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‘Bocas trabalhadoras’ e os reparos possíveis em tempos de pandemia

‘Working mouths’ and possible repairs in times of a pandemic

‘Bocas trabajadoras’ y los posibles reparos en tiempos de pandemia

Resumo

Neste artigo, o objetivo foi realizar uma análise crítica da relação entre saúde bucal e trabalho. A reflexão emergiu do aumento expressivo na busca por atendimentos de urgência odontológica em uma unidade básica de saúde durante a pandemia pelo coronavírus, em que os sujeitos apresentavam algo em comum: a demissão de seus empregos em fábricas de calçados. Com apoio na teoria social crítica, efetuou-se uma análise sobre como o trabalho, entendido como categoria fundante do ser social, tem o seu sentido esvaziado nas sociedades capitalistas, operando mais como um obstáculo à saúde bucal na dinâmica do trabalho assalariado e alienado. Isso porque pôde-se perceber que os sujeitos recém-desempregados acumulavam diversas necessidades em saúde bucal, como infecções e inflamações que causavam sofrimentos, até então internalizados e escondidos para que pudessem manter seus empregos em um contexto de desemprego iminente, possibilitando assim que pudessem seguir reproduzindo a sua vida material. Pensar a relação entre saúde bucal e trabalho nos aproxima da compreensão do processo saúde-doença como socialmente determinado, quando as relações de trabalho explorado se materializam nas ‘bocas trabalhadoras’. Desse modo, vislumbra-se a democratização do acesso à saúde bucal entendida como o direito a uma vida plena.

Palavras-chave:
saúde bucal; trabalho; Covid-19; pandemia

Abstract

In this article, the objective was to carry out a critical analysis of the relationship between oral health and labor. The reflection emerged from the significant increase in the search for emergency dental care in a basic health unit during the coronavirus pandemic, in which the subjects had something in common: the termination of their jobs in shoe factories. Based on critical social theory, an analysis was carried out on how labor, understood as a founding category of the social being, has its meaning emptied in capitalist societies, operating more as an obstacle to oral health in the dynamics of hired and alienated work. This is because it was possible to perceive that the newly unemployed subjects accumulated several oral health needs, such as infections and inflammations that caused suffering, until then internalized and hidden so that they could keep their jobs in a context of imminent unemployment, thus enabling them to continue reproducing their material life. Thinking about the relationship between oral health and work brings us closer to understanding the health-disease process as socially determined, when exploited work relationships materialize in ‘working mouths’. In this way, the democratization of access to oral health is seen and understood as a right to a full life.

Keywords:
oral health; labor; Covid-19; pandemic

Resumen

En este artículo, el objetivo fue realizar un análisis crítico de la relación entre la salud bucal y el trabajo. La reflexión surgió a partir del aumento significativo de la búsqueda de atención odontológica de urgencia en una unidad básica de salud durante la pandemia del coronavirus, en la que los sujetos tenían algo en común: el despido de sus trabajos en fábricas de calzados. Con base en la teoría social crítica, se realizó un análisis sobre cómo el trabajo, entendido como categoría fundante del ser social, se vacía de significado en las sociedades capitalistas, operando más como un obstáculo para la salud bucal en la dinámica del trabajo asalariado y alienado. Esto porque se pudo percibir que los sujetos recién desempleados acumulaban diversas necesidades de salud bucal, como infecciones e inflamaciones que les causaban sufrimiento, hasta entonces interiorizadas y ocultadas para que pudieran conservar sus puestos de trabajo en un contexto de desempleo inminente, permitiéndoles así seguir reproduciendo su vida material. Pensar en la relación entre salud bucal y trabajo nos acerca de la comprehensión del proceso salud-enfermedad como socialmente determinado, cuando las relaciones de labor explotado se materializan en ‘bocas trabajadoras’. De esta forma, se vislumbra la democratización del acceso a la salud bucal, entendida como el derecho a una vida plena.

Palabras clave:
salud bucal; trabajo; Covid-19; pandemia

Introdução

Aberto o canal Extrai-se a raiz: Cada dente, uma lápide Onde meu nome se escreve. (Weintraub, 2007WEINTRAUB, Fábio. Boca. In: WEINTRAUB, Fábio. Baque. São Paulo: Editora 34, 2007. p. 48-49., p. 49)

A poesia de Weintraub abre espaço para uma disputa de interpretação quanto ao seu narrador: seria um dentista em sua atuação diante de uma boca que sofre, ou a própria boca falando sobre si? Em todo caso, trata-se de uma boca na qual se localiza um molar que lateja por sua polpa estragada, e que logo tem seu canal exposto por uma broca. Uma vez finalizada a intervenção, o molar estará morto, e na lápide se escreverá o nome do narrador: um profissional, a boca ou quem mais entrar na disputa pela narrativa (Weintraub, 2007WEINTRAUB, Fábio. Boca. In: WEINTRAUB, Fábio. Baque. São Paulo: Editora 34, 2007. p. 48-49.).

O dente morto da poesia ganha forma de personagem, um órgão constituído como sujeito e sepultado na boca de alguém. Mas quem é esse alguém que teve sua boca invadida por espelhos, pinças, sondas, agulhas e instrumentos de corte? Na clínica odontológica, a singularidade desse sujeito é frequentemente deixada de lado pela pretensa objetividade imposta pela odontologia, aquela odontologia cuja cientificidade foi forjada com base em um sujeito desvinculado do próprio sujeito. A história da odontologia, portanto, não diz respeito a um sujeito doente, mas é sobre um lugar doente específico e sua doença. Por se tratar desse objeto autonomizado, o sujeito que o carrega muitas vezes desaparece de cena, assim como as suas dores (Botazzo, 2000BOTAZZO, Carlos. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2000.).

Quando retomamos esses sujeitos, deparamo-nos com suas singularidades existenciais, suas histórias, seus desejos e projetos. Mais do que sepultar um dente, essas pessoas procuram a possibilidade de seguir compondo conexões nos mais diversos âmbitos de suas vidas, seja no campo familiar, seja no afetivo ou no trabalho. Neste artigo, especificamente, propomo-nos a discutir a saúde bucal a partir do lugar que o trabalho ocupa na vida desses sujeitos, tendo como ponto de partida a experimentação de um dos autores, profissional de saúde bucal em uma unidade básica de saúde (UBS) no Sul do Brasil, durante o último ano atravessado pela pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2). Como ponto de partida, usamos um relato frequente durante os encontros com pessoas que buscavam atendimento odontológico: “Fui demitido e agora tive tempo de me cuidar”. A frase frequentemente presente durante os atendimentos acendeu o questionamento: o trabalho tem funcionado como impeditivo para produção de saúde bucal dessas pessoas?

O artigo aqui apresentado tem como objetivo desenvolver uma análise dessa situação com base em pesquisa teórica no campo da teoria social crítica e da teoria social em saúde, trazendo como pano de fundo a experiência do cotidiano profissional.

