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Mobilização e estruturação de competências para a preceptoria na residência multiprofissional em saúde

Mobilization and structuring of competencies for preceptorship in the multiprofessional residency in health

Movilización y estructuración de competencias para la preceptoría en la residencia multiprofesional en salud

Resumo

A relevância e a complexidade do trabalho desenvolvido pelos preceptores nos cenários de formação do Sistema Único de Saúde vêm crescendo nos últimos anos. Ser preceptor é uma construção cotidiana que exige a mobilização de competências específicas, porém o processo de sua estruturação e as condições para que sejam apropriadas pelos preceptores precisam ser melhor estudados. Foi realizada uma investigação que objetivou compreender como são estruturadas competências para a prática da preceptoria na residência multiprofissional em saúde. A pesquisa é qualitativa, do tipo estudo de caso, com observações das atividades e entrevistas com preceptores de um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade no sul do Brasil. Para análise, foi realizada a triangulação dos dados e definição de categorias temáticas após verificação das observações, pela técnica de combinação de padrão, e das entrevistas, pela análise temática. Foram identificados três grupos de recursos: características pessoais, institucionais e programáticas; a trajetória acadêmica e profissional; as interações na residência e a colaboração da equipe multiprofissional. A elucidação desses elementos constitutivos da estruturação de competências contribui para que sejam explorados pelos preceptores na sua prática profissional, para as instituições de saúde, ao proporcionarem condições para o seu desenvolvimento, e para que sejam incorporados às políticas de formação em saúde.

Palavras-chave:
preceptoria; tutoria; competência profissional; desenvolvimento de pessoal; internato e residência

Abstract

The relevance and complexity of the work developed by preceptors in the training scenarios of the Brazilian Unified Health System has been growing in recent years. Being a preceptor is a daily construction that requires the mobilization of specific skills, but the process of its structuring and the conditions for it to be appropriated by preceptors need to be better studied. An investigation was carried out to understand how competencies are structured for the practice of preceptorship in the multiprofessional residency in health. The research is qualitative, of the case study type, with observations of activities and interviews with preceptors of a Multiprofessional Residency Program in Family and Community Health in Southern Brazil. For analysis, data triangulation and definition of thematic categories were performed after verification of observations, using the pattern combination technique, and interviews, using thematic analysis. Three groups of resources were identified: personal, institutional and programmatic characteristics; the academic and professional trajectory; the interactions in the residence and the collaboration of the multiprofessional team. The elucidation of these constitutive elements of the structuring of competences contributes for them to be explored by preceptors in their professional practice, for health institutions, by providing conditions for their development, and for them to be incorporated into health training policies.

Keywords:
preceptorship; tutoring; professional competence; staff development; internship and residency

Resumen

La relevancia y complejidad del trabajo desarrollado por los preceptores en los escenarios de formación del Sistema Único de Salud vienen creciendo en los últimos años. Ser preceptor es una construcción cotidiana que requiere la movilización de competencias específicas, pero el proceso de su estructuración y las condiciones para que sean apropiadas por los preceptores necesitan un estudio profundizado. Se realizó una investigación para comprender cómo se estructuran las competencias para la práctica de la preceptoría en la residencia multiprofesional en salud. La investigación es cualitativa, del tipo estudio de caso, con observaciones de actividades y entrevistas con preceptores de un Programa de Residencia Multiprofesional en Salud Familiar y Comunitaria en el sur de Brasil. Para el análisis, se realizaron la triangulación de datos y la definición de categorías temáticas después de la verificación de las observaciones, utilizando la técnica de combinación de patrones, entrevistas y el análisis temático. Se identificaron tres grupos de recursos: características personales, institucionales y programáticas; la trayectoria académica y profesional; las interacciones en la residencia y la colaboración del equipo multiprofesional. La elucidación de estos elementos constitutivos de la estructuración de competencias contribuye para que sean explorados por los preceptores en su práctica profesional, por las instituciones de salud, al propiciar condiciones para su desarrollo, y para que sean incorporados a las políticas de formación en salud.

Palabras clave:
preceptoría; tutoría; competencia profesional; desarrollo de personal; internado y residencia

Introdução

A preceptoria em saúde constitui importante estratégia na formação e qualificação da força de trabalho para atuação no Sistema Único de Saúde (SUS), que se dá segundo as vivências no cotidiano dos serviços. Esse processo de acompanhamento e orientação por profissionais designados como preceptores é proposto para modalidades de formação como as residências médicas e multiprofissionais, que integram a política de pós-graduação em saúde no país.

Nos programas de residência médica, a preceptoria é exercida desde os anos 1970 e se expandiu para os programas multiprofissionais e em área profissional na primeira década dos anos 2000. Ao longo dos anos, o termo preceptor foi recebendo atualizações de seu significado, ao ser expresso por diferentes terminologias (preceptor, mentor, tutor e supervisor) associadas ao papel do profissional mais experiente que auxilia na formação de um iniciante. O preceptor, neste caso, é aquele que atua dentro do ambiente de trabalho e de formação no momento da prática clínica, e que vem exercendo simultaneamente todas as funções dessas terminologias (Botti e Rego, 2008BOTTI, Sérgio H.O.; REGO, Sérgio T. A . Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papéis? Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 32, n. 3, p. 363-373, set. 2008. https://doi.org/10.1590/S0100-55022008000300011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022008000300011⟨=pt . Acesso em: 15 maio 2021.
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). Embora desempenhe concomitantemente as funções destacadas, existem especificidades para o exercício de cada uma delas.

Posteriormente, ao extrapolar os sentidos atribuídos de início à preceptoria, sua valorização e qualificação foram reconhecidas como necessidade, quando relacionadas ao fortalecimento da integração entre ensino, serviço e comunidade (Brasil, 2015BRASIL. Portaria interministerial n. 1.124, de 4 de agosto de 2015. Institui as diretrizes para a celebração dos Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino-Saúde (Coapes), para o fortalecimento da integração entre ensino, serviços e comunidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2015. Disponível em: https://www.crub.org.br/portaria-interministerial-no-1-124-de-4-de-agosto-de-2015 /. Acesso em: 15 fev. 2021.
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). Essa integração ocorre em um cenário em que os recursos humanos em saúde nem sempre têm o perfil adequado e, muitas vezes, estão alocados em lugares pouco estratégicos para a melhoria da saúde das comunidades (Organização Pan-Americana da Saúde, 2017ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Estratégia de recursos humanos para o acesso universal à Saúde e a cobertura universal de saúde. 2017. Disponível em: https://www.paho.org/pt/documentos/estrategia-recursos-humanos-para-acesso-universal-saude-e-cobertura-universal-saude . Acesso em: 15 nov. 2021.
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). Nesse contexto, considera-se o impacto positivo do trabalho da preceptoria nas residências, ao contribuir para mudanças significativas e condizentes com as políticas públicas e para a atenção integral em saúde (Martins et al., 2010MARTINS, Anisia R. et al. Residência Multiprofissional em Saúde: o que há de novo naquilo que já está posto. In: FAJARDO, Ananyr P.; ROCHA, Cristianne M. F.; PASINIVera L. (orgs.). Residências em saúde: fazeres & saberes na formação em saúde. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição, 2010. cap. 4, p. 75-90.).

