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Perfil dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde e proteção de riscos ocupacionais na pandemia da Covid-19 no Brasil

Profile of Primary Health Care workers and occupational risk protection in the Covid-19 pandemic in Brazil

Perfil de los trabajadores de la Atención Primaria de Salud y protección de riesgos laborales en la pandemia de Covid-19 en Brasil

Resumo

Este artigo teve como objetivo caracterizar o perfil dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde e analisar as medidas de proteção de riscos ocupacionais em dois estados brasileiros durante a pandemia da Covid-19. Trata-se de estudo quantitativo do tipo survey, com amostra aleatória de 259 profissionais de saúde da Atenção Primária dos estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo no período inicial da pandemia. A maioria dos participantes era do sexo feminino (85,3%), profissionais de enfermagem (40,6%) com idade média de 39,1 anos (dp ± 9,5) e do estado de São Paulo (73%). Utilizaram-se análise descritiva e teste exato de Fisher. Quanto às medidas de proteção de risco ocupacional no trabalho, verificou-se que a imunização antecipada contra influenza teve maior frequência no Mato Grosso do Sul (93,8%), porém 47,7% não tiveram acesso aos testes de Covid-19 neste estado e 24,3% em São Paulo. Os profissionais de nível superior tiveram mais acesso à máscara N95/PFF2 (10,2%) em comparação aos auxiliares e técnicos, com 6,5% e 7,8%, respectivamente. Observaram-se possíveis diferenças nas gestões municipais dos respectivos estados, que parecem não ofertar o acesso equânime de profissionais da Atenção Primária à Saúde a proteção, imunizantes e testes para detecção de SARS-CoV-2.

Palavras-chave:
atenção primária à saúde; coronavírus; pessoal da saúde; saúde do trabalhador

Abstract

This article aimed to characterize the profile of Primary Health Care workers and analyze occupational risk protection measures in two Brazilian states during the Covid-19 pandemic. This is a quantitative survey study, with a random sample of 259 primary care health professionals from the states of Mato Grosso do Sul and São Paulo during the initial period of the pandemic. Most of the participants were female (85.3%), nursing professionals (40.6%) with a mean age of 39.1 years (SD ± 9.5), and from the state of São Paulo (73%). Descriptive analysis and Fisher’s exact test were used. As for occupational risk protection measures at work, it was found that early immunization against influenza had the highest frequency in Mato Grosso do Sul (93.8%), but 47.7% did not have access to Covid-19 testing in this state and 24.3% in São Paulo. Higher-level professionals had more access to the N95/PFF2 mask (10.2%) compared to assistants and technicians, with 6.5% and 7.8%, respectively. Possible differences were observed in the municipal administrations of the respective states, which do not seem to provide equitable access for Primary Health Care workers to protection, immunizers, and testing for SARS-CoV-2.

Keywords:
primary health care; coronavirus; health care personnel; occupational health

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo caracterizar el perfil de los trabajadores de la Atención Primaria de Salud y analizar las medidas de protección contra riesgos laborales en dos estados brasileños durante la pandemia de Covid-19. Se trata de un estudio cuantitativo de tipo survey, con una muestra aleatoria de 259 profesionales de salud de Atención Primaria provenientes de los estados de Mato Grosso do Sul y São Paulo en el período inicial de la pandemia. La mayoría de los participantes eran mujeres (85,3%), profesionales de enfermería (40,6%) con una edad media de 39,1 años (desviación estándar ± 9,5) y del estado de São Paulo (73%). Se utilizaron el análisis descriptivo y la prueba exacta de Fisher. En cuanto a las medidas de protección contra riesgos laborales en el trabajo, se constató que la inmunización temprana contra la influenza fue más frecuente en Mato Grosso do Sul (93,8%), pero el 47,7% no tuvo acceso a las pruebas de Covid-19 en ese estado y el 24,3% en São Paulo. Los profesionales de la educación superior tuvieron más acceso a la mascarilla N95/PFF2 (10,2 %) en comparación con los auxiliares y técnicos, con un 6,5 % y un 7,8%, respectivamente. Se observaron posibles diferencias en las administraciones municipales de los respectivos estados, que parecen no ofrecer un acceso equitativo a los profesionales de la Atención Primaria de Salud a la protección, inmunizaciones y pruebas para detección del SARS-CoV-2.

