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Processo educativo do núcleo ampliado de saúde da família na atenção à hipertensão e diabetes

Educational process of the extended family health center in the care of hypertension and diabetes

Proceso educativo del núcleo extendido de salud familiar en el cuidado de la hipertensión y la diabetes

Resumo

Objetivou-se avaliar o processo educativo realizado pelo Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica na atenção à hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus em Recife, Pernambuco. Foi realizada uma pesquisa avaliativa orientada pela teoria educacional de Paulo Freire, com elaboração de um modelo teórico. Participaram do estudo quatro profissionais do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica, onze profissionais da Estratégia Saúde da Família e dez usuários com hipertensão e/ou diabetes. Foram realizados grupos focais e os dados coletados, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, foram submetidos à análise de conteúdo. Evidenciou-se a coexistência do uso pelos profissionais das concepções bancária e problematizadora. Foram identificadas práticas verticalizadas e pouco dialogadas pelos profissionais, bem como uma visão curativista e medicalocêntrica nos discursos dos usuários. Observou-se também ações transformadoras no processo de trabalho dos profissionais e relatos de melhorias das condições de saúde dos usuários participantes dos grupos educativos. Além disso, o incentivo pela busca de direitos durante as ações educativas levou à conquista da implantação do Programa Academia da Cidade no território. Esses achados revelam o poder de transformação das ações educativas quando se tornam participativas e construídas com base nas experiências e necessidades da população.

avaliação em saúde; estratégia saúde da família; educação em saúde; educação permanente; hipertensão; diabetes mellitus

Abstract

The objective was to evaluate the educational process carried out by the Extended Family Health and Primary Care Center in the care of systemic arterial hypertension and diabetes mellitus in Recife, Brazil. An evaluative research was conducted, guided by Paulo Freire’s educational theory, with the elaboration of a theoretical model. Four professionals from the Extended Family Health and Primary Care Center, eleven professionals from the Family Health Strategy and ten patients with hypertension and / or diabetes participated in the study. Focus groups were conducted, and the data collected between November 2018 and February 2019 were submitted to content analysis. The coexistence of use by professionals of banking and problematizing concepts was evidenced. Vertical and little discussed by the professionals practices as well as a curative and medical-centered view in the patients’ statements were identified. There were also transformative actions in the work process of professionals and reports of improvements in the health conditions of patients participating in educational groups. In addition, the incentive to seek rights during educational activities led to the achievement of the implementation of the Academia da Cidade [City Gym] Program in the territory. These findings reveal the transformative power of educational actions when they become participatory and are built based on the experiences and needs of the population.

health assessment; family health strategy; health education; permanent education; hypertension; diabetes mellitus

Resumen

El objetivo de este estudio fue evaluar el proceso educativo llevado a cabo por el Núcleo Extendido de Salud Familiar y Atención Primaria en el cuidado de la hipertensión arterial sistémica y la diabetes mellitus en Recife, Brasil. Se realizó una investigación evaluativa, guiada por la teoría educativa de Paulo Freire, con la elaboración de un modelo teórico. Participaron del estudio cuatro profesionales del Núcleo Extendido de Salud Familiar y Atención Primaria, once profesionales de la Estrategia de Salud Familiar y diez usuarios con hipertensión y / o diabetes. Se realizaron grupos focales y los datos recopilados entre noviembre de 2018 y febrero de 2019, se sometieron a análisis de contenido. Se evidenció la coexistencia de uso por parte de profesionales de l aconcepción bancaria y problematizadora. Se identificaron prácticas verticales y poco discutidas por parte de los profesionales, así como una visión curativista y centrada en la figura del médico en los discursos de los usuarios. También se observaron acciones transformadoras en el proceso de trabajo de los profesionales e informes de mejoras de las condiciones de salud de los usuarios que participan en grupos educativos. Además, el incentivo en buscar derechos durante las actividades educativas condujo a la implementación del Programa Academia de la Ciudad en el territorio. Estos hallazgos revelan el poder transformador de las acciones educativas cuando se involucran en la participación y se construyen con base en las experiencias y necesidades de la población.

evaluación en salud; estrategia de salud familiar; educación en salud; educación permanente; hipertensión; diabetes mellitus

Introdução

A Estratégia Saúde da Família (ESF) planeja e implementa atividades de atenção à saúde centradas no território, de acordo com as necessidades das famílias e comunidades, voltando-se para a articulação de uma prática intersetorial, que considera a determinação social do processo saúde-doença. Assim, atua na prevenção do aparecimento ou na persistência de doenças e danos evitáveis, de forma compartilhada com a equipe multiprofissional que a compõe (Santos, Mishima e Merhy, 2018SANTOS, Debora S.; MISHIMA, Silvana M.; MERHY, Emerson E. Processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família: potencialidades da subjetividade do cuidado para reconfiguração do modelo de atenção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, p. 861-870, 2018.).

Um grande desafio para os profissionais que atuam na ESF é a atenção à saúde das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Dentre esses agravos, destacam-se a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o diabetes mellitus (DM), que constituem os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares, que representam as principais causas de mortalidade no país (Ribas e Silva, 2014RIBAS, Simone A.; SILVA, Luiz C. S. Fatores de risco cardiovascular e fatores associados em escolares do Município de Belém, Pará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, São Paulo, v. 30, p. 577-586, 2014.). Observa-se que as pessoas mais atingidas por esses agravos são de baixa renda, pois possuem maior exposição aos fatores de risco e acesso restrito aos serviços de saúde (Mendes et al., 2011MENDES, Telma A. B. et al. Diabetes mellitus: fatores associados à prevalência em idosos, medidas e práticas de controle e uso dos serviços de saúde em São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, p. 1.233-1.243, 2011.).

Para apoiar a inserção da ESF na rede de serviços e ampliar a resolubilidade e a abrangência das ações, o Ministério da Saúde (MS) criou em 2008 os Núcleos de Apoio a Saúde da Família. Posteriormente, denominando-se Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), devido à revisão da Política Nacional de Atenção Básica em 2017. Essa estratégia prevê a inserção de uma equipe multiprofissional para atuar de forma integrada com as equipes de referência no território, que são as equipes de Saúde da Família (eSF) e as equipes de Atenção Básica (eAB), dando suporte clínico, sanitário e pedagógico aos profissionais, e atuando de forma corresponsabilizada (Brasil, 2014a; 2017; Nascimento e Cordeiro, 2019NASCIMENTO, Arthur G.; CORDEIRO, Joselma C. Núcleo ampliado de saúde da família e atenção básica: análise do processo de trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, 2019.).

