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Olhar profissional no atendimento em saúde às pessoas privadas de liberdade: revisão integrativa

The professional perspective on health care for people deprived of their liberty: an integrative review

Mirada profesional sobre el cuidado de la salud de las personas privadas de libertad: revisión integradora

Resumo

O sistema carcerário pode ser marcado por um conjunto de fatores que dificultam a ressocialização do indivíduo e o acesso integral à saúde, revelando questões que afetam a assistência e dificultam a atuação dos profissionais de saúde. Para tanto, buscou-se neste texto descrever a visão de profissionais das diversas áreas da saúde a respeito do atendimento às pessoas privadas de liberdade por meio da leitura de artigos. A revisão integrativa foi construída com base em pesquisa nas bases de dados Medline, via PubMed, e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências em Saúde, por meio dos descritores education, medical, health personnel e prisoners, selecionando artigos publicados nos últimos dez anos. Após a etapa de exclusão, foram lidas na íntegra 68 referências, resultando em 13 estudos selecionados. Definiram-se três categorias com base na identificação dos temas mais frequentes nas publicações: estigma, barreiras no atendimento e saúde mental. Conclui-se que ainda existem lacunas importantes para a formação adequada voltada ao atendimento das pessoas privadas de liberdade, uma vez que estigmas e barreiras do sistema prejudicam a saúde mental desse grupo vulnerável no âmbito de acesso integral à saúde.

Palavras-chave:
educação médica; prisioneiros; pessoal de saúde; política de saúde

Abstract

The imprisonment system can be marked by a set of factors that hinder the re-socialization of the individual and the integral access to health, revealing issues that affect the assistance and hinder the performance of health professionals. Therefore, this text aims to describe the vision of professionals from different areas of health regarding the care of people deprived of liberty through the reading of articles. The integrative review was built based on a search in the Medline, PubMed, and Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences databases, using the descriptors ‘education’, ‘medical’, ‘health personnel’, and ‘prisoners’, selecting articles published in the last ten years. After the exclusion step, 68 references were read in full, resulting in 13 selected studies. Three categories were defined based on the identification of the most frequent themes in the publications: stigma, barriers to care, and mental health. It is concluded that there are still important gaps in the adequate training for the care of people deprived of liberty, since stigmas and barriers in the system hinder the mental health of this vulnerable group in the scope of integral access to health.

Keywords:
medical education; prisoners; health care personnel; health policy

Resumen

El sistema penitenciario puede estar marcado por un conjunto de factores que dificultan la resocialización del individuo y el acceso integral en salud, revelando problemáticas que afectan la atención y dificultan el trabajo de los profesionales de la salud. Por lo tanto, este texto buscó describir la mirada de profesionales de las diferentes áreas de la salud sobre la atención a las personas privadas de libertad a través de la lectura de artículos. La revisión integradora fue construida a partir de la investigación en las bases de datos Medline, vía PubMed y Literatura Lationamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud, a través de los descriptores education, medical, health personnel y prisoners, seleccionando artículos publicados en los últimos diez años. Trás la etapa de exclusión, se leyeron 68 referencias en su totalidad, lo que resultó en 13 estudios seleccionados. Se definieron tres categorías a partir de la identificación de los temas más frecuentes en las publicaciones: estigma, barreras al cuidado y salud mental. Se concluye que aún existen importantes vacíos para una adecuada formación dirigida a la atención de las personas privadas de libertad, ya que los estigmas y barreras del sistema perjudican la salud mental de este grupo vulnerable en el contexto del pleno acceso a la salud.

Palabras clave:
educación médica; prisioneros; personal de salud; política de salud

Introdução

Nas últimas décadas, o sistema carcerário brasileiro vem tendo dificuldades em ser um ambiente educativo e de ressocialização, uma vez que os detentos estão submetidos a condições e processos precários, como superlotação de celas, dificuldade de acesso à saúde, alimentação inadequada e descuido com a higiene pessoal (Oliveira et al., 2020 OLIVEIRA, Anderson et al. A precariedade do sistema prisional brasileiro. Humanidades em Perspectivas, Curitiba, v. 4, n. 8, p. 37-45, 2020. Disponível em: https://www.cadernosuninter.com/index.php/humanidades/article/view/1490/1109. Acesso em: 21 maio 2022.
https://www.cadernosuninter.com/index.ph...
). Diante disso, torna-se indispensável a atuação dos profissionais da saúde para com essa população, a fim de promover os direitos básicos de saúde. Toda essa situação pode favorecer pessoas em situação de cárcere a desenvolverem diversas complicações de saúde. Entre elas, há um destaque para doenças crônicas, transtornos mentais, problemas respiratórios e infecções sexualmente transmissíveis (Sánchez et al., 2021 SÁNCHEZ, Alexandra et al. Mortalidade e causas de óbitos nas prisões do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 37, n. 9, 2021. https://doi.org/10.1590/0102-311X00224920. Disponível em: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/1678-4464-csp-37-09-e00224920.pdf. Acesso em: 20 jun. 2022.
http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//...
). Importante destacar ainda que o envelhecimento da população se reflete no espaço carcerário, sendo importante considerar que as estratégias de saúde devem acompanhar esse processo de envelhecimento, uma vez que se trata de uma faixa etária com prevalência maior de doenças crônicas e demências, fatores que não eram tão comuns em tais ambientes (Brooke e Rybacka, 2020 BROOKE, Joanne; RYBACKA, Monika. Development of a dementia education workshop for prison staff, prisoners, and health and social care professionals to enable them to support prisoners with dementia. Journal of Correctional Health Care, v. 26, n. 2, p. 159-167, 2020. https://doi.org/10.1177/1078345820916444. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1078345820916444. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1...
).

Além das adversidades que acometem esse sistema, existem poucos profissionais de saúde dispostos a trabalhar com essa população. Percebe-se uma carência desde a formação, na qual a população carcerária não é incluída nas discussões em geral. Nesse sentido, quando os estudantes entram em contato com alguma pessoa privada de liberdade, sentem-se receosos em realizar a assistência. Outrossim, quando esse cuidado é realizado no próprio presídio ou penitenciária, os profissionais relatam sentir desconfiança ou intimidação para atender ao paciente privado de liberdade. Esse fator, somado à limitação de tempo de atendimento, pode levar a maior dificuldade para realizar tal assistência à saúde (Muiruri, Brewer e Khan, 2019 MUIRURI, Peninnah N.; BREWER, Gayle; KHAN, Roxanne. ‘If it wasn’t for ethics, I wouldn’t go near him’: an interpretative phenomenological analysis of caring for patient-prisoners in Kenya. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, v. 63, n. 14, p. 2.440-2.452, 2019. https://doi.org/10.1177/0306624X19849556. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0306624X19849556. Acesso em 5 mar. 2022.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
; Goshin et al., 2017).

