a agressividade dos outros, disfarçar os sentimentos e ter custo emocional foram classificados como de risco grave. No fator custo cognitivo, os itens obrigado a lidar com improvisos, usar a visão de forma contínua, ter concentração mental tiveram classificação de risco grave. Os itens incluídos no fator custo físico (usar as mãos de forma repetitiva e os braços de forma contínua) também obtiveram risco de classificação grave; o item ficar em posição curvada, do mesmo fator custo físico,foi classificado como de risco crítico ( Quadro 3 ).

Na EADRT, fator danos físicos (dores nas costas e no corpo e alterações no sono), a classificação recebida foi de risco de doença ocupacional. no fator danos psicológicos, os itens vontade de desistir de tudo e sensação de abandono foram classificados como de risco grave. A tristeza teve classificação de risco de doença ocupacional, conforme o Quadro 3 .

Discussão

O presente estudo evidenciou que o afastamento dos trabalhadores da ESF por transtornos mentais e comportamentais pode sugerir fragilidades na organização do trabalho e nas interações profissionais, bem como longos períodos de perdas de dias de trabalho ao ano, conforme também evidenciado por Demyttenaere et al. (2004)DEMYTTENAERE, Koen et al. Prevalence, severity, and unmet need for treatment of mental disorders in the World Health Organization World Mental Health Surveys. Journal of the American Medical Association, Chicago, v. 291, n. 21, p. 2.581-2.590, 2004. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15173149> . Acesso em: 11 jan. 2019.
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.

Soma-se, ainda, a possível sobrecarga de trabalho desses profissionais, que realizavam, em média, 14 plantões/mês nas Unidades de Pronto-Atendimento no período noturno, que, segundo Medeiros e colaboradores (2016), podem causar cansaço, esgotamento físico, emocional e adoecimento mental.

Neste estudo, os afastamentos por transtornos mentais deram-se por episódios depressivos, outros transtornos ansiosos e reações ao estresse grave e transtornos de adaptação, situação semelhante à registrada por Shimizu e Carvalho (2012). Para a Organização Mundial da Saúde (2001), a conjuntura produtiva do ambiente do serviço público, em suas diversas dimensões, necessita ser compreendida, com base nas concepções de saúde mental e de trabalho, como indissociáveis.

As doenças do sistema osteomuscular, segundo Silva e Marziale (2006)SILVA, Doris M. P. P; MARZIALE, Maria H. Condições de trabalho versus absenteísmo doença no trabalho de enfermagem. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá, v.5, Supl, p.166-172, 2006. Disponível em: < http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5187/0> . Acesso em: 11 jan. 2019.
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, também ocupam lugar de destaque nas estatísticas de morbidade em muitos países, corroborando para os achados deste estudo. A ocorrência dos afastamentos por esse grupo de causa pode indicar o desgaste físico, em especial, os da área de enfermagem e odontólogos. Para o enfermeiro, o cuidado e o manejo do paciente, longa permanência em pé, má postura corporal, instalações, equipamentos e mobiliários inadequados contribuem para o seu adoecimento ao longo do tempo.

As condições de saúde dos trabalhadores da atenção primária ainda necessitam avançar nas investigações sobre a forma do adoecimento desses trabalhadores e seu contexto de trabalho, a fim de traçar estratégias e políticas públicas voltadas para esse público ( Medeiros et al., 2016MEDEIROS, Paulo A. et al. Condições de saúde entre profissionais da Atenção Básica em Saúde do Município de Santa Maria - RS. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Santa Maria, RS, v. 20, n. 2, p.115, 2016. Disponível em: < https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/18961/15739> . Acesso em: 22 jan. 2019.
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).