Nos programas de residência multiprofissional em saúde, o preceptor é o profissional que realiza a supervisão direta das atividades práticas dos residentes, devendo ser vinculado ao serviço de saúde e ter formação mínima de especialista, orientando as práticas ao lado de docentes e tutores com distintas formações e responsabilidades (Brasil, 2012BRASIL. Resolução n. 2 da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde, de 13 de abril de 2012. Dispõe sobre diretrizes gerais para os programas de Residência Multiprofissional e em Profissional de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção I, p. 24-25, 16 abr. 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2014-pdf/15448-resol-cnrms-n2-13abril-2012 . Acesso em: 25 set. 2021.
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). No entanto, o exercício da preceptoria exige conhecimentos relativos ao processo ensino-aprendizagem, ao currículo, aos objetivos e aos valores do programa de residência (Ribeiro, 2020RIBEIRO, Kátia R. B. et al. Teaching in health residencies: knowledge of preceptors under Shulman’s analysis. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 73, e20180779, 2020. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0779. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/8QS5nvdnMyz4Vjn47H5k9jQ/?lang=en . Acesso em: 21 nov. 2021.
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) que extrapolam aqueles abordados na formação proposta.

Esses avanços ocorrem em um contexto de dificuldades, pois ao processo de trabalho dos profissionais de saúde são adicionadas as atividades de preceptoria, para as quais não há preparo prévio, nem o pedagógico. A estas se somam outras barreiras nos serviços, como a falta de estrutura adequada ao desenvolvimento das atividades de acompanhamento, até resistências de acolhimento por parte das equipes e conflitos internos do preceptor (Missaka e Ribeiro, 2011MISSAKA, Herbert; RIBEIRO, Victoria M. B. A preceptoria na formação médica: o que dizem os trabalhos nos congressos brasileiros de educação médica 2007-2009. Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 35, n. 3, p. 303-310, 2011. https://doi.org/10.1590/S0100-55022011000300002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/xNWktz37p8hgZSYjScdPCKv/abstract/?lang=pt . Acesso em: 13 set. 2021.
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; Botti e Rego, 2011BOTTI, Sérgio H.O.; REGO, Sérgio T. A. Docente-clínico: o complexo papel do preceptor na residência médica. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 65-68, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/FDgGZssWkLgjJ5HcgXfPw4B/abstract/?lang=pt . Acesso em: 27 maio 2022.
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).

Em decorrência disso, o contexto do trabalho da preceptoria vem demandando dos profissionais de saúde uma ampliação de seu repertório técnico (Souza e Ferreira, 2019SOUZA, Sanay V.; FERREIRA, Beatriz J. Preceptoria: perspectivas e desafios na Residência Multiprofissional em Saúde. Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde, Santo André, v. 44, n. 1, p. 15-21, 2019. https://doi.org/10.7322/abcshs.v44i1.1074. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio- 995006 . Acesso em: 21 jul. 2021.
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). Ao incorporar uma inteligência prática, cuja expressão se verifica no seu desempenho, apoiada em conhecimentos adquiridos e transformados à medida que a diversidade de situações aumenta, a prática de preceptoria pode ser relacionada à noção de competência, entendida como a tomada de iniciativa e responsabilidade do indivíduo em situações com as quais se confronta (Zarifian, 2003ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. 2. ed. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.). Essa compreensão foi adotada na investigação empreendida, considerando-se, igualmente, as dimensões da competência propostas por Schwartz (2017SCHWARTZ, Yves. Educación y actividad de trabajo: diálogos, obstáculos y desafíos - Conferencia. Laboreal, Porto, v. 13, n. 1, p. 69-80, 2017. https://doi.org/10.15667/laborealxiii0117ac. Disponível em: https://journals.openedition.org/laboreal/1970?lang=pt . Acesso em: 5 fev. 2021.
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) como variáveis relevantes ao desempenho na preceptoria, pois envolvem o domínio de saberes mais ou menos protocolares, as singularidades da pessoa e o valor que o profissional atribui ao seu trabalho ou atividade.

As competências para a preceptoria podem orientar o trabalho e o preparo dos preceptores já que, nas últimas décadas, a formação dos profissionais de saúde no Brasil tem sofrido mudanças, passando a requerer dos profissionais dos serviços abordagens inovadoras e proativas. Para isso, os estudos de competências, em geral, buscam desenvolver uma listagem de conhecimentos e habilidades que seja útil ao desenvolvimento das profissões, sendo relevantes para pensar a formação.

Porém, estudos que elucidem a estruturação de competências, em um movimento contrário ao de sua enunciação, não foram identificados na literatura pesquisada. Compreender a dinâmica dessa estruturação pode auxiliar na definição e no fortalecimento do papel da preceptoria, já que o modelo da competência prevê a apropriação da atividade pelo trabalhador, contribuindo, igualmente, para uma clarificação dos papéis sociais e dos campos de responsabilidade dos envolvidos em determinado trabalho (Zarifian, 2003ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. 2. ed. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.). A fim de preencher essa lacuna, foi realizada uma investigação que teve como objetivo compreender como são estruturadas competências para a prática da preceptoria na residência multiprofissional em saúde.

Percurso metodológico do estudo de caso

Foi realizado um estudo com abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, conforme Yin (2015YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Cristhian Matheus Herrera. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015. 290 p.). Segundo este autor, os estudos de caso contribuem para a compreensão de fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos, normalmente complexos.

A pesquisa foi desenvolvida no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade (PRMS/SFC) do Grupo Hospitalar Conceição. A escolha do PRMS/SFC como campo de estudo justifica-se pelo referencial adotado na pesquisa, o qual foi desenvolvido com preceptores no contexto do SUS e possui enfoque multiprofissional (Rodrigues e Witt, 2013RODRIGUES, Carla D. S.; WITT, Regina R. Competencies for preceptorship in the Brazilian Health Care System. Journal of Continuing Education in Nursing, Texas, v. 44, p. 507-515, 2013. https://doi.org/10.3928/00220124-20130903-63. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/256499368_Competencies_for_Preceptorship_in_the_Brazilian_Health_Care_System . Acesso em: 14 ago. 2021.
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).