Contudo, algumas ações surgem como tentativa de sanar parte desses empecilhos no atendimento de pessoas privadas de liberdade. Exemplo disso é a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp), instituída com o intuito de garantir o acesso das pessoas em situação de privação de liberdade ao cuidado integral do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal política preconiza a qualificação da atenção primária no âmbito prisional como meio de entrada ao sistema público de saúde. Para tanto, os recursos são transferidos para a capacitação de equipes previamente cadastradas no sistema de equipes de Atenção Primária Prisional (EAPP) (Brasil, 2014aBRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Portaria interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, p. 18-21, 3 jan. 2014a.). Esta, por sua vez, é responsável por articular as equipes de forma a prestar atenção integral à saúde dos detentos dentro da rede de atenção à saúde já existente no município.

Outra modificação realizada nas políticas públicas diz respeito à formação do profissional, que deve priorizar o acesso universal e a equidade como direitos à cidadania, sem privilégios nem preconceitos de qualquer espécie, tratando as desigualdades com equidade e atendendo às necessidades pessoais específicas segundo as prioridades definidas pela vulnerabilidade e pelo risco à saúde e à vida, observado o que determina o SUS (Brasil, 2014bBRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil , Brasília, DF, seção 1, p. 8-11, 20 fev. 2014b.).

Em virtude dessa complexidade na assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade, é importante analisar a visão dos profissionais de saúde, uma vez que ao se saber o que limita sua prática se tornará possível conhecer as lacunas e os desafios da prevenção de doenças e promoção à saúde dessa população. Este estudo se justifica pela necessidade de produção de literatura para profissionais da saúde com diversas formações, pensando no embasamento científico permanente para a qualificação de suas práticas.

Diante do exposto, a revisão integrativa buscou descrever a visão de profissionais das diversas áreas da saúde a respeito do atendimento às pessoas privadas de liberdade.

Percurso metodológico

Este artigo é uma revisão integrativa que buscou identificar o conhecimento sobre uma temática específica, conduzida de modo a analisar e sintetizar resultados de estudos independentes sobre o mesmo assunto (Souza, Silva e Carvalho, 2010 SOUZA, Marcela T.; SILVA, Michelly D.; CARVALHO, Rachel de. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, 2010. https://doi.org/10.1590/s1679-45082010rw1134. Disponível em: https://journal.einstein.br/pt-br/article/revisao-integrativa-o-que-e-e-como-fazer/. Acesso em: 4 jun. 2022.
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). Os autores descrevem a sistematização de seis etapas: 1) identificação do tema e elaboração da questão norteadora; 2) busca ou amostragem na literatura; 3) coleta de dados; 4) análise crítica dos estudos incluídos; 5) interpretação dos resultados; 6) apresentação da revisão/síntese do conhecimento (Souza, Silva e Carvalho, 2010 SOUZA, Marcela T.; SILVA, Michelly D.; CARVALHO, Rachel de. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, 2010. https://doi.org/10.1590/s1679-45082010rw1134. Disponível em: https://journal.einstein.br/pt-br/article/revisao-integrativa-o-que-e-e-como-fazer/. Acesso em: 4 jun. 2022.
https://journal.einstein.br/pt-br/articl...
).

Para a primeira etapa, estabeleceu-se a seguinte questão norteadora: qual o olhar dos profissionais de saúde sobre o atendimento às pessoas privadas de liberdade?

Realizou-se uma busca nas bases de dados Medline, via PubMed, e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências em Saúde). A pesquisa bibliográfica foi feita mediante pesquisas eletrônicas de acordo com os descritores; além disso, buscaram-se artigos originais que estudaram a visão de profissionais de saúde atuantes no atendimento às pessoas privadas de liberdade, em relação tanto ao contato com o tema durante a sua formação acadêmica quanto ao atendimento dessa população na rede de saúde.

Os critérios de inclusão foram artigos na íntegra, publicados de janeiro de 2011 a abril de 2021, que relataram contato com o tema ‘saúde de pessoas privadas de liberdade’ durante a formação acadêmica ou a vivência dos profissionais no atendimento de pessoas privadas de liberdade. Os critérios de exclusão foram literatura cinza (carta ao editor, relatórios, editoriais, pôsteres etc.) e outra língua que não inglês, português ou espanhol. Os descritores utilizados, separados ou combinados entre si, foram: educação médica; prisioneiros; pessoal de saúde; education, medical; prisoners, health personnel. A chave de busca utilizada foi: ((“Education, Medical”[Mesh]) OR “Health Personnel”[Mesh]) AND “Prisoners”[Mesh] e suas combinações com os descritores listados anteriormente.

A busca foi realizada em abril de 2021 e resultou em 223 artigos. Com base na análise crítica dos títulos e resumos, foram selecionados 68 artigos para leitura. Após a leitura na íntegra, 44 artigos foram excluídos por aplicação de critérios, resultando em 13 artigos selecionados que atendiam aos objetivos propostos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da seleção de artigos

Os dados coletados foram organizados e agrupados em categorias temáticas de acordo com o objetivo central deste estudo. Para a realização da análise crítica e a interpretação dos resultados, realizou-se a leitura na íntegra de todas as publicações selecionadas, com a classificação dos dados em uma tabela. As informações foram coletadas segundo autores, revista utilizada na publicação, ano, local do estudo, metodologia, profissional abordado na pesquisa e categoria temática, em uma planilha eletrônica (Microsoft Office Excel versão 2016).

As três categorias temáticas de análise foram definidas de acordo com os temas mais frequentes nas publicações e compreendem: estigma, barreiras no atendimento e saúde mental.

O estigma, como categoria, foi entendido como preconceitos por parte dos profissionais de saúde a respeito da população carcerária e que impactavam o atendimento dessa população. Já na categoria das barreiras no atendimento, foram consideradas as publicações que relatam quais os principais entraves encontrados para o atendimento dessa população, sejam estes físicos, administrativos ou pessoais. Por fim, na categoria saúde mental incluíram-se questões inerentes ao cuidado psicológico dos detentos e profissionais de saúde envolvidos na assistência.

Para a análise quantitativa dos dados foi realizado o cálculo de frequência simples, a fim de descrever a caracterização dos artigos encontrados.

Resultados e discussão

Na Tabela 1, são apresentados os dados referentes a todas as publicações selecionadas na revisão, considerando-se para a análise descritiva: autores, revista, ano de publicação, local de estudo, metodologia, profissional da saúde e categoria.

Tabela 1
Características gerais dos estudos selecionados na revisão em 2021 (n=13).