A faixa etária dos participantes do presente estudo foi semelhante à do estudo realizado no município de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul ( Moreira et al., 2016MOREIRA, Izadora J. B. et al. Perfil sóciodemográfico, ocupacional e avaliação das condições de saúde mental dos trabalhadores da Estratégia Saúde da família em um município do Rio Grande do Sul, RS. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, v. 11, n. 38, p. 1-12, 2016. Disponível em: < https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/967> . Acesso em: 22 jan. 2019.
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). Ambos os achados sugerem que o tempo de atuação, aliado às dificuldades no desenvolvimento do trabalho dos profissionais entrevistados, pode comprometer sua saúde física e mental.

O fato de a maioria dos trabalhadores licenciados ter sido do sexo feminino pode ser explicado pelo elevado número de trabalhadores da enfermagem, conforme evidencia Speroni (2016)SPERONI, Katiane S. Contexto de trabalho e custo humano no trabalho: avaliação dos riscos de adoecimento em trabalhadores da Atenção Básica. 2016. 92f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016. , ao destacar, historicamente, o predomínio de mulheres.

As ausências dos trabalhadores em seus postos de trabalho trazem impactos e repercussões imediatas, tanto no aspecto financeiro para a instituição, quanto na qualidade do atendimento, pois terá que ser substituído por meio de contratação ou realocação de um substituto para suprir a demanda assistencial (Rodrigues e Araújo, 2016).

O aumento dos afastamentos pelos odontólogos encontrado pode indicar a precariedade na oferta de insumos e nas condições de trabalho, aliada às fragilidades na gestão e organização do trabalho. Ademais, problemas de desconfortos e dores devido à postura e posição no exercício de sua atividade laboral devem ser considerados, pois causam doenças relacionadas ao Sistema Osteomuscular (Reis, Scherer e Carcereri, 2015).

Os trabalhadores da área de enfermagem (auxiliares e técnicos de enfermagem e enfermeiros) representaram mais da metade dos profissionais licenciados. Dados similares foram relatados por Ferraz et al. (2009)FERRAZ, Eva B. B. et al.Saúde do trabalhador da estratégia saúde da família: revisão na literatura dos fatores de risco relacionado a doenças ocupacionais. 2009. 52f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Enfermagem) – Ciências Biológicas da Saúde, Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares, Minas Gerais, 2009. Disponível em: < http://www.pergamum.univale.br/pergamum/tcc/asaudedotrabalhadordaestrategiasaudedafamiliarevisaonaliteraturadosfatoresderiscorelacionadosadoencasocupacionais.pdf> . Acesso em: 10 jan. 2019.
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, que afirmaram haver sobrecarga de trabalho dos enfermeiros por serem tecnicamente responsáveis por grupos de trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS), responderem por atribuições administrativas e por alimentarem os sistemas de informação da atenção básica.

Segundo Medeiros et al.(2016)MEDEIROS, Paulo A. et al. Condições de saúde entre profissionais da Atenção Básica em Saúde do Município de Santa Maria - RS. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Santa Maria, RS, v. 20, n. 2, p.115, 2016. Disponível em: < https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/18961/15739> . Acesso em: 22 jan. 2019.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, os profissionais da APS, ao exercerem em suas funções a promoção da saúde e prevenção de doenças dos usuários, podem adoecer, necessitar de afastamentos e comprometer a assistência prestada ao usuário. Os trabalhadores da APS apresentam baixa adesão a comportamentos saudáveis, a qual está atrelada, inclusive, à rotina de trabalho, podendo comprometer, significativamente, suas qualidades de vida e de saúde. Ademais, esses profissionais estão sobrecarregados devido à grande quantidade de famílias sob sua responsabilidade e pouca oferta de serviços de atenção primária em alguns municípios, o que pode levar à assunção de duplicidade de papéis, apresentando alto nível de estresse e cansaço ( Katsurayama et al., 2013KATSURAYAMA, Marilise et al. Trabalho e sofrimento psíquico na estratégia saúde da família: uma perspectiva Dejouriana. Caderno de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 414-419, 2013. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v21n4/v21n4a09.pdf >. Acesso em: 11 jan. 2019.
http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v21n4/v21...
).