Por ocasião da pesquisa, atuavam como preceptores 35 profissionais de nove núcleos (educação física, enfermagem, farmácia, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social, terapia ocupacional e fonoaudiologia). A totalidade de preceptores atendia ao critério de inclusão que estipulava a atuação no Programa há, no mínimo, seis meses, o que correspondia à prática das atividades em pelo menos um dos semestres da matriz curricular do plano de ensino do PRMS/SFC.

A esses foi enviado convite, esclarecendo os objetivos e detalhando a metodologia da pesquisa, a qual previa duas etapas sequenciais para coleta de dados: observações e entrevistas individuais. A etapa de observações objetivou identificar a mobilização de competências do referencial adotado (Rodrigues e Witt, 2013RODRIGUES, Carla D. S.; WITT, Regina R. Competencies for preceptorship in the Brazilian Health Care System. Journal of Continuing Education in Nursing, Texas, v. 44, p. 507-515, 2013. https://doi.org/10.3928/00220124-20130903-63. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/256499368_Competencies_for_Preceptorship_in_the_Brazilian_Health_Care_System . Acesso em: 14 ago. 2021.
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), correlacionando-as às atividades observadas. Os registros foram realizados com base em um roteiro estruturado que contemplava dados como data, local, atividade, temática e participantes, seguido de registro livre com as falas diretas dos preceptores, o contexto, a síntese das situações observadas, percepções da relação preceptor-residente, bem como as interpretações da pesquisadora sobre o observado.

Para passar à etapa de entrevistas, estabeleceu-se a correlação de pelo menos cinco competências por participante, buscando representatividade de pelo menos um preceptor por núcleo profissional. Esse quantitativo foi definido com o objetivo de proporcionar uma adequada profundidade às reflexões, considerando uma das características das competências, que é a dificuldade de objetivar um desempenho, ou seja, os profissionais nem sempre conseguem referir como o alcançaram, escapando-lhes palavras e conceitos (Granja, 2008GRANJA, Berta P. Assistente Social: identidade e saber. 2008. 425 p. Tese (Doutorado em Ciências do Serviço Social) - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2008.).

O roteiro de entrevistas foi personalizado de acordo com o contexto observado nas atividades e cada uma das competências correlacionadas. Para explorá-las, a pesquisadora apresentava o contexto da observação, o título da competência e o domínio ao qual pertencia, solicitando ao preceptor que refletisse sobre sua construção ou desenvolvimento. Em alguns casos, as observações possibilitaram a correlação de mais de cinco competências por preceptor, o que repercutiu na adaptação do roteiro para que a entrevista não ficasse muito extensa. Para tal, foram selecionadas as de domínios diferentes ou agruparam-se duas de mesmo domínio na questão, a fim de privilegiar a reflexão do entrevistado a respeito dos diferentes domínios. A segunda parte do roteiro de entrevistas objetivou identificar o perfil de formação e experiência profissional (incluindo a atuação prévia em preceptoria ou supervisão de estágios de graduação e atuação docente), dados que se relacionam a possíveis recursos para a preceptoria em saúde.

Para análise dos dados de observação e correlação às competências foi aplicada a técnica de combinação de padrão (Yin, 2015YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Cristhian Matheus Herrera. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015. 290 p.). Esta técnica é empregada em estudos de caso, comparando um padrão baseado em empirismo, isto é, baseado nas descobertas do estudo com um padrão previsto antes da coleta de dados, verificando sua equivalência. A análise dos dados das entrevistas foi do tipo temática, verificando-se o conteúdo advindo das falas dos participantes. Esse procedimento é típico da pesquisa qualitativa, que busca explicar e descrever fenômenos sociais, explorando um conjunto de opiniões e representações sobre o tema (Minayo, Deslandes e Gomes, 2015MINAYO, Maria C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34. ed. Petrópolis: Vozes. 2015. 108 p. ).

A triangulação de dados, prática que reforça a validade de um estudo (Yin, 2016YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Penso, 2016. 313 p.), foi usada para determinar a convergência de duas fontes de dados: as observações, que permitiram à pesquisadora a correlação com as competências do referencial escolhido, e as entrevistas, as quais expressaram as percepções dos preceptores a respeito da estruturação das competências identificadas, permitindo a definição de categorias temáticas.

Para preservar o anonimato, codificaram-se os preceptores de P01 até P26, seguido da identificação do núcleo profissional (por exemplo: P01-SS: preceptor 1, serviço social) e redação no gênero masculino (preceptor). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição.

As competências e seus elementos constitutivos

Caracterização dos participantes

Na etapa de observações das atividades, 26 preceptores de sete núcleos profissionais participaram da pesquisa no período de julho a novembro de 2018. Dos 26 participantes das observações, 17 cumpriram o requisito para passar à etapa de entrevistas. Destes, dois não aceitaram participar, um desligou-se da instituição e uma estava de licença maternidade no período da coleta, totalizando 13 entrevistados de seis núcleos profissionais entre janeiro e julho de 2019. A Tabela 1 apresenta o detalhamento dos participantes por etapa, de acordo com a área profissional.

Tabela 1
Área profissional dos participantes conforme etapa da coleta de dados. Porto Alegre, 2019.

Os entrevistados apresentavam entre 6 e 36 anos de atuação profissional (média de 20 e desvio padrão de 10,3), entre 4 e 30 anos de atuação em saúde da família (média de 14 e desvio padrão de 5,0) e entre 1 e 15 anos como preceptores no PRMS/SFC (média de 9 e desvio padrão de 7,8). Quanto à formação acadêmica, 6 tinham especialização em saúde da família ou saúde pública, 5 eram especialistas e mestres e 2 eram especialistas e doutores. A Tabela 2 apresenta informações sobre a experiência com supervisão de estágios, preceptoria e atuação docente.

Tabela 2
Atuação dos participantes como preceptores ou supervisores de estágio e atuação docente de acordo com o nível de formação. Porto Alegre, 2019.

Mobilização e estruturação de competências para a preceptoria

A mobilização de competências para a preceptoria foi identificada com base na observação das atividades. Conforme a conveniência dos participantes, foram observadas 18 atividades (Quadro 1), em sua maioria, de caráter coletivo. Em relação ao referencial adotado, das 43 competências, 33 foram correlacionadas às atividades observadas (Quadro 2). O Quadro 3 apresenta exemplos da correlação dos momentos de observação das atividades às competências do referencial.