O cenário de análise: pistas sobre o que a pandemia pode nos dizer acerca das ‘bocas trabalhadoras’

Ainda no final de dezembro de 2019, o micro-organismo causador das infecções respiratórias na cidade chinesa de Wuhan foi identificado. Tratava-se de um vírus semelhante ao já conhecido SARS-CoV, causador da síndrome respiratória aguda grave, tendo sido então nomeado de SARS-CoV-2. Os casos de infecção pelo novo coronavírus se espalharam pelos países, e o Brasil teve seu primeiro caso no final de fevereiro de 2020. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou a classificação de contaminação a pandemia, e no mesmo mês o Brasil já contava com casos de contaminação comunitária.

Com o avanço dos casos no território brasileiro, os estados passaram a tomar medidas mais restritivas com o objetivo de reduzir a circulação de pessoas e consequentemente o risco de contaminação. Em Santa Catarina, foram decretados a suspensão e o fechamento de atividades não essenciais. Os serviços de saúde precisaram se reorganizar para acolher os pacientes infectados pelo coronavírus, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) produziu notas técnicas que visavam orientar as medidas a serem tomadas. No que concerne aos atendimentos odontológicos, determinou-se que os atendimentos eletivos deveriam ser suspensos, por se considerar que o atendimento odontológico tem risco potencial de transmissão em decorrência da produção de aerossóis; dessa maneira, mantiveram-se apenas os atendimentos de urgências e emergências (Brasil, 2020aBRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota técnica n. 04/2020-GVIMS/GGTES/Anvisa. Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (2019-nCoV). Brasília: Anvisa, 2020a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/ptbr/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/nota-tecnica-gvims_ggtes_anvisa-04_2020-25-02-para-o-site.pdf . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://www.gov.br/anvisa/ptbr/centraisd...
, 2020bBRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica n. 9/2020-CGSB/DESF/SAPS/MS. Covid-19 e atendimento odontológico no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2020b. Disponível em: Disponível em: https://kidopilabs.com.br/planificasus/upload/covid19_anexo_11.pdf . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://kidopilabs.com.br/planificasus/u...
).

No caso da UBS em que se deu a experiência relatada neste artigo, a procura por atendimento de saúde bucal aumentou consideravelmente, apesar dos atendimentos odontológicos restritos às situações de maior urgência. A UBS em questão atende uma população adscrita de cerca de 13.500 pessoas, segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, sendo composta por duas equipes de saúde da família (eSF) e uma equipe de saúde bucal (eSB) formada por cirurgião-dentista e auxiliar de saúde bucal. A unidade faz parte do serviço de saúde da cidade de São João Batista, a qual está situada na Grande Florianópolis, a cerca de setenta quilômetros da capital catarinense. O município tem uma população estimada em 38.583 pessoas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2021INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Dados populacionais de São João Batista, Santa Catarina. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/sc/sao-joao-batista.html . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estado...
) e é considerado um polo da indústria calçadista nacional. A economia da cidade é fortemente baseada na indústria de calçados e seus componentes. Grande parte da população está vinculada formal ou informalmente a essa indústria, que também é um lugar de grande procura por migrantes de diferentes lugares do Brasil e migrantes estrangeiros, principalmente haitianos.

Mesmo antes da pandemia, um dos autores deste artigo, trabalhador da saúde, percebia que algo acontecia com aquela população. Tendo direcionado sua formação para se tornar um trabalhador do Sistema Único de Saúde (SUS), encontrava uma tremenda dificuldade em atuar de acordo com o seu desejo. Uma população que excedia a capacidade da unidade acaba por exigir do profissional um trabalho mecanizado, estilo linha de produção - nesse caso, uma linha de produção de dentes extraídos, aberturas coronárias e fechamentos de cavidades. Nas conversas rápidas (por questão de tempo e demanda) com os usuários, muitas pessoas relatavam dores de dentes que eram antigas, porém sempre remediadas: “Estou com esse dente podre faz tempo, o paracetamol estava ajudando, mas essa noite não consegui dormir”; “Trabalhei a semana toda com dor, o médico da fábrica até me deu um anti-inflamatório, mas me mandou ir ao dentista”; “Preciso arrancar esse dente, não dá pra trabalhar com dor, né?”. Muitos tinham estratégias para aliviar as dores: pingar dipirona na cavidade, amassar paracetamol e colocar com algodão na cavidade, bochechar água gelada etc.

Os diálogos, de certa forma, sempre se referiam ao trabalho; a grande maioria sempre fazia alguma referência usando os termos ‘fábrica’ ou ‘firma’. No período de fim de ano, sempre aparecia a expressão ‘fazer serão’. O profissional passou a questionar com mais frequência sobre a ocupação desses sujeitos, e a maioria estava vinculada de alguma forma ao setor industrial de calçados. O fato trouxe questionamentos ao profissional, que se posiciona no campo teórico e prático da saúde bucal coletiva (SBC), mas que diante daquela realidade encontrava certo impedimento a uma práxis alternativa, um outro caminho que não a odontologia hegemônica.

A odontologia construiu o seu campo de prática forjando uma ‘ciência odontológica’, constituindo-se como profissão autônoma pautada em uma techne. Essa disciplina tratou historicamente de um objeto autonomizado, cuja doença específica se explicaria por um processo biológico e químico, podendo-se até cogitar a existência de alguns condicionantes sociais, mas o eixo principal se assentava na conhecida tríade de Keys: hospedeiro, micro-organismo e dieta (Botazzo, 2000BOTAZZO, Carlos. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2000.). O modelo dente-centrado, ou melhor dizendo, odontologizado, desenvolveu-se como hegemônico, e sua atuação sempre esteve ligada a uma lógica econômica liberal, uma assistência odontológica privada de mercado, baseada na dinâmica de oferta e demanda, determinada pelo poder de compra dos indivíduos (Rossi, 2021ROSSI, Thais R. A. As práticas de saúde bucal nas políticas formalizadas pelo Estado brasileiro. In: NÉTTO, Otacílio et al. (orgs.). Diálogos bucaleiros: reflexões em tempos pandêmicos . São Paulo: Pimenta Cultural , 2021. p. 74-93. ).

Em contrapartida, a SBC se distancia da odontologia ao abordar outro tipo de problema, uma vez que se preocupa com questões dos âmbitos político, econômico e social. De um lado, há um conhecimento odontológico que privilegia uma intervenção individual, pautada em fatores puramente biológicos e resumida à oferta de um serviço no mercado; de outro, a SBC se apropria do conhecimento inerente à odontologia, mas com o intuito de superá-lo, extrapolando sua inércia e incorporando importantes aspectos do campo social. A corrente de pensamento da SBC teve forte influência na consolidação de um serviço de saúde bucal estatal no Brasil, travando uma luta constante pela compreensão da saúde bucal como socialmente determinada (Botazzo, 2021BOTAZZO, Carlos. História da micropolítica das práticas odontológicas, ou por um conceito da prática dos dentistas. In: NÉTTO, Otacílio et al. (orgs.). Diálogos bucaleiros: reflexões em tempos pandêmicos. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021. p. 93-111. ; Rossi, 2021ROSSI, Thais R. A. As práticas de saúde bucal nas políticas formalizadas pelo Estado brasileiro. In: NÉTTO, Otacílio et al. (orgs.). Diálogos bucaleiros: reflexões em tempos pandêmicos . São Paulo: Pimenta Cultural , 2021. p. 74-93. ).