Ao analisar os resultados do ITRA, identificou-se, na Escala de Avaliação do Contexto do Trabalho (EACT), risco crítico relacionado aos fatores organização do trabalho; relações socioprofissionais e condições de trabalho, o que pode sugerir que a falta de insumos e materiais, a precariedade nas instalações e mobiliário, aliadas às péssimas condições de trabalho, potencializam o risco de adoecimentos dos trabalhadores.

Esse risco de adoecimento pode estar associado a dificuldades na organização e no processo de trabalho das equipes de ESF, uma vez que os trabalhadores atendem famílias em situações de vulnerabilidade e risco social no território das UBSF, o que pode favorecer o sofrimento psíquico dos trabalhadores ( Carreiro et al., 2013CARREIRO, Gisele S. P. et al. Processo de adoecimento mental do trabalhador da Estratégia Saúde da Família. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, GO, v. 15, n.1, p. 146-155, jan./mar. 2013. Disponível em: < https://www.fen.ufg.br/revista/v15/n1/pdf/v15n1a17.pdf> . Acesso em: 20 jan. 2019.
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).

Na Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT), foi encontrado risco de adoecimento grave das equipes para o fator custo afetivo. Segundo estudo do Centro Colaborador da Vigilância dos Agravos à Saúde do Trabalhador (2019)CENTRO COLABORADOR DA VIGILÂNCIA DOS AGRAVOS À SAÚDE DO TRABALHADOR. Boletim Epidemiológico - Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho no Brasil, 2006-2017. Abril, Edição n. 13, ano IX, Salvador, Bahia, 2019. Disponível em: < https://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/documentos/noticias/ccvisat-bol-transtmentaisfinal-260419/> . Acesso em: 10 maio 2019.
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, fatores psicoestressores ocupacionais, como assédio moral e violência, que acontecem no atendimento a grupos vulneráveis, é tarefa desafiadora para garantir ambientes de trabalho mais saudáveis. Conforme estudo de Contrera e Monteiro (2017)CONTRERA, Luciana; MONTEIRO, Inês. Violência e capacidade para o trabalho entre trabalhadores de enfermagem brasileiros. In: MONTEIRO, Inês; IGUTI, Aparecida M. (org.). Trabalho, saúde e sustentabilidade: diálogo interdisciplinar internacional Sul-Norte. Campinas: BFCM/Unicamp, 2017. p. 31-38. (Volume 1). , o distúrbio emocional leve (do grupo do distúrbio mental) foi a doença isolada com maior diagnóstico médico entre os 269(20,4%) trabalhadores. Quanto às agressões, a mais frequente foi a verbal (87,7%); seguida de ameaças (42,7%); física (20,2%); assédio moral (17,8%) e assédio sexual (11,7%). Estas agressões repercutiram nas seguintes queixas: irritação, raiva, estresse, humilhação, tristeza, desapontamento, ansiedade, sentimento de baixa autoestima e perda da satisfação com o trabalho.

O fator custo cognitivo também apresentou risco grave de adoecimento. As exigências cognitivas aos trabalhadores, segundo Katsurayama et al. (2013)KATSURAYAMA, Marilise et al. Trabalho e sofrimento psíquico na estratégia saúde da família: uma perspectiva Dejouriana. Caderno de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 414-419, 2013. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v21n4/v21n4a09.pdf >. Acesso em: 11 jan. 2019.
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, geram esforço mental e sobrecarga de trabalho superior à sua capacidade, sendo inevitável o adoecimento. O fator custo físico apresentou risco de adoecimento grave nos itens usar as mãos e os braços de forma contínua e risco crítico para o item ficar em posição curvada. Este fato pode ser explicado pelo número de trabalhadores das equipes de ESF afastados por doenças do sistema osteomuscular. Segundo Worm et al. (2016)WORM, Fabiana A. et al. Risco de adoecimento dos profissionais de enfermagem no trabalho em atendimento Móvel de Urgência. Revista CUIDARTE, Bucaramanga, v. 7, n. 2, p.1288-1296, 2016. Disponível em: < http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2216-09732016000200006> . Acesso em: 20 jan. 2019.
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, os processos de trabalho repetitivos e as precárias condições dos mobiliários contribuem para uma sobrecarga do sistema osteomuscular, provocando dores e limitações de movimentos dos trabalhadores.