Quadro 1
Atividades observadas, descrição e número de observações por atividade. Porto Alegre, 2018.
Quadro 2
Referencial de competências para a preceptoria utilizado na pesquisa. Porto Alegre, 2013.
Quadro 3
Registros de observação de atividade teórico-prática por participante conforme competências e domínios definidos por Rodrigues e Witt (2013RODRIGUES, Carla D. S.; WITT, Regina R. Competencies for preceptorship in the Brazilian Health Care System. Journal of Continuing Education in Nursing, Texas, v. 44, p. 507-515, 2013. https://doi.org/10.3928/00220124-20130903-63. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/256499368_Competencies_for_Preceptorship_in_the_Brazilian_Health_Care_System . Acesso em: 14 ago. 2021.
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). Porto Alegre, 2018.

Para elucidar a estruturação de competências para a preceptoria, a triangulação do material empírico possibilitou a identificação de três categorias, apresentadas a seguir.

Características pessoais, institucionais e programáticas

As características pessoais ou do serviço em que os preceptores estão inseridos foram evidenciadas na estruturação de competências. Esse desenvolvimento também foi atribuído a características do próprio Programa ou se relaciona com a lógica da atenção primária em saúde e ao processo de trabalho das equipes.

Ao ser questionado sobre a competência “Compartilha com o residente sua experiência prática em relação à realidade da comunidade onde trabalha”, segundo suas intervenções para a discussão de casos em um dos seminários de campo, o preceptor da odontologia entendeu que:

Eu acho que muito, talvez, de mim mesmo, da minha característica de ser uma pessoa muito “concreta”. Às vezes, eu tenho muita dificuldade de abstrair e, aqui, várias vezes, a gente trabalha com coisas que são muito mais de reflexão, ? Mas, então, quando eu consigo enxergar algo concreto, aplicar algo, aí parece que eu aprendo. Então, acho que, muitas vezes, é nesse sentido, de tentar ajudar os residentes a enxergarem aquilo acontecendo [...] Acho que é muito a partir do meu jeito, como eu estudo, como eu aprendo, enfim, quando eu consigo, ‘, isso é assim’, aí parece que entendi. Então, acho que é muito de mim (P03-ODO).

O compartilhamento da experiência prática é viabilizado de acordo com características pessoais, as quais também foram evidenciadas para a estruturação da competência “Compromete-se com as propostas de formação desenvolvidas no serviço”, para a qual os preceptores manifestaram:

São valores que orientam a minha vida como sujeito, isso é da minha constituição, eu entendo que é preciso integrar, de diferentes perspectivas, de diferentes posições (P11-ODO).

Então, na verdade, quando eu não era preceptor, que eu não tinha residente de enfermagem, eu sempre me considerei um orientador, vamos dizer assim. A gente está em todas as situações, , então, tu é [sic] responsável (P02-ENF).

Essa competência relaciona-se ao compromisso, uma atitude entendida como característica pessoal, subjetiva, anterior à atividade de preceptoria. No primeiro trecho, o preceptor P11-ODO se referia à integração das residências multiprofissional e médica em saúde da família e o desenvolvimento de um produto, livro de receitas, fundamentado em atividades coletivas com os residentes, preceptores e comunidade. O preceptor P02-ENF manifestou que seu compromisso com o ensino na residência independe de seu vínculo à atividade de preceptoria, o qual pode ser temporário na instituição estudada, sentindo-se responsável por todos os residentes de forma permanente.

De maneira semelhante, esta competência foi relacionada à aptidão de gostar do ensino, reflexão advinda da observação do fórum de preceptores, quando estes discutiam sobre as dificuldades que se colocam a uma residência proposta por um serviço e da heterogeneidade das práticas de preceptoria:

Eu, pessoalmente, sempre gostei da questão do ensino, fui me interessando ao longo do tempo, não me via professor, não me via assim, professor. Mas eu fiz mestrado e doutorado e, ao longo desse processo, fui me enxergando como uma pessoa que gosta de dar aula também, que gosta de estar envolvido com a formação (P07-PSI).

Além das características pessoais, as características do PRMS/SFC, do Serviço de Saúde Comunitária ou, de forma mais ampla, da instituição, contribuem para a construção ou para o desenvolvimento de competências para a preceptoria. Para a competência “Estimula o residente ao exercício da problematização, identificando um problema e buscando soluções práticas e viáveis”, houve a seguinte manifestação:

O Serviço trabalha muito com as ações programáticas, é muito em cima de problemas. Depois, eu trabalhei no currículo integrado, que a gente trabalhava [...], a formação é muito baseada na problematização, PBL (Aprendizagem Baseada em Problemas). Acho que, talvez, muitas coisas, empiricamente, é que tu vai [sic] percebendo, que tu vai [sic] tendo a necessidade. Qual a necessidade de saúde, que muitas vezes é um problema, como tu lida [sic] com isso? Isso, para mim, foram as duas matrizes que me ajudaram a pensar nesse sentido (P14-ODO).

Essa competência é apoiada pela organização do Serviço e pela própria organização do PRMS/SFC. O preceptor relatou essa percepção baseado em observações de um seminário de campo sobre o uso racional de medicamentos, em que problematizava o tema e estimulava o debate com os residentes e demais profissionais da equipe presentes na atividade. De forma semelhante, a organização do Programa, que prevê espaços de diálogo, colabora para a competência “Avalia o profissional em formação, repensando a dinâmica adotada e propondo novas intervenções”. A seguir, reflexão suscitada após observação realizada no fórum de residentes e preceptores quando foram discutidos novos formatos de avaliação:

Eu acho que tem isso, também, que é bem importante, que a gente tem um grupo da enfermagem, tem o fórum de preceptores e tem a coordenação que é super [...] uma relação dialógica, de comunicação e de que quando vem os desafios de como cada um lidou naquele campo, com tal situação, acho que isso é muito construído nesse momento (P20-ENF).

Adicionalmente, de maneira programática, a lógica da atenção primária em saúde, orientadora da estratégia saúde da família, também contribui para o processo de estruturação de competências para a preceptoria. Algumas das competências exploradas, em especial as pertencentes aos domínios do trabalho em equipe e da orientação comunitária, são sustentadas pelos pressupostos da atenção primária. O preceptor P07-PSI reconhece essa contribuição ao analisar o desempenho da competência “Conhece a comunidade onde atua e orienta o residente sobre os problemas e necessidades da população”:

Acho que a saúde da família tem essa característica do trabalho em equipe multi que é bem forte, isso ajuda a gente a ter mais olhares. Por exemplo, a gente, na psicologia, vai ver menos o usuário, a enfermagem acolhe um monte de gente todos os dias, te ajuda a ter a visão [...]. Tem umas profissões que têm a característica de fazer mais visitas domiciliares. A gente recadastrou todo o território junto com a assistente social, a gente mobilizou a comunidade porque tinha uma questão de moradia. Então, toda essa vivência que eu fui tendo aqui, enquanto saúde da família (P07-PSI).