Ainda que a existência de uma política pública de saúde bucal seja de extrema importância para efetivar mudanças, o trabalho no SUS não pode ser visto como um diamante perfeitamente lapidado. Isso porque muitos trabalhadores de saúde bucal, fortemente orientados por uma postura ético-política condizente com o campo da SBC, são constantemente tolhidos de produzir outros caminhos diante das exigências por números de atendimentos e procedimentos. Essas dinâmicas engolem o trabalhador e o submetem a relações de trabalho altamente desmotivantes, principalmente quando se percebe que a dinâmica individualizante da odontologia de mercado acaba por ser reproduzida na saúde pública. Não se trata de desconsiderar a importância dos atendimentos individuais, pois certamente são indispensáveis no cotidiano do trabalho em saúde bucal. Porém, cabe nos questionarmos mais sobre o que eles têm a dizer sobre a saúde bucal das pessoas atendidas e menos sobre a qualidade dos serviços e dos profissionais. Pensemos juntos: realizar um número elevado de extrações dentárias até pode demonstrar uma alta performance profissional, mas o que esse número tem a dizer sobre a condição de saúde bucal dessas pessoas?

Por esse motivo, os encontros vivenciados pelo autor trabalhador do serviço de saúde levantaram numerosos questionamentos. Inserido diariamente em uma UBS na qual esteve submetido a uma dinâmica exaustiva de atendimentos seriados, percebeu que a grande maioria dos procedimentos realizados foi resultado do adiamento sistemático na procura por atendimento, adiamento esse frequentemente relatado como resultado do receio de faltar ao trabalho. O absenteísmo no trabalho por questões de saúde bucal é significativamente menor do que por outras questões médicas, como indicado no estudo de Martins et al. (2005MARTINS, Ronald J. et al. Absenteísmo por motivos odontológico e médico nos serviços público e privado. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 30, n. 111, p. 9-15, 2005. 10.1590/S0303-76572005000100002. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/rT3MKsQJfCYBBQTcNQFXTww/?lang=pt#:~:text=O%20absente%C3%ADsmo%20nas%20empresas%20p%C3%BAblica,do%20trabalhador%20em%20seu%20servi%C3%A7o . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbso/a/rT3MKsQJf...
), o que pode estar vinculado ao fato de muitas empresas não aceitarem atestados odontológicos como justificativa para ausências no emprego.

Essa realidade se exacerbou durante a pandemia de Covid-19, e diferentemente da recomendada redução do número de atendimentos odontológicos, cujo intuito era de mitigar a propagação do vírus, o profissional se deparou com a dinâmica oposta: um aumento vertiginoso na procura por atendimentos. Ainda que o profissional pudesse contribuir no combate à pandemia de forma integrada com os profissionais da equipe, fosse na rotina de diagnóstico realizando testes, fosse na vigilância dos casos, ele se viu, paradoxalmente, de mãos atadas diante da alta procura por atendimentos odontológicos de urgência, centrando todos os seus esforços dentro do consultório (Carletto e Santos, 2020CARLETTO, Amanda F.; SANTOS, Felipe F. A atuação do dentista de família na pandemia do Covid-19: o cenário do Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 30, n. 3, p. 1-10, 2020. 10.1590/S0103-73312020300310. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/Kx69PrD3wbpT686zCF56pxp/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/physis/a/Kx69PrD...
; Frazão et al., 2021FRAZÃO, Paulo et al. O papel da saúde bucal coletiva na vigilância e na atenção básica à saúde frente à Covid-19. In: NÉTTO, Otacílio et al. (orgs.). Diálogos bucaleiros: reflexões em tempos pandêmicos . São Paulo: Pimenta Cultural , 2021. p. 314-330. ).

As medidas mais restritivas decretadas pelo governo estadual forçaram o setor calçadista a suspender suas atividades nas fábricas, e em poucas semanas a imprensa regional já noticiava que as indústrias do setor haviam demitido cerca de 2.500 funcionários por conta do fechamento do comércio (Portal G1/Globo, 2020PORTAL G1/GLOBO. Cidade da Grande Florianópolis registra 2,5 mil demissões durante quarentena, diz sindicato. Santa Catarina. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/04/10/cidade-da-grande-florianopolis-registra-25-mil-demissoes-durante-o-decretro-de-isolamento-social-diz-sindicato.ghtml . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/n...
). Nesse contexto de demissão de cerca de 40% do total de trabalhadores formais no setor calçadista, pôde-se notar um aumento considerável na procura por atendimentos odontológicos. Durante os atendimentos, percebeu-se que muitas pessoas eram trabalhadores e trabalhadoras demitidos de seus empregos em fábricas de calçados após a suspensão das atividades do setor. Esses sujeitos tinham uma afirmação em comum: ‘Fui demitido, agora tive tempo para me cuidar’. O cenário controverso de demissão em meio a uma pandemia possibilitou que essas pessoas pudessem acessar os serviços de saúde a fim de resolver questões até então deixadas de lado. Desse modo, cabe o questionamento: o trabalho servia como impedimento de acesso aos serviços de saúde bucal?

A realidade social que se materializa na boca: o materialismo histórico como método de análise

Quando propomos a reflexão sobre a realidade de trabalhadores, não podemos fazê-la sem localizar o contexto sócio-histórico ao qual nos referimos. O Brasil contemporâneo é produto de um desenvolvimento político, econômico e social específicos. As relações de trabalho analisadas aqui não podem ser tomadas como estruturas prontas e dadas; elas foram estruturadas ao longo do processo de desenvolvimento capitalista, exigindo uma análise que leve em consideração a centralidade desse modo de produção e as relações sociais engendradas por ele.

Para debater essa situação, iremos nos apoiar no método de análise proposto por Marx e Engels, o materialismo histórico. O método pressupõe que o mundo sensível é um produto histórico, fruto das condições materiais de existência, condições essas que são herdadas de gerações em gerações e vão sendo modificadas juntamente com a ordem social. Essa concepção não aceita o mundo como categoria pronta e não passível de mudança; ao contrário, compreende que a história é fruto das necessidades materiais das sociedades, as quais são satisfeitas por meio da práxis. Os homens como sujeitos históricos têm necessidades desde sua origem, e o primeiro ato histórico é a produção dos meios para satisfazer essas necessidades e assim produzir a sua vida material (Marx e Engels, 2007 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo , 2007.).

A produção da vida humana, portanto, acontece em uma dupla relação - natural e social -, a qual tem como objetivo satisfazer as necessidades dos sujeitos em um dado momento histórico. Esse objetivo só é alcançado por meio da categoria central da sociabilidade humana: o trabalho. O materialismo supera a teoria idealista de primazia da consciência sobre a realidade, pois coloca o trabalho no centro das condições de vida e da própria consciência humana. Ao apresentarem o seu método de análise da realidade, Marx e Engels (2007 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo , 2007.) apontam que, com o passar dos anos, as necessidades das populações vão se alterando, e modifica-se também a forma como os homens produzem os meios para satisfazê-las e a forma como distribuem essa produção, definindo-se assim um modo de produção. No modo de produção capitalista, tem-se a divisão social do trabalho, que se dá de forma desigual e determina a estrutura das diferentes classes sociais.