Palabras clave:
atención primaria de salud; coronavirus; personal de la salud; salud del trabajador

Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS) desempenhou um importante papel diante da pandemia da Covid-19 (Haines et al., 2020HAINES, Andy et al. National UK programme of community health workers for COVID-19 response. The Lancet , London, v. 395, n. 10.231, p. 1.173-1.175, abr. 2020. Doi: 10.1016/S0140-6736(20)30735-2. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7146683/. Acesso em: 20 abr. 2021.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Harzheim et al., 2020HARZHEIM, Erno et al. Ações federais para apoio e fortalecimento local no combate ao Covid-19: a Atenção Primária à Saúde (APS) no assento do condutor. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 6, p. 2.493-2.497, jun. 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020256.1.11492020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Xzd5fgpvV4qtfrK66pNLm8p/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/Xzd5fgpvV4...
; Xu et al., 2020XU, Zhijie et al. Primary care practitioners’ barriers to and experience of COVID-19 epidemic control in China: a qualitative study. Journal of General Internal Medicine, v. 35, n. 11, p. 3.278-3.284, nov. 2020. Doi: 10.1007/s11606-020-06107-3. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7458355/. Acesso em: 14 jun. 2021.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
), por meio da coordenação do cuidado e da organização de fluxos. Pesquisa conduzida no Canadá demonstrou que a organização da APS durante a pandemia fez com que não houvesse sobrecarga na rede hospitalar (Kearon e Risdon, 2020KEARON, Joanne; RISDON, Cathy. The role of Primary Care in a pandemic: reflections during the COVID-19 pandemic in Canada. Journal of Primary Care & Community Health, v. 11, 2150132720962871, 2020. Doi: 10.1177/2150132720962871. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7536478/. Acesso em: 11 jun. 2021.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Nesse cenário, com o enfrentamento da situação epidemiológica da Covid-19, em que 80% dos casos são classificados como leves e os seus usuários são monitorados no domicílio, enfrentou-se o desafio de uma atenção primária resolutiva, exigindo-se o envolvimento efetivo de diversas categorias profissionais e o protagonismo de indivíduos, famílias e comunidade (Harzheim et al., 2020HARZHEIM, Erno et al. Ações federais para apoio e fortalecimento local no combate ao Covid-19: a Atenção Primária à Saúde (APS) no assento do condutor. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 6, p. 2.493-2.497, jun. 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020256.1.11492020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Xzd5fgpvV4qtfrK66pNLm8p/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/Xzd5fgpvV4...
; Lim e Wong, 2020LIM, Wei H.; WONG, Wei M. COVID-19: notes from the front line, Singapore’s Primary Health Care perspective. Annals of Family Medicine, v. 18, n. 3, p. 259-261, maio 2020. Doi: 10.1370/afm.2539. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7214001/. Acesso em: 11 jun. 2021.
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).

No Brasil, a APS encontra-se organizada em equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF) e equipes de Atenção Básica (eABs) que atuam em territórios predefinidos e estabelecem vínculos com a população adscrita (Harzheim et al., 2020HARZHEIM, Erno et al. Ações federais para apoio e fortalecimento local no combate ao Covid-19: a Atenção Primária à Saúde (APS) no assento do condutor. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 6, p. 2.493-2.497, jun. 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020256.1.11492020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Xzd5fgpvV4qtfrK66pNLm8p/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 13 jun. 2021.
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). Contudo, nos últimos anos, observaram-se mudanças políticas que a comprometeram no país, devido aos impactos causados no modelo assistencial da ESF (Castro et al., 2019CASTRO, Marcia C. et al. Brazil’s unified health system: the first 30 years and prospects for the future. The Lancet, London, v. 394, n. 10.195, p. 345-356, 2019. Doi: 10.1016/S0140-6736(19)31243-7. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)31243-7/fulltext. Acesso em: 19 jul. 2022.
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).

