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A noção de discurso na pesquisa em saúde coletiva: de recurso metodológico à abordagem teórica

The notion of discourse in research on collective health: from methodological resource to theoretical approach

La noción de discurso en la investigación en salud colectiva: de recurso metodológico a enfoque teórico

Resumo

A difusão das metodologias de pesquisa qualitativa no campo da Saúde Coletiva tem sido acompanhada da expansão do uso das abordagens discursivas, cujos efeitos têm mobilizado os pesquisadores da área, seja na crítica aos abusos e fragilidades epistemológicas de sua apropriação, na diferenciação entre as correntes de análise do discurso seja na defesa de novas perspectivas de investigação. Neste texto, apresenta-se uma discussão sobre as formas de uso da noção de discurso no campo, partindo-se da análise de uma amostra de 230 artigos publicados por autores brasileiros entre os anos 2014 e 2018, em dez periódicos selecionados na base SciELO Saúde Pública. Caracterizado como um estudo de metapesquisa, dá destaque aos referenciais teórico-epistemológicos, abordagens discursivas e universos temáticos a que os artigos se filiam. A multiplicidade de vertentes é interpretada como expressão das diferentes tradições incorporadas por meio da tradução realizada no campo. A prevalência do uso metodológico, no sentido de conjunto de regras e técnicas de pesquisa, sugere a instrumentalização e exploração incipiente da noção de discurso. Finaliza-se com argumentação em favor da potencialidade das abordagens discursivas pós-estruturais – e, em particular a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe – para as investigações no campo da Saúde Coletiva.

discurso; pesquisa qualitativa; metapesquisa; teoria do discurso

Abstract

The dissemination of qualitative research methodologies in the field of Collective Health has been followed by the expansion in the use of discursive approaches. The effects of this increase have mobilized researchers in this field, be it through criticism of the epistemological abuses and weaknesses of its appropriation, through the distinction among the different schools of discourse analysis, or through the support of new research perspectives. In this article, I present a discussion about the ways to use the notion of discourse on the field, based on an analysis of a sample of 230 articles published by Brazilian authors between the 2014 and 2018, in 10 journals selected in the SciELO Public Health database. Characterized as a meta-research study, it highlights the theoretical-methodological frameworks, the discursive approaches, and the thematic universes to which the articles are affiliated. The multiplicity of perspectives is interpreted as an expression of the different traditions assimilated through the translation performed on the field. The prevalence of the methodological use, in the sense of a set of research rules and techniques, suggests the instrumentalization and incipient exploration of the notion of discourse. I end with an argument in favor of the potentiality of the post-structural discursive approaches –, and, in particular, with the Theory of Discourse by Ernesto Laclau and Chantal Mouffe – for the research in the field of Collective Health.

discourse; qualitative research; meta-research; theory of discourse

Resumen

La difusión de las metodologías de investigación cualitativa en el campo de la Salud Colectiva ha sido acompañada de la expansión del uso de los enfoques discursivos. Los efectos de este incremento han movilizado los investigadores del área, sea en la crítica a los abusos y fragilidades epistemológicas de su apropiación, en la diferenciación entre las corrientes de análisis del discurso, o en la defensa de nuevas perspectivas de investigación. En este artículo, presento una discusión sobre las formas de uso de la noción de discurso en campo, con base en un análisis de una muestra de 230 artículos publicados por autores brasileños entre 2014 y 2018, en diez periódicos seleccionados en la base de datos SciELO Salud Pública. Caracterizado como un estudio de metainvestigación, que resalta los referenciales teórico-epistemológicos, los enfoques discursivos, y los universos temáticos a los que están afiliados los artículos. La multiplicidad de vertientes es interpretada como expresión de las diferentes tradiciones incorporadas por medio de la traducción realizada en campo. La prevalencia del uso metodológico, en el sentido de un conjunto de reglas y técnicas de investigación, sugiere la instrumentalización y la exploración incipiente de la noción de discurso. Finalizo con un argumento en favor de la potencialidad de los enfoques discursivos post-estructurales – y en particular la Teoría del Discurso de Ernesto Laclau y Chantal Mouffe – para las investigaciones en el campo de la Salud Colectiva.

discurso; investigación cualitativa; metainvestigación; teoría del discurso

Introdução

A exemplo do que ocorre no âmbito das ciências sociais e humanas, o uso da noção de discurso no campo da saúde coletiva já se encontra há muito estabelecido. Uma busca pelas especificidades dessa apropriação nos conduz ao debate em torno do impacto do crescimento das abordagens qualitativas como modalidade de investigação (Taquette e Minayo, 2016TAQUETTE, Stella R.; MINAYO, Maria C. S. Análise de estudos qualitativos conduzidos por médicos publicados em periódicos científicos brasileiros entre 2004 e 2013. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 417-434, jun. 2016.; Bosi e Macedo, 2014BOSI, Maria L. M.; MACEDO, Marcos A. Anotações sobre a análise crítica de discurso em pesquisas qualitativas no campo da saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, n. 4, p. 423-432, dez. 2014.). Vários problemas têm chamado a atenção de pesquisadores da área. Acumulam-se questionamentos sobre a ausência de referências, inconsistências teóricas (Gomes e Silveira, 2012GOMES, Mara. H. A.; SILVEIRA, Cássio. Sobre o uso de métodos qualitativos em Saúde Coletiva, ou a falta que faz uma teoria. Revista de Saúde Pública, v. 46, n. 1, p. 160-165, 2012.; Cyrino, 2014CYRINO, Antonio P. Usos e abusos da pesquisa qualitativa em saúde em análise. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 18, n. 50, p. 447-447, 2014.), “usos negligentes da abordagem qualitativa” (Gonçalves e Menasche, 2014GONÇALVES, Helen; MENASCHE, Renata. Pesquisando na interface: problemas e desafios a partir da pesquisa qualitativa em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 18, n. 50, p. 449-456, set. 2014., p.449) e “baixa incorporação da perspectiva epistemológica da metodologia qualitativa” (Knauth e Leal, 2014KNAUTH, Daniela R.; LEAL, Andréa F. A expansão das ciências sociais na saúde coletiva: usos e abusos da pesquisa qualitativa. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 18, n. 50, p. 457-467, set. 2014., p.457).

Um dos pontos críticos é a tendência de “reduzir a relevância teórico-metodológica à aplicação de técnicas (...) utilizadas enquanto um kit de ferramentas” (Gonçalves e Menasche, 2014GONÇALVES, Helen; MENASCHE, Renata. Pesquisando na interface: problemas e desafios a partir da pesquisa qualitativa em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 18, n. 50, p. 449-456, set. 2014., p. 449), ou, de modo ainda mais explícito, de reduzir os resultados da pesquisa às falas ou à “evidência da narrativa” dos interlocutores (Gonçalves e Menasche, 2014GONÇALVES, Helen; MENASCHE, Renata. Pesquisando na interface: problemas e desafios a partir da pesquisa qualitativa em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 18, n. 50, p. 449-456, set. 2014., p.452). A despeito da relevância deste debate, ainda são poucos os artigos que se debruçam sobre o tema.

A disseminação das abordagens discursivas no campo da saúde também não se faz acompanhar de um debate mais amplo sobre as implicações epistemológicas de sua incorporação. Os poucos trabalhos que se dedicam a uma reflexão mais sistemática abordam aspectos e potencialidades de determinadas vertentes de análise de discurso (Spink e Gimenes, 1994SPINK, Mary J. P.; GIMENES, Maria G. G. Práticas discursivas e produção de sentido: apontamentos metodológicos para a análise de discursos sobre a saúde e a doença. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 149-171, dez. 1994.; Bosi e Macedo, 2014BOSI, Maria L. M.; MACEDO, Marcos A. Anotações sobre a análise crítica de discurso em pesquisas qualitativas no campo da saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, n. 4, p. 423-432, dez. 2014.; Macedo et al., 2008MACEDO, Laura C. et al. Análise do discurso: uma reflexão para pesquisar em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, n. 26, p. 649-657, jul./set. 2008.; Veneu, Ferraz e Rezende, 2015VENEU, Aroaldo; FERRAZ, Gleice; REZENDE, Flavia. Análise de discursos no ensino de ciências: considerações teóricas, implicações epistemológicas e metodológicas. Revista Ensaio, v. 17, n. 1, p. 126-149, jan./abr, 2015.) ou as diferenças entre concepções distintas (Caregnato e Mutti, 2006CAREGNATO, Rita C. A.; MUTTI, Regina. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto & Contexto Enfermagem, v. 15, n. 4, p. 679-684, dez. 2006.). Há uma lacuna nos estudos sobre as tendências epistemológicas das pesquisas realizadas com abordagens discursivas e, em particular, sobre as ‘formas’ de utilização da noção de discurso na área da saúde.

Para contribuir com o aprofundamento dessa discussão e valorizar as possibilidades teórico-metodológicas mais atuais da noção de discurso, neste artigo, são apresentados os resultados da pesquisa realizada em uma amostra de 230 artigos publicados por autores brasileiros entre os anos 2014 e 2018, em 10 periódicos selecionados na base SciELO (Scientific Library Online) Saúde Pública. Caracterizado como um estudo de metapesquisa, dá destaque aos referenciais teórico-epistemológicos, abordagens discursivas e universos temáticos a que os artigos se filiam. Por fim, argumenta-se em favor da potencialidade das abordagens discursivas pós-estruturais – e, em particular, a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe – para as investigações no campo da saúde.

Discurso: do método à teoria

Segundo Burity (2014)BURITY, Joanildo A. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia de Ernesto Laclau. In: MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo P. (org.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014. p. 59-74., o discurso pode ser pensado inicialmente tendo por base duas referências: como uma forma de comunicação no contexto social e como um sistema de regras de produção social de sentido. No seu sentido comum, está referido à “ativação de recursos linguísticos (...), uma fala, um pronunciamento, o uso social da linguagem” (Burity, 2014BURITY, Joanildo A. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia de Ernesto Laclau. In: MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo P. (org.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014. p. 59-74., p. 61). Como um sistema de regras de produção social de sentido, remete ao campo disciplinar da linguística, em que “o conceito de discurso aparece para dar conta de uma unidade de significação que vai além da frase” (Burity, 2014BURITY, Joanildo A. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia de Ernesto Laclau. In: MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo P. (org.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014. p. 59-74., p. 61).