A estratificação da sociedade em classes opõe aqueles que têm a propriedade privada dos meios de produção, e consequentemente são materialmente dominantes, àqueles que cuja única posse é o seu corpo e mente. Essa última classe, o proletariado, uma vez dominado e expropriado, vê o trabalho não mais como categoria natural, mas como uma relação monetária de assalariamento. Com o desenvolvimento das sociedades capitalistas, a forma mercadoria passou a dominar o metabolismo das sociedades, acarretando consequências estruturais na vida humana. A relação mercantil parte de uma pretensa igualdade entre mercadorias, igualdade essa que é determinada por um representante universal, o dinheiro. Nessa relação entre mercadorias, a atividade humana como propriedade qualitativa é ocultada pelo valor de troca, o que transforma a relação mercantil em uma relação objetivada entre coisas (Lukács, 2003 LUKÁCS, Georg . História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ).

A ascensão do capitalismo é marcada por esse processo em que as relações sociais inerentes ao processo produtivo são ocultadas, e os produtos do trabalho tomados como objetos exteriores e independentes em relação aos homens que os produziram. Esse processo, chamado de fetichismo da mercadoria, foi amplamente descrito por Marx (2013 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. 2. ed. São Paulo: Boitempo , 2013.) em sua obra O capital e serviu como base para apresentação do processo de reificação na obra de Lukács (2003 LUKÁCS, Georg . História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ). A reificação, segundo esse autor, opera de modo a esconder os homens do processo de produção, fazendo com que a força de trabalho assuma para o próprio trabalhador a forma de mercadoria. Em virtude de a força de trabalho ser a sua única mercadoria, o proletário entende que deve trocá-la em um mundo baseado na troca de coisas, ou seja, o próprio trabalhador é desumanizado e reduzido ao caráter de coisa, como elucidado na seguinte passagem de Lukács (2003) LUKÁCS, Georg . História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. :

[...] o trabalhador deve necessariamente apresentar-se como o ‘proprietário’ de sua força de trabalho, como se esta fosse uma mercadoria. Sua posição específica reside no fato de essa força de trabalho ser a sua única propriedade. Em seu destino, é típico da estrutura de toda sociedade que essa auto-objetivação, esse tornar-se mercadoria de uma função do homem revelem com vigor extremo o caráter desumanizante da relação mercantil (Lukács, 2003 LUKÁCS, Georg . História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. , p. 209).

Na ordem capitalista, a reificação é tomada como um fenômeno político-ideológico pelos detentores do capital, uma vez que todo o aparato jurídico-estatal é utilizado pela classe dominante de modo a fazer valer seus interesses. Nesse contexto, os sujeitos são submetidos a um sistema fechado que visa adaptar o modo de vida, o processo de trabalho e a consciência dos homens aos pressupostos da economia capitalista (Lukács, 2003 LUKÁCS, Georg . História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ).

A classe dominante apresenta uma única possibilidade de mundo, na qual não há alternativa ao trabalhador a não ser tentar se incorporar à ordem do capital, mesmo que isso implique renunciar à sua própria saúde física e mental para seguir vendendo sua força de trabalho. Nos encontros no serviço de saúde essa situação ficou evidente, visto que foram frequentes as afirmações de trabalhadores que só puderam procurar os serviços em um momento de imensa complexidade. Durante as conversas com essas pessoas, diferentes motivos foram apontados para a não procura dos serviços de saúde previamente. Dentre eles, estavam: a incompatibilidade do horário de funcionamento da UBS com o horário de trabalho; a frequente ampliação das jornadas de trabalho - os chamados ‘serões’, que possibilitavam um relativo aumento dos seus salários; a oferta de benefícios por parte das empresas aos trabalhadores que não faltassem ou apresentassem atestados médicos/odontológicos; e até mesmo o desconto salarial de dia não trabalhado, mesmo com a apresentação de documentos que atestassem a falta do trabalhador por questões de saúde.

De fato, a realidade para esses trabalhadores se apresentava imutável: ou seguiam trabalhando ou teriam seus salários reduzidos; ou ainda, na pior das hipóteses, seriam demitidos. A internalização de múltiplos sofrimentos é percebida no transcorrer da anamnese e confirmada durante os atendimentos clínicos. O trabalho assalariado como garantia de sobrevivência funciona como obstáculo na manutenção da saúde desses sujeitos, cuja precarização também se materializa em suas bocas. São diversas situações de urgências postergadas por um longo período, as quais, se pudessem ter tido a chance de diagnóstico precoce, poderiam ter um desfecho menos invasivo. Como resultado desse cenário, foram realizadas múltiplas extrações dentárias e aberturas coronárias para acessos endodônticos, além de nos depararmos com gengivites e periodontites descompensadas, abscessos e edemas faciais, todas condições clínicas que produziam dores agudas intoleráveis, mas que não raro eram suportadas por meio da automedicação que abrandava as dores durante mais um dia de trabalho.

É assim que relações sociais reificadas escondem, por detrás dos sapatos expostos nas vitrines das lojas, dores de trabalhadores que precisam produzir e reproduzir a sua vida às custas do seu sofrimento físico e mental. São esses sujeitos que abdicam da sua saúde para produzir as mercadorias que consumimos no cotidiano, ou seja, é por meio do trabalho alienado que essas pessoas produzem toda a riqueza social. Todavia, no modo de produção capitalista, o acesso aos bens socialmente produzidos é desigual, sendo inversamente proporcional à quantidade de engajamento dos sujeitos no processo produtivo. Quando o desemprego durante uma pandemia mostra esse momento como propício para que essas ‘bocas trabalhadoras’ adoecidas possam ter seus reparos possíveis - e muitas vezes o reparo é sinônimo de mutilação -, devemos nos questionar que trabalho é esse de que estamos falando e, principalmente, por qual motivo ele tem exercido papel de obstáculo na vida das pessoas.

Do trabalho como categoria ontológica do ser social ao trabalho assalariado: as mudanças no sentido do trabalho na dinâmica capitalista

A escolha de trazermos o trabalho para o centro da discussão se deu por compreendermos a centralidade dessa categoria no campo social. Para tanto, retomamos o conceito marxista de trabalho, que o situa como condição central da existência humana, uma necessidade natural de mediação entre homem e natureza. Tomando o exemplo do casaco, Marx (2013 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. 2. ed. São Paulo: Boitempo , 2013.) relembra que a necessidade de se vestir obrigou o homem a costurar muito antes da existência do ofício do alfaiate, porém todo o processo de transformação de uma matéria da natureza em valor de uso necessário para a satisfação de uma necessidade humana é mediado por uma atividade produtiva especial - o trabalho. Dos produtos, apesar de se apresentarem na forma de mercadorias, quando retirados todos os trabalhos úteis contidos nessas mercadorias, o que resta é uma matéria da natureza sem interferência da atividade humana. Na sua clássica conceituação, Marx define o trabalho como:

[...] um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio. (Marx, 2013 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. 2. ed. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 326-327)

Essa atividade transformadora é intrínseca ao ser humano. É por intermédio dela que os homens conseguem satisfazer as suas necessidades materiais ao longo dos anos. A virada da teoria marxista está na compreensão do trabalho como relação dialética entre homem e natureza, na qual o homem, ao agir sobre a natureza, transforma a sua própria natureza, e assim produz os meios necessários para suprir as suas necessidades. Desse modo, o trabalho revela-se como a categoria fundante do ser social, ou seja, é uma categoria ontológica por meio da qual os homens produzem as condições materiais objetivas e subjetivas para sua existência. Nas palavras de Marx (2013 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. 2. ed. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 167), o trabalho é “uma condição de existência do homem, [...] eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana”.