Dentre essas mudanças, a partir da Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), de 2017, foi permitido, por exemplo, o estabelecimento de equipes de Saúde da Família (eSFs) com apenas um agente comunitário de saúde, e até mesmo equipes de Atenção Primária (eAPs) sem esses trabalhadores. Permitiram-se ainda o vínculo de profissionais com carga horária reduzida e a anulação do credenciamento e financiamento federal dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), dissolvendo as equipes multiprofissionais, afetando a resolutividade, o cuidado longitudinal e integral da saúde dos usuários (Giovanella, Franco e Almeida, 2020GIOVANELLA, Ligia; FRANCO, Cassiano M.; ALMEIDA, Patty F. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 1.475-1.482, 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020254.01842020. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2020.v25n4/1475-1482/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://www.scielosp.org/article/csc/202...
).

Além disso, em 2016, a emenda constitucional n. 95 congelou os gastos federais por vinte anos, restringindo o orçamento geral da União (Brasil, 2016BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda constitucional n. 95, de 16 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF , 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 5 jul. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). O programa lançado em 2019 pelo Ministério da Saúde, conhecido como ‘Brasil Previne’, instituiu novos critérios para o repasse de recursos financeiros para a APS, dentre eles a capitação ponderada e a avaliação de desempenho para remuneração de serviços. Tais critérios preveem adscrição da clientela, responsabilização e fortalecimento de vínculo equipe/serviço/usuário, melhorando o planejamento da oferta de ações de saúde. Contudo, podem levar à seleção de pacientes por meio da criação de barreiras para registro de pessoas que utilizem excessivamente os serviços ou que façam tratamentos de alto custo (Massuda et al., 2020MASSUDA, Adriano. Mudanças no financiamento da Atenção Primária à Saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 1.181-1.188, 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020254.01022020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/YXgJT56kHyPXDtW4TqVLFMg/. Acesso em: 5 jul. 2022.
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). É possível que, dentre outros fatores, tais mudanças tenham contribuído para a precariedade do trabalho e afetado a resposta da APS diante da pandemia.

Mesmo ante essas condições, a APS tem a capacidade, nesse contexto, de apoiar a comunidade e manter o vínculo ativo, garantindo a atenção à saúde. Contudo, em um cenário de ausência de medicamentos específicos e vacinas, para conter a transmissibilidade do vírus as medidas de enfrentamento da Covid-19 restringiram-se à testagem em massa, ao isolamento e distanciamento social e à vigilância dos casos (Medina et al., 2020MEDINA, Maria G. et al. Atenção Primária à Saúde em tempos de Covid-19: o que fazer? Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 36, n. 8, e00149720, 2020. Doi: 10.1590/0102-311X00149720. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/rYKzdVs9CwSSHNrPTcBb7Yy/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/csp/a/rYKzdVs9Cw...
).

Outra estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante esse período e realizada pela APS foi a vacinação contra influenza, pelo fato de prevenir as pessoas de contraírem doenças relacionadas a esse tipo de infecção viral, mitigando desse modo a carga sobre o sistema de saúde (Wang et al., 2020WANG, Xin et al. Influenza vaccination strategies for 2020-21 in the context of Covid-19. Journal of Global Health, v. 10, n. 2, dez. 2020. Doi: 10.7189/jogh.10.021102. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7719353/. Acesso em: 14 jun. 2021.
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).

Conforme mencionado, o distanciamento social ainda constitui uma forma de reduzir a transmissão do novo vírus, porém essa recomendação não abrange atividades essenciais como a dos profissionais de saúde. A atuação desses profissionais torna-se primordial durante períodos pandêmicos, elevando-se a probabilidade de contaminação relacionada ao trabalho, sendo imprescindível a garantia de proteção deles (Chang e Chiu, 2020CHANG, Brian B.-J.; CHIU, Tai-Yuan. Ready for a long fight against the COVID-19 outbreak: an innovative model of tiered primary health care in Taiwan. BJGP Open, v. 4, n. 2, jun. 2020. Doi: 10.3399/bjgpopen20X101068. Disponível em: https://bjgpopen.org/content/4/2/bjgpopen20X101068. Acesso em: 9 jun. 2021.
https://bjgpopen.org/content/4/2/bjgpope...
; Gallasch et al., 2020GALLASCH, Cristiane H. et al. Prevenção relacionada à exposição ocupacional do profissional de saúde no cenário de Covid-19. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 28, e49596, 2020. Doi: 10.12957/reuerj.2020.49596. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/49596/33146. Acesso em: 20 abr. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
; Wang, Zhou e Liu, 2020WANG, Jiancong; ZHOU, Mouqing; LIU, Fangfei. Reasons for healthcare workers becoming infected with novel coronavirus disease 2019 (COVID-19) in China. The Journal of Hospital Infection, v. 105, n. 1, p. 100-101, maio 2020. Doi: 10.1016/j.jhin.2020.03.002. Disponível em: https://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(20)30101-8/fulltext#%20. Acesso em: 14 jun. 2021.
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).

