Introdução
No Brasil, a discussão sobre a necessidade de reformulação da educação de profissionais da saúde envolve diferentes marcos regulatórios. É um debate presente nas pautas de âmbito nacional em momentos diversos; em 1986, ocorreu a I Conferência Nacional de Recursos Humanos em Saúde e, em 1988, com a Constituição e o respectivo estabelecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) ( Pinto et al., 2013 ; Silva e Santana, 2015 ). Em 1996, a sanção da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação ( Brasil, 1996 ) trouxe ao país a possibilidade de currículos mais flexíveis. De 2001 em diante, esse contexto de mudanças é fortalecido pelo estabelecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação em saúde ( Brasil, 2001 ). Nelas, incorpora-se a necessidade de implementar currículos integrados e inseridos no cotidiano das práticas e serviços de saúde, caracterizados pela articulação teórico-prática. Além disso, as DCNs preveem a adoção de metodologias participativas de ensino-aprendizagem-avaliação, voltadas ao desenvolvimento de competências para o trabalho em equipe e o enfrentamento de problemas vinculados às demandas da população ( Organização Mundial da Saúde, 2010 ; Barba et al., 2012 ; Braid, Machado e Aranha, 2012; Paiva e Teixeira, 2014 ; Teixeira, Coelho e Rocha, 2013; Silva e Santana, 2015 ; Ribeiro e Medeiros Júnior, 2016).
Assim, para consolidar-se, o movimento de mudança da formação em saúde tem o desafio de romper com estruturas curriculares uniprofissionais rígidas nas instituições de ensino superior, as quais estimulam posturas individualistas e a tendência à prática isolada das profissões da saúde ( Frenk et al., 2010 ; Peduzzi et al., 2013 ).
Diante da compreensão de que um cuidado de qualidade economicamente viável passa pela formação de profissionais da saúde preparados para liderar e colaborar em equipes interprofissionais ( Health Professions Accreditors Collaborative, 2019 ), a educação interprofissional (EIP) apresenta-se como uma estratégia que se destaca no processo educativo em saúde por seu potencial de promover a colaboração nas e entre equipes, melhorando, assim, a qualidade dos serviços (Aziz, Teck e Yen, 2011; Organização Pan-americana da Saúde, 2016 ). A EIP emerge do reconhecimento das dificuldades de comunicação e colaboração entre as diversas profissões, cujas formações foram caracterizadas pelas abordagens uniprofissionais que permeiam os currículos da saúde ( Nuin e Francisco, 2019 ). Essa estratégia ocorre quando há o aprendizado compartilhado e interativo entre dois ou mais profissionais de diferentes áreas, com o propósito explícito de melhorar a colaboração e a qualidade da atenção à saúde ( Reeves et al., 2016 ).
A literatura aponta um crescente interesse pela EIP e seus efeitos, tanto no aprendizado e formação de estudantes e profissionais como nos resultados produzidos na atenção à saúde. Estudos mostram reações positivas de estudantes frente a experiências interprofissionais, à medida que identificam mudanças em suas percepções e atitudes em relação ao conhecimento sobre outras profissões, em suas habilidades para o trabalho colaborativo ( Barr, 2002 ; Reeves et al., 2012 ; Darlow et al., 2015 ; Reeves et al., 2016 ) e no cuidado em saúde, de maneira geral ( Thadani, 2008 ). A EIP também é evidenciada como fator-chave para a melhoria de atendimentos de qualidade ( Tsakitzidis et al., 2015 ).
Neste estudo, investiga-se como o ensino da graduação em cenário de prática da atenção primária à saúde (APS) pode constituir um espaço de EIP, com o objetivo de analisar o significado dessa experiência na formação de profissionais de saúde.
Metodologia
O presente estudo trata de uma experiência prática de EIP oferecida em uma universidade pública do sul do Brasil. Essa experiência ocorre em territórios adscritos a unidades de APS localizadas em um distrito de saúde com prática docente assistencial do município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. É uma atividade de ensino oferecida desde 2012 como disciplina eletiva ou opcional, integradora e compartilhada nos currículos de 15 cursos da saúde. Os cursos de Biomedicina, Odontologia, Saúde Coletiva, Políticas Públicas e Farmácia apresentam pré-requisitos estabelecidos pelas Comissões de Graduação para que os estudantes possam se matricular. Nos demais cursos (Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Psicologia, Serviço Social), não há pré-requisitos para a matrícula. A intencionalidade pedagógica compreende o conhecimento e análise do território e do trabalho em equipe, bem como a aprendizagem interprofissional ( Quadro 1 ).