Para Lukács (2018 LUKÁCS, Georg . Para uma ontologia do ser social. Maceió: Coletivo Veredas, 2018. v. 14.), o trabalho é a forma originária da práxis, por meio da qual a consciência humana impulsiona uma ação neoformadora da natureza. O trabalho é apresentado como o motor da humanidade, e o sujeito que trabalha passa por um autêntico devir-humano, possibilitando que alcance lugares até então inimagináveis:

Apenas no trabalho, no pôr de finalidades e seus meios, passa a consciência, com um ato autocontrolado, a posição teleológica, não apenas a se adaptar ao entorno - o que também faz parte de tais atos dos animais que transformam a natureza objetivamente, sem intenção - mas também consumar alterações na própria natureza para esta impossível, até mesmo impensável. (Lukács, 2018 LUKÁCS, Georg . Para uma ontologia do ser social. Maceió: Coletivo Veredas, 2018. v. 14., p. 27)

Entretanto, no movimento das mercadorias, o trabalho deixa de ser uma atividade transformadora e dotada de sentido, esvaziando-se a noção de trabalho como categoria ontológica do ser social, como apresentado por Lukács. Ao exteriorizar-se no produto do seu trabalho, o trabalhador não se reconhece naquilo que produziu. Quantos sapatos de marcas conhecidas nacionalmente aqueles trabalhadores podem adquirir? Trabalhadores que dedicaram horas de trabalho socialmente necessário para produzir mercadorias que não podem ter. Marx (2004 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. ) define essa relação como o estranhamento, que acontece na relação do trabalhador com os produtos do seu trabalho como objetos estranhos a ele, uma vez que, na dinâmica fetichista, as mercadorias aparecem como coisas independentes no processo de troca - assim como na relação do trabalhador com a sua própria atividade como algo estranho e independente a ele, uma vez que não a domina. Além disso, ao não ter domínio sobre o seu próprio trabalho, ocorre o estranhamento do homem de sua própria essência humana, considerando-se que a categoria fundante do ser social passa a ser estranha aos homens.

Como já dito, os encontros que deram o pontapé para a escrita deste artigo demonstram um processo de estranhamento dos trabalhadores em relação à sua própria humanidade, uma vez que se mantiveram firmes no processo produtivo e deixaram suas questões de saúde em segundo plano. É importante relacionar esse processo em que os trabalhadores abdicam da sua própria humanidade com o avanço do neoliberalismo nas últimas décadas em escala global - porque, de certo modo, a dominação neoliberal vem modificando todas as regras, os temas e os lugares do enfrentamento entre capital e trabalho. No entanto, se isso inclui perdas e violência repressiva estatal, inclui também mobilizações em defesa das concepções igualitárias e democráticas da sociedade (Dardot et al., 2021DARDOT, Pierre et al. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2021.).

No caso brasileiro, no entanto, as políticas neoliberais têm atacado intensamente as políticas sociais, cristalizando-se nas contrarreformas trabalhista de 2017 e previdenciária de 2019, assim como na emenda constitucional n. 95, de 2016 (Brasil, 2016BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional n. 95/2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm . Acesso em: 21 nov. 2021.
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; 2017BRASIL. Presidência da República. Lei n. 13.467/2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e as leis n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974; n. 8.036, de 11 de maio de 1990; e n. 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Brasília, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm . Acesso em: 21 nov. 2021.
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; 2019BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional n. 103/2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Brasília. 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm . Acesso em: 21 nov. 2021.
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). A intensa desregulamentação das relações de trabalho, juntamente com a taxa de desemprego, tem acarretado grandes impactos na vida dos trabalhadores, levando-os a vivenciar relações de trabalho cada vez mais precarizadas. A maioria dos trabalhadores das indústrias de calçados relatava o medo de perder o emprego, justificativa usada para postergar a procura por atendimento. O medo constante de se somar ao número crescente de desempregados opera no campo da subjetividade, naturalizando relações hostis no trabalho e até mesmo sofrimentos físicos (como dores de dentes constantes) e suas consequências na sociabilidade dessas pessoas (Nardi, 2006NARDI, Henrique C. O trabalho na sociedade contemporânea. In: NARDI, Henrique C. (org.). Ética, trabalho e subjetividade: trajetórias de vida no contexto das transformações do capitalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p. 53-74.).

Ao se levar em consideração a taxa de desocupação no final de 2020, havia 13,9% da força de trabalho sem ocupação no Brasil, sendo que a média do ano foi de 13,5% - a maior desde 2012. O somatório de desocupados, desalentados e subocupados no Brasil cresceu 3,5 milhões em 2020. Some-se a isso o fim da política de valorização do salário mínimo, que vem causando preocupação, uma vez que a crise econômica tem impactado o preço de diversos produtos, principalmente dos alimentos. Em nota à imprensa, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese (2021aDEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Nota à imprensa: cesta básica aumenta em 15 capitais, 2021a. Disponível em: Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202107cestabasica.pdf . Acesso em: 21 nov. 2021.
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, 2021bDEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Crise dentro da crise: pandemia agrava longa depressão brasileira. Especial 1o de maio, Dia do Trabalhador, 2021b. Disponível em: Disponível em: https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/especial1deMaio.html . Acesso em: 21 nov. 2021.
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) apresentou o valor da cesta básica em 17 capitais brasileiras, e em 11 delas o valor equivale à metade ou mais da metade do salário mínimo.