O apoio matricial prestado pelos profissionais do NASF-AB se dá sob duas dimensões: clínico-assistencial e técnico-pedagógica. A primeira está voltada à clínica com os usuários e a segunda ao apoio educativo com a eSF, por meio da Educação Permanente em Saúde (EPS), realizada com os profissionais da eSF, e da Educação em Saúde, com os usuários (Brasil, 2014a). Este processo educativo envolve dois componentes, a aprendizagem e o ensino, englobando um conjunto de atividades e procedimentos empregados que se constituem como um instrumento de socialização de saberes (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.).

De acordo com a teoria proposta por Freire (2005FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.; 2011), o processo educativo pode ser realizado por meio da aplicação de metodologias diversas e pode produzir diferentes resultados. A prática tradicionalista da concepção bancária tende a gerar discursos biomédicos, com foco na autodisciplina e em mudanças de comportamento, constituindo espaços com o propósito de desafogar a demanda. Por outro modo, a prática dialógica da concepção problematizadora busca promover o autoconhecimento, o autocuidado, a criatividade e o pensamento crítico transformador da realidade dos sujeitos envolvidos (Mendonça e Nunes, 2015MENDONÇA, Fernanda F.; NUNES, Elisabete F. P. A. Avaliação de grupos de educação em saúde para pessoas com doenças crônicas. Trabalho Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 397-409, maio/ago. 2015.; Fetterman, 2017FETTERMAN, David. Transformative empowerment evaluation and Freirean pedagogy: Alignment with an emancipatory tradition. New Directions for Evaluation, Washington, v. 2.017, n. 155, p. 111-126, 2017.).

Para alcançar maior qualidade da atenção prestada pelos profissionais de saúde, avaliar o processo educativo realizado se faz pertinente, visto que reduz incertezas e melhora a efetividade das ações (Brousselle et al., 2011BROUSSELLE, Astrid et al. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.). Avaliação de 5ª geração, orientada por teoria, é qualquer estratégia ou abordagem de avaliação que integre as partes interessadas e teorias ou alguma combinação de teorias para conceituar, projetar, conduzir, interpretar e aplicar uma avaliação (Coryn et al., 2011CORYN, Chris L. S. et al. A systematic review of theory-driven evaluation practice from 1990 to 2009. American Journal of Evaluation, Baltimore, v. 32, n. 2, p. 199-226, 2011.).

O uso da teoria de Paulo Freire, que aborda as relações de educador-educando por meio da concepção bancária e da concepção problematizadora, demonstra-se potente para processos avaliativos e possibilita o fortalecimento de aspectos teórico-metodológicos do campo da avaliação baseada em teoria, abordagem pouco discutida no contexto brasileiro (Brousselle e Buregeya, 2018BROUSSELLE, Astrid; BUREGEYA, Jean-Marie. Theory-based evaluations: Framing the existence of a new theory in evaluation and the rise of the 5th generation. Evaluation, Canada, v. 24, n. 2, p. 153-168, 2018.). Essa teoria provou ser indispensável na formação crítica do professor, como também na formação de profissionais de outros campos (Gadotti, 2017GADOTTI, Moacir. The global impact of Freire’s pedagogy. New Directions for Evaluation, Washington, v. 2.017, n. 155, p.17-30, 2017.; Souza e Mendonça, 2019SOUZA, Kátia R.; MENDONÇA, André L. O. A atualidade da ‘pedagogia do oprimido nos seus 50 anos: a pedagogia da revolução de Paulo Freire. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, 2019.).

A aplicação dessa teoria para avaliar os processos educativos ofertados na atenção à saúde pelo NASF-AB se torna uma valiosa estratégia para analisar e compreender quais fatores têm influenciado as ações desenvolvidas, seja para os profissionais de referência ou para os usuários/população. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo avaliar o processo educativo realizado pelo NASF-AB na atenção à hipertensão e diabetes em Recife.

Percurso metodológico

Foi realizada uma pesquisa avaliativa orientada pela teoria educacional das obras de Paulo Freire, com base nas concepções bancária e problematizadora (Freire, 2005; 2011; 2014), entendendo que essa pode subsidiar avaliações educativas em diferentes contextos. A aplicação da teoria como estratégia para avaliação de intervenções remete à elaboração de modelos teóricos (MT) como componente necessário desse processo. Esses modelos buscam representar os traços-chave de um objeto complexo, o qual necessita ser dotado de propriedades passíveis de serem tratadas pela teoria (Medina et al., 2005MEDINA, Maria G. et al. Uso de modelos teóricos na avaliação em saúde: aspectos conceituais e operacionais. In: HARTZ, Zumira M. A; SILVA, Ligia M. V. Avaliação em saúde dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. p. 41-63.).

Para validar o conteúdo do MT, foi realizado um consenso pelo método Delfos simplificado, proposto por Pimenta Júnior (2006), do qual participaram dois pesquisadores em NASF-AB, com formação em nutrição e educação física, que atuam na coordenação de equipes NASF-AB em outro município, e um pesquisador com formação em pedagogia. A validação do modelo ocorreu em dois encontros presenciais, nos quais os três participantes analisaram o modelo inicial, propondo os ajustes necessários para o consenso. O modelo final encontra-se na Figura 1.

Figura 1
Modelo teórico da avaliação do processo educativo realizado pelo Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB).

Com a aplicabilidade da Teoria de Paulo Freire, foi possível estabelecer o MT do NASF-AB (Figura 1), que serviu de base para a elaboração das categorias (Quadro 1). O MT considerou as dimensões trabalhadas pelo NASF-AB por meio das ações de EPS e de Educação em Saúde. Ressalta-se que esse MT apresenta um potencial importante de generalização, para que seja possível aplicá-lo em outros estudos avaliativos de ações educativas.

Quadro 1
Categorias aplicadas na análise dos dados.

O estudo foi realizado na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, que se localiza na região Nordeste do Brasil. Para a organização e administração do setor saúde, está dividido atualmente em oito Distritos Sanitários (DS). De acordo com o MS (2017), Recife possuí 264 eSF implantadas, com uma cobertura de 54,36% da população e 20 equipes do eNASF-AB da modalidade tipo I.

O estudo contou com 21 participantes, sendo 11 profissionais (quatro do NASF-AB e sete da ESF), e 10 usuários com HAS e/ou DM. Os profissionais do NASF-AB foram selecionados de acordo com os resultados do estudo de Gomes (2018)GOMES, Mariana F. Avaliação do grau de implantação das ações de alimentação e atividade física desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família na atenção a hipertensão e diabetes em Recife. 2018. 97 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Saúde Pública)-Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2018., que avaliou o grau de implantação das ações de alimentação e atividade física desenvolvidas na atenção a HAS e DM em 19 equipes NASF-AB, sendo escolhida aquela equipe que obteve maior percentual no componente suporte em processos educativos (práticas de Educação em Saúde para a população e de EPS para os profissionais da ESF). A eNASF-AB selecionada pertence ao DS VII e tinha em sua composição uma nutricionista, uma fonoaudióloga, uma terapeuta ocupacional, uma farmacêutica, uma assistente social e uma psicóloga, estando essa equipe vinculada a nove eSF.