Como a noção de discurso admite seu uso por diversas perspectivas teóricas – muitas vezes antagônicas –, torna-se oportuno demarcar, ainda que precariamente, as fronteiras entre estas interpretações. Nesta seção, busca-se focalizar algumas abordagens, sobretudo suas aproximações e distanciamentos teórico-epistemológicos: a análise de conteúdo, a análise de discurso de matriz francesa (Maingueneau, 1990MAINGUENEAU, Dominique. Análise de discurso: a questão dos fundamentos. Caderno de Estudos Linguísticos, v.19, p. 65-74, jul./dez. 1990.), a formação discursiva foucaultiana, a análise crítica do discurso e a teoria do discurso de Ernesto Laclau.

Análise de conteúdo

Herdeira da antiga tradição hermenêutica de análise e interpretação de textos sagrados ou misteriosos (Bardin, 2002BARDlN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002., p.14), a análise de conteúdo (AC) preserva a mesma atitude interpretativa de então: desvendar o sentido oculto em mensagens obscuras e discursos simbólicos ou polissêmicos. Inicialmente pensada como um conjunto de técnicas de análise das comunicações no contexto de influência da psicologia social behaviorista, seu desenvolvimento ocorre vinculado às pesquisas quantitativas dos órgãos de imprensa norte-americanos e aos estudos de propaganda no período entre guerras (Rocha e Deusdará, 2006ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: o lingüístico e seu entorno. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 22, n. 1, p. 29-52, 2006.).

Em sua maioria, os procedimentos de análise de conteúdo organizam-se em torno do processo de categorização, tida como “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e (...) reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (Bardin, 2002BARDlN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002., p. 117). O critério semântico de categorização é mais utilizado nas ciências sociais, e permite a separação de categorias temáticas.

Como esforço de interpretação, a AC parece oscilar entre os polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade, numa espécie de ‘hermenêutica controlada’ (Bardin, 2002BARDlN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.), característica que lhe rende diversas críticas:

Trata-se ainda de um trabalho de interpretação, mas que se pretende validar cientificamente pelo recurso às técnicas de quantificação que legitimarão a leitura de um texto. A AC preconiza a necessidade de superar os perigos que espreitam o pesquisador: escapar das armadilhas da superfície lingüística, lançando mão da neutralidade científica (...) Ao pesquisador cabe encontrar meios para levantar o véu que encobre o texto, ultrapassar o plano das aparências de superfície, desvendar seu verdadeiro conteúdo (Rocha e Deusdará, 2006ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: o lingüístico e seu entorno. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 22, n. 1, p. 29-52, 2006., p.46).

Baseada na crença da transparência da linguagem, a AC busca “um sentido estável, conferido pelo locutor no próprio ato de produção do texto” (Rocha e Deusdará, 2005ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, dez. 2005., p.307). A tentativa de preservação da objetividade está ligada a uma concepção de linguagem em jogo que “reproduz inequivocamente um projeto de representação de um real pré-construído” (Rocha e Deusdará, 2005ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, dez. 2005., p.311). Ao mesmo tempo, filia-se à ideia de um sujeito autônomo, capaz de fazer suas escolhas racionalmente.

Análise de discurso

A constituição do campo disciplinar da análise do discurso (AD) só ocorre na década de 1960, num franco distanciamento da análise de conteúdo, modelo prevalente até então. Na França, desenvolve-se no espaço de questões criadas pela relação de três domínios disciplinares: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise (Orlandi, 2007ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7. ed. Campinas: Pontes Editora, 2007., p. 19), enquanto nos Estados Unidos, é marcada pela antropologia (Maingueneau, 1997MAINGUENEAU, Dominique. Os termos-chave da análise do discurso. Lisboa: Gradiva, 1997., p.14). No quadro epistemológico da análise do discurso de linha francesa, as principais referências são Michel Pêcheux e Dominique Maingueneau e, no Brasil, Eni Orlandi.

De modo distinto da AC, que acredita na transparência da linguagem, a AD assume a opacidade da linguagem, buscando analisar os sentidos que os sujeitos manifestam e os efeitos de sentido no discurso. Preocupada em compreender “um plano discursivo que articula linguagem e sociedade, entremeadas pelo contexto ideológico” (Rocha e Deusdará, 2005ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, dez. 2005., p. 308), afasta-se de uma concepção de empiria pré-existente ao discursivo e do social visto como soma das individualidades.

De acordo com Orlandi, Pêcheux localiza o sentido como ponto de intersecção entre a linguística, a filosofia e as ciências sociais:

Pelo confronto do político com o simbólico, a AD que ele propõe levanta questões para a Linguística, interrogando-a pela historicidade que ela exclui, e, do mesmo, ela interroga as Ciências Sociais questionando a transparência da linguagem sobre a qual elas se sustentam (Orlandi, 2005ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a análise de discurso. Estudos da Linguagem, n. 1, p. 9-13, jun. 2005., p.10).

Com este movimento, o autor descentraliza o conceito de subjetividade e limita a autonomia do objeto linguístico: a AD “não trabalha nem com um sujeito onipotente, nem com um sistema totalmente autônomo” (Orlandi, 2005ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a análise de discurso. Estudos da Linguagem, n. 1, p. 9-13, jun. 2005., p.11). Reivindica-se uma “dupla espessura do sujeito: pelo viés do materialismo histórico, a presença do ideológico; pelo recurso à psicanálise, a evidência incontornável do inconsciente” (Rocha e Deusdará, 2005ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, dez. 2005., p. 317). Concebida como uma ‘disciplina de interpretação’, a AD critica a ideia de que possam ser encontradas evidências do sentido e que este teria origem na intencionalidade de um sujeito. Isto modifica radicalmente o esquema elementar da comunicação baseada em um emissor que transmite uma mensagem ao receptor:

não se trata apenas de transmissão de informação, nem há essa linearidade na disposição dos elementos da comunicação (...) não há essa separação entre emissor e receptor (...) Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação (Orlandi, 2007ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7. ed. Campinas: Pontes Editora, 2007., p.21).

Nesta perspectiva, o discurso é definido como o “efeito de sentido entre locutores” (Orlandi, 2007ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7. ed. Campinas: Pontes Editora, 2007., p. 21) e não deve ser confundido com ‘fala’, tal como expressa a dicotomia saussureana.

Ao relacionar a linguagem a sua exterioridade, Pêcheux propõe o conceito de ‘interdiscurso’, definindo-o como uma

memória discursiva, o já-dito que torna possível todo dizer (...) O interdiscurso é articulado ao complexo de formações ideológicas representadas no discurso pelas formações discursivas (...) O dizer está, pois, ligado às suas condições de produção. (Orlandi, 2005ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a análise de discurso. Estudos da Linguagem, n. 1, p. 9-13, jun. 2005., p.11).

Para Pêcheux, as palavras não têm um sentido ligado à sua literalidade, uma essência: “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar um outro” (Pêcheux apud Orlandi, 2005ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a análise de discurso. Estudos da Linguagem, n. 1, p. 9-13, jun. 2005., p. 11). Os enunciados são vistos assim como “pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação. E é nesse espaço que trabalha a análise do discurso” (Pêcheux apud Orlandi, 2005ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a análise de discurso. Estudos da Linguagem, n. 1, p. 9-13, jun. 2005., p. 11).

Ainda que avance em relação à AC na crítica do sujeito e da representação, a AD apresenta limites quanto à noção de discurso: na busca de reorientar a relação entre o linguístico e o extralinguístico, entende o discursivo como “espaço de articulação entre linguagem e sociedade” (Rocha e Deusdará, 2005ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea: Estudos Neolatinos, v. 7, n. 2, p. 305-322, dez. 2005., p.319), e restringe sua análise aos aspectos linguísticos.

A formação discursiva em Foucault (FD)

Michel Foucault concebe a produção do discurso como algo selecionado, organizado e redistribuído por procedimentos de ‘exclusão’, de ‘controle e delimitação’, e de ‘controle das condições de seu funcionamento’. Entre os primeiros, que são externos e põem em jogo o poder e o desejo, Foucault descreve a interdição (o tabu), a separação e rejeição (razão/loucura) e a vontade de verdade1 1 O autor dá mais atenção a esta última, procurando mostrar a vontade de verdade como “prodigiosa maquinaria” que se impõe ao sujeito cognoscente certo olhar que prescreve “o nível técnico que devem investir-se os conhecimentos para serem verificáveis e úteis” (Foucault, 2014, p.16). A vontade de verdade é reforçada e suportada por uma espessura de práticas e instituições, como a pedagogia e os laboratórios. e de saber (verdadeiro e falso). Entre os procedimentos internos, de (auto) controle e delimitação, menciona o comentário (o novo e a repetição no discurso), o autor (como unidade e origem de significação) e as disciplinas (domínio de objetos, métodos e proposições consideradas verdadeiras) (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.).

Por sua vez, entre os procedimentos que determinam as condições de funcionamento do discurso, Foucault dá destaque ao ritual, às sociedades de discurso, à doutrina e a apropriação social dos discursos. Estes sistemas de restrição impõem regras aos indivíduos que os pronunciam, de modo que nem todo mundo tenha acesso a eles: “(...) nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas” (Foucault, 2014, p. 35).

Para o autor, os jogos de limitação e de exclusão que constituíram o pensamento ocidental serviram para que “o discurso ocupasse o menor lugar possível entre o pensamento e a palavra” (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 43). Foram assim reforçadas as temáticas do sujeito fundante, da experiência originária e da mediação universal, na expectativa do acesso à verdade, à consciência imediata, à essência última das coisas, da transparência representacional, da identidade referencial. Essa tentativa de suprimir a desordem e aliviar os perigos do discurso passa pelo apagamento das marcas de sua irrupção nos jogos de pensamento e da linguagem (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 44-47).

Para contrariar este ‘logos’, o autor propõe três tarefas ou decisões para a análise dos discursos: questionar a vontade de verdade, restituir seu caráter de acontecimento e suspender a soberania do significante. Enumera quatro princípios ou regras exigidos para tal empreendimento. Com o ‘princípio de inversão’, propõe que, em vez de se acreditar reconhecer a fonte dos discursos ‒ o papel positivo do autor, da disciplina, da vontade de verdade ‒, ao contrário, que se reconheça o jogo negativo de um recorte ou rarefação do discurso. Com o ‘princípio de descontinuidade’, alerta que os discursos não se apresentam de modo ininterrupto ou ilimitado, sendo “práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem” (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 50). Com o ‘princípio de especificidade’, adverte que o discurso não é um jogo de significações prévias, nem o mundo se apresenta legível para ser decifrado, como uma existência pré-discursiva. Por fim, com o ‘princípio da exterioridade’, recomenda não mais a busca de um núcleo interior ou escondido de significação, mas, “a partir do próprio discurso, de (...) suas condições externas de possibilidade” (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 50-51).