A crise estrutural do capitalismo e a racionalidade neoliberal engendram nos trabalhadores um sofrimento que os obriga a consentir com esse modo de operar destrutivo. A intensa submissão das políticas sociais à lógica do mercado possibilita que o discurso de ‘taxa natural do desemprego’ como fator positivo para a economia passe a desencorajar as reivindicações trabalhistas e incentive a competição, uma vez que para manterem sua sobrevivência e não se juntarem à massa de desocupados, os trabalhadores precisam manter as suas ocupações a qualquer custo - inclusive de sua própria saúde. A pandemia escancarou a fragilização das relações de trabalho, resultado das últimas décadas de avanço neoliberal e precarizações como resposta à crise estrutural do capitalismo (Souza, 2021SOUZA, Diego O. As dimensões da precarização do trabalho em face da pandemia de Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 19, e00311143, 2021. 10.1590/1981-7746-sol00311. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/7rJ6TkW8Cs88QkbNwHfdkxb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

O adoecimento não está desconectado de todo esse processo, porque a lógica gerencial atua na subjetividade dessas pessoas a ponto de ignorarem seus sofrimentos, mesmo que ele esteja marcado em seu corpo - no caso deste artigo, na sua boca. Não é mera coincidência que muitos trabalhadores procuraram atendimento em saúde bucal apenas no momento de demissão. O trabalho, apesar de categoria fundante do ser social, é desvirtuado na lógica capitalista, enquadrando-se como uma atividade explorada, uma relação de assalariamento que engendra relações sociais que não podem ser ignoradas quando pensamos sobre a saúde bucal dos trabalhadores. Por esse motivo, é importante colocarmos o trabalho e as relações sociais decorrentes dele como categoria de extrema importância na compreensão da saúde bucal da população.

Como percebido no contexto deste artigo, os trabalhadores carregavam um acúmulo de adoecimentos bucais, demonstrando condições de saúde bucal precárias, o que é constatado em estudos que fazem uma aproximação com a questão da saúde bucal de trabalhadores de diferentes setores produtivos. Tais condições afetam diretamente a vida social dos sujeitos trabalhadores, que enfrentam dificuldades de se alimentar, falar e construir relações afetivas (Barcellos et al., 2015BARCELLOS, Ludmilla et al. Dental pain prevalence among health care personnel. Revista Dor, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 119-123, 2015. ; Gomes e Abegg, 2007GOMES, Andréa S.; ABEGG, Claides. O impacto odontológico no desempenho diário dos trabalhadores do departamento municipal de limpeza urbana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 7, p. 1.707-1.714, 2007. 10.1590/S0102-311X2007000700023. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/hk59MsBqGTHfmDNtVJMXjfz/?lang=pt#:~:text=O%20desconforto%20(40%2C6%25),de%20impacto%20no%20desempenho%20di%C3%A1rio . Acesso em: 21 nov. 2021.
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; Lima et al., 2013LIMA, Luísa S. et al. Condição de urgência odontológica e fatores associados em trabalhadores da construção civil: Bahia, 2008. Revista de Odontologia Unesp, Araraquara, v. 42, n. 1, p. 48-53, 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rounesp/a/VHpC43nnpzbqFFvc74PSB9b/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
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). Ainda assim, os poucos estudos que analisam a saúde bucal de trabalhadores limitam-se a trabalhar com dados epidemiológicos, sem indagar as razões de seus achados. Por esse motivo, pautamos um debate sobre a relação entre o trabalho e a saúde bucal, compreendendo que o trabalho na sociedade capitalista, esvaziado de seu sentido ontológico, aparece como impeditivo na procura dos serviços de saúde bucal, sendo o próprio trabalho explorado fator condicionante na precarização da saúde bucal dos trabalhadores, como observado no contexto apresentado aqui.

A determinação social da saúde bucal

Quando trazemos o trabalho para a discussão na saúde, fazemos isso no sentido de ultrapassar o modelo cartesiano que pensa a saúde e a doença segundo paradigmas individualizantes e a-históricos, propondo uma simples relação de causa-efeito entre os processos de adoecimento. Isso não implica deslegitimar as causas biológicas das doenças e seus determinantes. Entretanto, como vimos nos relatos anamnéticos dos trabalhadores do setor calçadista, o processo saúde-doença é atravessado por questões estruturais do modo de produção capitalista, e a forma de organização da produção e da distribuição imposta pelo capitalismo implica também a distribuição desigual dos agravos entre as classes sociais.

Os modelos clássicos do campo biomédico não dão conta de explicar o processo saúde-doença em sua totalidade, porque as relações de produção são colocadas em segundo plano, tendo como modelo explicativo aquele que atua no campo individualista das causalidades, o que facilita até mesmo atuações que operam de modo a culpabilizar o outro pelo seu adoecimento. Uma perda dentária, por exemplo, após meses de dor e postergação da procura por atendimento, pode ser tomada como pura causalidade e negligência do outro, porém há todo um modelo instituído que atravessa esse processo. Na odontologia, existe uma explicação microbiológica para o aparecimento da cárie, seus fatores de risco e condicionantes, mas o que explica a materialidade dessa doença de forma desigual nos diferentes estratos sociais?

São questionamentos como esse que nos aproximam de uma análise crítica do processo saúde-doença, reconhecendo seu caráter histórico e social, o qual está conectado com o modo como os homens produzem suas condições materiais de existência em dado momento. Essa produção se dá por intermédio do trabalho, o qual está vinculado às formas de organização da produção e ao desenvolvimento das forças produtivas. Por esse motivo, compreendemos a saúde pela chave de interpretação da determinação social, bastante difundida na América Latina nos anos 1970. Para tanto, faz-se necessário apreender a saúde na perspectiva de totalidade, de modo a analisar o processo saúde-doença segundo a forma de organização das coletividades, traçando questionamentos quanto às diferentes condições de saúde dos diferentes grupos sociais. Desse modo, a determinação social da saúde se esforça para articular os campos biológico e social, assim como individual e coletivo (Laurell, 1981LAURELL, Asa C. La salud como proceso social. Revista Latinoamericana de Salud, México, v. 2, n. 1, p. 7-25, 1981.).

A obra de Donnangelo e Pereira (1979DONNANGELO, Maria C. F.; PEREIRA, Luiz. Saúde e sociedade. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1979. ) nos ajuda a compreender a articulação do campo médico com a estrutura econômica, uma vez que, no momento de ascensão do capitalismo produtivo, a medicina atuou fortemente no plano da reprodução social, garantindo a disponibilidade de força de trabalho suficiente para a acumulação. A medicina, portanto, vem historicamente participando nas dinâmicas das relações de classe, articulando-se assim no campo social, tendo no decorrer da história atuado de formas distintas a depender do grupo social. Nas palavras dos autores:

[...] pode-se admitir que o processo pelo qual a prática médica acabou por tomar necessariamente como seu objeto praticamente todas as classes, frações de classes e camadas sociais constituiu sobretudo uma forma de manifestação, no plano político, das relações de classe. O próprio fato de que a enfermidade e a morte se distribuam de maneira a revelar as formas de participação dos grupos sociais na estrutura da produção e nas oportunidades de consumo contribui para tornar a medicina uma área significativa do ponto de vista político. (Donnangelo e Pereira, 1979DONNANGELO, Maria C. F.; PEREIRA, Luiz. Saúde e sociedade. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1979. , p. 46)

A determinação social da saúde parte da estruturação da ordem social como fator imperativo do processo saúde-doença. Breilh (2013BREILH, Jaime. La determinación social de la salud como herramienta de transformación hacia una nueva salud pública (salud colectiva). Revista Facultad Nacional de Salud Pública, Medelín, v. 31, supl. 1, p. 13-27, 2013. http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-386X2013000400002. Acesso em: 21 nov. 2021.
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) incorpora essa concepção no campo da epidemiologia crítica, tendo como base a teoria crítica do materialismo histórico, retirando a saúde do campo individual e colocando-a em uma relação dialética entre o individual e o coletivo. O autor trata de uma análise do movimento da vida, do metabolismo histórico entre homens e natureza, que nada mais é que o próprio trabalho. A mudança de paradigma está na crítica ao modelo de produção capitalista, almejando a sua superação como forma de emancipação da sociedade, garantindo a vigência de quatro áreas extremamente importantes para a vida humana: sustentabilidade, soberania, solidariedade e saúde.