Quadro 1 – Descrição da experiência prática de EIP na Atenção Primária
Cursos de Graduação | Carga Horária | Estudantes por Curso | Organização | Unidades de Saúde de Prática | Método de Aprendizado-Avaliação |
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60 horas (18 encontros presenciais semanais) | 4 vagas por curso, desde que haja a presença do professor do curso | 6 Unidades vinculadas à Secretaria Municipal de Saúde | Aprendizado baseado na observação e problematização do vivenciado. Portfólios individuais são construídos pelos estudantes ao longo da vivência. |
Fonte: As autoras
Trata-se de uma pesquisa descritiva desenvolvida com dados qualitativos. O estudo foi realizado em uma universidade pública no município de Porto Alegre com amostra intencional de estudantes de graduação e egressos que participaram, de 2012 a 2017, de disciplina eletiva que se caracteriza como uma experiência prática de EIP na APS. O convite foi encaminhado por mensagem de correio eletrônico para todos os 448 participantes que concluíram a experiência (estudantes e egressos), assim como o link do instrumento de pesquisa e do termo de consentimento livre e esclarecido. As questões norteadoras do instrumento online contemplaram duas perspectivas: caracterização dos participantes (sexo, idade, situação acadêmica, curso de graduação, etapa da formação); significados dessa experiência na graduação para a formação do profissional da saúde.
Com o auxílio do software ATLAS.ti (Visual Qualitative Data Analysis), o material textual foi organizado em categorias de análise para facilitar a compreensão das ideias e a discussão posterior. A interpretação do material produzido utilizou a estratégia da análise de conteúdo ( Bardin, 2011 ), a partir da base teórica da EIP ( Reeves et al., 2012 ; 2016; Barr, 2002 ).
A análise de conteúdo compreendeu pré-análise, leitura flutuante, leitura reiterada minuciosa, codificação e formulação das categorias. Foram utilizados o referencial teórico e as indicações trazidas pela revisão de literatura. O recorte do material empírico foi feito em unidades de registro, destacando-se as frases e comparando-as com aquelas de mesmo conteúdo semântico, para, assim, proceder ao estabelecimento de categorias que se diferenciam, tematicamente, nas unidades de registro (passagem de dados brutos para dados organizados). A formulação dessas categorias emergentes seguiu os princípios da exclusão mútua (entre categorias), da homogeneidade (dentro das categorias), da pertinência na mensagem transmitida (não distorção), da fertilidade (para as inferências) e da objetividade (compreensão e clareza) ( Bardin, 2011 ).
Para preservar o sigilo de identificação dos participantes do estudo, o material textual de cada entrevista foi codificado por letras (E=estudante de graduação; EE= egresso; e números sequenciais (de 1 a 186).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade estudada (CAAE 52635616.2.0000.5347).
Resultados
O estudo obteve resposta de 186 estudantes e egressos, 41,5% do total de 448 que participaram da experiência de EIP no período estudado, sendo a maioria mulheres (81,7%), jovens entre 20 e 25 anos (51,1%), que ainda não haviam concluído a graduação (61,1%), de 15 diferentes profissões da saúde ( Tabela 1 ).
Tabela 1 – Caracterização dos participantes da pesquisa. Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 152 | 81,7 |
Masculino | 34 | 18,3 |
Idade | ||
20 a 25 anos | 95 | 51,1 |
26 a 30 anos | 47 | 25,3 |
31 a 40 anos | 26 | 14,0 |
41 a 50 anos | 11 | 5,9 |
51 a 60 anos | 7 | 3,8 |
Situação acadêmica | ||
Estudante de graduação | 121 | 65,1 |
Egresso | 65 | 34,9 |
Curso de graduação | ||
Biomedicina | 7 | 3,8 |
Ciências Biológicas | 6 | 3,2 |
Educação Física | 4 | 2,2 |
Enfermagem | 10 | 5,4 |
Farmácia | 14 | 7,5 |
Fisioterapia | 5 | 2,7 |
Fonoaudiologia | 11 | 5,9 |
Medicina | 7 | 3,8 |
Medicina Veterinária | 7 | 3,8 |
Nutrição | 14 | 7,5 |
Odontologia | 38 | 20,4 |
Políticas Públicas | 15 | 8,1 |
Psicologia | 11 | 5,9 |
Saúde Coletiva | 22 | 11,8 |
Serviço Social | 15 | 8,1 |
Etapa da formação | ||
Etapa inicial | 3 | 1,6 |
Etapa intermediária | 78 | 42,0 |
Etapa final | 40 | 21,5 |
Egressos | 65 | 34,9 |
TOTAL | 186 | 100,0 |
Fonte: As autoras
Em relação ao conjunto do material textual produzido, este está apresentado em cinco categorias emergentes ( Quadro 2 ). Elas expressam a percepção dos estudantes e egressos da saúde em relação à atividade de ensino integradora com foco na educação interprofissional que vivenciaram na graduação.