O deslocamento proposto por Foucault consiste em tratar não mais da busca “das representações que pode haver por trás dos discursos, mas dos discursos como séries regulares e distintas de acontecimentos” (Foucault, 2014, p. 56).

Para além das questões do sujeito e da representação, no entanto, o autor insiste na distinção entre o discursivo e o extradiscursivo, ponto central da divergência desta perspectiva com a Teoria do Discurso (TD) de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.

Análise crítica do discurso

Assim como é reconhecida uma tradição francesa, é possível falar de uma tradição anglo-saxã de análise do discurso (Orlandi, 2003ORLANDI, Eni P. A Análise de discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. In: Seminário de Estudos em Análise de Discurso, 1., 2003, Porto Alegre. In: Anais do 1. Seminário de Estudos em Análise de Discurso, Porto Alegre, nov. 2003 (disponível em: http://www.anaisdosead.com.br).
http://www.anaisdosead.com.br...
; Melo, 2009; Bosi e Macedo, 2014BOSI, Maria L. M.; MACEDO, Marcos A. Anotações sobre a análise crítica de discurso em pesquisas qualitativas no campo da saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, n. 4, p. 423-432, dez. 2014.). Desenvolvida na década de 1980, a análise crítica do discurso (ACD) desencadeou uma série de importantes debates sobre “a linguagem como prática social nas transformações econômicas e culturais do neocapitalismo” (Magalhães, 2004MAGALHÃES, Izabel. Teoria crítica do discurso e texto. Linguagem em (Dis)curso: LemD, v. 4, p. 113-131, 2004. Número especial., p. 119). Norman Fairclough e Teun Van Dijk figuram como principais referências nesta tradição.

A ACD2 2 A pesquisadora Izabel Magalhães, introdutora desta vertente no Brasil, prefere adotar o termo ‘análise de discurso crítica’ (ADC), embora reconheça e não veja prejuízos na disseminação da outra denominação (ACD). A autora considera a ADC como parte da análise de discurso textualmente orientada (ADTO), “ligada à perspectiva metodológica qualitativa interpretativa que defende uma posição explícita do/a analista em relação aos dados analisados. Nesse sentido, ADC se refere à metodologia e TCD, à teoria” (Magalhães, 2004, p.119). diferencia-se da AD por meio da ênfase que dá à dimensão ideológica e às relações de poder que constituem os discursos, assim como pela “explicitação das relações entre o discurso e a prática social” (Magalhães, 2004MAGALHÃES, Izabel. Teoria crítica do discurso e texto. Linguagem em (Dis)curso: LemD, v. 4, p. 113-131, 2004. Número especial., p. 121). Busca seu engajamento em uma perspectiva transdisciplinar de teorias e métodos de análise do social: a linguística crítica (sistêmico-funcional) de Halliday e Hasan, o neomarxismo de Gramsci e a teorização crítica da Escola de Frankfurt. Estabelece também diálogos com a teoria crítica de Althusser, Bourdieu e Foucault, articulando conceitos como ‘escolha semântico-pragmática’, ‘hegemonia’ e ‘violência simbólica’ para conceber as práticas e as mudanças discursivas.

Nessa formulação, a semiose é considerada um elemento constituinte – e irredutível – das práticas sociais, ao lado da atividade produtiva, dos meios de produção, relações sociais, identidades sociais, valores culturais e consciência. Caberia à ACD, portanto, a análise das relações dialéticas entre semioses e os demais elementos das práticas sociais, identificando maneiras de superação dos obstáculos encontrados (Fairclough, 2012FAIRCLOUGH, Norman. Análise crítica do discurso como método em pesquisa social científica. Linha d’Água, v. 25, n. 2, p. 307-329, 2012.). Segundo o autor, “na condição de ciência social crítica, a ACD tem objetivos emancipatórios” (Fairclough, 2012FAIRCLOUGH, Norman. Análise crítica do discurso como método em pesquisa social científica. Linha d’Água, v. 25, n. 2, p. 307-329, 2012., p. 312).

Na ordem do discurso, algumas formas de construir sentido são dominantes, enquanto outras são marginais, subversivas, alternativas. Embora o próprio Fairclough admita a pertinência do conceito político de hegemonia para a análise de ordens de discurso, ressaltando que uma determinada estruturação social da diversidade semiótica nunca é fechada, seu alcance ainda parece limitado ao binarismo das relações dominante/dominado, expressando um essencialismo remanescente (Laclau e Mouffe, 2015aLACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015a., p. 217).

A Teoria do Discurso de Ernesto Laclau

A perspectiva da Teoria do Discurso (TD) de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, de forma distinta das abordagens anteriores, não se apresenta como um método3 3 Há um evidente desconforto e dificuldade entre os autores foucaultianos em reduzir sua obra a um método ou teoria stricto sensu. Segundo Veiga-Neto (2009, p. 89), é porque “descartou da noção de sujeito fundante, núcleo e origem do cogito, que Foucault teve necessariamente de se descartar do conceito cartesiano de método”. No entanto, ainda que se afaste dos aspectos operacionais do sentido canônico de método, os deslocamentos que acompanham sua obra permitem que se perceba, lato sensu, uma ‘arqueogenealogia’ que acompanha a sua teorização, como “um conjunto aberto/inacabado de práticas que se valem de diferentes métodos”. para a análise da realidade. Os autores defendem a indissociabilidade entre o discurso e o que chamamos de realidade: “todo objeto é constituído como objeto de discurso, uma vez que nenhum objeto é dado fora de condições discursivas de emergência” (Laclau e Mouffe, 2015aLACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015a., p. 180). O discurso adquire uma dimensão ontológica, de constituição – precária e contingente – do social: “O discurso é prática – daí a noção de prática discursiva – uma vez que quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identidades, grupos sociais são ações significativas” (Mendonça e Rodrigues, 2014MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo P. (org.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso. 2. ed. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2014., p. 49).

As implicações epistemológicas dessa perspectiva não são pequenas: para a TD, não há uma realidade exterior ao discurso, uma positividade ou identidade plenamente constituída que possa ser acessada em sua essência. Importante considerar que a TD não está falando de limites impostos pela imprecisão dos instrumentos ou de incapacidade de alcance da complexidade (neste caso, ainda estaria mantida a ideia de uma presença, da ‘metafísica da presença’), mas da impossibilidade de fechamento final da significação, da impossibilidade de os objetos serem constituídos plenamente (Laclau e Mouffe, 2015bLACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Pós-marxismo sem pedido de desculpas. In: LOPES, Alice C.; MENDONÇA, Daniel de (org.). A teoria do discurso de Ernesto Laclau: ensaios críticos e entrevistas. São Paulo: Annablume, 2015b. p. 35-72; Oliveira, 2018OLIVEIRA, Gustavo G. S. Provocações para aguçar a imaginação/invenção analítica: aproximações entre a teoria política do discurso e a análise do discurso em educação. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. R. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 169-216.).

De sua dimensão ontológica decorre uma concepção de discurso que não se restringe aos aspectos linguísticos ou à ‘linguagem em uso’, como postulada na AD francesa. Enquanto em Foucault o discurso aparece como “padrões de regularidade enunciativa que produzem, eles mesmos, efeitos de verdade e processos de subjetivação” (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Gustavo G. S. Provocações para aguçar a imaginação/invenção analítica: aproximações entre a teoria política do discurso e a análise do discurso em educação. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. R. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 169-216., p.175), para Laclau (2000)LACLAU, Ernesto. Nuevas reflexiones sobre la revolucion de nuestro tiempo. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000., o discurso pode ser compreendido como uma totalidade que inclui o linguístico e o extralinguístico.

O discurso é uma relação hegemônica, produto de práticas articulatórias que se constituem por meio de um antagonismo (exterior constitutivo). Assim, investigar as condições de possibilidade de um discurso é buscar a reativação do caráter contingente das articulações que possibilitaram sua hegemonização. Isso implica considerar as cadeias de equivalência estabelecidas no enfrentamento de uma ameaça antagônica. Nesse ponto, a posição de Laclau é radicalmente diferente da maior parte do pensamento sociológico: “o que estabelece sua unidade [de um grupo ou identidade] não é, por conseguinte, algo positivo que elas partilham, mas negativo: sua oposição a um inimigo comum” (Laclau, 2011LACLAU, Ernesto. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: UERJ, 2011., p.73). Assim, um conjunto de elementos (identidades diferenciais ou demandas específicas) tem, contingencialmente, suas particularidades canceladas para expressarem “algo idêntico subjacente a todas elas” (Laclau e Mouffe, 2015aLACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015a., p.205), ou seja, sua referência comum a algo externo que ameaça a plena constituição de suas identidades.

Notas metodológicas

Este trabalho responde à necessidade de conhecer as concepções e formas de uso de perspectivas discursivas no campo da saúde coletiva. Para tanto, assume o desenho de uma metapesquisa4 4 De acordo com Tello e Mainardes (2015), a opção pelo termo metapesquisa se dá “(...) uma vez que o termo de meta-análise pode ser confundido com o enfoque systematic review proveniente do enfoque baseado em evidência (...) Na atualidade, o termo é empregado para as pesquisas que têm uma preocupação particular por realizar sínteses estatísticas. Neste sentido, a meta-análise se concentra sobre os resultados de pesquisa, e é esse o elemento chave que se tenta sintetizar. Em contraste, a metapesquisa que empregamos é uma técnica qualitativa que busca observar analiticamente o processo de pesquisa presente em artigos, livros, teses, dissertações, etc, em termos de análise de conteúdo. Por esta razão, possui um enfoque centrado na análise interpretativa para compreender, por exemplo, em uma temática determinada, quais são os principais referentes teóricos, marcos teóricos e enfoques empregados nesse conjunto de produções acadêmicas (...)” (Tello e Mainardes, 2015, p.166). , tal como proposto por Tello e Mainardes (2015)TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015. em seu Enfoque das Epistemologias da Política Educacional (EEPE). Este tipo de investigação oferece um conjunto de ferramentas conceituais e metodológicas adequadas ao problema apresentado neste estudo e contribui para a realização de um diagnóstico da produção de conhecimento na área, favorecendo a ‘reflexividade e a vigilância epistemológica’ do pesquisador.