Na Escala de indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), no que se refere ao prazer no trabalho, o fator Liberdade mostrou-se satisfatório, o que pode indicar que os trabalhadores da ESF de Campo Grande ainda conseguem se sentir livres para desempenhar suas atividades no atendimento à saúde da população, apesar das dificuldades na organização do trabalho.

O fator realização profissional também apresentou resultados satisfatórios, porém com risco crítico no item gratificação pessoal com as atividades. Isso significa que, apesar do orgulho pelo que faz e a identificação com as atividades realizadas, os trabalhadores não se sentem gratificados no desempenho de suas atividades. Tal dualidade pode ser explicada pelo estudo do Centro Colaborador da Vigilância dos Agravos à Saúde do Trabalhador (2019)CENTRO COLABORADOR DA VIGILÂNCIA DOS AGRAVOS À SAÚDE DO TRABALHADOR. Boletim Epidemiológico - Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho no Brasil, 2006-2017. Abril, Edição n. 13, ano IX, Salvador, Bahia, 2019. Disponível em: < https://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/documentos/noticias/ccvisat-bol-transtmentaisfinal-260419/> . Acesso em: 10 maio 2019.
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, ao evidenciar que o trabalho pode ser um promotor de saúde mental ao propiciar espaços de sociabilidade, de formação de subjetividade e identidade pessoal e coletiva, porém também pode desencadear sofrimento, adoecimento e, até mesmo, a morte de trabalhadores.

Quanto ao sofrimento no trabalho, o fator esgotamento profissional apontou os três principais itens como risco grave de adoecimentos: estresse, esgotamento e sobrecarga de trabalho. Tal resultado foi confirmado pelo número de trabalhadores licenciados para tratamento de saúde relacionado aos transtornos mentais e comportamentais (CID-F). Neste sentido, fazem-se necessárias intervenções adequadas e oportunas, pois, para Mendes e Ferreira (2007)MENDES, Ana M.; FERREIRA, Mário C. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento - ITRA: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: MENDES, Ana M. (org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 110-125. , tais resultados são indicadores de situação-limite, com custo negativo e sofrimento pelo trabalho.

A falta de reconhecimento apresentou risco grave de adoecimento, o que indica que os trabalhadores pesquisados podem estar vivenciando situações de injustiça, indignação e desvalorização pelo trabalho realizado.

A Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT) mostrou riscos de doença ocupacional no fator de danos físicos. Estes resultados são confirmados pelo número de trabalhadores licenciados por doenças do sistema osteomuscular (CID-M) e pelas alterações do sono, que podem estar relacionadas à sobrecarga de trabalho. Segundo Mendes e Ferreira (2007)MENDES, Ana M.; FERREIRA, Mário C. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento - ITRA: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: MENDES, Ana M. (org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 110-125. , essa sobrecarga é definida como dispêndio fisiológico e biomecânico imposto ao trabalhador pelas características do contexto de produção.

No fator de danos sociais, foi apresentada classificação de risco de adoecimento grave nos itens vontade de ficar sozinho e impaciência com as pessoas em geral; e risco crítico no item dificuldade nas relações fora do trabalho. Tal situação traz preocupações com as relações desses trabalhadores em casa, com a família, com seus vínculos sociais e com a sociedade em geral. Para Worm et al. (2016)WORM, Fabiana A. et al. Risco de adoecimento dos profissionais de enfermagem no trabalho em atendimento Móvel de Urgência. Revista CUIDARTE, Bucaramanga, v. 7, n. 2, p.1288-1296, 2016. Disponível em: < http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2216-09732016000200006> . Acesso em: 20 jan. 2019.
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, as relações sociais e familiares de baixa qualidade são um grave fator de risco para sintomas de depressão, que é um dos principais motivos de afastamento dos trabalhadores das equipes de ESF, encontrados neste estudo.