Quadro 2 – Categorias de análise e definição constitutiva-operacional
Categorias de análise | Definição constitutiva-operacional |
---|---|
Mobilizando encontros de aprendizagem na graduação: um movimento de cursos, serviços, saberes e práticas profissionais e pessoas em seus territórios | Identifica os encontros, troca de ideias, experiências e conhecimentos entre estudantes de graduação, professores, profissionais da saúde e pessoas dos territórios como a caraterística estruturante da atividade de ensino integradora. Destaca a potência da aprendizagem nos serviços de APS. |
O reconhecer-se na profissão e o reconhecimento do outro no processo do cuidado em saúde | Caracteriza o reconhecimento e a valorização da atuação de cada profissão no trabalho em equipe na APS passível de ampliar as possibilidades da prática profissional. Traz a experiência de EIP como importante para preparar o estudante para experiências futuras de trabalho em equipe, o que pode se desdobrar na melhoria do cuidado às pessoas. |
Atividade de ensino integradora como experiência de EIP na graduação: compartilhando espaços e saberes | Expressa o significado da experiência de integração entre estudantes de diferentes cursos que, ao se aproximarem e compartilharem espaços e saberes (integração pela experiência vivencial na APS), utilizam essa qualificação para resolução de problemas e escuta no cuidado ao paciente. |
Os desafios do processo do aprendizado compartilhado | Compreende os desafios e barreiras vivenciados ao longo da vivência na experiência de EIP (dificuldade de interação entre os estudantes de diferentes cursos, pouco tempo de duração da experiência e o desafio docente da educação por tutoria). |
Não basta ‘agrupar’, é preciso ‘interagir’: perspectivas para a EIP nos currículos da saúde | Trata da potência da experiência de EIP para a formação dos estudantes da saúde (qualificação profissional para o trabalho em equipe e o cuidado em saúde). Apresenta as perspectivas para as oportunidades de EIP nos currículos da graduação. |
Fonte: As autoras.
Nota: EIP – Educação interprofissional; APS – Atenção Primária à Saúde.
Mobilizando encontros de aprendizagem na graduação: um movimento de cursos, serviços, saberes e práticas profissionais e pessoas em seus territórios
Uma das características estruturantes da experiência de EIP estudada é a presença de estudantes e professores de diferentes profissões, juntos no cenário de prática, trocando ideias, experiências e conhecimentos. Um espaço de “troca de ideias, experiências e conhecimentos não só com estudantes de diferentes cursos na área da saúde, mas também com professores” (EE44, mulher, 47 anos, Saúde Coletiva). A essência da proposta compreende a superação do modelo curricular fragmentado e unicamente uniprofissional, no qual “o aluno fica ‘preso’ a um raciocínio linear, ou seja, só de um ponto de vista – do seu curso – praticamente durante toda a graduação” (EE19, mulher, 33 anos, Nutrição).
Essa possibilidade do encontro na graduação é tão restrita que estudantes e egressos a reconheceram como a única oportunidade curricular do ‘estar’ e ‘aprender’ junto a estudantes de diferentes cursos, pois é possível compartilhar saberes, conversar e discutir assuntos, em grupos.
A disciplina representa, para o meu curso, o único meio de aprendizado com troca de saberes entre estudantes de diferentes cursos da saúde (E16, mulher, 25 anos, Enfermagem).
[...] disciplina me proporcionou uma experiência única dentro da graduação - foi a primeira e única vez que eu pude conviver com alunos de outros cursos da saúde (EE3, mulher, 25 anos, Biomedicina).
A experiência é potencializada pelo cenário de prática em que acontece. Estudantes e egressos dos cursos de Políticas Públicas, Psicologia, Serviço Social, Odontologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Saúde Coletiva, Farmácia e Fonoaudiologia relatam: “vivenciar na prática a realidade dos serviços públicos” (E70, homem, 22 anos, estudante do curso de Políticas Públicas, 7º semestre), uma [...] “oportunidade de vivenciar um ambiente de saúde e pensar sobre ele e seus usuários” (E44, mulher, 26 anos, estudante do curso de Odontologia, 10º semestre). Os registros mostram que a experiência traz o encontro com o SUS, com a APS, com os conteúdos teóricos vistos na universidade e com as equipes de saúde e seus territórios de cuidado. Trata-se de um encontro de aproximação com as pessoas desses territórios. Um início de ‘prática interdisciplinar’ que torna os estudantes ‘mais humanos’ e ‘transforma’ sua forma de olhar trabalhadores da saúde e usuários.
A disciplina não só integra os diferentes cursos, como articula os estudantes diretamente com o sistema de saúde (olhando para a comunidade e para o paciente) onde, provavelmente, muitos atuarão. É o início de uma prática interdisciplinar (E24, mulher, 24 anos, Fonoaudiologia, 5º semestre).
Nos torna mais humanos; a vivência de campo é única (EE29, homem, 30 anos, Odontologia).
É um cenário de prática que promove o conhecimento de novas realidades, muitas vezes distantes do seu contexto de curso e de vida.
Essa disciplina foi muito importante para a minha formação, pois além de interagir e compartilhar experiências com alunos de outras áreas, eu vivenciei uma realidade diferente da minha (E60, mulher, 22 anos, Odontologia, 9º semestre).