Os artigos apresentados na Tabela 1 foram distribuídos nas categorias descritas; assim obtiveram-se seis artigos na categoria ‘Barreiras no Atendimento de Detentos’, cinco na categoria ‘Saúde Mental’ e cinco na categoria ‘Estigma’.

Dentre os 13 estudos, cinco foram feitos nos Estados Unidos da América (EUA); quatro no Reino Unido; e África do Sul, Quênia, Suíça e Austrália contribuíram com um artigo cada. Percebe-se um predomínio de artigos produzidos nos EUA, o que pode levar a se questionar a representatividade dos achados. Infelizmente, não houve nenhum estudo brasileiro incluído na amostra, o que demonstra a urgência de se discutir essa temática nas escolas de saúde do país.

Os profissionais de saúde incluídos nos artigos selecionados foram: enfermeiras (6), psicólogos (3), médicos psiquiatras (3), médicos clínicos gerais (2), assistentes sociais (2), médicos residentes (1), dentistas (1), conselheiros de saúde mental (1), terapeutas ocupacionais (1), profissionais da saúde mental não especificados (1), profissionais de saúde não especificados (2) (Figura 2). Esses resultados refletem a preocupação com a saúde mental como crescente nesse espaço, bem como um protagonismo da enfermagem em ações de saúde. Porém, mais uma vez se faz necessário maior número de estudos para que se possa visualizar essa realidade com mais profundidade, especialmente no Brasil.

Figura 2
Distribuição da frequência de artigos selecionados de acordo com os profissionais de saúde participantes, 2021.

Quanto ao ano de publicação dos artigos, tem-se a maioria deles (30,77% - quatro artigos) de 2017, seguido por 23,08% (três) de 2020, 15,38% (dois) de 2015 e os demais de 2018 (7,69% - um artigo), 2019 (7,69% - um), 2014 (7,69% - um) e 2011 (7,69% - um artigo) (Figura 3). Todos os artigos selecionados utilizaram a metodologia qualitativa. Assim, pode-se notar um aumento de publicações dessa temática nos últimos anos, apesar de mais estudos ainda serem necessários.

Figura 3
Distribuição de artigos selecionados de acordo com o ano de publicação, 2021.

Saúde mental da pessoa privada de liberdade: agravos (in)visíveis aos olhos de quem cuida

No que diz respeito ao tema de saúde mental do público privado de liberdade e dos profissionais da saúde que atuam no sistema prisional, foram encontrados cinco artigos (Bantjes, Swartz e Niewoudt, 2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
; Samele et al., 2016 SAMELE, Chiara et al. Key successes and challenges in providing mental health care in an urban male remand prison: a qualitative study. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 51, n. 4, p. 589-596, 2016. https://doi.org/10.1007/s00127-016-1170-2. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4823327/. Acesso em: 5 mar. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Brooke e Rybacka, 2020 BROOKE, Joanne; RYBACKA, Monika. Development of a dementia education workshop for prison staff, prisoners, and health and social care professionals to enable them to support prisoners with dementia. Journal of Correctional Health Care, v. 26, n. 2, p. 159-167, 2020. https://doi.org/10.1177/1078345820916444. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1078345820916444. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1...
; Dykema, 2020 DYKEMA, Lindsay-Rose. When I see you: opening eyes and closing jails. Psychiatric Services, v. 71, n. 6, p. 637-638, 2020. https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900557. Disponível em: https://ps.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ps.201900557. Acesso em: 20 maio 2022.
https://ps.psychiatryonline.org/doi/full...
; Elger, Handtke e Wangmo, 2015 ELGER, Bernice S.; HANDTKE, Violet; WANGMO, Tenzin . Paternalistic breaches of confidentiality in prison: mental health professionals’ attitudes and justifications. Journal of Medical Ethics, v. 41, n. 6, p. 496-500, 2015. https://doi.org/10.1136/medethics-2013-101981. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25587043/. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25587043...
) que tratavam da temática. De acordo com os textos selecionados, a saúde mental é um tema no qual os profissionais ainda precisam de mais qualificação para atuar, destacando-se casos em que existem falta de integração com a rede de serviços e inimputabilidade penal.

Numa dessas publicações, Bantjes, Swartz e Niewoudt (2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
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) argumentam que o contexto opressor e violento da África do Sul pós-apartheid provocou uma sociedade com diversos problemas socioeconômicos e políticos, que são refletidos na estrutura de prisões com poucos recursos e desprovidos de um ambiente terapêutico. O estudo baseou-se na concepção dos profissionais da área da saúde mental em relação ao atendimento de detentos que já haviam tentado a prática de suicídio. Segundo os profissionais, a falta do ambiente terapêutico, o enfoque na prisão e contenção causam estranhamento e dificuldade na inserção das práticas de saúde (Bantjes, Swartz e Niewoudt, 2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
). Além disso, a falta de integração entre a equipe de saúde e a de segurança prejudica o atendimento, com procedimentos não padronizados e escassez de equipes de saúde multiprofissionais compostas (Bantjes, Swartz e Niewoudt, 2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
). Nesse contexto conturbado e precário, os profissionais de saúde relataram o aumento de estresse e episódios de ansiedade. A falta de recursos e o ambiente deixam o seu trabalho frustrante e desafiador, cercado por uma impotência em razão da carência de recursos para promover a saúde mental de uma população que necessita de intenso trabalho mental para a prevenção do suicídio, fruto de uma realidade ainda muito desafiadora (Bantjes, Swartz e Niewoudt, 2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
).