A contribuição da trajetória acadêmica e profissional

Um segundo grupo de recursos para a estruturação de competências para a preceptoria relaciona-se a elementos advindos da trajetória acadêmica, da experiência profissional e da experiência em preceptoria. A formação proporcionada durante a graduação contribui para o desempenho da competência “Compartilha com o residente sua experiência prática em relação à realidade da comunidade onde trabalha”, correlacionada às intervenções do preceptor P13-SS durante debate em um seminário de campo:

[...] desde a graduação, já fazendo essa discussão, da importância de não dicotomizar a teoria e a prática, da importância de tu poder [sic] enxergar de uma maneira mais palpável como que essa teoria se reflete na prática, como tu extrai [sic] a teoria, que ela também vem de questões empíricas, , ela não parte somente do plano ideal (P13-SS).

De forma semelhante, a trajetória na pós-graduação e as atividades de educação continuada colaboram para o desempenho de competências, a exemplo do que expressou o preceptor P14-ODO. Ele se referia à competência “Identifica-se com a atividade educativa”, citando o processo formativo pelo qual passou ao longo da vida profissional, ao qual continua se dedicando de forma permanente:

Acho que, para mim, foi um pouco isso [...] que foi minha trajetória e, de alguma forma, nessa trajetória, o mestrado me instrumentalizou para determinadas coisas, a especialização também me instrumentalizou para outras coisas, muitas educações permanentes que eu acabei fazendo, que na época não tinha [...] porque as coisas foram mudando, que também contribuíram para que eu, de alguma forma [...] de como eu sou hoje” (P14-ODO).

A especialização em programa de residência foi identificada como recurso para a preceptoria: “eu fui residente, ?” (P13-SS; P20-ENF). O preceptor P13-SS argumentou que essa experiência foi fundamental para a competência “Compartilha com o residente sua experiência prática em relação à realidade da comunidade onde trabalha”, enfatizando que a sensibilização para a importância do conhecimento do território geográfico e social da comunidade deve-se à sua formação na residência.

O tempo de atuação profissional foi destacado por outros preceptores para o desenvolvimento de determinadas competências. “Proporciona ao residente os conhecimentos e experiências necessários à sua formação profissional” foi uma delas:

Acho que tem a ver com a formação que eu fui fazendo, até pelo tempo que eu tenho de trabalho, tem a ver com a experiência. Então, muitos casos que eles me trazem são coisas que em algum momento na minha vida eu já tive a oportunidade de trabalhar com aquilo (P19-NUT).

Eu acho que [pausa] primeiro a experiência, eu já tenho alguns anos de formado, então tem já um percurso teórico e também prático, ? Eu acho que esses links ajudam no processo de formação, acho importante trazer exemplos, acho importante a gente conversar e trazer a teoria, fazer essa coisa meio dialética mesmo [...] meu percurso mesmo, meu tempo de formação, talvez se fosse há dez anos pudesse ser diferente, talvez não fosse tão participativo, talvez estivesse aprendendo coisas e escutando mais (P17-ENF).

Ainda, o tempo de atuação na preceptoria ou na residência do PRMS/SFC é outro recurso identificado pelos preceptores ao serem confrontados com os contextos de observação, oportunidades em que abordavam suas vivências guiados pelas temáticas dos seminários de campo. Para a competência “Compartilha com o residente sua experiência prática em relação à realidade da comunidade onde trabalha”, houve a seguinte reflexão:

[...] na verdade, acho que essa competência aí passa muito por isso [...] é um acúmulo de bagagem que vai vindo tanto dos profissionais que atuam na função de preceptor quanto dos residentes que estão chegando (P08-FAR).

As interações na residência e a colaboração da equipe multiprofissional

As interações com os diferentes atores da residência ocorrem no âmbito do PRMS/SFC, nos diferentes programas de residência da instituição e de forma interinstitucional.

Há uma busca por apoio mútuo no sentido de unificar estratégias ou resolver situações adversas ou mais complexas. Assim, os estudos de casos durante os seminários potencializam estas interações. Para a competência “Auxilia o residente na construção de estratégias de ação”, o preceptor da enfermagem destacou:

Então, acho que isso daí a gente aprende muito discutindo o caso, trocando, porque daí o colega te dá uma ideia que tu não tinha [sic] pensado ou o colega, às vezes, enquanto te pergunta “mas como foi a tua abordagem?”, e aí tu para e pensa, fala [sic] para ele como é que foi (P04-ENF).

Outras interações possibilitam estudo coletivo, avaliação e definição das atividades do Programa. Para o desempenho da competência “Situa o residente no SUS”, ao comentar sobre sua atuação ao orientar o desenvolvimento de um projeto de intervenção municipal durante a atividade de currículo integrado, o preceptor P20-ENF expressou:

Mas acredito que também o que auxilia é que, nós preceptores do currículo integrado, no período das férias dos residentes, a gente está se encontrando e fica rediscutindo como foi aquele semestre, como foi cada conteúdo, como a gente poderia trabalhar de uma forma diferente. Nesse momento, eu não tenho vivenciado outros espaços de formação, uma especialização. Então, é mais com os próprios colegas, ? Em relação às políticas públicas, é isso, , ah, chegou a nova Política Nacional de Atenção Básica, vamos ler, vamos olhar o que tem de diferente, então acho também que tem essa busca de estar se atualizando entre nós (P20-ENF).

Trabalhar em equipe, núcleo da competência “É capaz de interagir com os residentes e preceptores de outros núcleos, desenvolvendo atividades conjuntas e complementares”, é uma habilidade que parece não ser orientada por uma metodologia predefinida. É desempenhada à medida que as interações e aproximações se intensificam. É o que demonstra a fala a seguir:

[...] e a troca com os colegas. Porque não existe uma metodologia, não existe um bê-á-bá [...] o quanto que a gente aprende com o outro, ? [...] de como conduzir [...] também eu acho que sempre que tem um nó crítico, alguma coisa, a gente traz para os nossos colegas, para ver como cada um lida, como o outro pensaria em encaminhar (P20-ENF).

As interações e trocas entre preceptores e residentes foram destacadas em muitos depoimentos. Existe aprendizado, atualização e possibilidades de planejamento como consequência dessas trocas. Questionado sobre a competência “Demonstra capacidade técnica para orientar o residente”, o preceptor P19-NUT afirmou: “[...] o que eu sei, eu vou falar, se eu não sei, eu vou procurar na frente deles, junto com eles, porque a gente vai saber juntos” (P19-NUT).