O reconhecer-se na profissão e o reconhecimento do outro no processo do cuidado em saúde
Os registros dos estudantes e egressos evidenciam que ter contato com o trabalho em equipe com diferentes profissionais em uma experiência de ensino integradora de cursos nos serviços de APS mobilizou diferentes perspectivas em relação ao reconhecimento de cada profissão.
Para os estudantes do curso de Políticas Públicas, profissão recente no Brasil e que não está presente nas equipes de APS, houve um estranhamento inicial, uma dificuldade em reconhecer seu papel em uma equipe de saúde, lugar que vai se definindo ao longo da vivência que permite a valorização da profissão.
[...] inicialmente houve um estranhamento com a disciplina integradora, por não conseguir enxergar como a minha profissão poderia contribuir ao grupo. Ao longo da disciplina, entretanto, fui instigada pelas professoras a participar ativamente das discussões, onde pude perceber que meu conhecimento organizacional agregava a turma, tanto quanto o conhecimento clínico dos outros estudantes. Saí desta disciplina me percebendo mais madura em relação ao meu papel dentro da universidade, com uma visão mais clara sobre a necessidade da minha profissão para a melhoria do SUS e com minhas esperanças renovadas por ter escolhido o curso de Políticas Públicas (EE32, mulher, 22 anos, Políticas Públicas).
Da mesma forma, os estudantes de Medicina Veterinária relataram que nem sabiam “que um veterinário poderia participar da equipe existente em um posto de saúde atuando no conceito de saúde única” (E37, mulher, 30 anos, Medicina Veterinária, 9º semestre).
Percebi a importância da presença do Médico Veterinário na equipe de saúde, responsável em abordar as questões acerca de saúde pública e controle de zoonoses, por exemplo (E33, mulher, 25 anos, Medicina Veterinária, 11º semestre).
Para a estudante de Biomedicina, a atividade de ensino mostrou o quanto sua atuação como “profissional na saúde pública” é importante (EE1, mulher, 26 anos, Biomedicina). Entre os estudantes de Odontologia, “serviu para ampliar horizontes em relação ao cuidado com os pacientes” (E49, mulher, 27 anos, Odontologia, 14º semestre) e proporcionou a saída do “campo de atuação, que na Odontologia acaba sendo essencialmente a boca” e o colocar-se “no papel de profissional da saúde em primeiro lugar, que precisa territorializar, interagir com determinada comunidade e entender aquela população, para então poder olhar a saúde bucal a partir da perspectiva mais adequada para aqueles indivíduos” (E46, mulher, 23 anos, Odontologia, 9º semestre).
Essa ampliação das possibilidades de atuação profissional também apareceu na percepção da estudante da Nutrição.
O trabalho na disciplina foi muito diferente, porém enriquecedor para mim. [...] sensações e percepções foram totalmente novas e algumas vivências apenas deram forma a sentimentos que, de alguma forma, já estavam latentes. Observando a comunidade, pude ver diversas possibilidades de viver o mundo e diversas possibilidades de trabalho e intervenção dentro da minha profissão, que, além de um núcleo exclusivo, está inclusa em todo o sistema de saúde, percepção essa que a graduação não nos traz, apenas a vivência de campo desperta esses sentidos (E40, mulher, 20 anos, Nutrição, 8º semestre).
Outro aspecto que merece destaque nesta análise é a potência do convívio de diferentes profissões entre estudantes ainda na graduação. Essa interação é importante para o conhecimento e a valorização do fazer das demais profissões da saúde, preparando esse estudante para experiências futuras de trabalho em equipe, o que vai se refletir na melhoria do cuidado às pessoas.
Ao longo do semestre, eu pude conhecer muito mais o trabalho e campo profissional das colegas, coisas que nunca teria tido a oportunidade se não fosse a disciplina nos colocar todas juntas (E5, mulher, 23 anos, Ciências Biológicas, 5º semestre).
[...] possibilitou entender e conhecer sobre os conhecimentos e habilidades desenvolvidos por outros profissionais (ainda que alunos) e, o que foi mais importante para mim, a experiência de convívio com alunos de outros cursos da saúde me proporcionou uma visão diferente sobre vários fatos, uma visão mais humana e uma percepção mais sensorial. A partir desta experiência, consegui ver os fatos por outra perspectiva, de forma que caso não tivesse cursado esta disciplina (eletiva) não teria tido esta oportunidade (EE12, homem, 25 anos, Farmácia).