O EEPE é constituído pelo exame de três componentes das pesquisas: a perspectiva epistemológica, a posição epistemológica e o enfoque epistemetodológico. A perspectiva epistemológica é a “cosmovisão que o pesquisador assume para guiar a sua pesquisa” (Tello e Mainardes, 2015TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015., p. 156). Considerada uma espécie de teoria geral, são os pressupostos teóricos que antecedem a pesquisa. O posicionamento epistemológico deriva da própria perspectiva epistemológica e representa a

teoria substantiva vinculada particularmente ao campo de estudos, quer dizer, às correntes teóricas próprias do campo, são aquelas que guardam uma relação direta com o conteúdo empírico e teórico dos dados da pesquisa. (Tello e Mainardes, 2015TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015., p. 157)

Por sua vez, o enfoque epistemetodológico é o “modo em que se constrói metodologicamente a pesquisa” (Tello e Mainardes, 2015TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015., p. 158). Ao lado destes três componentes, neste estudo, será dada atenção especial à abordagem discursiva e ao universo temático dos artigos.

O corpus da pesquisa foi definido em levantamento bibliográfico, com objetivo de selecionar artigos em revistas do campo da saúde coletiva, publicados no Brasil nos últimos cinco anos, que tenham utilizado ao menos uma vez a noção de discurso/discursividade5 5 Visando à maior representatividade na amostra, o termo ‘discurso’ foi empregado com símbolo de truncagem “$” (discurs$), de modo a captar palavras com a mesma raiz – ‘discursos’, ‘discursivo(a)’ e ‘discursividade’. em seus índices (palavras do título, assunto, resumo).

Foram selecionados os nove periódicos nacionais6 6 Os periódicos foram selecionados em função de sua importância na produção e difusão de conhecimento no campo da Saúde Coletiva, fato corroborado por sua própria inclusão na base SciELO Saúde Pública. Por não se tratar de um estudo de tendências, o recorte temporal de coleta dos artigos foi definido tendo em vista a busca de um panorama atual do campo. integrantes da base SciELO Saúde Pública (Cadernos de Saúde Pública; Ciência & Saúde Coletiva; Epidemiologia e Serviços de Saúde; Interface – Comunicação, Saúde, Educação; Physis: Revista de Saúde Coletiva; Revista Brasileira de Epidemiologia; Revista de Saúde Pública; Saúde e Sociedade; Saúde em Debate), acrescidos da Trabalho, Educação e Saúde – que, em sua política editorial, dedica espaço de reflexão e aprofundamento de questões da formação e do ensino técnico em saúde7 7 Este trabalho integra uma investigação mais ampla sobre os processos de subjetivação nas políticas curriculares de educação profissional técnica de nível médio em saúde, desenvolvida no âmbito de minha pesquisa de doutorado em educação no PropEd/UERJ, sob a orientação da Profa. Alice Casimiro Lopes. .

Na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, não foram encontrados artigos que atendessem aos critérios da pesquisa. Assim, no primeiro levantamento, foram identificados 316 artigos publicados no quinquênio 2014-2018 (Tabela 1).

Tabela 1
– Artigos com referência ao termo ‘discurso’ em periódicos selecionados, 2014-2018

Com a leitura do título, resumo, metodologia e bibliografia dos artigos, procedeu-se ao mapeamento inicial da utilização do termo pelos pesquisadores. Uma forma usualmente encontrada nos artigos é aquela em que a noção aparece associada ao seu sentido comum, não técnico. Essa caracterização assemelha-se àquelas descritas por outros pesquisadores (Veneu, Ferraz e Rezende, 2015; Burity, 2014BURITY, Joanildo A. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia de Ernesto Laclau. In: MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo P. (org.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014. p. 59-74.), em que a palavra discurso é usa¬da de maneira ‘periférica’. Por não configurarem uma abordagem discursiva, os artigos aí enquadrados foram excluídos da amostra. Outros artigos, embora façam um uso mais estruturado da noção de discurso, restringem sua função a uma via de acesso aos sentidos dispersos no material empírico. Esta forma de uso foi categorizada como ‘metodológica’. Por fim, aos artigos que elegem o discurso como objeto de sua investigação, dando centralidade ao conceito, às condições políticas de emergência do discurso e a seus efeitos na sociedade, foram chamados de forma de uso ‘central’.

Seguindo as indicações do EEPE (Mainardes, 2018MAINARDES, Jefferson. A pesquisa no campo da política educacional: perspectivas teórico-epistemológicas e o lugar do pluralismo. Revista Brasileira de Educação, v. 23, jun. 2018.; Tello e Mainardes, 2015TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015.), o conjunto de artigos foi analisado segundo três categorias abrangentes:

  1. Perspectiva, posicionamento e enfoque epistemológico: visa identificar as matrizes e referências teóricas e metodológicas da investigação (teoria geral e do campo, autores de referência, tipo de pesquisa, técnica empregada);

  2. Abordagem discursiva: procura identificar a tradição/vertente à qual a noção de discurso aparece vinculada, favorecendo a interpretação dos enunciados e a identificação de comunidades epistêmicas8 8 O conceito de Comunidades Epistêmicas tem sido largamente utilizado no campo das políticas educacionais para descrever a ação de diferentes sujeitos e grupos sociais. Constituídas em processos de articulação discursiva entre demandas, tais comunidades de especialistas disputam e influenciam a definição dos textos políticos curriculares para além da esfera governamental (Dias, 2013). De acordo com Antoniades (2003, p. 6), comunidades epistêmicas são “comunidades de pensamento composta de redes baseadas em conhecimento socialmente reconhecido, cujos membros compartilham um entendimento de um determinado problema / questão ou visão de mundo comum e procuram traduzir suas crenças no discurso e na prática social dominante”. estabelecidas no campo (tradição/vertente, concepção de discurso e autores de referência no campo do discurso);

  3. Universo temático: busca mapear as áreas temáticas cujas abordagens discursivas têm sido mais utilizadas pelos pesquisadores.

Como toda investigação que apresenta procedimentos classificatórios, a metapesquisa também representa uma simplificação do social. Fazendo uma reflexão sobre seus limites, Tello e Mainardes (2015TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015., p. 166) afirmam que “toda tipologia cristaliza uma situação e tende a ser arbitrária, na medida em que inclui e descarta os casos que se encontram na fronteira, ou seja, os casos que não se distinguem claramente”. Por estarem relacionados a propósitos específicos, “os mesmos objetos podem ser classificados de formas diferentes” (Mainardes, 2018MAINARDES, Jefferson. A pesquisa no campo da política educacional: perspectivas teórico-epistemológicas e o lugar do pluralismo. Revista Brasileira de Educação, v. 23, jun. 2018., p. 8). Nessa perspectiva, toda classificação é um ato de poder que constitui articulações.

O uso da noção de discurso na saúde coletiva

Dos 316 artigos que empregaram o termo ‘discurso/discursividade’, 86 (27,2%) estabeleceram um uso ‘periférico’ da noção, enquanto 143 (45,3%) valeram-se do discurso para acessar os sentidos produzidos em torno dos fenômenos investigados, fazendo um uso caracterizado como ‘metodológico’. Por fim, 87 (27,5%) artigos conferiram centralidade ao discurso, elegendo-o como objeto da investigação (Tabela 2).

Tabela 2
– Artigos com referência ao termo ‘discurso’ entre os periódicos selecionados, no período 2014-2018, segundo forma de uso da noção de discurso

Dos 230 artigos selecionados, em que o uso da noção foi considerado como metodológico (62%) ou central (38%), cerca de 90% foram baseados em pesquisas empíricas e o restante, em ensaios teóricos ou estudos de revisão (Tabela 3). Quanto aos procedimentos metodológicos empregados, as entrevistas foram a opção majoritária das pesquisas (54%), seguidas das análises documentais (22%) e dos grupos focais (12,5%). Cerca de 20% da amostra recorreu às técnicas associadas, como a triangulação de métodos, buscando conferir maior credibilidade aos resultados.

Tabela 3
Artigos selecionados, no período 2014-2018, por ano da publicação (amostra final)

O predomínio de entrevistas e de técnicas associadas nas investigações empíricas, sem levar em conta o contexto das práticas discursivas e as relações de poder envolvidas na sua produção, guarda relação com enfoques discursivos que privilegiam a fala – “a presença do ser falante que seria a origem do significado verdadeiro” (Lopes, 2018LOPES, Alice C. Políticas de currículo em um enfoque discursivo: notas de pesquisa. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. de (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 133-167., p. 139) – parecendo indicar o realismo como referencial teórico-epistemológico da maior parte dos artigos9 9 Convém observar aqui que, diferentemente do campo da educação, no qual as incompatibilidades epistemológicas entre os métodos qualiquantitativos com as matrizes pós-estruturais de produção de conhecimento já vêm sendo diagnosticadas e enfrentadas (Macedo e Ranniery, 2018; Veiga-Neto e Macedo, 2008), a prevalência da lógica representacional nas investigações atesta a força da ontologia realista e essencialista no campo da saúde. .

Abordagens discursivas

Embora nem todas as perspectivas discursivas possam ser consideradas como pertencentes à tradição de ‘estudos ou análises de discurso’, a centralidade conferida ao significado acaba por aproximar um espectro variado de vertentes das ciências sociais e humanas. A despeito dessa multiplicidade, a maior parte dos artigos selecionados está vinculada à AD francesa e FD foucaultiana (30,4%), seguida de um volume expressivo de trabalhos referenciados na análise do discurso do sujeito coletivo (20%) e na AC (14%). Também foram consideráveis os trabalhos orientados na Hermenêutica (5,2%), na Psicologia Social Discursiva (4,8%), na Análise Textual Discursiva (4,3%) e na ACD (3%) (Tabela 4).