Os profissionais da eSF foram selecionados dentre as equipes vinculadas a eNASF-AB, na que apresentava o maior quantitativo de grupos e ações educativas em saúde realizadas. A eSF selecionada era composta por uma enfermeira, uma médica, uma técnica de enfermagem, uma dentista e seis ACS. Já os usuários foram selecionados adotando-se o critério de inclusão de ter HAS e/ou DM e participar do grupo Hiperdia, realizado pelos profissionais selecionados. Ressalta-se que não foi possível contar com a participação de duas profissionais do NASF-AB e duas profissionais da ESF, devido à indisponibilidade de agendas e licença maternidade.

A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2018 a fevereiro de 2019, por meio de três grupos focais. O primeiro grupo foi realizado com os profissionais do NASF-AB na sala de reuniões de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). O segundo grupo foi composto pelos profissionais da eSF e foi realizado no consultório de enfermagem da Unidade de Saúde da Família (USF), por ter uma melhor estrutura e espaço físico. O terceiro grupo foi realizado com os usuários no local de reunião do Hiperdia, em uma igreja.

Os grupos focais foram conduzidos por um mediador, por meio de um roteiro com questões elaboradas de acordo com o MT e as categorias. Havia também a presença de um observador que realizava as anotações da dinâmica do grupo. Todas as sessões em grupo foram gravadas e tiveram a duração média de 1 hora e 20 minutos.

As informações coletadas nos grupos focais foram submetidas à análise de conteúdo de Bardin (2011)BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011., por meio da análise temática, sendo o conteúdo organizado e estruturado na seguinte sequência: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (Minayo, 2007MINAYO, Maria C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2007.). As categorias foram pré-emergentes, sendo elas baseadas nas categorias e subcategorias do MT.

Este estudo faz parte de um projeto maior intitulado “Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): uma análise dos componentes alimentação, nutrição e atividade física na rede de atenção aos hipertensos e diabéticos em Pernambuco (REDENUT-NASF)” e foi realizado de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde/CNS número 196/96, bem como do Termo de Resolução 466/2012, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas do IAM/Fiocruz-Pernambuco (CAAE 50942315.1.0000.5190).

Processo educativo do NASF-AB

Os resultados do estudo serão apresentados de acordo com as subcategorias do MT que foram baseadas na teoria educacional das obras de Paulo Freire, no que se refere às concepções bancária e problematizadora. São elas: processo educativo bancário na Educação em Saúde; processo educativo bancário na EPS; processo educativo problematizador na Educação em Saúde; e processo educativo problematizador na EPS.

Processo educativo bancário na Educação em Saúde

Considerando a importância da Educação em Saúde para a promoção da saúde e prevenção de doenças como a HAS e o DM, questionou-se nos grupos focais sobre a realização de ações educativas para os usuários. Os profissionais afirmaram que as realizam predominantemente em grupos de Educação em Saúde, sendo esses conduzidos pela eSF e/ou pela eNASF-AB.

Tem grupo de Mulheres, de Homens, de Gestante, de Puerpério, de Hiperdia e de Desenvolvimento. Tem um grupo de Emagrecimento Saudável e o grupo Mais Saúde. (Profissional NASF 3)

Os profissionais relataram também que, dentre esses grupos, o de ‘Desenvolvimento’ e o ‘Mais Saúde’ são conduzidos pela eNASF-AB, e os demais são realizados pela eSF, com o apoio da eNASF-AB. Ambas as situações são preconizadas para a atuação do NASF-AB, que pode atuar no planejamento, na programação e na execução conjunta das atividades realizadas nos grupos existentes, como também podem se responsabilizar pela coordenação de um grupo (Brasil, 2014a; Favaro et al. 2017FAVARO, Danielli T. L. et al. Grupos educativos para o controle de hipertensão e diabetes mellitus: revisão integrativa de literatura. Arquivos de Ciências da Saúde, São José do Rio Preto, v. 24, n. 1, p. 7-14, 2017.).

Ressalta-se que há uma exceção nesses grupos apoiados pelos profissionais do NASF-AB, pois não estão realizando apoio contínuo no grupo Hiperdia, que é direcionado aos usuários com HAS e DM:

No Hiperdia a gente não tá tão atuante, a gente já teve mais em outros momentos. (Profissional NASF 4)

O NASF-AB poderia estar contribuindo para a construção e troca de saberes no grupo de Hiperdia, discutindo conjuntamente com os usuários sobre os hábitos necessários para a manutenção da saúde e a prevenção de complicações relacionadas a esses agravos. A participação de uma equipe multiprofissional na condução desses grupos favorece a ampliação das discussões e possibilita o olhar complexo que a condição crônica exige (Brasil, 2014b).

De acordo com o MS, os grupos de Educação em saúde na atenção básica constituem um importante recurso no cuidado aos usuários, fortalecem o vínculo, o acolhimento, o desenvolvimento da autonomia. Dentre eles, estão os grupos temáticos relacionados a determinadas patologias como hipertensão e diabetes (Brasil, 2014b).

Foi evidenciado também que, dentre os grupos de Educação em Saúde citados, o de Hiperdia não estava estruturado como os demais, apresentando atividades mais assistenciais e a inexistência de atividades educativas.

Infelizmente a gente não tá fazendo grupo de Hiperdia como é pra ser feito. (...) A gente sabe como é pra ser estruturado. Ainda se faz uma fala, se reúne em um local apropriado, faz um círculo, o formato. Porém, a gente faz é atendimento coletivo (Profissional SF 1).

[No Hiperdia] Mede a pressão, mede o braço, tira a glicose (Usuário 10).

Compreende-se a inexistência de ações educativas no grupo do Hiperdia, destoando do papel principal a ser realizado nos grupos de Educação em Saúde. As atividades realizadas estão fortemente relacionadas com os pressupostos da concepção bancária, desenvolvidas de maneira verticalizada, centradas na cura de doenças e na prescrição de mudança de comportamentos considerados inadequados para a saúde (Freire, 2005FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.; Figueiredo, Rodrigues-Neto e Leite, 2010; Fetterman, 2017FETTERMAN, David. Transformative empowerment evaluation and Freirean pedagogy: Alignment with an emancipatory tradition. New Directions for Evaluation, Washington, v. 2.017, n. 155, p. 111-126, 2017.).