Atividade de ensino integradora como experiência de EIP na graduação: compartilhando espaços e saberes
Ao falarem sobre a experiência vivenciada na atividade de EIP na APS e seu significado para a formação do futuro profissional da saúde, estudantes e egressos evidenciam a ‘integração’ que se estabelece pela experiência vivencial. “A integração com estudantes de outros cursos é algo real que acontece naturalmente a partir da vivência” (EE9, homem, 28 anos, Enfermagem). “Foi um período de troca de saberes, descobertas e integração” (E85, mulher, 53 anos, Saúde Coletiva, 6º semestre). “Os termos-chave para definir tudo isso são: integração, troca, interdisciplinaridade, interprofissionalidade” (EE33, mulher, 29 anos, Políticas Públicas). “Há uma integração, de fato, de diferentes estudantes que passam a pensar a saúde de forma ampliada!” (E92, mulher, 21 anos, Serviço Social, 8º semestre). “Foi muito importante para a integração dos diferentes cursos formadores de profissionais que ficam distanciados, envolvidos muito com seus núcleos formadores” (EE30, homem, 27 anos, Odontologia). “A integração, a troca de experiências e a revelação de diferentes realidades de atuação e mercado vêm a agregar na formação profissional” (E9, mulher, 34 anos, Educação Física, 7º semestre).
Essa interação que “proporciona uma visão importante de diferentes modos de ser e pensar” (EE27, mulher, 26 anos, Odontologia) só é possível pela dinâmica de organização dos grupos de tutoria nas unidades de saúde. A estruturação dos grupos prioriza a manutenção da diversidade de profissões e o estímulo às trocas de percepções entre os profissionais nas discussões de caso. Essas práticas foram percebidas como facilitadoras do aprendizado compartilhado.
[...] a disciplina proporciona um ambiente onde a troca de experiências é priorizada, fazendo com que cada um dê seu ponto de vista a respeito das situações vivenciadas, para que as ideias se complementem. Com esse método de ensino, que é teórico-prático, pouco a pouco acabamos compreendendo melhor onde cada um de nós ficaria inserido na equipe, e onde acaba a nossa função individual e começa a do colega, sempre trabalhando e discutindo em conjunto (E22, mulher, 20 anos, Fisioterapia, 5º semestre).
Trata-se de um compartilhamento de espaços na APS com inserção nas equipes de saúde da família, mas também de saberes. É, nesse sentido, uma oportunidade “fundamental para o compartilhamento do conhecimento e da capacidade do trabalho em equipe” (EE48, mulher, 52 anos, Serviço Social) e para o crescimento da “capacidade de trabalho em equipe, respeito aos profissionais de diversas áreas” (E27, mulher, 25 anos, Medicina, 10º semestre), o que amplia o olhar do profissional da saúde, qualificando-o para a resolução de problemas, habilidade da escuta e cuidado ao paciente.
Interação com outras profissões da saúde que pode proporcionar um agir profissional mais amplo e, assim, mais completo (EE51, mulher, 27 anos, Serviço Social).
É uma experiência que desenvolve a capacidade de os estudantes “relacionarem-se com outros cursos” (E31, homem, 25 anos, Medicina, 8º semestre), e é “importante para quebrar preconceitos em relação a outras áreas de formação, desfazendo estereótipos e criando possibilidades de atuação em conjunto” (EE36, mulher, 25 anos, Psicologia). Além disso, é uma prática que facilita a aproximação com “alunos de outros cursos com menos preconceitos” (EE21, mulher, 25 anos, Nutrição) e desmistifica visões estabelecidas sobre as outras profissões da saúde, “pois, pelo distanciamento, eu não conseguia compreender realmente quais eram as realidades que cada curso e profissão vivenciam e como isso influencia em suas visões e formas de expressar o cuidado com o(a) paciente” (EE18, mulher, 28 anos, Nutrição). Na percepção do estudante da Farmácia, é [...] um modo de perder a fobia de compartilhamento de conhecimento que existe no mundo acadêmico (E18, homem, 23 anos, Farmácia, 10º semestre).
Para o estudante de Odontologia, experienciar a atividade de ensino integradora traz uma “diversidade de ideias, pensamentos e vivências” que proporciona uma “experiência real”. “Real no sentido de aproximar o aluno dos serviços de saúde, profissionais e discentes vindos de outros cursos”, gerando “mudanças positivas e visíveis no perfil profissional. Ou seja, é uma disciplina que causa impacto no aluno” (E41, mulher, 28 anos, Odontologia, 8º semestre).
São aprendizados que ultrapassam o limite de uma atividade de ensino isolada da graduação, podendo acompanhar esse educando ao longo de sua vida.
Levei para outros espaços - e trago até hoje - aprendizados que tive trocando conhecimentos com outros estudantes e professoras na disciplina integradora (EE16, homem, 30 anos, Enfermagem).
[...] utilizo essas habilidades frequentemente, buscando a convivência e discussão de casos com outros membros da equipe hospitalar (E27, mulher, 25 anos, Medicina, 10º semestre).
Os desafios do processo do aprendizado compartilhado
Esse processo de ‘compartilhar saberes’ em um grupo em que há diálogo e troca entre profissões isoladas no currículo não é um momento vivenciado sem conflitos e resistências.
[...] percebi a resistência e, muitas vezes, uma certa soberba sobre os próprios saberes (ou o que aprenderam no seu curso, incluindo discursos decorados) e uma certa relutância ou estranhamento de alguns em compartilhar os saberes com outros estudantes (E86, mulher, 33 anos, Saúde Coletiva, 6º semestre).