Tabela 4
Abordagens discursivas e autores de referência entre os artigos selecionados

A apropriação das abordagens discursivas às investigações ocorre, principalmente, de forma mediada por autores do próprio campo da saúde coletiva. Essa mediação, no entanto, não se restringe a uma simples transposição de conceitos e categorias de um campo a outro ou mesmo a um processo de recontextualização por ‘bricolagem’ de elementos teóricos diversos (Ball, 2001BALL, Stephen J. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em educação. Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 2, p. 99-116, dez. 2001.). Ao afastar-se da ideia de origem ou acesso a uma referência original, considera-se que as perspectivas teóricas são ‘traduções’10 10 Aqui, busca-se extrapolar o sentido usual do termo, que designa os atos de transferência de uma língua à outra. Compreende-se, como Siscar (2013, p. 152), que a questão da tradução “é extensiva a toda produção de conhecimento”. Mesmo a passagem de uma experiência não linguística para uma linguagem qualquer (do pensamento à fala ou escrita, por exemplo) é assim entendida como tradução. Para o autor (p. 152), a ideia da tradução em Derrida não se prende à ilusória “duplicação derivativa do original (entendido como significado)”, mas se constitui em uma “passagem ao discurso”, uma recriação sempre interpretativa e, portanto, aberta à diferentes leituras. Assim, a apropriação das diferentes abordagens discursivas ao campo da saúde coletiva é fruto e responsabilidade de práticas discursivas de seus pesquisadores. Por não permitir o acesso à ‘origem’ do significado, a tradução é inevitavelmente ‘traição’, uma nova significação, uma “tentativa de aliança e promessa” (Lopes, Cunha e Costa, 2013, p. 403). realizadas no campo como processos de constituição de novos sentidos (Lopes, Cunha e Costa, 2013LOPES, Alice C.; CUNHA, Erika V. R.; COSTA, Hugo H. C. Da recontextualização à tradução: investigando políticas de currículo. Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 392-410, set./dez. 2013.). A tradução aqui, tal como nos estudos linguísticos, compreende a introdução do “elemento perturbador da reapropriação do sentido que faz parte de toda tradução” (Siscar, 2013SISCAR, Marcos. Jacques Derrida: literatura, política e tradução. Campinas: Autores Associados, 2013., p.151).

Uma das mais importantes cientistas sociais do campo, a pesquisadora da Fiocruz Maria Cecília de Souza Minayo, tem sido responsável direta pela ampliação do debate e difusão de estratégias de produção de conhecimento em pesquisa qualitativa em saúde. No livro O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde (Minayo, 2004MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.), a autora apresenta as características gerais da análise de conteúdo, da análise do discurso e da hermenêutica-dialética11 11 Neste livro, considerado um clássico da área, a autora define sua preferência pela análise hermenêutica-dialética tal como proposta por Habermas em seu diálogo com Gadamer (Minayo, 2004, p. 199). , o que permite que seu trabalho influencie de forma decisiva a produção acadêmica da área nas três vertentes.

Assim, boa parte dos artigos que se vinculam à AD francesa são referenciados no trabalho de Cecília Minayo (Minayo 2004MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.; 2002MINAYO, Maria C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.; 2005MINAYO, Maria C. S. Conceito de avaliação por triangulação de métodos. In: MINAYO, Maria C. S.; ASSIS, Simone G.; SOUZA, Ednilsa R. (org.). Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005. p. 19-51.), cuja obra serviu também de acesso aos autores franceses e brasileiros dessa tradição. É o caso dos trabalhos de Eni Pulcinelli Orlandi, pesquisadora do campo da linguística e responsável pela introdução, no final dos anos 1970, da análise do discurso no Brasil. Ao lado de Minayo, sua obra12 12 Análise de Discurso: princípios e procedimentos (1999); A linguagem e seu funcionamento (1983); As formas do silêncio: no movimento dos sentidos (1992); Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos (2001); Papel da memória (1999); Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia (2011), entre outros. tem servido de base à grande parte dos estudos inspirados na AD francesa na saúde. Apesar de traduzidos no Brasil, a referência direta à Michel Pêcheux, Dominique Maingueneau e Patrick Charaudeau é mais rara.

A abordagem do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) foi desenvolvida pelos pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Fernando Lefèvre e Ana Maria Lefèvre. Seus livros O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem metodológica em pesquisa qualitativa, de 2000, e o homônimo Desdobramentos, de 2003, são as publicações mais citadas nos trabalhos filiados a esta perspectiva.

A proposta do DSC procura articular os pressupostos socioantropológicos de Denise Jodelet, Clifford Geertz e Pierre Bourdieu, a análise do discurso de matriz francesa de Manguineau e a semiótica de Charles Peirce,

na medida em que se entende que o pensamento de uma coletividade sobre um dado tema pode ser visto como o conjunto dos discursos ou formações discursivas, ou representações sociais existentes na sociedade e na cultura (...) [que] os sujeitos lançam mão para se comunicar, interagir, pensar. (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p. 16)

Dada a centralidade das representações sociais nessa proposta, a noção de discurso assume uma nítida função metodológica: “o DSC é, assim, uma estratégia metodológica que, utilizando uma estratégia discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação social” (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p. 19).

O DSC é um ‘discurso-síntese’, fundamentado nos ‘discursos em estado bruto’, dos quais são extraídas as expressões-chave (ECH) e a ideia central (IC). Como alertam os autores, é “uma artificialidade natural”, uma vez que necessita de “limpar” suas particularidades (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p.21) para que seja possível realizar a “soma” dos discursos. Afasta-se, assim, da forma tradicional de tabulação de dados baseadas na categorização convencional, reivindicando “um radical rompimento com essa lógica quantitativo-classificatória, na medida em que busca ‘resgatar o discurso como signo de conhecimento dos próprios discursos’” (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p. 19, grifo dos autores). Esse movimento busca caracterizar o DSC como “uma forma ou um expediente destinado a fazer a coletividade ‘falar’ diretamente” (Lefèvre e Lefèvre, p.16) e revela a intenção de “deixar a realidade descrever-se mais autonomamente” (Lefèvre e Lefèvre, p. 32).

A intenção dos autores fica ainda mais clara quando é reforçada a distinção entre ‘discurso sobre a realidade’ e ‘discurso da realidade’. Eles identificam o DSC como um ‘discurso da realidade’, uma vez que, no DSC,

os discursos dos depoimentos não se anulam ou se reduzem a uma categoria comum unificadora, já que o que se busca fazer é reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessários para se expressar uma dada ‘figura’, ou seja, um dado pensar ou representação social sobre um fenômeno (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p.19).

Justificando, alertam que a opção pelo discurso ‘do’ não é absoluta, mas “relativa, na medida em que se refere ao ‘momento descritivo’ da pesquisa qualitativa porque o momento interpretativo é, sem dúvida, o espaço por excelência do discurso ‘sobre’” (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p. 32).

Mesmo considerando que os autores assumem, com Peirce, que “o signo não é, nunca, seu objeto posto que é, sempre, um representante desse objeto” (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p. 29), a representação em si mantém-se preservada na intenção do “resgate da literalidade do depoimento” (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003., p. 17). A pretensão de acesso a uma ‘verdade’ objetiva, referencial, desse modo, fica também reforçada na proposta do DSC.

Há, aqui, uma importante divisão entre as abordagens discursivas. Para os enfoques pós-estruturais13 13 De acordo com Lopes (2013, p.12) “o pós-estruturalismo constitui-se a partir de um debate significativo com o estruturalismo, ‘nasce’ da primazia que o estruturalismo confere à linguística, ainda que questione as concepções estruturadas de linguagem. Não é por acaso que autores inicialmente vinculados ao estruturalismo, tal como Foucault e Lacan, vão construindo teorias que acabam por questionar as próprias bases do estruturalismo”. “O pós-estruturalismo, todavia, não se constitui como um movimento ou um conjunto de doutrinas comuns. Autores como Peters e Burbules (2004) defendem que esse rótulo, inicialmente, foi usado pela comunidade acadêmica norte-americana para se referir às discussões filosóficas que tentavam apresentar questionamentos a autores como Althusser, Barthes, Lacan e Lévi-Strauss. Autores muito distintos podem ser associados a esses questionamentos, tendo apenas em comum a crítica ao cientificismo das ciências humanas com base na linguística, à pretensão do estruturalismo de construir fundamentos epistemológicos e identificar estruturas universais comuns a todas as culturas e à mente humana em geral. Também têm em comum a busca por salientar a pluralidade dos jogos de linguagem que tornam provisório o processo de significação, sem fechamento final, terreno de diferenças sempre passíveis de produzirem novos sentidos (Torfing, 1999). Com isso, as possíveis estruturações passam a ser compreendidas como descentradas e desestruturadas. A ideia de estrutura é substituída pela ideia de discurso: “não há estruturas fixas que fechem de forma definitiva a significação, mas apenas estruturações e reestruturações discursivas. É destacada a contingência e são questionadas noções como a transcendência e a universalidade” (Lopes, 2013, p.13). , a separação entre um plano descritivo e um plano interpretativo é impossível, porque assentada no pressuposto de estabilidade do signo. Não há descrição que não seja interpretativa. Com o aprofundamento da virada linguística, Derrida combate o logocentrismo e seu embasamento na metafísica da presença, questionando a ideia de uma “origem primordial, imune à tradução (...) uma apresentação primeira anterior à representação (...) a fala enunciada por um sujeito pleno, a realidade primeira a qual se faz referência” (Lopes, 2018LOPES, Alice C. Políticas de currículo em um enfoque discursivo: notas de pesquisa. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. de (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 133-167., p.139).

Lopes (2018LOPES, Alice C. Políticas de currículo em um enfoque discursivo: notas de pesquisa. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. de (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 133-167., p.139) afirma que, para Derrida,

o signo é sempre reapresentação e não apresentação de uma presença plena. Como representação, o signo é submetido ao diferir, à tradução. O processo de representar (re-apresentar) não é puro reflexo de algo fora do signo, mas constituição de novos e diferentes sentidos.

Para a teoria do discurso de Laclau, “o que se nega não é que tais objetos existam externamente ao pensamento, mas antes a afirmação bastante diferente de que eles próprios possam se constituir como objetos fora de qualquer condição discursiva de emergência” (Laclau e Mouffe, 2015aLACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015a., p.181). A relação de representação torna-se um terreno primário de constituição das identidades (Laclau, 2011LACLAU, Ernesto. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: UERJ, 2011., p.147).

A abordagem da FD de Foucault foi utilizada em 13% dos artigos selecionados. Esse número, porém, não expressa a importância do autor como referência transversal nos demais estudos, e, ainda menos, o impacto de sua obra na área da saúde. Mesmo que não se possa falar propriamente de um ‘método’ foucaultiano, seu trabalho extrapola as áreas mais diretamente ligadas ao seu programa de pesquisa, espraiando-se num vasto espectro de temáticas afetadas pela relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam. As noções de formação discursiva, biopoder e governamentalidade são, assim, amplamente requisitadas nas análises das relações de saber-poder das práticas de saúde.