O estudo de Mendonça e Nunes (2015)MENDONÇA, Fernanda F.; NUNES, Elisabete F. P. A. Avaliação de grupos de educação em saúde para pessoas com doenças crônicas. Trabalho Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 397-409, maio/ago. 2015. revelou que 70% das unidades ofereciam grupos de Educação em Saúde realizados com hipertensos e diabéticos, contudo estavam focados em temas curativistas. E, dentre os assuntos abordados, os que apresentam relação direta com a doença – medicação (82,6%) e HA e DM (75,6%) – ainda predominam em relação às temáticas voltadas para prevenção e promoção da saúde, tais como atividade física (76,7%) e alimentação (73,3%).

Quando perguntado aos usuários se eles participam de ações educativas na unidade ou de grupos promovidos pela eSF, além do Hiperdia, a minoria (quatro usuários) afirmou participar. Porém, a maioria demostrou interesse em participar de grupos educativos, mas afirmaram ter dificuldade de locomoção para chegar ao local dos encontros, devido à distância e à presença de ladeiras no bairro:

Vou para o grupo da quadra, que é a academia [Programa Academia da Cidade]. (Usuário 1)

Eu queria participar, mas é muito longe da minha casa. Eles deviam vir mais pra cá, organizar pra o lado de cá. Eu tô com uma dor na perna de subir e descer ladeira. (Usuário 2)

Conforme relatos, o grupo de Hiperdia é realizado na microárea de residência dos usuários, geralmente em igrejas. Entretanto, os demais grupos acontecem em espaços próximos da USF, tornando-se distante para participarem. Reflete-se aqui sobre a necessidade da realização de ações e grupos educativos nos locais, dentro das microáreas onde os usuários estão morando, com vistas a possibilitar uma participação mais efetiva por esses indivíduos.

Indagados sobre a existência de dificuldades para a realização de ações educativas de forma coletiva, os profissionais da eSF elencaram algumas, como a falta de estrutura física e de materiais:

Estrutura física é o mais gritante pra gente fazer grupo. Aqui na unidade não tem espaço, a gente faz do lado de fora. Quando chove molha e quando faz sol ninguém aguenta. A gente faz grupo de teimoso. (Profissional SF 2)

A gente não tem mobiliário, a gente não tem cadeira. É difícil, é complicado, porque não tem conforto. (Profissional SF 6)

As USFs deveriam ser estruturadas com dimensionamento de espaço que facilitassem a realização de ações educativas em saúde. Entretanto, não dispondo desse espaço, as equipes de saúde do território podem recorrer aos locais da própria comunidade para realizá-las, como igrejas, escolas, associação de moradores, dentre outros.

Problemas com a estrutura física e a falta de materiais também foram constatados nos estudos de Bezerra (2018)BEZERRA, Hassyla M. C. et al. Estrutura e processo de trabalho relacionados às práticas educativas voltadas para hipertensos e diabéticos na Estratégia Saúde da Família em Pernambuco. 2017. 18f. Monografia (Residência em Saúde Coletiva) -Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2018.; Pimentel, Albuquerque e Souza (2015), em Pernambuco, e por Moura et al. (2010)MOURA, Bárbara L. A. et al. Atenção primária à saúde: estrutura das unidades como componente da atenção à saúde. Revista Brasileira de Saúde Materna Infantil, Recife, v.10, p. 69-81, 2010., na Bahia. Já no Mato Grosso, o estudo de Mattos, Silva e Kölin (2016) evidenciou de forma positiva que a estrutura física das unidades estudadas favorecia a realização de ações de promoção da saúde, pois tinham salas com conformação e espaço adequados.

Durante as discussões nos grupos focais, os profissionais também falaram sobre as dificuldades em promover a participação contínua dos usuários nos grupos educativos, devido à visão ainda biomédica e curativista que os usuários possuem sobre o que eles preconizam como adequado acompanhamento de saúde:

Para o paciente, se vier pra unidade e não sair com o remédio, a gente não fez nada. Foi atendido, foi instruído, mas, se não saiu com o remédio, não é valorizado. Isso é um aspecto cultural, que vem de nós mesmos, da mídia, da comunidade, do mundo. Então, é muito difícil trabalhar com isso. (Profissional SF 2)

Eu mesmo fui para o posto, que tô com uma dor na perna. Não tinha um médico pra me consultar. A gente precisa de médico! Esse posto aqui só tem o nome de posto, mas as pessoas não resolvem nada! (Usuário 4)

Ressalta-se que esses discursos pertencem aos usuários que relataram não participar de grupos educativos, constatando assim a importância de promover a participação desses usuários nas ações educativas direcionadas à promoção da saúde.

É evidente também que as falas remetem ao modelo tradicional e biomédico de saúde, no qual o indivíduo está focado em obter a cura das doenças, colocando o médico como único capaz de resolver seus problemas. Pois, a compreensão de saúde está relacionada à cura de enfermidades com a prescrição de exames e medicamentos (Mattos, Silva e Kölln, 2016).

Esses fatores também influenciam na atuação dos profissionais do NASF-AB, visto que eles podem se sentir pressionados para a realização do atendimento clínico direto com o usuário, que tem a expectativa de ser atendido individualmente por essas categorias profissionais, como um modelo assistencial ambulatorial (Melo et al., 2018MELO, Eduardo A. B. et al. Dez anos dos núcleos de apoio à saúde da família (Nasf): problematizando alguns desafios. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 42, p. 328-340, 2018.).

Questionou-se aos usuários se os profissionais da eSF e NASF-AB abordam a alimentação saudável e/ou prática de atividade física durante a consulta e/ou na visita domiciliar, visto que são imprescindíveis para o controle e redução da incidência da HAS e DM (Jankovic et al., 2014JANKOVIC, Nicole et al. Adherence to a healthy diet according to the World Health Organization guidelines and all-cause mortality in elderly adults from Europe and the United States. American Journal of Epidemiology, Oxford, v.180, n. 10, p. 978-988, 2014.).

Meu médico mesmo diz: não coma pão! Mas se eu não comer pão, é mesmo de não ter tomado café. (Usuário 8)

Percebe-se nesse relato a figura do educador autoritário, característico da educação bancária, cujo usuário não explana suas experiências. Esse comportamento profissional, com orientações proibitivas e sem o diálogo participativo com usuários com HAS e/ou DM, foi evidenciado também no estudo de Gomes et al. (2017)GOMES, Mariana F. et al. Orientações sobre alimentação ofertadas por profissionais da Estratégia de Saúde da Família durante as consultas aos hipertensos e diabéticos. Revista APS, Juiz de Fora, v. 20, n. 2, p. 203 -211, abr./jun. 2017., ressaltando que esses tipos de orientações alimentares não favorecem a reais mudanças desejadas para adesão de uma dieta saudável pelos sujeitos.