Há as características dos estudantes, com suas particularidades de cursos, idades e personalidades que dificultam a interação, trazendo a necessidade de mais tempo para o grupo se integrar. “Como o tempo da disciplina foi curto, quando nos entrosamos já era hora de nos despedir” (E80, mulher, 48 anos, Saúde Coletiva, 6º semestre). Como a atividade acontece ao longo de quatro meses, por vezes, é um período ‘insuficiente’ para estabelecer uma relação interprofissional.
Foi uma experiência muito construtiva para a minha formação, mas insuficiente. Gostaria de ter mais oportunidades de formação com outros cursos da saúde (E78, homem, 21 anos, Psicologia, 7º semestre).
Outro aspecto que parece ter interferido na vivência diz respeito ao professor tutor e seu papel como facilitador das aprendizagens. No grupo em questão, os participantes relatam situações em que há falta de estímulo à integração e a definição, pelo professor, das atividades a serem desenvolvidas sem a participação efetiva dos estudantes sobre as temáticas que despertam interesse.
Os professores acabavam direcionando muito as atividades e não houve interação com o serviço de saúde e seus usuários (EE5, mulher, 29 anos, Educação Física).
Para o estudante de Nutrição, a consolidação dessa atividade de ensino como prática interprofissional está vinculada a mais momentos de interação entre os grupos, “maiores discussões acerca de casos de pacientes e/ou ações de promoção da saúde que possam interligar os diferentes conhecimentos” (EE22, mulher, 25 anos, Nutrição).
Não basta ‘agrupar’, é preciso ‘interagir’: perspectivas para a EIP nos currículos da saúde
Estudantes e egressos percebem a potência da atividade integradora para sua formação e reforçam a necessidade de que os currículos da graduação propiciem experiências de ensino em serviços de APS que promovam o encontro e a interação entre estudantes de diferentes cursos para a qualificação profissional, para o trabalho em equipe e para a resolutividade do cuidado em saúde, “[...] não apenas agrupados e, sim, interagindo e nos entendendo como equipe que um dia atenderá uma pessoa que precisa dos conhecimentos específicos de cada um, mas, especialmente, do olhar e do cuidado de todos” (E14, mulher, 34 anos, Enfermagem, 8º semestre).
Creio ser fundamental essa troca, tanto na parte de trabalhar em equipe com diversos cursos, como na parte de ter conhecimento sobre como cada curso funciona e o que cada curso pode proporcionar. Na graduação, ficamos muito fechados nos nossos cursos e, muitas vezes, nos vimos sem solução e limitados no tratamento de pacientes por falta de conhecimento sobre outras profissões (E28, mulher, 29 anos, Medicina, 7º semestre).
Estudantes dos cursos de Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia, Políticas Públicas, Serviço Social entendem que essa atividade deveria ser ‘obrigatória’ aos currículos, “uma experiência na qual todos os alunos da área da saúde deveriam vivenciar” (E21, mulher, 22 anos, Fisioterapia, 9º semestre). Seu diferencial na formação seria o de trazer a “compreensão das atribuições e limitações dos colegas de outras áreas profissionais” (E44, mulher, 26 anos, Odontologia, 10º semestre), facilitando “esse diálogo pelos profissionais do trabalho em equipe com as outras áreas” (E39, mulher, 23 anos, Nutrição, 8º semestre).
[...] o maior obstáculo do trabalho interprofissional, ao meu ver, reside no julgamento que os profissionais pré-estabelecem sobre a atuação ou realidade das áreas diferentes da sua (E44, mulher, 26 anos, Odontologia, 10º semestre).
Como se trata de uma atividade de ensino eletiva ou adicional, muitos estudantes acabam realizando-a no período final da graduação, quando há uma flexibilidade maior dos currículos, ou não a realizam por falta de tempo.
[...] ainda sinto que somos muito fragmentados nas áreas que cursamos, mesmo que a saúde integral do indivíduo esteja na nossa frente. Gostaria que houvesse mais integração entre os cursos de saúde dentro do currículo obrigatório, já que, muitas vezes, falta tempo para conseguirmos cursar as eletivas que são propostas (E58, mulher, 24 anos, Odontologia, 9º semestre).
Estudantes reforçam que esse convívio entre os colegas da saúde não deveria acontecer somente no fim do curso, mas “ao longo do curso” (EE36, mulher, 25 anos, Psicologia), desde o “início da graduação”, (EE19, mulher, 33 anos, Nutrição), em “diferentes etapas do curso” (E20, mulher, 24 anos, Fisioterapia, 9º semestre), “fazendo com que houvesse um estímulo à “comunicação entre as diferentes áreas”, as quais aprenderiam a conviver “juntas, sabendo respeitar a opinião de cada um e se unindo para um objetivo em comum” (E42, mulher, 21 anos, Odontologia, 8º semestre). Não são experiências “exclusivas às atividades de ensino, devendo abranger a extensão e a pesquisa” (EE36, mulher, 25 anos, Psicologia) bem como deveriam ser
[...] mais estimuladas no início dos cursos de graduação, período em que, normalmente, os estudantes ainda estão mais abertos às diversas possibilidades que seus cursos oferecem. [...] a multiprofissionalidade, por si só, não garante que a aprendizagem seja compartilhada; a implicação e disponibilidade dos estudantes também possui parte importante neste processo (EE4, mulher, 28 anos, Educação Física).