Igualmente difundidas entre as pesquisas qualitativas da saúde, a AC e a abordagem ‘Hermenêutica Dialética’ estão presentes em uma parcela significativa dos artigos analisados. Mais uma vez, os trabalhos de Maria Cecília Minayo – assim como os do pesquisador Romeu Gomes – servem de referência interna ao campo da saúde para as investigações. Ainda que nos trabalhos vinculados à AC a obra de Laurence Bardin seja também citada diretamente, na articulação entre a hermenêutica de Gadamer e a crítica dialética de Habermas prevalece a referência à pesquisadora brasileira. Segundo Minayo (2004, p. 227), “enquanto a hermenêutica penetra no seu tempo e através da compreensão procura atingir o sentido do texto, a crítica dialética se dirige contra seu tempo”. Nesta perspectiva, o pesquisador busca “entender o texto, a fala, o depoimento como resultado de um processo social (trabalho e dominação) e processo de conhecimento (expresso em linguagem), ambos frutos de múltiplas determinações, mas com significado específico” (Minayo, 2004MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004., p.227).

Outra importante trajetória de investigações discursivas no campo da saúde coletiva é aquela desenvolvida pela psicologia social de Mary Jane Spink, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Seu trabalho na saúde (Spink, 1993SPINK, Mary J. P. O conceito de representação social na abordagem psicossocial. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 300-308, set. 1993.; 1999SPINK, Mary J. P. (org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. São Paulo: Cortez, 1999.) promove o diálogo transdisciplinar entre a psicologia social discursiva e outros campos de conhecimento, articulando a produção de autores como Potter e Wetherell com os trabalhos de Foucault, Moscovici, Geertz, Garfinkel, Vigotsky, Bakhtin e Wittgenstein. A perspectiva da Psicologia Social Discursiva compreende a linguagem em uso como prática social: um de seus aspectos centrais é a noção de repertórios interpretativos, concebidos como um

conjunto de termos, lugares-comuns e descrições utilizadas em construções gramaticais e estilísticas (...) [e como] dispositivos linguísticos que utilizamos para construir versões dos eventos ações e outros fenômenos que estão a nossa volta que estão presentes em uma variedade de produções linguísticas e atuam como substrato para uma argumentação (Potter e Wetherell, apud Ribeiro e Spink, 2011RIBEIRO, Flávia R. G.; SPINK, Mary J. P. Repertórios interpretativos na controvérsia sobre a legalização do aborto de fetos anencefálicos. Psicologia & Sociedade, v. 23, p. 63-71, 2011. Número especial., p. 66).

Embora próxima da noção de representações sociais, guarda diferenças irreconciliáveis com este enquadre teórico: enquanto as representações sociais são definidas como conteúdos compartilhados, num nível de análise que prioriza os aspectos coletivos do fenômeno, a noção de repertórios interpretativos está mais interessada nos processos de negociação de sentidos (Spink, 2010SPINK, Mary J. P. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010., p. 62).

Os repertórios interpretativos

demarcam o plano de possibilidades de construções discursivas; são aprendidos e construídos ao longo de nossa vida, em diferentes momentos e contextos. Dessa forma, por meio dos repertórios, podemos entender tanto a permanência como a dinâmica e a variabilidade das produções linguísticas (Ribeiro e Spink, 2011RIBEIRO, Flávia R. G.; SPINK, Mary J. P. Repertórios interpretativos na controvérsia sobre a legalização do aborto de fetos anencefálicos. Psicologia & Sociedade, v. 23, p. 63-71, 2011. Número especial., p. 66).

Com menor frequência, as abordagens da Análise Textual Discursiva, de Roque Moraes e Maria do Carmo Galiazzi (Moraes e Galiazzi, 2006MORAES, Roque; GALLIAZI, Maria C. Análise textual discursiva: processo reconstrutivo de múltiplas faces. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 117-128, 2006.; 2007MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria C. Análise textual discursiva. Ijuí: Editora Unijuí, 2007.), e da ACD (Bosi e Macedo, 2014BOSI, Maria L. M.; MACEDO, Marcos A. Anotações sobre a análise crítica de discurso em pesquisas qualitativas no campo da saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, n. 4, p. 423-432, dez. 2014.) também se encontram bastante difundidas entre as pesquisas do campo.

Perspectivas epistemológicas

A amostra também foi classificada quanto às perspectivas epistemológicas que fundamentam as análises. Parte significativa dos artigos (cerca de 20%) estão assentados, exclusivamente, no campo da saúde ou não explicitaram seus referenciais teóricos. Ainda assim, é notável a diversidade de perspectivas teóricas utilizadas nas pesquisas.

Tal como o campo das políticas educacionais analisado por Mainardes (2018)MAINARDES, Jefferson. A pesquisa no campo da política educacional: perspectivas teórico-epistemológicas e o lugar do pluralismo. Revista Brasileira de Educação, v. 23, jun. 2018., a saúde coletiva também é caracterizada pela larga utilização da estratégia de teorização combinada. Esse traço indica a prevalência de uma perspectiva epistemológica pluralista, que tanto pode abrir possibilidades como trazer problemas aos estudos:

uma perspectiva epistemológica pluralista não é a mera justaposição de teorias, conceitos ou da contribuição de autores. O pluralismo envolve a escolha consciente e reflexiva de ideias de diferentes autores, teorias ou perspectivas epistemológicas, bem como a apresentação de reflexões e justificativas acerca do referencial construído (Mainardes, 2018MAINARDES, Jefferson. A pesquisa no campo da política educacional: perspectivas teórico-epistemológicas e o lugar do pluralismo. Revista Brasileira de Educação, v. 23, jun. 2018., p.15).

Para além dos trabalhos baseados na arqueologia e na genealogia de Foucault (12%), há entre os artigos selecionados uma forte presença das perspectivas marxistas (10,6%), de abordagens socioconstrucionistas (9,3%), antropológicas e etnográficas (8,8%), da psicologia social (6,6%), hermenêuticas (5,7%) e fenomenológicas (3,1%). Embora numericamente menos expressivas, as investigações baseadas na perspectiva dos estudos culturais, nas teorizações feministas, queer e de gênero são aquelas que assumem, de forma mais radical, a discursividade na constituição do social, sendo particularmente relevantes para a presente discussão.

Universo temático

A noção de discurso tem sido utilizada, principalmente, nas pesquisas que exploram os processos de significação e as representações sociais de profissionais, gestores e usuários nas diversas interfaces do campo da saúde. Desdobra-se em temas como as concepções de saúde e doença, a esfera do cuidado, os processos de educação e comunicação, a formulação e implementação de políticas públicas, entre outros.

Mais especificamente, tem permitido interpretar as relações de poder envolvidas nas complexas e ambíguas articulações entre associações científicas, profissionais, instituições, mídia e indústria farmacêutica nos discursos de medicalização e farmacologização (Warmling et al., 2018WARMLING, Cristine M. et al. Práticas sociais de medicalização & humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 4, 2018.; Oliveira-Costa et al., 2016OLIVEIRA-COSTA, Mariella S. et al. Promoção da saúde da mulher brasileira e a alimentação saudável: vozes e discursos evidenciados pela Folha de SP. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 6, p. 1.957-1.964, jun. 2016.; Mitjavila e Mathes, 2016MITJAVILA, Myriam; MATHES, Priscilla. Labirintos da medicalização do crime. Saúde e Sociedade, v. 25, n. 4, p. 847-856, dez. 2016.; Gomes et al., 2015GOMES, Fernanda M. A. et al. Saúde mental infantil na atenção primária à saúde: discursos de profissionais médicos. Saúde e Sociedade, v. 24, n. 1, p. 244-258, mar. 2015.; Brzozowski e Caponi, 2017BRZOZOWSKI, Fabíola S.; CAPONI, Sandra. Representações da mídia escrita/digital para o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade no Brasil (2010 a 2014). Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 959-980, dez. 2017.).

As abordagens discursivas também são potentes pela visibilidade que têm dado a estigmas, estereótipos e preconceitos que se manifestam nos discursos científicos, médico-jurídicos, midiáticos e institucionais nas questões de gênero, sexualidade, HIV-aids, álcool, drogas e saúde mental (Guimarães, Paulon e Nardi, 2018GUIMARÃES, Willian; PAULON, Simone M.; NARDI, Henrique C. Expressões da sexualidade e de gênero na injunção crime-loucura: engendramentos moralizantes no tratamento do paciente judiciário. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, n. 8, 2018.; Nascimento, Uziel e Hernandez, 2018NASCIMENTO, Marcos A. F.; UZIEL, Anna P.; HERNÁNDEZ, Jimena G. Young men in juvenile detention centers in Rio de Janeiro, Brazil: gender, sexuality, masculinity and health implications. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, n. 2, 2018.; Angonese e Lago, 2017ANGONESE, Mônica; LAGO, Mara C. S. Direitos e saúde reprodutiva para a população de travestis e transexuais: abjeção e esterilidade simbólica. Saúde e Sociedade, v. 26, n. 1, p. 256-270, mar. 2017.).

Em artigo que articula as perspectivas de Bourdieu, Goffman e Judith Butler, Silva Junior (2018) aborda a construção discursiva do gênero feminino por meio de cirurgias de feminização facial para travestis e mulheres transexuais. A pesquisa aponta para uma conjugação de saberes biomédicos, necessidades sociais e mercado de bens e consumo que está ligada à “produção de determinado regime de visibilidade trans (...) normativo e restritivo, distanciando-se das inúmeras possibilidades de ser uma pessoa transgênero” (Silva Junior, 2018SILVA JUNIOR, Aureliano L. Feminização, estigma e o gênero facializado: a construção moral do gênero feminino por meio de cirurgias de feminização facial para travestis e mulheres transexuais. Saúde e Sociedade, v. 27, n. 2, p. 464-480, jun. 2018., p.478).

Nesta mesma direção, partindo do referencial pós-estrutural da teoria Queer e da filosofia da diferença de Derrida, Motta (2016)MOTTA, José I. J. Sexualidades e políticas públicas: uma abordagem queer para tempos de crise democrática. Saúde em Debate, v. 40, p. 73-86, dez. 2016. Número especial. analisa os paradoxos da Política Nacional de Atenção Integral à População LGBT. Embora admitindo na Política férteis territórios para a inscrição de processos pedagógicos de reconhecimento das diferenças, argumenta que a construção de uma política pública de equidade por meio de novos regimes de normalização implica uma política de identidades estáveis (gays, lésbicas, travestis, trans) e que o acesso aos direitos negados (união civil, reconhecimento de famílias homoparentais etc.) faz referência ao padrão heteronormativo:

Logo, em que pese a reconstituição de um ‘direito’ negado às relações homoafetivas, ou seja, ‘a união civil’ e toda a gama de efeitos sociais oriundos dessa condição, há uma reafirmação de um pressuposto construído com base nas relações heterossexuais e com fins de reprodução. (Motta, 2016MOTTA, José I. J. Sexualidades e políticas públicas: uma abordagem queer para tempos de crise democrática. Saúde em Debate, v. 40, p. 73-86, dez. 2016. Número especial., p. 82)

O autor defende “o exercício da alteridade como condição para transformar a diferença, não em uma força negativa, mas como agente de novas possibilidades criadoras na produção do cuidado e na gestão em saúde” (Motta, 2016MOTTA, José I. J. Sexualidades e políticas públicas: uma abordagem queer para tempos de crise democrática. Saúde em Debate, v. 40, p. 73-86, dez. 2016. Número especial., p. 83).