Diante disso, a abordagem da alimentação pelos profissionais na EPS é fundamental, pois a adoção da alimentação saudável é importante para a promoção da saúde e redução significativa das DCNTs, como a HAS e DM. Ademais, a prática de atividade física e a dieta balanceada são ações primordiais no controle dessas patologias, proporcionando o bem-estar físico e mental e o envelhecimento com qualidade (Jankovic et al., 2014JANKOVIC, Nicole et al. Adherence to a healthy diet according to the World Health Organization guidelines and all-cause mortality in elderly adults from Europe and the United States. American Journal of Epidemiology, Oxford, v.180, n. 10, p. 978-988, 2014.).

Portanto, é relevante a o uso da concepção problematizadora freireana na formação dos profissionais e nos processos de EPS, pois, quando a ação educativa é realizada de maneira antidialógica, na qual não se busca compreender o contexto de vida dos usuários, essa ocorrerá desvinculada da realidade, e muitas vezes não trará reflexões e mudanças necessárias para o alcance de melhorias na saúde (Brousselle e Buregeya, 2018BROUSSELLE, Astrid; BUREGEYA, Jean-Marie. Theory-based evaluations: Framing the existence of a new theory in evaluation and the rise of the 5th generation. Evaluation, Canada, v. 24, n. 2, p. 153-168, 2018.).

Processo educativo bancário na EPS

As falas dos profissionais demonstraram que existe uma confusão ou desconhecimento da definição de EPS, sendo muitas vezes usada como sinônimo de educação continuada. Isso se observa nas afirmações a seguir, quando os profissionais do NASF-AB foram indagados sobre como realizam a EPS com os profissionais da eSF:

A gente já tentou fazer algumas vezes, de marcar horário e não teve muito sucesso. [...] Aí mudamos a estratégia e vamos fazer o seguinte: durante a reunião com a equipe, vamos reservar um horariozinho de meia hora, para fazer educação permanente. (Profissional NASF 2)

A gente estruturou para ser um momento anterior da reunião, que tinha a apresentação da temática pelo profissional que tem o domínio daquela temática. (Profissional NASF 3)

Quando a EPS é realizada conforme a concepção bancária, ocorre por meio de atividades pontuais, muitas vezes desvinculadas da prática. Essas características relacionam-se aos conceitos da educação continuada, que tem como finalidade a atualização de conhecimentos específicos dos trabalhadores (Costa et al., 2018COSTA, Maria A. R. et al. Educação permanente em saúde: a concepção freireana como subsídio à gestão do cuidado. Revista de Pesquisa: Cuidado é fundamental online, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 558-564, 2018.; Falkenberg et al., 2014FALKENBERG, Mirian B. et al. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, p. 847-852, 2014.; Freire, 2005FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.).

Evidencia-se que a compreensão da EPS como sendo uma atividade de capacitação influenciou na organização e na operacionalização de processos educativos pelos profissionais da eNASF-AB. Ademais, a EPS está sendo realizada como evento cujo espaço é usado para atualização de saberes de cada núcleo profissional.

De acordo com Freire (2005FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 33), “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador”. Além disso, as atualizações periódicas voltadas para técnicas e procedimentos podem não garantir a compreensão das situações complexas presenciadas (D’Ávila et al., 2014D’ÁVILA, Luciana S. et al. Adesão ao programa de educação permanente para médicos de família de um estado da região sudeste do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, p. 401-416, 2014.).

Vários estudos apontam que a educação continuada é realizada conforme a concepção bancária da educação, pois está direcionada à aquisição acumulativa de informações técnicas transmitidas pelo trabalhador. Por outro lado, a EPS foi concebida para ser realizada conforme a concepção problematizadora, porque visa a transformação da realidade e se direciona para a resolução de problemas, e para a reflexão do cotidiano e do processo de trabalho (Sarreta, 2020; Stroschein e Zocche, 2012STROSCHEIN, Karina A.; ZOCCHE, Denise A. A. Educação permanente nos serviços de saúde: um estudo sobre as experiências realizadas no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 505-519, 2012.; Falkenberg et al., 2014FALKENBERG, Mirian B. et al. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, p. 847-852, 2014.; Moreira, Damiani e Scussel, 2017; Costa et al., 2018COSTA, Maria A. R. et al. Educação permanente em saúde: a concepção freireana como subsídio à gestão do cuidado. Revista de Pesquisa: Cuidado é fundamental online, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 558-564, 2018.).

Os profissionais da eNASF-AB relataram alguns empecilhos para a realização da EPS, como a falta de tempo e de interesse dos profissionais da eSF:

O principal foi tempo mesmo e até de organização da gente pensar nisso. A gente acaba esquecendo por conta do dia a dia. (Profissional NASF 3)

É falta de interesse deles. A falta de interesse mesmo dos profissionais [das equipes de saúde da família]. (Profissional NASF 2)

O descompasso entre a formação e demandas no cotidiano de trabalho gera insegurança e conflitos, promovendo barreiras para que os profissionais do NASF-AB consigam realizar a EPS com a eSF de forma significativa. Existe também as dificuldades de aceitação da atuação, devido à falta de compreensão do papel do NASF-AB pelos profissionais da eSF:

A gente ainda escuta gente [profissionais e usuários] dizer que não sabe o que é o NASF. Por mais que a gente diga, porque a gente não falou apenas de qual função, qual papel de cada profissional, mas também a relação entre os profissionais e qual o papel do NASF na atenção básica [...]. Mas hoje em dia, 8 anos depois de atuação [...], essa equipe ainda escuta alguns profissionais dizerem: o que é mesmo que o NASF faz? (Profissional NASF 3)

Os estudos realizados por Leite, Nascimento e Oliveira (2014) e Mendonça e Nunes (2015)MENDONÇA, Fernanda F.; NUNES, Elisabete F. P. A. Avaliação de grupos de educação em saúde para pessoas com doenças crônicas. Trabalho Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 397-409, maio/ago. 2015. referem que a formação profissional focada na perspectiva biomédica interfere na realidade dos profissionais de saúde, quanto à compreensão da atuação da equipe multiprofissional e no empenho para modificar o modelo assistencial.

Além dos desafios mencionados pelos profissionais do NASF-AB para realização da EPS, está o fato de que a rede de serviços de referência do território é insuficiente para atender à demanda existente, gerando sobrecarga constante para a equipe.