Corroborando a temática da prestação de cuidados de saúde mental em um dos artigos incluídos (Samele et al., 2016 SAMELE, Chiara et al. Key successes and challenges in providing mental health care in an urban male remand prison: a qualitative study. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 51, n. 4, p. 589-596, 2016. https://doi.org/10.1007/s00127-016-1170-2. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4823327/. Acesso em: 5 mar. 2022.
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), destacou-se a criação de serviços especializados como medida para melhorar tal assistência nas prisões, dentre eles a integração com a atenção primária à saúde e com uma enfermeira psiquiátrica. Embora a integração tenha um papel importante para a atuação em saúde mental do público privado de liberdade, também compartilha os desafios da realização de avaliações e tratamentos com a exigência da presença de agentes penitenciários e alto nível de segurança, principalmente tratando-se da falta de salas privativas para consultas de terapia e acompanhamento. Uma das intervenções de sucesso adotadas na prisão que foi relatada pelo estudo consistia na adoção da integração em que a enfermeira psiquiátrica conduzia os diferentes casos na rede e dava início a um tratamento precoce (Samele et al., 2016 SAMELE, Chiara et al. Key successes and challenges in providing mental health care in an urban male remand prison: a qualitative study. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 51, n. 4, p. 589-596, 2016. https://doi.org/10.1007/s00127-016-1170-2. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4823327/. Acesso em: 5 mar. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Outro estudo analisado (Brooke e Rybacka, 2020 BROOKE, Joanne; RYBACKA, Monika. Development of a dementia education workshop for prison staff, prisoners, and health and social care professionals to enable them to support prisoners with dementia. Journal of Correctional Health Care, v. 26, n. 2, p. 159-167, 2020. https://doi.org/10.1177/1078345820916444. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1078345820916444. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1...
) relatou a dinâmica de falta de conhecimento e habilidade de profissionais para com os prisioneiros que desenvolvem o estado patológico de demência. Para esses autores, existe falta de informação e organização para educação em saúde mental no sistema prisional, o que cria diversos estigmas relacionados ao processo de demência, como a crença de seu desenvolvimento único e exclusivo pelo fator da idade (Brooke e Rybacka, 2020 BROOKE, Joanne; RYBACKA, Monika. Development of a dementia education workshop for prison staff, prisoners, and health and social care professionals to enable them to support prisoners with dementia. Journal of Correctional Health Care, v. 26, n. 2, p. 159-167, 2020. https://doi.org/10.1177/1078345820916444. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1078345820916444. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1...
). Diante dos diversos estigmas de saúde mental, tanto por prisioneiros quanto por agentes de segurança e saúde, foi proposto um workshop interativo para o ensino de saúde mental com foco na demência (Brooke e Rybacka, 2020 BROOKE, Joanne; RYBACKA, Monika. Development of a dementia education workshop for prison staff, prisoners, and health and social care professionals to enable them to support prisoners with dementia. Journal of Correctional Health Care, v. 26, n. 2, p. 159-167, 2020. https://doi.org/10.1177/1078345820916444. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1078345820916444. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.liebertpub.com/doi/10.1177/1...
).

O estudo de Dykema (2020 DYKEMA, Lindsay-Rose. When I see you: opening eyes and closing jails. Psychiatric Services, v. 71, n. 6, p. 637-638, 2020. https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900557. Disponível em: https://ps.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ps.201900557. Acesso em: 20 maio 2022.
https://ps.psychiatryonline.org/doi/full...
) traz um relato como psiquiatra em um sistema prisional em que um dos seus pacientes é diagnosticado com esquizofrenia, doença não tratada devido a confinamentos e à progressão da psicose. Descreve o intenso fluxo de pessoas com distúrbios de saúde mental que são detidas diante de uma suposta quebra e infração de leis. A lei brasileira n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, da imputabilidade penal, admite que a culpa é um juízo de reprovação, segundo o qual o sujeito culpado deve compreender o caráter ilícito do crime que cometeu. Tal capacidade se manifesta em indivíduos que não têm estruturas psíquicas prejudicadas. Assim, imputável é o ser que tem a capacidade de entender o fato ilícito; caso o ser tenha patologias de cunho mental ou desenvolvimento mental incompleto, ele se torna inimputável (Peres e Nery Filho, 2002 PERES, Maria F. T.; NERY, Filho Antônio. A doença mental no direito penal brasileiro: inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 335-355, 2002. https://doi.org/10.1590/S0104-59702002000200006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/Kd7b5QmLDPGkZwJMQ 4wPCpP/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jan. 2022.
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/Kd7b5QmLD...
). Um exemplo estudado principalmente na psicologia forense é a epilepsia, que provoca crises de ausência que podem provocar práticas de golpes, ausência de remorso e intensa violência (Cosmo et al., 2011 COSMO, Eduardo M. et al. A inimputabilidade penal dos doentes mentais. Conteúdo Jurídico, 2011. Disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/open-pdf/cj033016.pdf/consult/cj033016.pdf. Acesso em: 22 maio 2022.
https://www.conteudojuridico.com.br/open...
). Com condições precárias e sub-humanas, os casos normalmente passam por processo de piora e acabam desenvolvendo diversas doenças mentais fruto de situações vividas nas prisões (Dykema, 2020 DYKEMA, Lindsay-Rose. When I see you: opening eyes and closing jails. Psychiatric Services, v. 71, n. 6, p. 637-638, 2020. https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900557. Disponível em: https://ps.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ps.201900557. Acesso em: 20 maio 2022.
https://ps.psychiatryonline.org/doi/full...
). O médico que estrutura sua experiência também expõe seu sentimento de culpa devido a um sistema injusto (Dykema, 2020 DYKEMA, Lindsay-Rose. When I see you: opening eyes and closing jails. Psychiatric Services, v. 71, n. 6, p. 637-638, 2020. https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900557. Disponível em: https://ps.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ps.201900557. Acesso em: 20 maio 2022.
https://ps.psychiatryonline.org/doi/full...
).

Por fim, o último texto incluído sobre esse tema relata que os profissionais da saúde atuantes em prisões sofrem o intenso desafio sobre a escolha do sigilo ou divulgação de informações como pensamentos suicidas e casos de abusos. Os profissionais entrevistados relatam os diversos problemas que têm com prisioneiros em risco de suicídio, pois enfrentam diversas barreiras para conseguir o processo de transferência de cela ou para um hospital (Elger, Handtke e Wangmo, 2015 ELGER, Bernice S.; HANDTKE, Violet; WANGMO, Tenzin . Paternalistic breaches of confidentiality in prison: mental health professionals’ attitudes and justifications. Journal of Medical Ethics, v. 41, n. 6, p. 496-500, 2015. https://doi.org/10.1136/medethics-2013-101981. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25587043/. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25587043...
).

A saúde mental dos apenados é um problema de saúde pública e de segurança (Santos et al., 2017 SANTOS, Márcia V. et al. Saúde mental de mulheres encarceradas em um presídio do estado do Rio de Janeiro. Texto & Contexto: Enfermagem, Florianópolis, v. 26, n. 2, 2017. https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/3dbSzZsVhz6L8kH97Bpf3YM/abstract/?lang=pt. Acesso em: 20 jun. 2022.
https://www.scielo.br/j/tce/a/3dbSzZsVhz...
), por isso esse tema precisa de maior destaque nas políticas públicas de segurança e de saúde. Assim, podemos perceber também a falta do cumprimento dos princípios do SUS tratando-se do território brasileiro, em que o privado de liberdade frequentemente tem o seu direito - estabelecido pela lei n. 8.080/1990 - suprimido por um sistema precário e superlotado.