Considera-se a Covid-19 como a nova doença ocupacional desta década, demonstrando-se a necessidade de maior atenção à proteção de profissionais de saúde e da adoção de boas práticas de controle de infecção (Koh, 2020KOH, David. Occupational risks for COVID-19 infection. Occupational Medicine, Oxford, v. 70, n. 1, 2020. Doi: 10.1093/occmed/kqaa036. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7107962/. Acesso em: 11 jun. 2021.
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).

A eficácia de proteção mostra-se diretamente relacionada ao fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e ao treinamento adequado das equipes para uso correto e consistente desses equipamentos. Tais fatores, associados à capacidade logística e adequada de entrega aos serviços de saúde, resultam em uma resposta adequada para a prevenção de riscos ocupacionais (Gallasch et al., 2020GALLASCH, Cristiane H. et al. Prevenção relacionada à exposição ocupacional do profissional de saúde no cenário de Covid-19. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 28, e49596, 2020. Doi: 10.12957/reuerj.2020.49596. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/49596/33146. Acesso em: 20 abr. 2021.
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).

O meio ambiente de trabalho consiste no local onde o profissional desenvolve suas atividades relacionadas ao ofício e que se encontra inserido em um contexto de exigência por altas taxas de produtividade, em meio às constantes inovações tecnológicas. Nesse cenário, a deterioração das condições de trabalho torna-se uma realidade e relaciona-se à maior flexibilização de suas jornadas (mais extensas e/ou irregulares), à precariedade do emprego, ao crescente subemprego, à temporalidade dos contratos, dentre outros fatores (Ferreira et al., 2018FERREIRA, Aldo P. et al. Literature review on working environment hazards relative to the working conditions and impact on workers’ health. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 360-370, 2018. Doi: 10.5327/Z1679443520180267. Disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/rbmt.org.br/pdf/en_v16n3a14.pdf. Acesso em: 8 jun. 2021.
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).

Compreende-se por condição de trabalho o impacto que o contexto laboral proporciona sobre o bem-estar e o rendimento profissional, sobre a saúde ocupacional e a qualidade do serviço prestado (Fernandez et al., 2021FERNANDEZ, Michelle et al. Condições de trabalho e percepções de profissionais de enfermagem que atuam no enfrentamento à Covid-19 no Brasil. Saúde e Sociedade (on-line), São Paulo, v. 30, n. 4, e201011, 2021. Doi: 10.1590/S0104-12902021201011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/rHQ55dwmfK5WCSGS8xDpyDt/?lang=pt. Acesso em: 2 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/rHQ55dw...
).

Diante da pandemia, considera-se que as condições de trabalho se relacionam a um maior risco de exposição ao vírus, porém pouco se discute essa questão. Os trabalhadores da APS tornam-se expostos a más condições de trabalho, tais como as jornadas extenuantes, a falta de capacitação ou capacitação inadequada, a insuficiência de EPIs, dentre outras (Jackson Filho et al., 2020JACKSON FILHO, José M. et al. A saúde do trabalhador e o enfrentamento da Covid-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 45, e14, 2020. Doi: 10.1590/2317-6369ED0000120. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Km3dDZSWmGgpgYbjgc57RCn/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 29 abr. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbso/a/Km3dDZSWm...
; Xu et al., 2020XU, Zhijie et al. Primary care practitioners’ barriers to and experience of COVID-19 epidemic control in China: a qualitative study. Journal of General Internal Medicine, v. 35, n. 11, p. 3.278-3.284, nov. 2020. Doi: 10.1007/s11606-020-06107-3. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7458355/. Acesso em: 14 jun. 2021.
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).