Essa chave de interpretação do processo saúde-doença orientou as práticas ideológicas do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB), um movimento político contra-hegemônico pautado no aprofundamento da consciência sanitária dos diferentes atores políticos, a fim de que os sujeitos compreendam que o lugar que ocupam na estrutura de produção social determina as suas condições de saúde e doença. A difusão da determinação social da saúde visava romper com o modelo médico-industrial hegemônico, integrando o processo saúde-doença e a organização social da produção (Teixeira, 1988TEIXEIRA, Sonia F. O dilema da reforma sanitária brasileira. In: BERLINGUER, Giovanni; TEIXEIRA, Sonia F.; CAMPOS, Gastão W. S. (orgs.). Reforma sanitária na Itália e no Brasil. São Paulo: Hucitec , 1988. p. 195-207. ).

A Constituição Federal de 1988 representa uma importante mudança, inaugurando um modelo de seguridade social que busca a universalização da cidadania e o reconhecimento dos direitos sociais, uma vez que o modelo de proteção social brasileiro vigente até então atrelava a cidadania ao lugar que as pessoas ocupavam no processo produtivo, uma cidadania regulada pela ocupação dos sujeitos, responsável por produzir um sistema de estratificação ocupacional (Santos, 1987SANTOS, Wanderley G. Do laissez-faire repressivo à cidadania em recesso. In: SANTOS, Wanderley G. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1987. p. 71-82.). A tríade saúde, previdência e assistência social conforma a seguridade social brasileira, cuja originalidade está na sua orientação de reforma do Estado (Fleury, 2009FLEURY, Sonia. Reforma sanitária brasileira: dilemas entre o instituinte e o instituído. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 743-752, 2009. 10.1590/S1413-81232009000300010. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/GbXrGPf6Mmpvdc3njYY3bNK/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

O documento final da VIII Conferência Nacional de Saúde pontua que a organização social brasileira é marcada por uma sociedade extremamente estratificada, com alta concentração de renda e terra, assim como uma organização social do trabalho composta por formas rudimentares coexistindo com avançadas tecnologias. Tais condições produzem uma sociedade historicamente desigual, e essa desigualdade opera como condição estrutural que impede o desenvolvimento da saúde da população, pois está voltada aos interesses da classe dominante e ao controle das classes dominadas, resultando em um modelo excludente. Com base nessas premissas, o relatório ultrapassa o conceito abstrato de saúde difundido pela OMS e aponta a saúde como a materialização das formas de organização social da produção de uma sociedade em um dado momento histórico (Brasil, 1986MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relatório final. Conferência Nacional de Saúde, 8., 17 a 21 de março de 1986. Brasília: MS, 1986. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pdf . Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

O cenário apresenta a saúde como resultado das condições materiais de existência da população, exigindo ampla garantia das condições de vida das pessoas. Dentre elas, estão: condições de trabalho dignas, alimentação, moradia, transporte, repouso, lazer, segurança, acesso universal e igualitário aos serviços de saúde etc. Nesse sentido, a garantia do direito à saúde exige que o Estado assuma uma política de saúde integrada às políticas econômicas e sociais, proporcionando melhores condições de vida e que reduzam o abismo social da sociedade brasileira (Brasil, 1986MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relatório final. Conferência Nacional de Saúde, 8., 17 a 21 de março de 1986. Brasília: MS, 1986. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pdf . Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

Na esteira do MRSB emergiu o campo da saúde bucal coletiva, o qual propõe uma ruptura epistemológica com a odontologia de mercado, afastando-se das práticas individualizantes e tecnicistas, incorporando um olhar para a saúde bucal como processo social, histórico e singular. Nesse sentido, a saúde bucal é compreendida pelo prisma da determinação social e opera de modo a superar o intenso biologicismo da odontologia, a fim de integrar os saberes odontológicos àqueles advindos das ciências sociais e humanas. A SBC busca desenvolver uma práxis que considere as necessidades concretas de todas as pessoas e que seja capaz de democratizar o acesso à saúde bucal dos sujeitos, uma vez que a odontologia privada vem historicamente proporcionando um acesso desigual à saúde bucal, operando inclusive como recorte de classe (Emmerich e Castiel, 2009 EMMERICH, Adauto; CASTIEL, Luis D. Jesus tem dentes metal-free no país dos banguelas?: odontologia dos desejos e das vaidades. História, Ciência, Saúde: Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 95-107, 2009. 10.1590/S0104-59702009000100006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/tSqXy8HzhV4DSr8CfkpkmMj/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/tSqXy8Hzh...
; Gomes e Ramos, 2015GOMES, Doris; RAMOS, Flávia R. S. O profissional da odontologia pós-reestruturação produtiva: ética, mercado de trabalho e saúde bucal coletiva. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 285-297, 2015. 10.1590/S0104-12902015000100022. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/byCNpZDZKMRPzLfXfFVnnMb/abstract/?lang=en . Acesso em: 21 nov. 2021.
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; Narvai, 2006NARVAI, Paulo C. Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. esp., p. 141-147, 2006. 10.1590/S0034-89102006000400019. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/5ZTf3MZfTwYKzhMftdhQh7B/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
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; Souza, 2006SOUZA, Elizabethe C. F. Bucalidade: conceito-ferramenta de religação entre clínica e saúde bucal coletiva. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 18-43, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63011105 . Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

O principal movimento de superação que a SBC promove é a compreensão do ser humano como ser social, histórico e que carrega múltiplas experiências. Não se preocupa unicamente com um órgão doente autonomizado da odontologia, mas sim com um sujeito que sente, na sua singularidade, um sofrimento. É sobre um sujeito que percebe algo diferente em seu corpo que interfere nas suas relações sociais e com o seu próprio corpo. Um trabalhador que procura o serviço de saúde com dor de dente está em busca da possibilidade de retomar sua vida no laço social; ele deseja pôr fim ao seu sofrimento para seguir compondo suas conexões com o mundo - trabalhar, comer, falar, relacionar-se afetivamente. Desse modo, a boca humana participa de forma singular no processo de reprodução social, uma vez que está presente nos diversos eventos sociais da vida do homem em sociedade (Botazzo, 2013aBOTAZZO, Carlos. Sobre a bucalidade. In: BOTAZZO, Carlos. Diálogos sobre a boca. São Paulo: Hucitec, 2013a. p. 217-249.).