Ademais, percebe-se um número pertinente e crescente de doenças psíquicas em todo o globo, realidade também observada em prisões e centros de segurança. De acordo com Feitosa et al. (2019 FEITOSA, Rúbia M. M. et al. Caracterização dos diagnósticos e psicotrópicos das pessoas privadas de liberdade. Revista Enfermagem Atual In Derme, São Paulo, v. 87, n. 25, 2019. https://doi.org/10.31011/reaid-2019-v.87-n.25-art.202. Disponível em: https://revistaenfermagematual.com.br/index.php/revista/article/view/202. Acesso em: 15 mar. 2022.
https://revistaenfermagematual.com.br/in...
), a respeito da condução da saúde mental dentro de presídios, pode-se perceber um elevado número de indivíduos que fazem uso de psicofármacos - como medicamentos para dormir ou tranquilizantes - sem um diagnóstico elucidado.

Dessa maneira, pode-se perceber como a realidade da saúde mental das pessoas privadas de liberdade não é pautada no processo de integralidade do indivíduo e potencializa o processo de adoecimento psíquico (Constantino, Assis e Pinto, 2016 CONSTANTINO, Patrícia; ASSIS, Simone G.; PINTO, Liana W . O impacto da prisão na saúde mental dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 7, p. 2.089-2.100, 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015217.01222016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Ndb37V3vPt5wWBKPsVvfb7k/abstract/?lang=pt. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/csc/a/Ndb37V3vPt...
). Além disso, as barreiras e os desafios enfrentados por profissionais da saúde para efetuar um atendimento psicológico resolutivo corroboram a intensificação da problemática, bem como a limitação de avaliações clínicas de transtornos mentais para um grupo vulnerável, principalmente pela realidade vivenciada na prisão (Elger, Handtke e Wangmo, 2015 ELGER, Bernice S.; HANDTKE, Violet; WANGMO, Tenzin . Paternalistic breaches of confidentiality in prison: mental health professionals’ attitudes and justifications. Journal of Medical Ethics, v. 41, n. 6, p. 496-500, 2015. https://doi.org/10.1136/medethics-2013-101981. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25587043/. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25587043...
; Dykema, 2020 DYKEMA, Lindsay-Rose. When I see you: opening eyes and closing jails. Psychiatric Services, v. 71, n. 6, p. 637-638, 2020. https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900557. Disponível em: https://ps.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ps.201900557. Acesso em: 20 maio 2022.
https://ps.psychiatryonline.org/doi/full...
). Diante do exposto, nota-se que a saúde mental não fornece um atendimento preventivo pautado no processo de promoção de saúde, tornando-se um problema crônico na realidade carcerária e de difícil solução (Constantino, Assis e Pinto, 2016 CONSTANTINO, Patrícia; ASSIS, Simone G.; PINTO, Liana W . O impacto da prisão na saúde mental dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 7, p. 2.089-2.100, 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015217.01222016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Ndb37V3vPt5wWBKPsVvfb7k/abstract/?lang=pt. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/csc/a/Ndb37V3vPt...
).

Barreiras existentes no atendimento às pessoas privadas de liberdade: limitações dos profissionais entre o direito e a possibilidade de acesso

No que diz respeito ao tema das barreiras existentes no atendimento às pessoas privadas de liberdade, foram encontrados seis artigos que tratavam da temática (Smith et al., 2011 SMITH, Patricia et al. What motivates dentists to work in prisons? A qualitative exploration. British Dental Journal, v. 211, n. 4, p. E7, 2011. https://doi.org/10.1038/sj.bdj.2011.682. Disponível em: https://www.nature.com/articles/sj.bdj.2011.682#citeas. Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.nature.com/articles/sj.bdj.2...
; Sidibe et al., 2015 SIDIBE, Turquoise et al. Provider perspectives regarding the health care needs of a key population: HIV-infected prisoners after incarceration. Journal of the Association of Nurses in AIDS Care, v. 26, n. 5, p. 556-569, 2015. https://doi.org/10.1016/j.jana.2015.05.001. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4542020/. Acesso em: 20 abr. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Clark, Hughto e Pachankis, 2017 CLARK, Kirsty A.; HUGHTO, Jaclyn M. W.; PACHANKIS, John E. ‘What’s the right thing to do?’ Correctional healthcare providers’ knowledge, attitudes and experiences caring for transgender inmates. Social Science & Medicine, v. 193, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.09.052. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5695233/. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Bantjes, Swartz e Niewoudt, 2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
; Muiruri, Brewer e Khan, 2019 MUIRURI, Peninnah N.; BREWER, Gayle; KHAN, Roxanne. ‘If it wasn’t for ethics, I wouldn’t go near him’: an interpretative phenomenological analysis of caring for patient-prisoners in Kenya. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, v. 63, n. 14, p. 2.440-2.452, 2019. https://doi.org/10.1177/0306624X19849556. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0306624X19849556. Acesso em 5 mar. 2022.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
; Choudhry, Armstrong e Dregan, 2017 CHOUDHRY, Khurshid; ARMSTRONG, David; DREGAN, Alexandru. Nurses’ perceptions of weight gain and obesity in the prison environment. Journal of Correctional Health Care , v. 23, n. 2, p. 173-183, 2017. https://doi.org/10.1177/1078345817699830. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28366043/. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28366043...
). De acordo com os artigos selecionados, existem diversas barreiras para o atendimento das pessoas privadas de liberdade, dentre elas as barreiras de origem social, estrutural, cultural e individual.

Em uma das publicações incluídas nesta revisão, Sidibe et al. (2015 SIDIBE, Turquoise et al. Provider perspectives regarding the health care needs of a key population: HIV-infected prisoners after incarceration. Journal of the Association of Nurses in AIDS Care, v. 26, n. 5, p. 556-569, 2015. https://doi.org/10.1016/j.jana.2015.05.001. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4542020/. Acesso em: 20 abr. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
) destacam como barreiras questões organizacionais como a má coordenação entre os sistemas de atendimento de saúde, a escassez da mão de obra especializada para esse público específico e a discriminação com relação às pessoas privadas de liberdade vivendo com HIV. Além disso, existem grupos específicos de pessoas privadas de liberdade (PPLs) que encontram ainda mais dificuldades nesse ambiente, como destacam Clark, Hughto e Pachankis (2017 CLARK, Kirsty A.; HUGHTO, Jaclyn M. W.; PACHANKIS, John E. ‘What’s the right thing to do?’ Correctional healthcare providers’ knowledge, attitudes and experiences caring for transgender inmates. Social Science & Medicine, v. 193, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.09.052. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5695233/. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
), ao abordarem a questão dos transgêneros privados de liberdade que esbarram em barreiras de nível interpessoal, já que é comum encontrarem equipes de custódia tendenciosas, dotadas de culturas e crenças que culminam na restrição do cuidado de saúde adequado para esse grupo.

