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Trabalho editorial e tecnologias

Nos estudos sobre o trabalho, a incorporação de tecnologias constitui uma área tradicional de reflexão. Ao contrário do que se difunde no senso comum, o campo crítico busca dissociar a implantação de novas tecnologias de alterações necessariamente positivas ou até mesmo qualitativas nos processos de trabalho (Lima Junior et al., 2014 LIMA JUNIOR, Paulo et al. Marx como referencial para análise de relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Ciência & Educação, Bauru, v. 20, n. 1, p. 175-194, 2014. DOI: 10.1590/1516-731320140010011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/pf6tyHFWWXpcdW57GcYdK8b/?lang=pt . Acesso em: 5 mar. 2022.
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). Assim, as perspectivas críticas pretendem romper com a ideia de que as tecnologias determinam a organização do trabalho, colocando em evidência a inexistência de um processo linear, no qual as transformações na produção se originam da inovação tecnológica. No que tange às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), essa vertente que naturaliza uma relação imediata entre tecnologias digitais e aprimoramento das dinâmicas comunicacionais se expressa ainda com maior ênfase.

Esse panorama se materializa, de forma relevante, nos periódicos científicos. Se, por um lado, existe uma necessidade indiscutível de estabelecer procedimentos ágeis e flexíveis, que permitam processar e arquivar volumes significativos de informação, como, por exemplo, textos e pareceres, além do registro de todo o fluxo editorial da revista, por outro lado, estas necessidades acabam impondo padrões e normativas que desenham o fazer editorial, o que envolve, inclusive, a interação direta entre distintos sujeitos. Em particular no contexto brasileiro, o desenvolvimento tecnológico, ao implicar recursos financeiros mais robustos, assim como a demanda por novos profissionais, nem sempre se torna compatível com o orçamento destinado às publicações científicas, dificultando a manutenção dos periódicos existentes e o surgimento de novos.

Essa discussão acompanha o cotidiano das editorias científicas no país e define estratégias, como é o caso da adoção do Open Journal System (OJS) pela Trabalho, Educação e Saúde. O presente volume é integralmente construído a partir do processamento editorial por tal sistema. Trata-se de um software livre desenvolvido pelo Public Knowledge Project (PKP, 2014PUBLIC KNOWLEDGE PROJECT. Open Journal Systems. 2014. Disponível em: https://pkp.sfu.ca/ojs/. Acesso em: 5 mar. 2022.
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) para promover o acesso aberto e o aprimoramento da publicação acadêmica. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) foi a instituição que difundiu o sistema, a partir do oferecimento do suporte técnico, para as revistas brasileiras.

De forma preliminar, podemos confirmar o ganho de agilidade no tratamento editorial, assim como o controle de possíveis erros. Em paralelo, não podemos deixar de registrar como questão a invisibilização do trabalho envolvido na publicação de um texto, resultado de um conjunto complexo e variado de tarefas, produzido por trabalhadores e trabalhadoras, como assistentes editoriais, pareceristas, editores executivos, diagramadores, editores científicos, preparadores de texto e revisores. O ambiente clean de um sistema tecnologizado tende a obscurecer a intensidade do trabalho humano, se os envolvidos no fazer editorial não se conduzirem pelo compromisso ético e político de compreensão do caráter do trabalho (Antunes, 2021 ANTUNES, Ricardo. Capitalismo de plataforma e desantropomorfização do trabalho. In: GROHMANN, Raphael. Os laboratórios do trabalho digital: entrevistas. São Paulo: Boitempo, 2021. p. 33-38.).

A experiência de uso do OJS, portanto, merecerá futuras reflexões, tematizando suas potencialidades, seus limites e suas implicações no processo de trabalho editorial, sem deixar de considerar a articulação entre o desenvolvimento da ciência brasileira e a comunicação científica no país.

Angélica Ferreira Fonseca
Carla Macedo Martins
Editoras científicas

Referências

  • ANTUNES, Ricardo. Capitalismo de plataforma e desantropomorfização do trabalho. In: GROHMANN, Raphael. Os laboratórios do trabalho digital: entrevistas. São Paulo: Boitempo, 2021. p. 33-38.
  • LIMA JUNIOR, Paulo et al Marx como referencial para análise de relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Ciência & Educação, Bauru, v. 20, n. 1, p. 175-194, 2014. DOI: 10.1590/1516-731320140010011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/pf6tyHFWWXpcdW57GcYdK8b/?lang=pt Acesso em: 5 mar. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/1516-731320140010011» https://www.scielo.br/j/ciedu/a/pf6tyHFWWXpcdW57GcYdK8b/?lang=pt
  • PUBLIC KNOWLEDGE PROJECT. Open Journal Systems. 2014. Disponível em: https://pkp.sfu.ca/ojs/ Acesso em: 5 mar. 2022.
    » https://pkp.sfu.ca/ojs

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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