A fragilidade da rede, a gente sofre muito com a quantidade de gente na fila de espera. São casos que demoram anos [...]. E o que a gente vai fazer com esse caso? Porque o objetivo do NASF não é fazer ambulatório. A gente não tem como fazer ambulatório, aí acaba sofrendo junto. (Profissional NASF 4)

[...] No meu caso, uma criança que está desenvolvendo gagueira, e eu não posso deixar essa criança solta [...]. Então, a gente fica como um suporte de 15 em 15 dias [...], até conseguir uma vaga pelo SUS. (Profissional NASF 3)

As falas dos profissionais demostraram que a falta de resolutividade na rede de atenção, como a demora dos encaminhamentos para os demais níveis, faz com que precisem realizar ações clínicas por especialidades, sobrecarregando-lhes em funções assistencialistas. Esse fato interfere diretamente na disponibilidade de tempo para a realização de atividades de EPS.

Esse achado corrobora com o estudo de Gomes (2018)GOMES, Mariana F. Avaliação do grau de implantação das ações de alimentação e atividade física desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família na atenção a hipertensão e diabetes em Recife. 2018. 97 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Saúde Pública)-Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2018., no qual evidenciou que em Recife-PE as ações assistenciais do NASF-AB prevaleciam em detrimento da sua atuação em práticas educativas e de apoio integrado ao território. Essa demanda e sobrecarga assistencial no trabalho do NASF-AB dificulta a sua atuação como fortalecedor de um novo modelo de saúde que supere o foco curativo das práticas em saúde.

Os profissionais da eNASF-AB, por meio da EPS, podem também planejar e construir ações promotoras da Educação em Saúde a serem realizadas para os usuários na perspectiva problematizadora. É a com base em tais práticas que esses sujeitos podem refletir criticamente as ações educativas realizadas, com vista à transformação da visão bancária, que ainda se perpetua em suas ações (Figueiredo, Rodrigues-Neto e Leite, 2010).

Processo educativo problematizador na Educação em Saúde

Apesar de ser evidenciado anteriormente que o grupo Hiperdia vem acontecendo sem ações educativas, os profissionais do NASF-AB afirmaram que os outros grupos possuem usuários com HAS e/ou DM e que nesses são discutidos temas de promoção da saúde e prevenção dessas doenças:

A promoção e a prevenção da hipertensão e diabetes já é trabalhada em todos os grupos e atividades, independentemente de ser Hiperdia. (Profissional NASF 3)

Nesses grupos participam mulheres, homens, independente das patologias. Têm hipertensos, diabéticos, obesos, tem transtorno mental, magreza, idoso, tem quem não é idoso. (Profissional NASF 1)

Destaca-se a importância da abordagem desses temas direcionados a HAS e DM nos diversos grupos, considerando a relevância de debater esses agravos com usuários com ou sem essas patologias, para auxiliar na redução da incidência e de complicações associadas.

Os grupos de Educação em Saúde representam um dos principais meios para construção do conhecimento, já que permitem o compartilhamento dos saberes científico e popular, através da experiência de vida dos sujeitos no seu contexto sociocultural. Deste modo, privilegiar ações educativas contínuas em locais na comunidade tende a promover um maior vínculo com os usuários, visto que esses grupos se traduzem em práticas que não se limitam a ações pontuais, pois são realizados periodicamente com os mesmos participantes (Flisch et al., 2014FLISCH, Tácia M. P. et al. Como os profissionais da atenção primária percebem e desenvolvem a educação popular em saúde? Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 18, p. 1.255-1.268, 2014.).

É importante também considerar a integralidade dos indivíduos e suas diversas necessidades pessoais, não se restringindo apenas às doenças acometidas, como nas ações educativas a seguir:

A gente trabalhou memória, labirintite, medicamentos, uso das plantas medicinais, dos chás, [...]. (Profissional NASF 1)

Questão da previdência social, direitos dos idosos. Teve vários assuntos. (Profissional SF 5)

Ensina a fazer caminhada. Quem não pudesse, como no meu caso [...], porque já tive dois infartos [...], aí elas ensinavam a fazer caminhada sentada. (Usuário 3)

Percebe-se, com base nos relatos, que os profissionais buscaram inovar nas ações educativas, realizando atividades participativas de acordo com a realidade dos usuários. Desenvolveram-se também habilidades de interação social, por via da dança, do teatro, de oficinas de culinária, realização de desenhos e confraternizações:

Já teve dia da gente aprender a fazer as comidas pra saber fazer e vender. Aprendeu a fazer tapioca [...]. (Usuário 7)

A gente fez a valsa sentada e a valsa em pé. A dança sentada. (Usuário 1)

A prática educativa baseada na construção da educação popular considera as perspectivas e o cotidiano dos educandos, e, por conseguinte, promove maior participação dos indivíduos no processo de ação–reflexão–ação (Freire, 2014FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 34. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.). Essas práticas se constroem e se consolidam no convívio diário e no fortalecimento do vínculo com os usuários, e, portanto, precisam estar em processos permanentes de planejamento, avaliação e buscas de melhorias. (Silva, 2014SILVA, Fernanda M. Contribuições de grupos de educação em saúde para o saber de pessoas com hipertensão. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 67, n. 3, 2014.).

Além disso, é necessária a escolha de estratégias pedagógicas promotoras da participação dos sujeitos (Sarreta, 2020). Diante disso, perguntou-se qual abordagem adotada nas ações educativas, e os profissionais afirmaram que essas ocorrem predominantemente por meio de rodas de conversa:

Geralmente é roda de conversa, datashow. Às vezes, a gente produz material pra distribuir. (Profissional NASF 2)

Mas também tem passagem de vídeo, filmes. Têm convidados que a gente chama também, pra nos ajudar. (Profissional SF 6)

Sampaio et al. (2014SAMPAIO, Juliana et al. Limites e potencialidades das rodas de conversa no cuidado em saúde: uma experiência com jovens no sertão pernambucano. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 18, p. 1.299-1.311, 2014. destacaram que a roda de conversa vai além das disposições circulares de cadeiras, sendo um modo crítico de pensar os papéis socialmente construídos transversalizados pelas históricas e desiguais relações sociais. Assim, as rodas de conversa reafirmam o compromisso com espaços que possibilitem o inesperado das vozes divergentes, aumentando a possibilidade de discussão, sendo uma estratégia metodológica engajada na ação pedagógica transformadora.

Freire (2005)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. se refere à educação como forma de intervenção no mundo, com potencial poder de transformação. Para isso, é preciso criticar e romper com a visão bancária de verticalização do ensino e supremacia do educador, implicando os educandos na construção do saber. Essa visão corrobora com essas falas:

E quando a gente vai levar [assuntos para serem discutidos nas ações educativas], procura saber o que é que eles conhecem daquilo [...], para que eles se insiram. Porque nunca ninguém sabe tão pouco que não tenha algo a dizer e nunca alguém sabe tanto que não tenha nada a aprender [...]. (Profissional NASF 3)

Lembrei agora do grupo de homens, que um senhor [...] praticamente trouxe toda a temática do grupo e emocionou todo mundo [...]. Ele se colocou de uma forma que ele mobilizou o grupo [...], que a gente não precisou falar mais nada (Profissional NASF 3).