Para corroborar essa questão, há as barreiras estruturais, nas quais as políticas de encarceramento são bastante limitadas no que diz respeito à afirmação de gênero, uma vez que os detentos transgêneros têm necessidades específicas como tratamentos hormonais que demandam um gasto adicional. Clark, Hughto e Pachankis (2017 CLARK, Kirsty A.; HUGHTO, Jaclyn M. W.; PACHANKIS, John E. ‘What’s the right thing to do?’ Correctional healthcare providers’ knowledge, attitudes and experiences caring for transgender inmates. Social Science & Medicine, v. 193, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.09.052. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5695233/. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
) relatam ainda que alguns profissionais de saúde identificam barreiras institucionais no que diz respeito ao treinamento interno para o tratamento adequado de detentos transgêneros, precisando investir em treinamentos externos para melhorar o seu atendimento.

Smith et al. (2011 SMITH, Patricia et al. What motivates dentists to work in prisons? A qualitative exploration. British Dental Journal, v. 211, n. 4, p. E7, 2011. https://doi.org/10.1038/sj.bdj.2011.682. Disponível em: https://www.nature.com/articles/sj.bdj.2011.682#citeas. Acesso em: 18 jun. 2022.
https://www.nature.com/articles/sj.bdj.2...
) abordam as barreiras que profissionais dentistas encontram no ambiente carcerário, sendo o obstáculo mais destacado a dificuldade na manutenção da saúde bucal dos detentos, já que os medicamentos prescritos são restritos - portanto, a prática clínica no ambiente prisional se torna ainda mais desafiadora. Os dentistas desse estudo destacam a falta de adesão ao tratamento por parte dos detentos e relatam frustração por não conseguirem proporcionar uma saúde bucal adequada a essas pessoas, já que comumente elas não seguem os conselhos de saúde e demoram no retorno às consultas. Destaca-se mais uma vez a escassez de profissionais dispostos a trabalhar em complexos prisionais, sem falar no fato de que os dentistas dependem da presença de agentes prisionais para o atendimento dos presos, e muitas vezes há poucos agentes disponíveis no momento, o que impacta também o retorno às consultas. Em contrapartida, os profissionais dentistas relatam o sentimento de satisfação quando conseguem devolver o sorriso e a saúde bucal de um detento.

Choudhry, Armstrong e Dregan (2017 CHOUDHRY, Khurshid; ARMSTRONG, David; DREGAN, Alexandru. Nurses’ perceptions of weight gain and obesity in the prison environment. Journal of Correctional Health Care , v. 23, n. 2, p. 173-183, 2017. https://doi.org/10.1177/1078345817699830. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28366043/. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28366043...
) abordam a obesidade nas prisões e o desafio dos profissionais de saúde em administrar essa comorbidade. A maior barreira relatada pelos profissionais de saúde são as opções limitadas dos alimentos fornecidos pelas instituições, níveis de atividade física restritos, estresse por causa da situação de encarceramento e desmotivação na manutenção da saúde. As enfermeiras envolvidas nesse projeto relataram o sentimento de frustração por não atingirem o resultado esperado de manutenção ou perda de peso, já que as terapêuticas dentro do presídio são limitadas, além de todas as barreiras psicossociais envolvidas no processo de encarceramento.

Muiruri, Brewer e Khan (2019 MUIRURI, Peninnah N.; BREWER, Gayle; KHAN, Roxanne. ‘If it wasn’t for ethics, I wouldn’t go near him’: an interpretative phenomenological analysis of caring for patient-prisoners in Kenya. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, v. 63, n. 14, p. 2.440-2.452, 2019. https://doi.org/10.1177/0306624X19849556. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0306624X19849556. Acesso em 5 mar. 2022.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
) trazem relatos de profissionais de saúde em que a principal barreira para o atendimento é o medo por parte desses profissionais em relação aos detentos. Alguns profissionais relatam ter atendido presos de alta periculosidade acorrentados, o que aumentou mais o medo do profissional em relação ao preso. Além disso, enfermeiras desse estudo relatam a falta de diálogo e o pouco tempo com o preso para conseguirem ultrapassar a barreira do estigma.

Bantjes, Swartz e Niewoudt (2017 BANTJES, Jason; SWARTZ, Leslie; NIEWOUDT, Pieter. Human rights and mental health in post-apartheid South Africa: lessons from health care professionals working with suicidal inmates in the prison system. BMC International Health and Human Rights, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2017. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0136-0. Disponível em: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12914-017-0136-0. Acesso em: 15 maio 2022.
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
) discutem as barreiras para o atendimento psicológico dos presos. Nesse estudo, é possível identificar como principais barreiras para o fornecimento de atendimento médico o próprio ambiente carcerário - que, segundo os médicos envolvidos no estudo, é focado em segurança, controle e contenção; logo, trata-se de ambientes antiterapêuticos devido à própria condição de encarceramento e à forma de organização dos ambientes penitenciários. Além disso, o estudo relata a falta de suprimentos, recursos físicos e humanos para a manutenção da saúde dos detentos.

Pode-se inferir que as barreiras sociais, estruturais e culturais ainda estão fortemente ligadas à realidade do tratamento de saúde voltado para o sistema prisional, uma vez que os profissionais de saúde estão em sua maioria aprisionados pelos seus preconceitos e culturas individuais. No entanto, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional preconiza o respeito a todas as diferenças, sem discriminação de qualquer espécie, sem o crivo dos valores e crenças pessoais dos profissionais de saúde.

Nesse sentido, faz-se necessária a incorporação das práticas de humanização referidas pela cartilha da Pnaisp (2014)BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Portaria interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, p. 18-21, 3 jan. 2014a. englobando a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde, o fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos, o aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde, o estabelecimento de vínculos solidários e de participação coletiva no processo de gestão, a identificação das dimensões de necessidades sociais, coletivas e subjetivas de saúde, as mudanças nos modelos de atenção e gestão e o compromisso com a ambiência, melhoria das condições de trabalho e de atendimento (Brasil, 2014aBRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Portaria interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, p. 18-21, 3 jan. 2014a.).

A aplicação dessas diretrizes poderá garantir uma quebra das barreiras do atendimento de saúde à população privada de liberdade, para enfim alcançar-se a consolidação dos princípios norteadores do SUS (Souza, Silva e Carvalho, 2010 SOUZA, Marcela T.; SILVA, Michelly D.; CARVALHO, Rachel de. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, 2010. https://doi.org/10.1590/s1679-45082010rw1134. Disponível em: https://journal.einstein.br/pt-br/article/revisao-integrativa-o-que-e-e-como-fazer/. Acesso em: 4 jun. 2022.
https://journal.einstein.br/pt-br/articl...
).