Na percepção da estudante de Medicina, a presença de práticas curriculares de EIP entre estudantes de diferentes cursos de graduação é uma tendência que deve se firmar nas profissões da saúde, reduzindo a “hierarquização clássica dos ambientes de saúde, fator que gera conflitos e não melhora a atenção à saúde do paciente”. A educação interprofissional “é uma das formas de proporcionar ferramentas para essa mudança de paradigma” (E27, mulher, 25 anos, Medicina, 10º semestre).
Discussão
A análise do significado da atividade de ensino integradora da graduação em serviços de APS indicou momentos de interação marcados por troca de ideias e de experiências, de forma que espaços e saberes entre estudantes, professores, trabalhadores do SUS e pessoas em seus territórios puderam se integrar. Essa interação mostrou-se essencial para dar lugar ao aprendizado compartilhado ( Batista, 2012 ; Reeves et al., 2016 ). Verificou-se, assim, que essa prática de ensino, baseada no conhecimento do território, no trabalho em equipe e na longitudinalidade e integralidade do cuidado, promoveu aprendizagens interprofissionais na graduação, as quais têm potência para fomentar a colaboração no trabalho em equipe e a atenção integral à saúde. Isso reforça a evidência de que a EIP pode melhorar reações e atitudes voltadas para comportamentos colaborativos ( Reeves et al., 2016 ) e também promover uma compreensão mais clara da colaboração a longo prazo, uma vez que o estudo também trouxe a perspectiva de egressos, profissionais inseridos no trabalho em saúde.
Trata-se de uma proposta pedagógica complexa, que mobiliza diferentes estratégias de ensino-aprendizagem, como a integração ensino-serviço-comunidade, o aprender com um professor tutor e entre diferentes profissões. O cenário de prática dos serviços de APS em que a atividade de ensino se desenvolve representa um diferencial importante por oportunizar o contato com o SUS e a aproximação com realidades de vida distintas. A aprendizagem em pequenos grupos, nos cenários de prática envolvendo as pessoas e a comunidade, pode levar a melhores atitudes em relação à interação interprofissional e ao trabalho em equipe (Aguilar-da-Silva, Scapin e Batista, 2011; Almeida-Filho et al., 2015 ; Peduzzi, 2016 ; Ely e Toassi, 2018 ).
Outro aspecto que se destacou na experiência prática integradora na APS, foi a oportunidade do desenvolvimento de habilidades de escuta e comunicação entre diferentes profissões, bem como o reconhecimento e a valorização do papel e do trabalho executado por cada profissão em uma equipe de saúde. Cabe assinalar que o último aspecto ressaltado nos resultados é denominado, na literatura internacional, como competência colaborativa de clarificação de papéis profissionais ( Canadian Interprofessional Health Collaborative, 2010 ; Interprofessional Education Collaborative Expert Panel, 2011 ; Interprofessional Education Collaborative, 2016 ). Estudos apontam que experiências de EIP podem melhorar o entendimento dos estudantes acerca do trabalho dos diferentes profissionais da saúde ( Olson e Bialocerkowski, 2014 ).
A proposta de aprendizagem baseada na integração entre profissões nos serviços de APS e a participação de professores-tutores permitem que os estudantes se envolvam mais com sua própria educação, transformando seu olhar sobre trabalhadores e usuários; tornam-se, assim, mais propensos a terem um melhor entendimento sobre o lugar que ocupam em uma equipe de saúde ( Bridges et al., 2011 ). Ademais, ao se perceberem parte da equipe, sentem-se valorizados e suas contribuições tendem a melhorar ( Wyk e Beer, 2017 ).
O aprendizado relacionado à comunicação, ao reconhecimento, ao respeito às demais profissões e ao conhecimento sobre as suas próprias profissões associa-se aos domínios das competências colaborativas propostas pelo grupo de estudos canadense Canadian Interprofessional Health Collaborative (Canadian Interprofessional Health Collaborative, 2010; Interprofessional Education Collaborative Expert Panel, 2011 ; Interprofessional Education Collaborative, 2016 ). Tais competências devem estar presentes em uma prática colaborativa interprofissional. No presente estudo, destaca-se o desenvolvimento das seguintes competências colaborativas: comunicação interprofissional; clareza dos papeis profissionais; funcionamento da equipe e cuidado centrado no paciente, família e comunidade.
A comunicação interprofissional foi entendida pelos estudantes como um dos aprendizados marcantes da atividade, sendo reconhecida como uma competência-chave para o efetivo funcionamento de uma equipe (Burning et al., 2009), além de propiciar um cuidado mais abrangente às necessidades do paciente ( Reeves et al., 2012 ).