Discute-se ainda o fato de os trabalhadores estarem expostos cotidianamente ao risco de infecção devido à interferência na adesão às práticas de biossegurança ocasionada por sobrecarga de trabalho, estresse, precariedade das instalações e normas de convívio social (Jackson Filho et al., 2020JACKSON FILHO, José M. et al. A saúde do trabalhador e o enfrentamento da Covid-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 45, e14, 2020. Doi: 10.1590/2317-6369ED0000120. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Km3dDZSWmGgpgYbjgc57RCn/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 29 abr. 2021.
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; Teixeira et al., 2020TEIXEIRA, Carmen F. S. et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, p. 3.465-3.474, 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020259.19562020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZyy7Nn45m3Vfypx/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZy...
).

Como medida de contenção da infecção, a OMS recomenda a testagem de todos os trabalhadores da saúde independentemente da presença de sintomas, uma vez que isso contribui para a recomposição da força de trabalho, identificando dentre os suspeitos aqueles com teste negativo, podendo retornar rapidamente ao trabalho, além de fazer o rastreamento de profissionais infectados, o que interrompe a cadeia de transmissão. Contudo, a estratégia de testagem no início da pandemia no Brasil esteve limitada por questões operacionais de oferta de testes e lentidão no processamento das análises (Helioterio et al., 2020HELIOTERIO, Margare C. et al. Covid-19: por que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia? Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, e00289121, 2020. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00289. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/YCVxkfvBRNszvpFddBwJhkd/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.scielo.br/j/tes/a/YCVxkfvBRN...
).

As referidas condições de trabalho também podem ser diferentes considerando-se as categorias profissionais, a função exercida ou posição que cada uma ocupa na divisão técnica e social da força de trabalho na APS (Teixeira et al., 2020TEIXEIRA, Carmen F. S. et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, p. 3.465-3.474, 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020259.19562020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZyy7Nn45m3Vfypx/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZy...
).

Adicionalmente a isso, observa-se que as condições de trabalho e proteção dos trabalhadores da APS podem variar segundo as unidades federativas de um país, pois a resposta política à pandemia difere segundo o desenho institucional, a autonomia dos atores políticos envolvidos e mesmo conforme a crença efetiva no poder de letalidade do vírus (Schaefer et al., 2020SCHAEFER, Bruno M. et al. Ações governamentais contra o novo coronavírus: evidências dos estados brasileiros. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 5, p. 1.429-1.445, 2020. Doi: 10.1590/0034-761220200503. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/XMSSSJLTpx3PFDj8dmsRZ8t/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://www.scielo.br/j/rap/a/XMSSSJLTpx...
).

Tornam-se relevantes estudos que busquem investigar os fatores protetores de riscos ocupacionais relacionados às novas condições de trabalho dos profissionais de saúde da APS, em um cenário de muitas incertezas como o da pandemia da Covid-19. Uma revisão sistemática - com o objetivo de sumarizar evidências científicas sobre os principais problemas que afetam os profissionais de saúde durante a pandemia - constatou que a maioria dos estudos se concentra nos problemas que atingem os profissionais que atuam no nível hospitalar, negligenciando os profissionais que atuam em serviços da APS, os quais também se expõem ao risco de adquirir a Covid-19 (Teixeira et al., 2020TEIXEIRA, Carmen F. S. et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, p. 3.465-3.474, 2020. Doi: 10.1590/1413-81232020259.19562020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZyy7Nn45m3Vfypx/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZy...
). Assim, este estudo tem como objetivo caracterizar o perfil dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde e analisar as medidas de proteção de riscos ocupacionais em dois estados brasileiros durante a pandemia da Covid-19.