Reafirmando a horizontalidade da relação preceptor-residente e a importância do tempo para essas interações, o preceptor P20-ENF destacou que essa relação possibilita a identificação de novas perspectivas de trabalho na equipe de saúde da família. Durante observação da atividade currículo integrado, para a competência “Auxilia o residente na construção de estratégias de ação”, ele destacou:

Porque o residente é um profissional formado, então ele vem aqui para uma especialização e é muito mais uma troca. Acho interessante, também, que diferente do processo de trabalho na unidade, com o residente a gente consegue ficar três ou quatro horas, às vezes, discutindo sobre um assunto que muitas vezes a gente não consegue no processo de trabalho. Isso abre uma visão e uma potencialidade para trabalhar depois com teus colegas da equipe (P20-ENF).

Outra interação identificada foi a interinstitucional. Ter a oportunidade de conhecer outros programas de residência amplia a compreensão e os significados atribuídos às residências em diferentes cenários. Ao comentar sobre uma manifestação no fórum de preceptores, na qual relatou a sua participação no fórum nacional, o preceptor P14-ODO reafirmou a defesa do comprometimento político que o PRMS/SFC deve ter com a residência, atitude relacionada à competência “Compromete-se com as propostas de formação desenvolvidas no serviço”:

Eu acho que isso a gente vai vendo, assim, às vezes a gente fica muito restrito à nossa visão ‘paroquial’ da residência, a gente vive e pensa que todas as experiências de residência são idênticas à experiência da residência que a gente vive [...] mas, nesses espaços, a gente pode ver como a residência entra como um papel para várias coisas; ela entra como papel de formação, como um papel de utilização de mão de obra, não diria só mão de obra barata, mas para complementar a assistência em municípios (P14-ODO).

Os preceptores também destacaram a importância da colaboração da equipe multiprofissional para o desenvolvimento de suas competências, em especial para as classificadas nos domínios valores profissionais e orientada à comunidade. Para o preceptor P04-ENF, seu desenvolvimento profissional é influenciado por sua equipe:

[...] eu acho que parte disso, assim, de um posicionamento político que é meu mas que eu tenho certeza que não é só meu, que eu estou em uma equipe que eu me desenvolvo em parceria com muitos companheiros que pensam desta forma (P04-ENF).

Ele se referia à competência “Incentiva no residente o comprometimento com a equipe de saúde, o serviço e o SUS”, identificada em um seminário de campo em que tiveram a oportunidade de falar sobre o resultado eleitoral de 2018 e as possíveis consequências para o sistema de saúde, em especial para a atenção primária.

A heterogênea combinação de recursos na construção de competências para a preceptoria

A estruturação ou o desenvolvimento de competências para a preceptoria depende de uma complexa combinação de recursos pessoais, institucionais e programáticos, que se relaciona com a história de formação e de trabalho e se fortalece com as possibilidades de interação no contexto da residência.

A contribuição das características pessoais para o desenvolvimento e consequente mobilização de competências encontra sentido na abordagem de Le Boterf (2003)LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Artmed, 2003. 278 p., para o qual a competência é entendida como um saber agir amparado em um conjunto de saberes, aptidões, qualidades pessoais e experiências. Nesta pesquisa, o saber oriundo da ação, saber-fazer empírico (Le Boterf, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Artmed, 2003. 278 p.), foi identificado em relação ao aprendizado segundo a materialidade do trabalho. Esses recursos, incorporados ao profissional, são inseparáveis de sua personalidade, heterogêneos e irregulares, sendo que uma das características essenciais da competência consiste em saber escolhê-los e combiná-los em relação aos objetivos ou atividades a realizar.

Ao compromisso com as propostas de formação, foram relacionados valores profissionais e a responsabilidade. Conforme Zarifian (2003ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. 2. ed. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.), estes pertencem a uma ética profissional e não a uma moral, em que o profissional assume a plenitude de suas ações em face de outros e em face de si mesmo. A identificação desse grupo de recursos permite compreender a complexidade do fenômeno de mobilização de competências, o qual envolve responsabilidade, iniciativa e tomada de decisão frente a uma situação real de trabalho, muitas vezes imprevista.

Reiterando essa abordagem de composição de saberes para a ação, ao saber-fazer empírico, relacionado à recorrência de situações semelhantes, integra-se o saber teórico, pertinente aos conhecimentos disciplinares difundidos pela escola e pela formação (Le Boterf, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Artmed, 2003. 278 p.), que inclui a trajetória acadêmica e profissional identificada na pesquisa. A formação acadêmica dos preceptores, demonstrada pela especialização em saúde da família de 46% dos entrevistados e pela formação stricto sensu de 53% destes, potencializa o saber teórico para a estruturação de competências.

O estudo proporcionou analisar o processo de estruturação de competências de preceptores que apresentavam experiência profissional em saúde da família e em preceptoria, o que contempla a dimensão histórica proposta por Schwartz (2017SCHWARTZ, Yves. Educación y actividad de trabajo: diálogos, obstáculos y desafíos - Conferencia. Laboreal, Porto, v. 13, n. 1, p. 69-80, 2017. https://doi.org/10.15667/laborealxiii0117ac. Disponível em: https://journals.openedition.org/laboreal/1970?lang=pt . Acesso em: 5 fev. 2021.
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) como um dos ingredientes da competência e que se relaciona ao tempo de vivência. Adicionalmente, a experiência na função de preceptoria oportuniza aos preceptores compartilharem as práticas consolidadas ao longo de seu vínculo com o Programa.

Os dados referentes à experiência com supervisão de estágios na graduação ou em preceptoria na residência e à experiência docente interessam à relação de ensino e aprendizagem, a qual vem se colocando como essencial às atividades de preceptoria. Alguns estudos destacam que os preceptores devem possuir habilidades de ensino para garantir uma experiência formativa de qualidade (Fuller et al., 2013FULLER, Patrick D. et al. Residency preceptor development and evaluation: a new approach. American Journal of Health-System Pharmacy, Bethesda, v. 70, n. 18, p. 1.605-1.608, 2013. https://doi.org/10.2146/ajhp120684. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23988602 /. Acesso em: 28 set. 2021.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23988602...
; Lorenzo López et al., 2012LORENZO LÓPEZ, José C. et al. Competencias docentes del médico de familia en su desempeño como tutor en la carrera de Medicina. Medisur, Cienfuegos, v. 10, supl. 2, p. 33-38, 2012. Disponível em: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0864-21412005000100004 . Acesso em: 21 set. 2021.
http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=s...
), já que o conhecimento técnico do núcleo profissional não é suficiente, necessitando de conteúdo educacional específico a ser incluído em estratégias de formação (Boyer, 2008BOYER, Susan A. Competence and innovation in preceptor development: updating our programs. Journal for Nurses in Staff Development, Vermont, EUA, v. 24, n. 2, p. 1-6, 2008. https://doi.org/10.1097/01.NND.0000300872.43857.0b. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18391656 /. Acesso em: 10 maio 2021.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18391656...
).