Estigmatizando o olhar no atendimento em saúde: o que isso revela?

Com relação aos estigmas por parte dos profissionais de saúde no atendimento à população privada de liberdade, foram selecionados cinco artigos que abordam essa temática, sendo de grande relevância a discussão desse tópico. Os artigos abordaram o atendimento de mulheres grávidas em encarceramento, as diferenças no atendimento de detentos transgêneros pelo pessoal de saúde e a falta de contato direto entre os profissionais de saúde e os pacientes privados de liberdade.

Uma das publicações incluídas nesta revisão (Goshin et al., 2020 GOSHIN, Lorie S. et al. Stigma and US nurses’ intentions to provide the standard of maternal care to incarcerated women, 2017. American Journal of Public Health, v. 110, n. S1, p. S93-S99, 2020. https://doi.org/10.2105/AJPH.2019.305408. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31967890/ Acesso em: 21 jan. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31967890...
) destaca que as dificuldades no atendimento à saúde, à educação e à promoção da saúde em pessoas privadas de liberdade estão diretamente relacionadas ao estigma. Para tanto, os autores abordam o assunto com base no atendimento de gestantes em encarceramento e percebem que, para essa amostra, o racismo, a pobreza, a doença mental e o uso de substâncias ilícitas são as principais razões para o estigma, sem deixar de considerar as intenções individuais das enfermeiras.

Outro fator importante que influencia no estigma sobre essas mulheres é o uso de algemas relacionado à ausência ou não de riscos. Muiruri, Brewer e Khan (2019 MUIRURI, Peninnah N.; BREWER, Gayle; KHAN, Roxanne. ‘If it wasn’t for ethics, I wouldn’t go near him’: an interpretative phenomenological analysis of caring for patient-prisoners in Kenya. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, v. 63, n. 14, p. 2.440-2.452, 2019. https://doi.org/10.1177/0306624X19849556. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0306624X19849556. Acesso em 5 mar. 2022.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
), ao realizarem um estudo com enfermeiras do Quênia, também concluíram que o uso de algemas e a presença de um agente penitenciário durante os atendimentos relacionados à saúde provocam medo, fazendo com que o profissional de saúde tenha a sensação de que o paciente apresenta risco à sua integridade física. Os autores sugerem que para a correção desse olhar sejam ministrados treinamentos aos profissionais de saúde, a fim de aumentar a sua confiança e de que eles possam gerenciar os riscos.

Shlafer et al. (2021SHLAFER, Rebecca et al. Maternal and neonatal outcomes among incarcerated women who gave birth in custody. Birth, v. 48, n. 1, p. 122-131, 2021. https://doi.org/10.1111/birt.12524. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/birt.12524. Acesso em: 17 fev. 2022.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full...
) fazem uma abordagem dessa situação nos EUA. De início, os autores constatam aumentos alarmantes nos números de mulheres encarceradas nesse país, que desde a década de 1980 tiveram um aumento de 600%; muitas delas já têm filhos, e 3-4% estão grávidas ao entrarem na prisão. Além disso, o artigo pontua que as gestantes detentas estão expostas a maior quantidade de fatores de risco associados a complicações perinatais, sugerindo como causas as questões de acesso limitado a cuidados de saúde, saúde mental e falta de conhecimento dos profissionais de saúde quanto a padrões de atendimento e leis relevantes. Por sua vez, Bell et al. (2004 BELL, Janice F. et al. Perinatal health service use by women released from jail. Journal of Health Care for the Poor and Underserved, v. 15, n. 3, p. 426-438, 2004. https://doi.org/10.1353/hpu.2004.0035. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15453179/. Acesso em: 19 abr. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15453179...
) demonstram maior chance de baixo peso ao nascer e parto prematuro nas gestantes privadas de liberdade; contudo, diversos fatores podem estar associados a esse perfil, e mais estudos são necessários para se entender com melhor clareza.

Para contornar essa problemática, Shlafer et al. (2021SHLAFER, Rebecca et al. Maternal and neonatal outcomes among incarcerated women who gave birth in custody. Birth, v. 48, n. 1, p. 122-131, 2021. https://doi.org/10.1111/birt.12524. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/birt.12524. Acesso em: 17 fev. 2022.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full...
) definem uma série de estratégias como forma de melhorar o atendimento às gestantes. Destacam-se: educação pré-natal, nutrição aprimorada e apoio com doula. Esta última desempenha um papel muito importante no que tange à maior humanização do cuidado, uma vez que ela acompanha a gestante antes do parto, durante e depois, tendo em vista a impossibilidade de visitas e um acompanhante da família no momento final da gestação - quando a doula pode oferecer um pouco de afeto e segurança especialmente no processo de parturição.

Matos, Silva e Nascimento (2019 MATOS, Khesia K. C.; SILVA, Susanne P. C.; NASCIMENTO, Emanuela A. Filhos do cárcere: representações sociais de mulheres sobre parir na prisão. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, p. e180028, 2019. https://doi.org/10.1590/Interface.180028. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/Y78fbZ9vwnvPc39jWcCzN7g/?lang=pt. Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/icse/a/Y78fbZ9vw...
) trazem uma perspectiva brasileira para a abordagem e adicionam questões logísticas básicas aos pontos carentes dessa problemática. O texto desses autores denuncia a quase inexistência de práticas de prevenção de doenças e programas como pré-natal para gestantes encarceradas, mas também pontua que essa deficiência se dá na jurisdição de diversas partes envolvidas, o que inclui a falta de escolta policial para levá-las aos serviços de saúde externos à prisão. Desse modo, pode-se dizer que o vínculo profissional/paciente para estreitar laços de confiança, sanar dúvidas e reduzir problemáticas fica extremamente frágil, se não inexistente.

Na pesquisa realizada por Matos, Silva e Nascimento (2019 MATOS, Khesia K. C.; SILVA, Susanne P. C.; NASCIMENTO, Emanuela A. Filhos do cárcere: representações sociais de mulheres sobre parir na prisão. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, p. e180028, 2019. https://doi.org/10.1590/Interface.180028. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/Y78fbZ9vwnvPc39jWcCzN7g/?lang=pt. Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/icse/a/Y78fbZ9vw...
), muitas mães relataram o medo sentido no momento pré-parto por não terem tido informação do que poderia ocorrer durante o processo de parturição. O texto mostra que as mulheres não tiveram a permissão de um acompanhante, companheiro ou familiar durante o parto, receberam julgamento preconceituoso de outras gestantes e abordagem hostil dos agentes penitenciários. Por parte dos profissionais, relataram que estes desconsideraram suas dúvidas e comunicavam-se apenas entre a própria equipe, demonstrando medo de realizar o cuidado. Pontuou-se ainda a condução violenta e discriminatória no momento obstétrico, com a realização de procedimentos desnecessários, direitos negados, humilhações, descasos e insensibilidades por conta de estereótipos (Matos, Silva e Nascimento, 2019 MATOS, Khesia K. C.; SILVA, Susanne P. C.; NASCIMENTO, Emanuela A. Filhos do cárcere: representações sociais de mulheres sobre parir na prisão. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, p. e180028, 2019. https://doi.org/10.1590/Interface.180028. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/Y78fbZ9vwnvPc39jWcCzN7g/?lang=pt. Acesso em: 9 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/icse/a/Y78fbZ9vw...
).