Pergunta: “Vocês querem o que na próxima atividade? Vocês querem que eu faça tal coisa?” Quero que mexa com a mentalidade da gente [realizem atividades que melhorem a memória]. Cada vez mais, a gente se esquece das coisas. (Usuário 7)

Evidenciam-se as experiências positivas nessas ações que consideram a realidade dos usuários na busca dos enfrentamentos dos problemas de saúde e da integração do saber teórico e popular. A participação ativa dos sujeitos com doenças crônicas nesses grupos de Educação em Saúde favorece a interação e criação de diálogos entre eles, constituindo-os como espaços de troca e aprendizado coletivo, bem como o protagonismo e o autocuidado (Mendonça e Nunes, 2015MENDONÇA, Fernanda F.; NUNES, Elisabete F. P. A. Avaliação de grupos de educação em saúde para pessoas com doenças crônicas. Trabalho Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 397-409, maio/ago. 2015.).

De acordo com Freire (2005)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., o processo educativo como ação cultural para a libertação é uma ação de conhecimento em que os educandos assumem o papel de sujeitos conscientes por via do diálogo. Quando existe a participação, há uma maior possibilidade de alcançar as melhorias na saúde pretendidas, já que o ser humano está em constante construção, evolução e transformação.

Essa transformação foi relatada nos grupos focais pelos profissionais e usuários:

Hoje mesmo eu tive um retorno. Ele [um usuário] dizendo que foi com um peso para o grupo dos homens, e depois que chegou no grupo tomou consciência do problema dele e hoje ele já perdeu quatro quilos e meio. (Profissional NASF 2)

Eu agora como tapioca, só tomo suco natural. Aí ela [profissional] diz: “Tá certo! A senhora se cuida muito”. Dor no corpo em não sinto mais não. Eu sou uma pessoa muito conservada. Eu não como mais gordura, não tomo mais refrigerante. (Usuário 7)

Sim, tô melhor, caminhando na minha comunidade. Na minha saúde melhorou tudo. Eu só vivia morrendo asmática [...]. Melhorou tudo! (Usuário 1)

Observam-se as melhorias referidas através da participação nos grupos educativos como promotoras da redução dos fatores de risco da HAS e DM, como a realização de uma dieta adequada e a prática de atividade física. Esses achados corroboram com os descritos no estudo de Favaro et al. (2017)FAVARO, Danielli T. L. et al. Grupos educativos para o controle de hipertensão e diabetes mellitus: revisão integrativa de literatura. Arquivos de Ciências da Saúde, São José do Rio Preto, v. 24, n. 1, p. 7-14, 2017., que mostrou a importância dos grupos educativos no controle destes agravos, no fortalecimento do vínculo dos usuários e na longitudinalidade da assistência.

Freire afirma que “o sujeito [...] se transforma na ação de problematizar e passa a detectar novos problemas na sua realidade e assim sucessivamente” (Freire, 2011, p. 16). Por conseguinte, quando a educação é participativa e construída no coletivo, é capaz de provocar mudanças e proporciona às pessoas a atenção de que precisam para o desenvolvimento da autonomia e a percepção das suas ações para melhoria das condições de saúde.

Tem uma coisa que foi bem marcante, que eu tiro meu chapéu para a comunidade [...]. Não tinha Academia da Cidade, porque não existia um polo. Então começou a chegar muita gente, e a gente ouvia nas reuniões: “o pessoal quer atividades da academia da cidade” e hoje tem essa atividade na quadra, por conta da mobilização da comunidade, a partir da orientação da gente. (Profissional NASF 3)

Desse modo, com a divulgação do Programa Academia da Cidade (PAC) pela eNASF-AB, os usuários perceberam a importância do funcionamento do programa na comunidade e passaram a reivindicá-lo. Entretanto, não existia um espaço físico adequado para a sua implantação no bairro. Diante disso, os usuários solicitaram ao coordenador do Distrito sanitário VII, a realização das atividades na quadra de uma escola na comunidade, enquanto aguardam a construção de um espaço específico.

As atividades do PAC na quadra funcionam de segunda à sexta das seis às sete horas da manhã. O educador físico do programa desenvolve atividades diárias de ginástica, alongamento, dança, caminhada, corrida e jogos. A nutricionista do NASF-AB e duas ACS da eSF realizam atividades educativas sobre alimentação saudável nas quartas-feiras.

Cabe destacar o importante papel educador desempenhado pelos profissionais que conseguiram despertar nos usuários a capacidade e a vontade de mudar a realidade. Essa experiência da conquista da implantação do PAC na comunidade, por meio da busca por direitos pelos usuários, mostra o poder de transformação da educação.

De acordo com Freire (2005)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., é necessária a revolução dos oprimidos, que ocorre de maneira intrínseca diante da realidade de opressão. É importante “desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam a sua situação concreta” (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011., p.77). Torna-se essencial que os sujeitos, através de um processo educativo problematizador, mesmo com a pressão para que se mantenham inertes, compreendam sua posição transformadora e lutem por mudanças, caminhando para sua libertação.

Processo educativo problematizador na EPS

Considerando que a ocorrência de reuniões periódicas pode promover espaços de EPS, foi questionado nos grupos focais sobre a periodicidade de reuniões com participação de profissionais de ambas as equipes (NASF-AB e eSF). Os profissionais do NASF-AB afirmaram realizar uma reunião por mês com cada eSF. Essas reuniões possuem duração de três a quatro horas e, na maioria das vezes, acontecem com a presença de todos os profissionais:

A priori, estamos todas na reunião [...]. A gente não faz uma reunião com apenas um profissional NASF presente. A ideia é que estejamos sempre todos. (Profissional NASF 2)

Essas reuniões podem constituir espaços para a realização de EPS de forma problematizadora, com base no que está sendo discutido para transformação da realidade dos trabalhadores e usuários:

A gente discute o planejamento das atividades da própria unidade, a dinâmica das atividades proporcionadas pela equipe. A gente fala sobre grupos, [...] sobre as relações de trabalho. Porque a equipe NASF também tem essa função de estar trabalhando e fortalecendo as relações de trabalho entre os profissionais. (Profissional NASF 3)

Os profissionais do NASF-AB revelaram a realização de práticas de EPS, no momento que relataram como eram realizadas as reuniões com os profissionais da ESF. Contudo, não citaram essas práticas como sendo parte da EPS. Pois, para eles, a EPS eram as atividades de atualização de saberes.