Percurso metodológico

O estudo aqui apresentado teve abordagem quantitativa, transversal, do tipo survey, e foi realizado com profissionais de saúde atuantes na APS dos estados brasileiros de Mato Grosso do Sul (MS) e São Paulo (SP) durante os primeiros meses de pandemia da Covid-19 (junho a outubro de 2020). Os dois estados foram considerados como locais de pesquisa pela conveniência, em face da vinculação dos pesquisadores e, portanto, de maior acesso às suas gestões municipais e estaduais.

Mato Grosso do Sul corresponde a 4,19% da área total do Brasil, com uma população de 2.651.235 habitantes. Conta com 549 equipes de ESF, presentes nos 79 municípios, sendo que 42 deles apresentam 100% de cobertura na APS. O estado de São Paulo representa 3% do território nacional e conta com 42,6 milhões de habitantes. Possui a maior capacidade instalada vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS) no país, com 4.400 unidades básicas de saúde (UBSs) e 5.200 equipes de ESF, com cobertura de 41% da população (Brasil, 2020aBRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Planos estaduais de saúde. Brasília: CONASS, 2020a. ).

Participantes da pesquisa

Optou-se pela seleção com base nos seguintes critérios de inclusão: profissional de saúde maior de 18 anos, atuante há pelo menos seis meses na gestão ou assistência direta da APS nos estados de SP ou MS. Foram consideradas as seguintes categorias profissionais: médico(a); enfermeiro(a); auxiliar ou técnico de enfermagem; nutricionista; farmacêutico(a); psicólogo(a); assistente social; cirurgião-dentista; agente comunitário de saúde (ACS); auxiliar ou técnico de saúde bucal ou outra categoria profissional de saúde atuante no período. Excluíram-se os profissionais afastados do serviço antes do início da pandemia no país.

O processo de obtenção da amostra foi não probabilístico, uma vez que os participantes foram convidados por amostragem em cadeia, do tipo bola de neve. Cada pesquisador do estudo escolheu, em sua rede de contatos do e-mail ou WhatsApp, profissionais de saúde dos dois estados a indicarem mais pessoas e enviaram o link da pesquisa aos potenciais participantes que atendessem aos critérios de inclusão. Buscou-se obter uma amostra heterogênea dentro das diferentes categorias profissionais.

Utilizou-se a seguinte estratégia para o alcance dos participantes: solicitação de autorização às secretarias municipais para a entrega de questionários impressos nas UBSs de 12 municípios do estado de São Paulo e um município em Mato Grosso do Sul, pois houve baixa adesão via questionários on-line; tal estratégia teve o objetivo de aumentar o número de respondentes da pesquisa. Ademais, a pesquisa foi divulgada em um evento realizado virtualmente para trabalhadores da saúde, do qual participaram profissionais de todo o Mato Grosso do Sul. Solicitaram-se os e-mails dos participantes para encaminhar o link do questionário e a indicação de mais pessoas, de modo subsequente às indicações dos primeiros participantes.

Quanto à delimitação da amostra, recebemos 282 respondentes. Seis pessoas foram excluídas, porque não aceitaram participar da pesquisa e não responderam às questões. Também foram excluídas respostas repetidas, idênticas e sequenciais, por se tratar de participantes que preencheram o questionário duas ou mais vezes, totalizando uma amostra por conveniência de 259 profissionais da saúde da APS participantes nos dois estados estudados.

Procedimentos para a coleta de dados

A coleta de dados foi realizada no período de junho a outubro de 2020, por meio de questionário virtual inserido na plataforma Google Forms®. O questionário ficou com acesso aberto durante esse período, dada a redução substancial da taxa de resposta e cronograma do estudo.

O questionário foi elaborado pelas próprias pesquisadoras, considerando-se as condições de trabalho dos trabalhadores da APS com base no Manual de Recomendações de Proteção aos Trabalhadores dos Serviços de Saúde no Atendimento de Covid-19 e Outras Síndromes Gripais do Ministério da Saúde (Brasil, 2020bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de Covid-19 e outras síndromes gripais. Brasília: Comitê Operativo de Emergência, abr. 2020b.) e no Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus na Atenção Primária à Saúde, 8ª versão, do Ministério da Saúde (Brasil, 2020c BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS). Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (Covid-19) na Atenção Primária à Saúde, versão 8. Brasília: Ministério da Saúde , 2020c.).