Em outro estudo incluído nesta revisão, sobre o treinamento dos profissionais de saúde que atuam no sistema carcerário, Hofmeister e Soprych (2017 HOFMEISTER, Sabrina; SOPRYCH, Andrya. Teaching resident physicians the power of implicit bias and how it impacts patient care utilizing patients who have experienced incarceration as a model. The International Journal of Psychiatry in Medicine, v. 52, n. 4-6, p. 345-354, 2017. https://doi.org/10.1177/0091217417738935. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29179660/. Acesso em: 21 jan. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29179660...
) propuseram um método para ‘educar os educadores’ que consiste em realizar exercícios com médicos residentes que abordem suposições, expectativas, preconceitos e visão de mundo e, como consequência, aumentem a capacidade de autorreflexão sobre o impacto dessas atitudes ao interagirem com pacientes encarcerados. Os autores concluíram ainda que o currículo médico deve ser desenvolvido de modo a contemplar o treinamento desses profissionais para um atendimento mais eficaz às pessoas privadas de liberdade, o que demonstra a importância de esse tema ser abordado desde a formação acadêmica, fator que não foi evidenciado em nenhum dos artigos selecionados nesta revisão, apesar de se ter utilizado o descritor ‘educação médica’. Isso demonstra a lacuna de conhecimento que temos em relação à abordagem da saúde das pessoas privadas de liberdade durante o currículo médico ou de outros profissionais de saúde.

Outra publicação incluída nessa revisão (Clark, Hughto e Pachankis, 2017 CLARK, Kirsty A.; HUGHTO, Jaclyn M. W.; PACHANKIS, John E. ‘What’s the right thing to do?’ Correctional healthcare providers’ knowledge, attitudes and experiences caring for transgender inmates. Social Science & Medicine, v. 193, p. 80-89, 2017. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.09.052. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5695233/. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
), ao abordar a conduta das equipes de custódia em relação a PPLs transgêneros, nos apresenta duas atitudes estigmatizantes: uma no que se refere ao tipo de penitenciária em que eles estão encarcerados, sendo em quase sua totalidade relacionada com a sua genitália; e outra na forma de tratamento e nome pelo qual são chamados. Ao mesmo tempo que a maioria dos profissionais de saúde busca um atendimento humanizado, tratando os pacientes pelo nome e forma de tratamento de acordo com suas transições, a equipe de custódia entra em um embate com esses profissionais, desrespeitando-os e chamando o que eles fazem de ‘besteira psicológica’, o que os impede de prestar os cuidados adequados aos transexuais em situação de cárcere.

Já no estudo de Crampton e Turner (2014 CRAMPTON, Ruth; TURNER, de Sales. Caring for prisoners-patients: a quandary for registered nurses. Journal of PeriAnesthesia Nursing, v. 29, n. 2, p. 107-118, 2014. https://doi.org/10.1016/j.jopan.2013.03.012. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24661480/. Acesso em: 10 mar. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24661480...
), realizado com enfermeiros da Austrália, o julgamento por parte daqueles que deveriam prestar um atendimento de saúde à população carcerária era tamanho que se notou uma falta perceptível de contato físico com o paciente detento, com vários participantes reconhecendo que eles raramente tocavam os prisioneiros.

Nesse sentido, o estigma estimula a marginalização e constrói uma barreira para o atendimento de pessoas privadas de liberdade. O atendimento de saúde fica comprometido, uma vez que é de suma importância o estabelecimento de uma relação de confiança para o sucesso do cuidado e, em consequência, o sucesso do tratamento. Kirchner (2014 KIRCHNER, Angela R. Significando as formas de infecção e a relação com a gestão do cuidado à pessoa com HIV/Aids. 154 f. 2014. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.) corrobora essa ideia ao dizer que é frequente os presos serem considerados somente como indivíduos submetidos à ordem carcerária e, portanto, sua posição de paciente ser negada pelos profissionais de saúde. Além disso, existe a resistência dos demais profissionais envolvidos no universo carcerário, como administração e até mesmo sociedade civil, em considerar a saúde como um direito das pessoas privadas de liberdade. Dessa forma, as ações de saúde ficam mais restritas ao próprio ambiente prisional e muitas vezes resumidas ao que é considerado estritamente necessário (Diuana et al., 2008 DIUANA, Vilma et al. Saúde em prisões: representações e práticas dos agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 8, p. 1.887-1.896, ago. 2008. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/tT7S57RfW5LyGCtDZTsnpxK/abstract/?lang=pt. Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/csp/a/tT7S57RfW5...
).

Conclusão

Percebe-se que há um emaranhado de problemáticas envolvendo o atendimento em saúde para pessoas privadas de liberdade. É difícil definir se há um ponto em que tudo começa, mas pode-se pensar que o preconceito visualizado na sociedade como um todo se reflete também no atendimento profissional. Esses estigmas difundidos deveriam ser trabalhados durante a formação dos profissionais de saúde, mas percebe-se que muitos profissionais nem chegam a ter contato com essa temática durante sua formação. Por fim, tem-se a realidade de penitenciárias e presídios onde há funcionários sobrecarregados, frustrados com questões psicológicas, sociais e principalmente estruturais que impedem a realização de um serviço adequado, ao passo que ao mesmo tempo há pessoas privadas de liberdade com um leque de situações de saúde, mas desassistidas em grande parte.

Assim, pode-se inferir que a formação de profissionais de saúde deve ser pensada de forma a ultrapassar todas essas barreiras encontradas para o atendimento da população carcerária. Além disso, são necessários mais estudos e discussões acerca dessa temática, para que o direito à saúde dessa população seja mantido, bem como para a melhoria das políticas públicas voltadas a essa população e à avaliação de sua efetividade nos ambientes carcerários.

Referências

  • Financiamento

    Não houve.
  • Aspectos éticos

    Não se aplica.
  • Apresentação prévia

    Não houve.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2022
  • Aceito
    19 Ago 2022
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