A EPS direciona-se à transformação do trabalho, considera a cultura institucional, partindo dos problemas identificados por meio do olhar multiprofissional e interdisciplinar, com priorização dos processos de longo prazo (Sarreta, 2020). Dessa forma, é uma estratégia para a promoção de mudanças nos processos de trabalho, de acordo com o posicionamento participativo dos profissionais (Stroschein e Zocche, 2012STROSCHEIN, Karina A.; ZOCCHE, Denise A. A. Educação permanente nos serviços de saúde: um estudo sobre as experiências realizadas no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 505-519, 2012.).

Essa ação transformadora foi evidenciada na fala desse profissional da eSF:

A gente aprende muito nas discussões [durante as reuniões com os profissionais do NASF-AB], a gente fala muito em nutrição. Acho que a nutricionista é a que mais fala. Então, assim, a postura da gente, de dar mais importância à questão da alimentação, melhorou nesse sentido. Porque a gente tem um apoio, de escuta, de conversa [...]. Como também na visita, em relação a falar de alimentação, a gente se sente mais seguro. (Profissional SF 2)

A abordagem permanente da alimentação saudável realizada pela eNASF-AB influenciou o desenvolvimento do tema nos grupos educativos, visitas domiciliares e atendimentos individuais, desencadeando processos transformadores na realidade almejada.

Stroschein e Zocche (2012)STROSCHEIN, Karina A.; ZOCCHE, Denise A. A. Educação permanente nos serviços de saúde: um estudo sobre as experiências realizadas no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 505-519, 2012. afirmam que a EPS tem como proposta a educação problematizadora, cujo objetivo é a transformação da prática. Esta não pode ser construída de forma isolada e hierarquizada, sendo necessário que suas ações façam parte de uma grande estratégia e que estejam articuladas entre si.

Essa visão corrobora com os relatos dos profissionais do presente estudo:

A gente trabalha sobre as dificuldades dos encaminhamentos, da rede como um todo. Tudo isso vem a partir da própria demanda do caso [durante a discussão de casos clínicos]. (Profissional NASF 1)

Já teve [discussões] sobre depressão, porque havia muito paciente com depressão [...]. Aí surgiu uma demanda e alguém falou que queria saber sobre a questão social, mas não foi algo que a gente planejou. Mas quis ouvir deles, o que eles iam sugerir, acho que isso é o ideal. Saber o que eles querem, sabe? (Profissional NASF 2)

Para se obter melhorias mediante a educação, deve-se inicialmente ter uma compreensão da prática vivenciada pelos sujeitos e das dúvidas em relação a essa prática. Depois desse momento é que os elementos teóricos devem ser introduzidos, para melhor compreensão dos fenômenos. E, por último, identificam-se os elementos que serão mantidos e os que precisam ser aprimorados ou superados, por meio de diálogos e aplicação de novos conhecimentos (Freire, 2011FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.).

Para isso, é essencial que a eSF compreenda o papel dos profissionais do NASF-AB como promotores e/ou apoiadores de práticas pedagógicas:

A gente, logo inicialmente, quando surgiu o NASF, não entendia pra que servia [...], tinha muito conflito [...]. Mas, com o tempo, [...] tá tão assim ligado ao trabalho da gente que a gente tem o NASF como parte mesmo da equipe [...]. E nesse sentido, a gente tem mais entendimento do que é realmente o trabalho em equipe, e elas [profissionais do NASF] ajudaram muito nisso. (Profissional SF 2)

Nota-se que o empenho realizado pelos profissionais do NASF-AB, a fim de que a eSF compreendessem a sua função, foi fundamental para a transformação da visão dos profissionais, havendo em paralelo a percepção da importância do trabalho em equipe e do desenvolvimento de ações conjuntas, com a união de saberes de profissões diversas e a construção de novas relações de trabalho.

Diante disso, reitera-se que a EPS precisa estar pautada na concepção pedagógica problematizadora, por meio de processos educativos que busquem promover a transformação das práticas de saúde (Costa et al., 2018COSTA, Maria A. R. et al. Educação permanente em saúde: a concepção freireana como subsídio à gestão do cuidado. Revista de Pesquisa: Cuidado é fundamental online, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 558-564, 2018.). No momento em que os profissionais do NASF-AB apoiam a eSF para que tome suas decisões de forma reflexiva, estão promovendo uma consciência crítica e elevando a capacidade dos trabalhadores de intervir na realidade, oportunizando melhorias das condições de saúde dos usuários.

Considerações finais

A busca para realização da EPS e da Educação em Saúde pela problematização precisa ser constante e implica despertar interesse dos profissionais por novas experiências de aprendizagem. Ressalta-se assim a necessidade de proporcionar modos de pensar favoráveis ao desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva dos trabalhadores, a fim de que ocorram as transformações necessárias para a melhoria da saúde da população.

Os resultados do estudo evidenciaram a coexistência do uso das concepções problematizadora e bancária nos discursos dos profissionais, o que refletiu diretamente em suas práticas. Ainda é possível perceber a visão tradicionalista curativista e medicalocêntrica nos discursos dos usuários que só participavam do Hiperdia, e a lacuna deste grupo em realizar ações educativas.

Um achado importante foi o empenho dos profissionais para realização de ações educativas incentivadoras da participação dos usuários, como a dança, o teatro e a oficina de culinária, que tornam a ação mais dinâmica e atrativa, alcançando melhorias na saúde relatadas pelos usuários. Além disso, os profissionais consideraram experiências e conhecimentos prévios dos indivíduos na elaboração conjunta e na abordagem dos temas, características essas discutidas e defendidas pela concepção problematizadora proposta por Paulo Freire.

Dentre as limitações do estudo, destacamos a realização dessa pesquisa em apenas uma equipe NASF-AB, e com isso recomendamos a necessidade de realização desse tipo de avaliação em mais equipes do NASF-AB em outros municípios do país, com vistas a avaliar as diferentes concepções e práticas educativas adotadas pelos profissionais sob as diversas realidades.

Diante do exposto, demonstra-se a relevância da realização de estudos avaliativos do processo educativo orientados pela teoria, pois proporcionam maior embasamento para transformações das práticas e melhorias a serem alcançadas. Destaca-se também, a pertinência no uso da teoria de Paulo Freire para avaliar as ações educativas, considerando a sua importância como referência mundial da educação.

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  • Aprovação por comitê de ética em pesquisa
    Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas do IAM/Fiocruz-Pernambuco (CAAE 50942315.1.0000.5190).
  • Financiamento. Programa de Excelência em Pesquisa, convênio entre Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco e Fundação Oswaldo Cruz- Fiocruz, edital Facepe 19/2015 (APQ-1603-4.06/15).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2019
  • Aceito
    12 Mar 2020
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