No fator de danos psicológicos, a tristeza foi classificada com risco de doença ocupacional e com risco grave de adoecimento: a vontade de desistir de tudo e a sensação de abandono. Segundo Mendes e Ferreira (2007)MENDES, Ana M.; FERREIRA, Mário C. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento - ITRA: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: MENDES, Ana M. (org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 110-125. , os danos psicológicos são os sentimentos negativos em relação a si mesmo: amargura, sensação de vazio, sentimento de desamparo, mau-humor, vontade de desistir de tudo, tristeza, irritação com tudo, sensação de abandono, dúvidas sobre a capacidade de executar as tarefas e solidão. Estudo de Medeiros et al. (2016)MEDEIROS, Paulo A. et al. Condições de saúde entre profissionais da Atenção Básica em Saúde do Município de Santa Maria - RS. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Santa Maria, RS, v. 20, n. 2, p.115, 2016. Disponível em: < https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/18961/15739> . Acesso em: 22 jan. 2019.
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demonstrou que a falta de apoio e suporte que os trabalhadores dos serviços de saúde estão submetidos, as cobranças internas por parte da gestão e externas no sentido de desempenhar um trabalho resolutivo para a população levam os trabalhadores a ter vontade de desistir de tudo e a ter sentimentos que podem culminar em um estado de isolamento, depressão e até suicídio.

O estudo apresenta limitações à medida que analisou as licenças para tratamento de saúde durante apenas dois anos, porém visa contribuir como instrumento norteador, de análise e definição de estratégias para a melhoria da saúde e da qualidade de vida dos trabalhadores da SESAU, na gestão dos recursos humanos e economia financeira. Desse modo, é possível que haja a diminuição do número de afastamentos para tratamento de saúde e, consequentemente, melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores, seus familiares e melhor assistência à saúde dos usuários do Sistema Único de Saúde em Campo Grande.

Considerações finais

A presente pesquisa identificou o perfil epidemiológico, os principais motivos dos afastamentos dos trabalhadores da ESF para tratamento de saúde no município de Campo Grande, até então desconhecidos, e os riscos de adoecimento por meio do contexto de trabalho.

Os resultados obtidos demonstraram que esses trabalhadores apresentavam desgastes físicos e emocionais, considerando os dois principais motivos de afastamento: agravos por transtornos mentais e comportamentais (CID-F) e agravos relacionados às doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (CID-M).

A análise dos resultados obtidos evidencia o adoecimento dos trabalhadores, o que pode estar relacionado com a organização do trabalho, o ritmo, a carga de trabalho, as interações profissionais e o modelo de gestão do trabalho. Esses fatores geram, no trabalhador, desgaste físico e mental no desempenho de suas atividades laborais.

O ambiente laboral é pouco favorável à saúde desses trabalhadores, uma vez que as escalas de avaliação dos riscos no trabalho, por meio do ITRA, identificaram níveis críticos e graves, que necessitam de uma intervenção rápida para conter o ritmo das ocorrências e evolução do adoecimento desses trabalhadores.

Para tanto, sugere-se a implementação da uma Política de Promoção da Saúde dos Trabalhadores da SESAU, que vise à adoção de possíveis formas de intervenção para amenizar e reduzir essa epidemia de agravos à saúde dos trabalhadores que vem ocorrendo.

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Informações do artigo

  • Financiamento
    Não houve financiamento externo.
  • Apresentação anterior Dissertação de Mestrado em Saúde da Família intitulada Adoecimento dos Trabalhadores das Equipes de Saúde da Família em Campo Grande/MS de autoria de Ilma Amaral Piemonte de Mello, defendida no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Saúde da Família, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2019
  • Aceito
    24 Set 2019
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