Antes do início da coleta, foi aplicado um pré-teste do instrumento com dez profissionais escolhidos com base nos critérios de inclusão e por conveniência, entre os quais dois profissionais médicos, três enfermeiros, dois auxiliares e três ACSs, escolhidos pelos pesquisadores dentro da rede de contatos.

A finalidade foi avaliar a semântica das questões do instrumento, verificar se houve compreensão do que se queria de cada questão e se as questões eram relevantes para o alcance dos objetivos pretendidos. Após essa etapa, realizaram-se ajustes. O instrumento permitiu a obtenção de dados sociodemográficos e contou com 12 questões acerca das condições de trabalho dos profissionais atuantes na pandemia, por meio de um link, via e-mail ou WhatsApp, acompanhado do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Consideraram-se as seguintes variáveis sociodemográficas: sexo (feminino; masculino); idade; profissão (agente comunitário de saúde; assistente social; auxiliar ou técnico de enfermagem; auxiliar ou técnico de saúde bucal; cirurgião-dentista; educador físico; enfermeiro[a]; farmacêutico[a]; fisioterapeuta; médico[a]; nutricionista; psicólogo[a]; outro); grau de formação (técnico; graduação; pós-graduação lato sensu; pós-graduação stricto sensu mestrado; doutorado; pós-doutorado); função na unidade de trabalho (assistencial: assistência direta a pacientes e familiares; gerencial: gestão de equipe ou setor; ambas as funções); e estado de atuação (Mato Grosso do Sul; São Paulo).

Quanto às condições de trabalho, indagou-se: horas por dia/semana de trabalho durante o período de pandemia de Covid-19, vínculos trabalhistas, tipo de máscara disponível para o profissional na unidade de saúde, situações para uso da máscara cirúrgica (em nenhum momento; durante atendimentos a pacientes; durante a realização de procedimentos produtores de aerossóis; o tempo todo no trabalho na unidade); tempo de uso da máscara cirúrgica, situações de uso da máscara N95/PFF2 durante o enfrentamento da pandemia de Covid-19; tempo de uso da máscara N95/PFF2; condição de imunização contra influenza (‘Tive acesso à vacina contra influenza através de campanha de vacinação antecipada (23 dias antes do esperado), como parte do primeiro grupo a ser vacinado’; ‘Tive acesso à vacina contra influenza através de campanha de vacinação antecipada, mas após a vacinação dos idosos’; ‘Tive acesso à vacina contra influenza através de campanha de vacinação não antecipada (menos de 23 dias antes do esperado)’; ‘Ainda não tive acesso à vacina contra influenza)’; acesso ao teste para detecção do vírus SARS-CoV-2 (‘Tive acesso ao teste desde o início do período de pandemia no país, mesmo sem apresentar sintomas’; ‘Tive acesso ao teste desde o início do período de pandemia no país, em caso de sintomas’; ‘Tive acesso ao teste tardiamente ao período de pandemia no país’; ‘Ainda não tive acesso aos testes durante o período de pandemia’).

Os dados foram processados e analisados por meio do programa R Core Team (2020). Os resultados obtidos para as variáveis explanatórias (caracterização sociodemográfica) foram analisados por meio de estatística descritiva, mediante distribuição de frequências absolutas e relativas para variáveis categóricas e de médias, desvio padrão, mediana, valor mínimo e máximo para a idade (variável quantitativa). Para testar possíveis associações entre a variável condições de trabalho (horas trabalhadas, vínculos empregatícios, acesso aos testes para detecção do vírus, oferta de vacina contra influenza, tipo, condições e tempo de uso das máscara ofertadas) com categoria profissional (ACSs, auxiliares/técnicos, profissionais de nível superior e outros), o estado de atuação (Mato Grosso do Sul, São Paulo) e a função exercida (assistencial, gerencial ou ambas as funções), utilizou-se o teste exato de Fisher. A hipótese inicial levantada pelos pesquisadores foi de que haveria associação entre as variáveis.