Quanto à atuação docente de boa parte dos preceptores, alguns reconheceram essa perspectiva nas atividades de residência, em especial na preparação de atividades teóricas. Esse resultado demonstra que o entendimento sobre a existência de características do trabalho docente nas atividades de preceptoria no contexto de programas de residência não é unânime, no entanto, muitos estudos já identificaram essas características (Botti, 2009BOTTI, Sérgio H. O. O papel do preceptor na formação de médicos residentes: um estudo de residências em especialidades clínicas de um hospital de ensino. 2009. 104 p. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/2582/1/ENSP_Tese_Botti_Sergio_Henrique.pdf . Acesso em: 10 abr. 2021.
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/ic...
; Ribeiro e Prado, 2014RIBEIRO, Kátia R. B.; PRADO, Marta L. A prática educativa dos preceptores nas residências em saúde: um estudo de reflexão. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 35, n. 1, p. 161-165, 2014. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2014.01.43731. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rgenf/a/yGh3vCzsbKPdtss9ZJvTVgx/abstract/?lang=pt . Acesso em: 2 maio 2021.
https://www.scielo.br/j/rgenf/a/yGh3vCzs...
; Cosme e Valente, 2013COSME, Fabiana S. M. N.; VALENTE, Geilsa S. C. The development of competencies for nursing preceptorship in the primary health care environment: a descriptive-exploratory study. Online Brazilian Journal of Nursing, Rio de Janeiro, v. 12, p. 602-604, 2013. https://doi.org/10.5935/1676-4285.20134541. Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4541 . Acesso em: 18 jan. 2021.
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; Koharchik e Redding, 2016KOHARCHIK, Linda; REDDING, Sharon R. Strategies for successful clinical teaching. The American Journal of Nursing, Nova York, v. 116, n. 7, 2016, p. 62-65. https://doi.org/10.1097/01.NAJ.0000484944.01465.18. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27336997 /. Acesso em: 15 mar. 2021.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27336997...
; O’Sullivan et al., 2015O’SULLIVAN, Teresa A. et al. Student-valued measurable teaching behaviors of award-winning pharmacy preceptors. American Journal of Pharmaceutical Education, Virginia, v. 79, n. 10, p. 1-10, dez. 2015. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4749899 /. Acesso em: 12 out. 2021.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
) e estratégias de formação em preceptoria vêm privilegiando a abordagem de metodologias de ensino (Jesus e Ribeiro, 2012JESUS, Josyane C. M.; RIBEIRO, Victoria M. B. Uma avaliação do processo de formação pedagógica de preceptores do internato médico. Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 36, n. 2, p. 153-161, 2012. https://doi.org/10.1590/S0100-55022012000400002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/wrbWxHvdBnVDd4sZ5r6M7cd/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 ago. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbem/a/wrbWxHvdB...
; Barreto e Marco, 2014BARRETO, Vitor H. L.; MARCO, Mário A. Visão de preceptores sobre o processo de ensino-aprendizagem no internato. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, DF, v. 38, n. 1, p. 94-102, 2014. https://doi.org/10.1590/S0100-55022014000100013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/tS3WtdmqmFbkLx93zn3kR9F/abstract/?lang=pt . Acesso em: 20 jun. 2021.
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; Cavalcanti e Sant’Ana, 2014CAVALCANTI, Ismar L.; SANT’ANA, João M. B. A preceptoria em um programa de residência multiprofissional em oncologia: carências e dificuldades. Revista Eletrônica Gestão & Saúde, Brasília, v. 5, n. 3, p. 1.045-1.054, 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/486 . Acesso em: 15 mar. 2021.
https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/...
; Izecksohn et al., 2017IZECKSOHN, Mellina M. V. et al. Preceptoria em medicina de família e comunidade: desafios e realizações em uma atenção primária à saúde em construção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 737-746, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.332372016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/6TSMNrnJvwcSgjvwzGjRFmd/abstract/?lang=pt . Acesso em: 12 set. 2021.
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).

As características institucionais e programáticas, também identificadas como estruturantes das competências para a preceptoria, são consideradas recursos do meio ou saberes procedimentais, relativos ao sistema de gestão, à cultura organizacional, aos guias e manuais, e se referem ao contexto no qual o profissional intervém (Le Boterf, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Artmed, 2003. 278 p.). Neste sentido, as características institucionais e programáticas contribuem para a estruturação de competências, ao mesmo tempo em que os profissionais retroalimentam as instituições e os programas, por meio de suas competências (Zarifian, 2003ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. 2. ed. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.).

Outro grupo de recursos para o desenvolvimento das competências para a preceptoria refere-se às diversas oportunidades de interações relatadas, recursos externos, situados no entorno dos profissionais. O reconhecimento do potencial dessas interações é a capacidade de cada trabalhador em apreciar os diferentes perfis, ou seja, os ingredientes concorrentes de outros colegas, incluindo os seus próprios (Schwartz, 2017SCHWARTZ, Yves. Educación y actividad de trabajo: diálogos, obstáculos y desafíos - Conferencia. Laboreal, Porto, v. 13, n. 1, p. 69-80, 2017. https://doi.org/10.15667/laborealxiii0117ac. Disponível em: https://journals.openedition.org/laboreal/1970?lang=pt . Acesso em: 5 fev. 2021.
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). O compartilhamento de experiências os auxilia na resolução de situações adversas e na construção de estratégias, ao mesmo tempo em que se apoiam mutuamente mediante iniciativas como o estudo coletivo, contribuindo para o fortalecimento do papel da preceptoria.