Ainda esse autor apresenta a boca como território produzido socialmente, atravessado pela cultura e pelo psiquismo. Ele introduz o conceito da bucalidade, que trata dos trabalhos bucais: a manducação, ação de consumo do mundo e satisfação de uma necessidade básica - a alimentação, que também proporciona o gozo bucal; a linguagem, por meio da qual produzimos e consumimos palavras; e a erótica, quando nas relações de afeto produzimos atos bucais de consumo do corpo do outro. A bucalidade nos auxilia a perceber a atuação da boca nas diferentes dimensões da sociabilidade humana, e estando ela vinculada aos processos de reprodução social, faz-se importante ter em mente que, uma vez que ela trabalha, deve se desgastar conforme as condições de existência dos diferentes sujeitos, que trabalham, falam, comem, beijam etc. A aproximação com a bucalidade nos impele a singularizar o cuidado em saúde bucal, de modo que nos afastemos do a priori odontológico e deixemos as histórias dos sujeitos guiarem o nosso fazer. Desse modo, os reparos possíveis dessas ‘bocas trabalhadoras’ deixam de ser atos meramente mecânicos e passam a se configurar como ações que permitem essas bocas serem bocas, continuarem realizando seus trabalhos e conexões com o mundo (Botazzo, 2013bBOTAZZO, Carlos. Pensando a integralidade da atenção e a produção do cuidado em saúde bucal: perspectivas teóricas e possibilidades práticas para a clínica odontológica à luz do conceito de bucalidade. In: BOTAZZO, Carlos. Diálogos sobre a boca . São Paulo: Hucitec , 2013b. p. 267-287.).

Assim, a SBC e o conceito da bucalidade investem na superação do fetichismo odontológico, que trata os procedimentos odontológicos como objetos dotados de vida própria, ignorando os sujeitos nos quais são executados. A ideologia dominante responsável por impor formas de se levar a vida opera no campo da odontologia, privilegiando um fazer utilitário, tecnicista, mercantilizado, desvinculado da realidade material da sociedade. Pensar a SBC é almejar a superação da exclusão das classes populares do direito à saúde bucal, compreendendo que a realidade social não está dada, ela precisa ser analisada, desvendada e reinventada, possibilitando uma vida plena aos trabalhadores (Figueiredo, Brito e Botazzo, 2008 FIGUEIREDO, Gustavo O.; BRITO, Dyla T. S.; BOTAZZO, Carlos. Ideologia, fetiche e utopia na saúde: uma análise a partir da saúde bucal. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 753-763, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/qdBbtqVy5VRsF6HKwDhNmyd/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/qdBbtqVy5V...
). A SBC faz uma defesa intransigente de um outro modo de se relacionar, um outro modo de trabalhar, um outro modo de viver:

[...] a Utopia da saúde bucal coletiva como uma realidade a se construir, mas também como uma proposta que busca romper com o aspecto de naturalidade que assumem as políticas públicas e busca assumir para si um sentido que muitas vezes se perde, o da construção histórica da realidade, desmistificando o fetichismo odontológico e ressaltando a responsabilidade dos sujeitos como atores sociais que atuam nesse processo; com a capacidade, e possibilidade, de mudar o status quo. (Figueiredo, Brito e Botazzo, 2008 FIGUEIREDO, Gustavo O.; BRITO, Dyla T. S.; BOTAZZO, Carlos. Ideologia, fetiche e utopia na saúde: uma análise a partir da saúde bucal. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 753-763, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/qdBbtqVy5VRsF6HKwDhNmyd/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
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, p. 762)

Nesse sentido, a SBC se propõe a associar a saúde e a política, apresentando questionamentos quanto aos sentidos contidos nas políticas de austeridade, como a emenda constitucional n. 95 (Brasil, 2016BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional n. 95/2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm . Acesso em: 21 nov. 2021.
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), que vêm reduzindo de forma expressiva o financiamento em saúde, assim como em saúde bucal, e consequentemente o acesso da população aos serviços. Faz-se necessário estarmos atentos às escolhas políticas que implicam mudanças significativas na vida da classe trabalhadora brasileira, porque partimos da premissa de que o acesso à saúde bucal não é somente sobre acesso a tratamentos, mas é também sobre o direito a ter opinião, participação política, falar, comer e amar. É urgente que nos aproximemos desses trabalhadores e lutemos por uma saúde bucal democrática, participativa e resolutiva (Botazzo, 2020BOTAZZO, Carlos. A educação e a construção da cidadania: notas críticas na perspectiva das ciências sociais e humanas. In: MIALHE, Fábio L. (org.). Promoção da saúde e saúde bucal. Limeira: Coronela Books, 2020. p. 87-90. ; Narvai, 2020NARVAI, Paulo C. Ocaso do ‘Brasil Sorridente’ e perspectivas da Política Nacional de Saúde Bucal em meados do século XXI. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, v. 14, n. 1, p. 175-187, 2020. 10.18569/tempus.v14i1.2622. Disponível em: Disponível em: https://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/2622 . Acesso em: 21 nov. 2021.
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; Rossi et al., 2019 ROSSI, Thais R. A. et al. Crise econômica, austeridade e seus efeitos sobre o financiamento e acesso a serviços públicos e privados de saúde bucal. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 4.427-4.436, 2019. 10.1590/1413-812320182412.25582019. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/KhWhRCfLcStkZ7j987wcgLs/?lang=pt . Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

Considerações finais

Ao operar como impeditivo do acesso à saúde, o trabalho se mostra completamente desvirtuado de sua dimensão ontológica, configurando-se como uma atividade sobre a qual o trabalhador não detém nenhum domínio. O avanço do modo de produção capitalista e das políticas neoliberais tem agravado ainda mais a precarização do trabalho, acarretando intenso sofrimento aos trabalhadores. Essas ‘bocas trabalhadoras’, que se inserem no processo de reprodução social, só encontram possibilidade de reparos quando se incorporam à massa de desempregados durante uma pandemia.

A situação vivenciada no serviço de saúde trouxe importantes questionamentos sobre a saúde bucal dos trabalhadores. Com o aumento dos atendimentos de urgência em saúde bucal por trabalhadores oriundos do setor calçadista durante a pandemia, foi possível perceber a importância de se compreender o processo saúde-doença como socialmente determinado e atrelado à totalidade do modo de produção capitalista. O trabalho estranhado e explorado, fonte da acumulação capitalista, afeta a saúde da classe trabalhadora, que por sua vez se vê impelida a seguir trabalhando para garantir seus meios de vida, internalizando assim múltiplos sofrimentos.

O resultado dessa situação é uma massa de trabalhadores com questões de saúde bucal relevantes deixadas de lado por um longo período. Situações essas que produziam dores, desconfortos, medo e vergonha, impedindo que essas bocas se realizassem biológica e socialmente. A consequência disso foi uma enorme quantidade de procedimentos odontológicos invasivos, dentre eles os mais mutiladores - as extrações. O desdentamento dos trabalhadores é fruto da organização social da produção, que implica a distribuição desigual dessa produção, assim como o acesso desigual aos serviços de saúde. Por esse motivo, apontamos a urgência de se democratizar o acesso à saúde bucal, uma vez que a luta pela saúde bucal é sobre reivindicar o direito à existência de cidadãos que possam realizar suas funções sociais mais básicas: falar, comer e amar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2021
  • Aceito
    09 Mar 2022
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