Os egressos já inseridos no trabalho em saúde expressaram que a experiência de EIP na graduação os preparou melhor para o trabalho em equipe e aperfeiçoou suas práticas de cuidado. A crescente necessidade do cuidado integral em saúde demonstra a importância do trabalho em equipes interprofissionais ( Rocha et al., 2017 ) e a EIP é uma ferramenta com potencial para tornar os profissionais mais preparados para a integralidade do cuidado ( Cardoso et al., 2015 ).
Os resultados também indicam que estudantes e egressos atribuem à experiência de EIP na APS o significado de compartilhamento de espaços e saberes. Entretanto, é preciso reforçar o entendimento de que compartilhar espaços de ensino não garante o aprendizado interprofissional. Iniciativas qualificadas de EIP requerem que esses espaços compartilhados estimulem os estudantes a conversarem e interagirem sobre a interdependência das profissões, o entendimento do papel e das responsabilidades de todos os envolvidos no planejamento, implementação e avaliação das ações em saúde ( Health Professions Accreditors Collaborative, 2019 ). O espaço da APS mostrou-se, neste estudo, um desses cenários que favoreceu aprendizagens interprofissionais.
O estudo também evidencia desafios do processo do aprendizado compartilhado, dentre os quais destaca-se a característica do professor facilitador como fator crítico para o sucesso da EIP ( Reeves et al., 2016 ). Quando o professor não propiciou um clima de segurança e confiança entre os estudantes, assegurando um ambiente em que todos pudessem participar e interagir, a experiência foi frágil para a proposta interprofissional. Isso sugere a necessidade de qualificar professores facilitadores para o desenvolvimento de práticas de EIP.
Outro desafio diz respeito à percepção dos estudantes sobre a experiência de EIP na APS como uma vivência pontual no percurso curricular, sendo reconhecida, em determinados cursos, como a única oportunidade de estar e aprender juntos durante a graduação. Este resultado pode estar relacionado à falta de integração entre os currículos bem como à rigidez curricular, desafios enfrentados para a implementação da EIP ( Sunguya et al., 2014 ; Silva et al., 2015 ).
Estudantes e egressos sustentam que a prática de ensino integradora deveria ser oferecida como obrigatória aos currículos. Sugerem que não fosse única na formação e que ocorresse ao longo do curso de graduação de forma que abrangesse, também, atividades de extensão e pesquisa. A presença de iniciativas de EIP eletivas ou voluntárias na formação em saúde pode passar a mensagem de que este tipo de aprendizagem ocupa um status menos importante em relação a outras formas de aprendizagem específica da profissão, o que pode reduzir o engajamento e comprometimento dos estudantes com a proposta da interprofissionalidade ( Reeves et al., 2012 ). Se as atividades de EIP estivessem disponíveis em diferentes momentos, desde o início da graduação e com constantes reforços, elas poderiam estimular o interesse, as práticas e o conhecimento dos estudantes para o trabalho colaborativo em equipe ( Reeves et al., 2012 ). Quando ofertada no início do curso, período em que os estudantes parecem apresentar maior disponibilidade para a aprendizagem compartilhada do que os concluintes ( Nuto et al., 2017 ), a EIP pode preparar para o trabalho em equipe e diminuir a criação de estereótipos; ao final, é importante para desenvolver as habilidades colaborativas com outras profissões ( Nuto et al., 2017 ; Reeves et al., 2016 ).
Contudo, a pesquisa apresentou limitações. A forma de coleta de dados, por meio de instrumento online, pode ter restringido o aprofundamento do conteúdo produzido pelos participantes, uma vez que não permitiu a interação e a flexibilidade de questões norteadoras, possibilidades observadas em uma entrevista presencial. Além disso, essa modalidade de pesquisa pode ter afastado indivíduos que não têm no seu cotidiano o hábito de contribuir com questionário de pesquisa. Por outro lado, os participantes puderam relatar o significado da experiência de EIP com mais autonomia (de tempo e expressão de ideias), sem possíveis interferências do entrevistador. A utilização da versão digital permitiu rápida organização do material textual de pesquisa, sem necessidade de transcrição, o que facilitou a execução da análise. Outra limitação do estudo refere-se ao caráter optativo da disciplina integradora analisada, visto que os estudantes e egressos que participaram escolheram se integrar à experiência de EIP na APS e, provavelmente, já estavam sensibilizados por esta abordagem na sua formação profissional.
Modelos curriculares organizados exclusivamente por núcleos de formação constituem barreiras tanto para a inte(g)ração entre os cursos, quanto para adequar as competências a serem desenvolvidas pelos estudantes em formação às necessidades dos usuários, famílias, comunidades, trabalho em equipe e educação interprofissional ( Frenk et al., 2010 ; Almeida-Filho et al., 2015 ; Câmara et al., 2016 ; Rossit et al., 2018 ).