A temática da violência de gênero também recebe importantes contribuições das abordagens discursivas. Em pesquisa etnomusical sobre as letras de forró com adolescentes da periferia de Fortaleza, Brilhante, Nations e Catrib (2018)BRILHANTE, Aline V. M.; NATIONS, Marilyn K.; CATRIB, Ana M. F. “Taca cachaça que ela libera”: violência de gênero nas letras e festas de forró no Nordeste do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, n. 3, 2018. buscam dessedimentar os artifícios da moralidade de discursos que legitimam a violência sexual baseados na desqualificação da vítima de estupro e na valorização da virilidade masculina.

Entre os artigos que analisam o discurso médico, a ACD tem sido bastante utilizada, explicitando as assimetrias de poder que constrangem e limitam a relação médico-paciente. A consulta como gênero discursivo é colocada em evidência, dando destaque às diferentes posições de sujeito, aos múltiplos contextos do atendimento médico, às representações sobre as tecnologias, às percepções sobre o processo saúde, doença e cuidado e à dimensão discursiva das identidades sociais (Bosi e Macedo, 2014BOSI, Maria L. M.; MACEDO, Marcos A. Anotações sobre a análise crítica de discurso em pesquisas qualitativas no campo da saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, n. 4, p. 423-432, dez. 2014.).

Outro tema que ganha especial atenção nos artigos selecionados é o discurso midiático, seja na investigação de peças publicitárias de alimentos, anabolizantes e academias de ginástica (Silva et al., 2017SILVA, Dillian A. C. et al. Publicidade de alimentos para crianças e adolescentes: desvelar da perspectiva ética no discurso da autorregulamentação. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 7, p. 2.187-2.196, jul. 2017.; Moraes, Castiel e Ribeiro, 2015MORAES, Danielle R.; CASTIEL, Luis D.; RIBEIRO, Ana P. P. G. A. “Não” para jovens bombados, “sim” para velhos empinados: o discurso sobre anabolizantes e saúde em artigos da área biomédica. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 6, p. 1.131-1.140, jun. 2015.; Roble, Rodrigues e Lima, 2015ROBLE, Odilon J.; RODRIGUES, Luiza S.; LIMA, Karen A. Lógica das sensações na atividade física: uma análise dos discursos de academias de ginástica brasileiras e suas projeções na sociedade contemporânea. Saúde e Sociedade, v. 24, n. 1, p. 337-349, mar. 2015.), seja na desconstrução de estereótipos e estigmas racializados na definição jurídico-moral do perfil de usuários de drogas (Zanotto e Assis, 2017ZANOTTO, Daniele F.; ASSIS, Fátima B. Perfil dos usuários de crack na mídia brasileira: análise de um jornal e duas revistas de edição nacional. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, p. 771-792, jul. 2017.; Borges, Santos e Porto, 2018BORGES, Silier A. C.; SANTOS, Maria L. R.; PORTO, Priscilla N. Discurso jurídico-moral humanizador sobre drogas e violência sanitária na saúde da família. Saúde em Debate, v. 42, n. 117, p. 430-441, jun. 2018.; Macedo, Roso e Lara, 2015MACEDO, Fernanda S.; ROSO, Adriane; LARA, Michele P. Mulheres, saúde e uso de crack: a reprodução do novo racismo na/pela mídia televisiva. Saúde e Sociedade, v. 24, n. 4, p. 1.285-1.298, dez. 2015.).

As perspectivas discursivas também têm contribuído com a análise de políticas públicas. Esse movimento se dá de forma diferente, de acordo com as abordagens teórico-metodológicas utilizadas. De um lado, diversos estudos buscam identificar representações sociais e discursos dos sujeitos coletivos envolvidos nas políticas de saúde procurando entender os desafios de sua implementação; de outro, as pesquisas buscam contestar as práticas de subjetivação que disputam a significação das políticas. Exemplificando este último grupo, Aciole (2017)ACIOLE, Giovanni G. O Projeto Mais Médicos para o Brasil e a construção de mitos: uma leitura bartheana. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 21, p. 1.157-1.168, 2017. Suplemento 1. inspira-se na semiologia da linguagem e no conceito de mito em Roland Barthes para analisar as reações contrárias à implantação do projeto Mais Médicos, envolvendo, principalmente, as instituições médicas do país. O autor realiza uma leitura dos discursos do Conselho Federal de Medicina, por meio da análise do Jornal Medicina:

o mito é revelador de como práticas discursivas introduzem no imaginário coletivo alegorias que demarcam espaços ideológicos e permite analisar o processo de disputa social e das condições históricas de formulação e implantação de um programa governamental. (Aciole, 2017ACIOLE, Giovanni G. O Projeto Mais Médicos para o Brasil e a construção de mitos: uma leitura bartheana. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 21, p. 1.157-1.168, 2017. Suplemento 1., p. 1157).

Considerações finais

As abordagens discursivas encontram-se largamente disseminadas entre as pesquisas no campo da saúde coletiva. Isso não significa dizer que estejam superadas as posturas de desconfiança em relação ao seu rigor ou cientificidade. Tampouco que representam uma unidade teórico-metodológica: pelo contrário, a diversidade de perspectivas nas publicações da área indica a abertura ao diálogo com múltiplos campos disciplinares e um consequente pluralismo epistemológico.

A apropriação das vertentes discursivas utilizadas nos artigos é, em grande parte, resultante da tradução realizada por pesquisadores do campo. Destacam-se, nesse sentido, os trabalhos de Cecília Minayo, Romeu Gomes, Fernando Lefèvre, Ana Maria Lefèvre, Mary Jane Spink e Moraes e Galiazzi.

A redução de grande parte das perspectivas discursivas a um procedimento de análise das pesquisas qualitativas – não necessariamente articulado aos referenciais teóricos mais amplos dos artigos – bloqueia outras possibilidades de investigação da discursividade nas práticas de saúde. O predomínio da apropriação metodológica realça a hegemonia do realismo como paradigma de investigação e sugere a instrumentalização da noção em detrimento de uma concepção ontológica de discurso. Por outro lado, entre os estudos que dão centralidade ao discurso e assumem a radicalidade das implicações teórico-epistemológicas dos registros pós-estruturais, identificam-se importantes deslocamentos operando nas pesquisas.

Ganham destaque as condições de produção discursiva – redes políticas, dispositivos, relações de poder – e seus efeitos sobre os diferentes fenômenos investigados. Sob os enfoques discursivos, novos objetos de investigação passam a ser construídos e mesmo as temáticas com grande investimento de pesquisa são abordadas em nova perspectiva.

Do mesmo modo, as abordagens discursivas promovem uma ampliação e diversificação dos materiais empíricos investigados. Para além das entrevistas, grupos focais e documentos assinados na esfera oficial também foram tomados como superfícies de inscrição dos discursos investigados, inquéritos policiais, materiais didáticos, peças publicitárias, televisivas, filmes, obras literárias, práticas profissionais, ilustrações, músicas, blogs, fóruns etc.

Há uma clivagem entre as abordagens que concebem as práticas discursivas como ‘uma entre outras’ práticas sociais e aquelas que entendem que ‘todas’ as práticas sociais são discursivas. Enquanto as primeiras buscam no discurso a fonte das representações sociais, a ‘chave’ da significação, as abordagens pós-estruturais preocupam-se em interpretar “o que está possibilitando e sustentando as significações” (Lopes, 2015, p. 137), seus efeitos e exclusões. À medida que as concepções mais objetivistas de discurso procuram o ‘desvelamento’ do real por meio de suas manifestações discursivas, as abordagens pós-estruturais mostram esse acesso como irrealizável, uma vez que o caráter contingente de toda objetividade implica “a impossibilidade de fixar com precisão (...) tanto as relações como as identidades” (Laclau, 2000LACLAU, Ernesto. Nuevas reflexiones sobre la revolucion de nuestro tiempo. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000., p. 37).

A questão do sujeito emerge como um aspecto distintivo entre as abordagens discursivas dos artigos analisados. As perspectivas que o compreendem como a origem do discurso são confrontadas pelas abordagens pós-estruturais e a concepção de sujeito centrado, autônomo e consciente, fonte de suas próprias ideias e valores, é substituída pela emergência da subjetividade como resultado de uma falta na estrutura. O sujeito é constituído nos processos de decisão, ao identificar-se com certos projetos políticos ou discursos que eles articulam e que parecem capazes de suturar a fissura na ordem simbólica (Howarth e Stavrakakis, 2000HOWARTH, David; STAVRAKAKIS, Yannis. Introducing discourse theory and political analysis. In: HOWARTH, David; NORVAL, Aletta J.; STAVRAKAKIS, Yannis. Discourse theory and political analysis. Manchester: Manchester University Press, 2000. p. 1-37).

Por fim, os artigos também tratam a questão da linguagem e da significação de modo distinto: ao passo que o uso metodológico da noção de discurso está fundado na metafísica da presença e na crença da estabilidade do signo, os enfoques pós-estruturais afirmam que

o significado não está no texto, nem nas intenções de quem escreve/fala, ou em algo que possa ser denominado como realidade. Qualquer significado é contextual, relacional, sempre envolve remeter um significante a outro significante e simultaneamente adiar o que poderia ser considerado um conceito, uma identidade, um sujeito, um objeto, uma finalização do processo de significar (Lopes, 2018LOPES, Alice C. Políticas de currículo em um enfoque discursivo: notas de pesquisa. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. de (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 133-167., p. 140).

O campo da discursividade aparece como “um surplus de sentido sempre pronto a subverter a significação, marcando a impossibilidade do fechamento final de qualquer discurso” (Lopes, 2018LOPES, Alice C. Políticas de currículo em um enfoque discursivo: notas de pesquisa. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. de (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 133-167., p. 140).