Esse compartilhamento é recomendado em iniciativas de formação para a preceptoria, onde a construção conjunta de estratégias de comunicação e de avaliação, a aproximação com as metodologias ativas de ensino e outros conhecimentos pedagógicos, assim como a discussão do papel e das competências do preceptor (Izecksohn et al., 2017IZECKSOHN, Mellina M. V. et al. Preceptoria em medicina de família e comunidade: desafios e realizações em uma atenção primária à saúde em construção. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 737-746, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.332372016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/6TSMNrnJvwcSgjvwzGjRFmd/abstract/?lang=pt . Acesso em: 12 set. 2021.
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; Jung et al., 2016JUNG, Carolyn M. et al. Development of a precepting workshop for pharmacy residents. American Journal of Health-System Pharmacy , Bethesda, v. 73, n. 3, p. 127-132, fev. 2016. https://doi.org/10.2146/ajhp150119. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26796905 /. Acesso em: 14 jul. 2021.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26796905...
; Delfino et al., 2014DELFINO, Paula et al. The preceptor experience: the impact of the Vermont Nurse Internship Project/Partnership Model on Nursing Orientation. Journal of Nurses in Professional Development, Filadélfia, v. 30, n. 3, p. 122-126, 2014. https://doi.org/10.1097/NND.0000000000000060. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24845090 /. Acesso em: 19 maio 2021.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24845090...
) é ponto de interesse. Para Batista (2012BATISTA, Nildo A. Educação interprofissional em saúde: concepções e práticas. Caderno FNEPAS, Rio de Janeiro, v. 2, p. 25-28, 2012. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4298824/mod_resource/content/1/educacao_interprofissional.pdf . Acesso em: 19 maio 2021.
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), a troca de experiências e saberes possibilita o exercício de práticas transformadoras e a construção de projetos mais dialogados. Corroborando com esse entendimento, Zarifian (2003ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e propostas. 2. ed. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.) elenca a interdependência como uma das características do modelo da competência, esclarecendo que as trocas comunicacionais e o trabalho coletivo são estratégias potentes do modelo.

As interações e trocas entre preceptores e residentes evidenciadas neste estudo, das quais decorrem aprendizado, atualização e possibilidades de planejamento, podem ser relacionadas ao que foi teorizado por Sousa, Falbo-Neto e Falbo (2021SOUSA, Monique A. O.; FALBO-NETO, Gilliatt H.; FALBO, Ana R. Correlação entre os domínios de competência do tutor e o desempenho estudantil: estudo transversal. Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 45, n. 3, 2021, https://doi.org/10.1590/1981-5271v45.3-20200214. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/PBYqnbh4dRMtYqTgtrNpL3P/?lang=pt . Acesso em: 20 nov. 2021.
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) em relação às características de um tutor efetivo. Para estes autores, elas incluem a congruência social, que se refere à capacidade de criação de um bom ambiente de interação entre os participantes, a congruência cognitiva, que é a capacidade do tutor de se ajustar ao nível dos estudantes (relação horizontal), e o conhecimento de conteúdo, que permite que o tutor tenha habilidade para acompanhar e estimular a discussão, contribuindo para a elaboração e a articulação de ideais e para o melhor desempenho dos estudantes.

Os preceptores também estruturam competências com base na colaboração da equipe multiprofissional. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2010)ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Interprofessional collaborative practice in primary health care: nursing and midwifery perspectives - six case studies. Genebra: OMS, 2013. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/120098 . Acesso em: 4 abr. 2021.
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, a prática colaborativa fortalece os sistemas de saúde e é apoiada pela educação interprofissional em saúde, considerada uma prática essencial para a integralidade do cuidado. Práticas educativas interprofissionais são essenciais ao fortalecimento da atenção primária no mundo (Organização Mundial da Saúde, 2013ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2010. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/dahu/seguranca-do-paciente/marco-para-acao-em-educacao-interprofissional-e-pratica-colaborativa-oms.pdf/view . Acesso em: 27 maio 2022.
https://www.gov.br/saude/pt-br/composica...
). Neste sentido, a educação interprofissional, essencial à prática colaborativa, também propicia a estruturação de competências para a preceptoria.

O reconhecimento do saber dos profissionais da equipe, valorizando seus conhecimentos e opiniões, assim como o reconhecimento de limitações de saber e ação profissional, foram atitudes identificadas como relevantes para orientar a formação profissional na residência multiprofissional em saúde da família (Nascimento e Oliveira, 2010NASCIMENTO, Débora. D. G.; OLIVEIRA, Maria A. C. Competências profissionais e o processo de formação na Residência Multiprofissional em Saúde da Família. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 814-827, 2010. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000400009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/mCRtDzTkXpWYfmy3WwPv6PL/?lang=pt . Acesso em: 10 out. 2021.
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), competências estas que reforçam a importância da colaboração da equipe multiprofissional para o trabalho da preceptoria.

Considerações finais

Identificar os processos de mobilização e estruturação de competências em um trabalho que vem se transformando ao longo dos anos, como a preceptoria no SUS, afirma a necessidade de preparo e institucionalização dessa prática que tem se mostrado desafiadora aos profissionais de saúde.

A estruturação de competências para essa prática é um processo complexo que envolve características pessoais dos preceptores e uma composição de saberes da formação e do meio, envolvendo a colaboração entre preceptores, residentes e demais profissionais da equipe, inclusive entre os membros de programas de residência de diferentes instituições. As reflexões dos participantes reverberaram a importância do apoio mútuo, evidenciando que a preceptoria pode ser construída e fortalecida com base no compartilhamento de suas experiências.

Exercer a preceptoria em uma instituição com uma organização consolidada para os programas de residência, com comissões constituídas e currículo estruturado, foi um dos recursos reconhecidos para a estruturação de competências. Ao mesmo tempo, reconhece-se o papel da formação para a preceptoria, pois um preparo mais estruturado pode aprimorar a mediação da formação proposta nos programas de residência multiprofissional.

Quando se afirma a necessidade de preparo, corroborada pela identificação da contribuição das características institucionais e do programa estudado à estruturação de competências, propõe-se a formação continuada e sistemática dos preceptores, em que serviços e instituições de ensino se articulem para proporcionar ofertas formativas que fortaleçam o papel da preceptoria. Essas podem ser voltadas à relação de ensino e aprendizagem, metodologias e práticas pedagógicas, ou para apoiar a discussão e delimitação de papéis e possibilidades de apoio entre os diferentes atores dos programas de residência.

A limitação deste estudo refere-se à compreensão da estruturação de competências conforme a concepção dos preceptores. Sugere-se que futuras investigações, utilizando outras abordagens metodológicas, possam dar continuidade à exploração desse importante processo na preceptoria.

A preceptoria, como estratégia de formação profissional no contexto do SUS, vem sendo desempenhada e construída por elementos constitutivos que, uma vez conhecidos, contribuem para a prática profissional, para que as instituições de saúde proporcionem condições para o seu desenvolvimento e para que esses elementos sejam incorporados às políticas de formação em saúde.

Referências

  • Financiamento

    Não há.
  • Aspectos éticos

    A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conforme o parecer consubstanciado n. 2.581.521, em 5 de abril de 2018, bem como pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição, de acordo com o parecer consubstanciado n. 2.711.551, em 13 de junho de 2018.
  • Apresentação prévia

    Esse artigo é resultante da tese de doutorado Mobilização e estruturação de competências no trabalho da preceptoria da residência multiprofissional em saúde, de autoria de Carla Daiane Silva Rodrigues, defendida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2021
  • Aceito
    13 Maio 2022
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