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Educação e Trabalho em Saúde: diálogos e experiências no Brasil e em Portugal

O conhecimento também tem história, já nos disse o historiador inglês Peter Burke (2016)BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento. São Paulo: Ed. Unesp, 2016. . Se assim é, a retomada da obra de autores do campo da saúde coletiva e da educação se torna uma tarefa fundamental como forma de recuperar – e assim valorizar – algumas das bases do pensamento da educação profissional em saúde no Brasil. Adicionalmente, tal esforço, ainda que grandioso ante os limites impostos por qualquer revista, pode contribuir, objetivamente, para a necessária recuperação de importantes aportes vindos de diferentes educadores brasileiros. Sem perder de vista esse ambicioso propósito, este suplemento procura promover uma convergência e diálogo entre pensadores dos campos da educação e da saúde coletiva como uma matriz constitutiva do projeto editorial.

Cabe, contudo, um alerta: a presença de autores brasileiros e portugueses neste suplemento não pode ser confundida como parte de uma proposta que teria em vista fazer comparações entre realidades tão distintas. Antes disso, o reconhecimento das diferenças permitiu a construção de um projeto editorial com a consideração das convergências em torno do tema da escola e da educação em saúde, sem um investimento programado que envolvesse comparações entre os dois países. Sem jamais desconsiderar, portanto, as diferenças de enfoque, abordagens e métodos, bem como de interesses de pesquisa, fizemos a deliberada opção por construir um suplemento da Trabalho, Educação e Saúde que não tomasse o contraste proveniente de uma perspectiva comparada entre Sul e Norte. Em sentido oposto, definimos, antes de tudo, questões que a todos interessam, uma espécie de base comum sobre a qual cada parceiro deste projeto traria contribuições em termos mais gerais e, eventualmente, em diálogo com as realidades específicas em que estão inseridos. Nesse sentido, nossa parceria produziu muito mais ‘complementaridade’ temática entre parceiros do que iniciativas no terreno da abordagem comparativa.

O que dá unidade a este suplemento, nesse sentido, é uma reflexão crítica sobre a educação, o trabalho e a educação em saúde. Reunimo-nos para apresentar a educação como espaço vivo de práticas em que se realiza o fenômeno que se convencionou chamar ‘formação’ e também para o que nos interessa em particular: onde se realiza a preparação do indivíduo para o trabalho em saúde. Nessa perspectiva, a Educação aqui se designa com letra maiúscula, pois o conceito expande e se desdobra para incluir todos os espaços e âmbitos nos quais se realizam processos educacionais e formativos em sociedades marcadas pela modernidade ocidental: da educação infantil ao ensino fundamental, ao ensino médio e novamente ao que nos interessa mais delicadamente: à universidade.

Os documentos oficiais das áreas de saúde e educação e a literatura especializada expressam um reconhecimento da posição social e simbólica que as instituições educacionais desempenham na sociedade contemporânea. Os pais, os estudantes, os profissionais, os gestores da educação e da saúde, cada um deles interage com essas instituições com um olhar específico, mobilizando papéis e possibilidades que se refletem em propostas curriculares, programas de formação, políticas específicas para o campo e modos como estas são implementadas.

Comprometendo-se com tal raciocínio, este suplemento pretende dialogar com os setores de saúde e de educação dos governos e da sociedade como um todo. Busca interlocução com educadores e membros da sociedade civil interessados no entendimento dos processos sociais e culturais de formação das novas gerações e na formulação e reformulação de novas práticas nos sistemas de saúde e educação.

A relação da Educação com o trabalho em saúde é permeada pela expectativa de profissionalização, do acesso ao emprego, da obtenção de salário, da respeitabilidade como profissional, da qualificação técnica e ética para a formação intelectual e do reconhecimento social. No contexto funcional dos setores da saúde e da educação estabelecem-se diretrizes específicas, com vistas à reestruturação das suas práticas, demandando propostas capazes de dialogar com a dinâmica do cotidiano, mas que nem sempre favorecem uma relação de aprendizagem dos trabalhadores ou futuros trabalhadores como sujeitos. Essa é certamente uma questão a ser considerada, porém outras questões correlatas e pertinentes se apresentaram e se impõem.

Mas será mesmo que a referência à Educação remete necessariamente a instituições com espaços abertos a diálogos internos e externos? O processo educacional converge para uma necessária circularidade de ideias e dinâmicas que se estabelecem nos diferentes contextos sociais? Como as instituições de ensino se relacionam com diferentes ambientes socioculturais (e como deveriam se relacionar)? Os conhecimentos produzidos e compartilhados pelas instituições de ensino têm respondido bem às demandas impostas pelo mundo do trabalho? Enfim, em quais bases éticas, programáticas e políticas devemos pensar um ensino de base universalista?

Essas e outras questões de ordem geral inquietaram muitos educadores do passado e continuam a introduzir energia dialógica nos debates sobre a reprodução social ampliada. Os organizadores e colaboradores desta coletânea traduzem essas inquietações na forma de debates, leituras compartilhadas e experiências pedagógicas vivenciadas em diversas instituições de ensino de nosso país.

Sem a pretensão de trazer respostas prontas para tão complexas questões, este suplemento reúne artigos que enfrentam tanto a discussão sobre educação – como dissemos, não exclusivamente profissional – quanto o debate a respeito do trabalho profissional em saúde no cenário contemporâneo. Nossa expectativa é de que possamos contribuir com algumas abordagens – e eventualmente atualizá-las – sobre educação para a cidadania, sobre o papel da escola e de um currículo ético e politicamente comprometido com uma perspectiva universalista de sociedade. Adicionalmente, pretendemos contribuir com algumas problemáticas relativas à formação profissional e ao trabalho em saúde, sempre em uma perspectiva comprometida com valores universalistas e com a justiça social. Desejamos, é claro, boa leitura!

Referência

  • BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento. São Paulo: Ed. Unesp, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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