A estabilidade na significação, necessária para que a comunicação ocorra, depende de um bloqueio, ainda que eventual e provisório, do “livre fluxo de significados nos significantes”. Esse bloqueio, segundo Laclau, é produzido pela hegemonia resultante de práticas articulatórias que constituem os discursos (Lopes, 2018LOPES, Alice C. Políticas de currículo em um enfoque discursivo: notas de pesquisa. In: LOPES, Alice C.; OLIVEIRA, Anna L. A. M.; OLIVEIRA, Gustavo G. S. de (org.). A teoria do discurso na pesquisa em educação. Recife: EFPE, 2018. p. 133-167., p.144). Neste contexto, as abordagens pós-estruturais mostram-se particularmente produtivas para a investigação das práticas articulatórias e das lógicas políticas que hegemonizam tais formações discursivas.

Agradecimentos

Agradeço à Profa. Alice Casimiro Lopes pela leitura crítica deste artigo e à Profa. Isabel Menezes, orientadora no estágio de doutoramento-sanduíche realizado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE/UP) no segundo semestre de 2018.

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  • 1
    O autor dá mais atenção a esta última, procurando mostrar a vontade de verdade como “prodigiosa maquinaria” que se impõe ao sujeito cognoscente certo olhar que prescreve “o nível técnico que devem investir-se os conhecimentos para serem verificáveis e úteis” (Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p.16). A vontade de verdade é reforçada e suportada por uma espessura de práticas e instituições, como a pedagogia e os laboratórios.
  • 2
    A pesquisadora Izabel Magalhães, introdutora desta vertente no Brasil, prefere adotar o termo ‘análise de discurso crítica’ (ADC), embora reconheça e não veja prejuízos na disseminação da outra denominação (ACD). A autora considera a ADC como parte da análise de discurso textualmente orientada (ADTO), “ligada à perspectiva metodológica qualitativa interpretativa que defende uma posição explícita do/a analista em relação aos dados analisados. Nesse sentido, ADC se refere à metodologia e TCD, à teoria” (Magalhães, 2004, p.119).
  • 3
    Há um evidente desconforto e dificuldade entre os autores foucaultianos em reduzir sua obra a um método ou teoria stricto sensu. Segundo Veiga-Neto (2009VEIGA-NETO, Alfredo. Teoria e método em Michel Foucault (im)possibilidades. Cadernos de Educação, FaE/PPGE/UFPel, Pelotas, n. 34, p. 83-94, set./dez. 2009., p. 89), é porque “descartou da noção de sujeito fundante, núcleo e origem do cogito, que Foucault teve necessariamente de se descartar do conceito cartesiano de método”. No entanto, ainda que se afaste dos aspectos operacionais do sentido canônico de método, os deslocamentos que acompanham sua obra permitem que se perceba, lato sensu, uma ‘arqueogenealogia’ que acompanha a sua teorização, como “um conjunto aberto/inacabado de práticas que se valem de diferentes métodos”.
  • 4
    De acordo com Tello e Mainardes (2015)TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015., a opção pelo termo metapesquisa se dá “(...) uma vez que o termo de meta-análise pode ser confundido com o enfoque systematic review proveniente do enfoque baseado em evidência (...) Na atualidade, o termo é empregado para as pesquisas que têm uma preocupação particular por realizar sínteses estatísticas. Neste sentido, a meta-análise se concentra sobre os resultados de pesquisa, e é esse o elemento chave que se tenta sintetizar. Em contraste, a metapesquisa que empregamos é uma técnica qualitativa que busca observar analiticamente o processo de pesquisa presente em artigos, livros, teses, dissertações, etc, em termos de análise de conteúdo. Por esta razão, possui um enfoque centrado na análise interpretativa para compreender, por exemplo, em uma temática determinada, quais são os principais referentes teóricos, marcos teóricos e enfoques empregados nesse conjunto de produções acadêmicas (...)” (Tello e Mainardes, 2015TELLO, César; MAINARDES, Jefferson. Revisitando o enfoque das epistemologias da política educacional. Práxis Educativa, v. 10, n. 1, jun. 2015., p.166).
  • 5
    Visando à maior representatividade na amostra, o termo ‘discurso’ foi empregado com símbolo de truncagem “$” (discurs$), de modo a captar palavras com a mesma raiz – ‘discursos’, ‘discursivo(a)’ e ‘discursividade’.
  • 6
    Os periódicos foram selecionados em função de sua importância na produção e difusão de conhecimento no campo da Saúde Coletiva, fato corroborado por sua própria inclusão na base SciELO Saúde Pública. Por não se tratar de um estudo de tendências, o recorte temporal de coleta dos artigos foi definido tendo em vista a busca de um panorama atual do campo.
  • 7
    Este trabalho integra uma investigação mais ampla sobre os processos de subjetivação nas políticas curriculares de educação profissional técnica de nível médio em saúde, desenvolvida no âmbito de minha pesquisa de doutorado em educação no PropEd/UERJ, sob a orientação da Profa. Alice Casimiro Lopes.
  • 8
    O conceito de Comunidades Epistêmicas tem sido largamente utilizado no campo das políticas educacionais para descrever a ação de diferentes sujeitos e grupos sociais. Constituídas em processos de articulação discursiva entre demandas, tais comunidades de especialistas disputam e influenciam a definição dos textos políticos curriculares para além da esfera governamental (Dias, 2013DIAS, Rosanne. Demandas das políticas curriculares para a formação de professores no espaço ibero-americano. Revista e-curriculum, v. 2, n. 11, ago. 2013.). De acordo com Antoniades (2003ANTONIADES, Andreas. Epistemic communities, epistemes and the construction of (world) politics. Global Society, v. 17, n. 1, 2003., p. 6), comunidades epistêmicas são “comunidades de pensamento composta de redes baseadas em conhecimento socialmente reconhecido, cujos membros compartilham um entendimento de um determinado problema / questão ou visão de mundo comum e procuram traduzir suas crenças no discurso e na prática social dominante”.
  • 9
    Convém observar aqui que, diferentemente do campo da educação, no qual as incompatibilidades epistemológicas entre os métodos qualiquantitativos com as matrizes pós-estruturais de produção de conhecimento já vêm sendo diagnosticadas e enfrentadas (Macedo e Ranniery, 2018MACEDO, Elizabeth; RANNIERY, Thiago. E depois do pós-estruturalismo? experimentações metodológicas na pesquisa em currículo e educação. Práxis Educativa, v. 13, n. 3, p. 941-947, set./dez. 2018.; Veiga-Neto e Macedo, 2008VEIGA-NETO, Alfredo; MACEDO, Elizabeth. Estudos de currículo: Como lidamos com os conceitos de Moderno e Pós-moderno. Educação Temática Digital, v. 9, p. 234-252, 2008.), a prevalência da lógica representacional nas investigações atesta a força da ontologia realista e essencialista no campo da saúde.
  • 10
    Aqui, busca-se extrapolar o sentido usual do termo, que designa os atos de transferência de uma língua à outra. Compreende-se, como Siscar (2013SISCAR, Marcos. Jacques Derrida: literatura, política e tradução. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 152), que a questão da tradução “é extensiva a toda produção de conhecimento”. Mesmo a passagem de uma experiência não linguística para uma linguagem qualquer (do pensamento à fala ou escrita, por exemplo) é assim entendida como tradução. Para o autor (p. 152), a ideia da tradução em Derrida não se prende à ilusória “duplicação derivativa do original (entendido como significado)”, mas se constitui em uma “passagem ao discurso”, uma recriação sempre interpretativa e, portanto, aberta à diferentes leituras. Assim, a apropriação das diferentes abordagens discursivas ao campo da saúde coletiva é fruto e responsabilidade de práticas discursivas de seus pesquisadores. Por não permitir o acesso à ‘origem’ do significado, a tradução é inevitavelmente ‘traição’, uma nova significação, uma “tentativa de aliança e promessa” (Lopes, Cunha e Costa, 2013, p. 403).
  • 11
    Neste livro, considerado um clássico da área, a autora define sua preferência pela análise hermenêutica-dialética tal como proposta por Habermas em seu diálogo com Gadamer (Minayo, 2004MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004., p. 199).
  • 12
    Análise de Discurso: princípios e procedimentos (1999); A linguagem e seu funcionamento (1983); As formas do silêncio: no movimento dos sentidos (1992); Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos (2001); Papel da memória (1999); Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia (2011), entre outros.
  • 13
    De acordo com Lopes (2013LOPES, Alice C. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, Sociedade & Culturas, n. 39, p. 7-23, 2013., p.12) “o pós-estruturalismo constitui-se a partir de um debate significativo com o estruturalismo, ‘nasce’ da primazia que o estruturalismo confere à linguística, ainda que questione as concepções estruturadas de linguagem. Não é por acaso que autores inicialmente vinculados ao estruturalismo, tal como Foucault e Lacan, vão construindo teorias que acabam por questionar as próprias bases do estruturalismo”. “O pós-estruturalismo, todavia, não se constitui como um movimento ou um conjunto de doutrinas comuns. Autores como Peters e Burbules (2004) defendem que esse rótulo, inicialmente, foi usado pela comunidade acadêmica norte-americana para se referir às discussões filosóficas que tentavam apresentar questionamentos a autores como Althusser, Barthes, Lacan e Lévi-Strauss. Autores muito distintos podem ser associados a esses questionamentos, tendo apenas em comum a crítica ao cientificismo das ciências humanas com base na linguística, à pretensão do estruturalismo de construir fundamentos epistemológicos e identificar estruturas universais comuns a todas as culturas e à mente humana em geral. Também têm em comum a busca por salientar a pluralidade dos jogos de linguagem que tornam provisório o processo de significação, sem fechamento final, terreno de diferenças sempre passíveis de produzirem novos sentidos (Torfing, 1999). Com isso, as possíveis estruturações passam a ser compreendidas como descentradas e desestruturadas. A ideia de estrutura é substituída pela ideia de discurso: “não há estruturas fixas que fechem de forma definitiva a significação, mas apenas estruturações e reestruturações discursivas. É destacada a contingência e são questionadas noções como a transcendência e a universalidade” (Lopes, 2013LOPES, Alice C. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, Sociedade & Culturas, n. 39, p. 7-23, 2013., p.13).
  • Financiamento. Este trabalho contou com o apoio financeiro da CAPES/FCT, Código de Financiamento 001, por meio de bolsa de doutoramento sanduíche na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE/UP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2019
  • Aceito
    19 Nov 2019
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