Perfil sociodemográfico dos participantes

Participaram do estudo 259 (100%) profissionais de saúde da APS, com 189 (73,0%) do estado de São Paulo, 65 (25,1%) de Mato Grosso do Sul e cinco (1,9%) com estado de atuação não informado. Ao analisarmos o perfil sociodemográfico dos profissionais que participaram da pesquisa, verificamos que a maioria é do sexo feminino (85,3%) com idade média de 39,1 anos (dp ± 9,5), variando de 18 a 69 anos, sendo que a maioria é de profissionais de enfermagem (40,6%), seguidos de ACSs (24,7%). O perfil segundo sexo e idade foi semelhante nos dois estados.

Em relação à formação dos profissionais, observamos que em média 27,0% dos profissionais têm nível técnico, 29,7% graduação e 43,2% pós-graduação. Dos 32 profissionais que atuam com cargos de nível médio, entre ACSs, auxiliares e técnicos de enfermagem, auxiliares de saúde bucal e profissionais que se intitularam técnicos, quatro possuem nível superior completo, um pós-graduação stricto sensu e um pós-graduação lato sensu, o que representa 18,75% da amostra.

Quando consideramos a área de atuação, observamos que a maioria atua na assistência direta a pacientes e familiares (69,5%) e 15,8% na área gerencial, porém foi identificado um percentual de 14,7% que atuam em ambas as funções.

Sobre a caracterização do trabalho dos profissionais da APS durante a pandemia, verificou-se que a maioria dos profissionais tanto de MS como de SP tem uma carga horária de 44 horas semanais, com 86,2% de MS e 75,1% de SP, retornando para suas casas ao final de um turno de seis ou oito horas diárias (92,3%). Embora a maioria dos profissionais possua apenas um vínculo trabalhista (194 - 74,9%), 65 (25,1%) têm dois ou mais vínculos.

Proteção de riscos ocupacionais dos trabalhadores

Realizou-se análise de associação entre vínculos trabalhistas e categoria profissional (p=0,0280), verificando-se que os profissionais de nível superior apresentam maior percentual de vínculos trabalhistas em comparação com outras categorias profissionais: 24% com dois e 7,7% com três ou mais vínculos. Os ACSs em sua maioria (87,5%) apresentam apenas um vínculo profissional, assim como os auxiliares ou técnicos de enfermagem e auxiliares ou técnicos de saúde bucal, com percentual de um vínculo em 77,4%.

Quanto às condições de trabalho, os profissionais foram questionados a respeito da imunização contra influenza durante o período da pandemia. A maioria dos profissionais teve acesso à vacina por meio de campanha de vacinação antecipada (23 dias antes do esperado), como primeiro grupo a ser vacinado (93,8% dos profissionais de MS e 88,4% de SP). Em ambos os estados, encontramos um percentual de profissionais que tiveram acesso somente após a vacinação dos idosos, correspondente a 1,5% em Mato Grosso do Sul e 9,5% em São Paulo. Em SP, dois (1,1%) profissionais relataram não ter tido acesso à vacina (Tabela 1).

Constatou-se uma associação significativa (p=0,0306) entre a variável imunização e o estado de atuação. Em MS, a vacinação antecipada dos profissionais ocorreu com maior frequência do que a de SP, respectivamente 93,8% e 88,4% (Tabela 1).

Quanto à testagem para o SARS-CoV2, destaca-se o fato de a maioria dos participantes não ter tido acesso durante o período de pandemia. Houve associação significativa entre o acesso ao teste e o estado em que o profissional atua (p<0,05). Observou-se maior acesso aos testes nos profissionais atuantes em SP, ainda que considerado como acesso tardio ao período de pandemia no país (Tabela 1).

Tabela 1
Associação entre estado de atuação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde e acesso à imunização contra influenza e aos testes laboratoriais para a Covid-19 (n=259). Mato Grosso do Sul e São Paulo, 2020.

Quanto ao tipo de máscara utilizada durante a pandemia pelos profissionais da APS, segundo a função exercida houve associação significativa (p=0,0195) entre essas variáveis, observando-se maior frequência de uso de máscara N95/PFF2 para os profissionais que exercem função assistencial (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre tipo de máscara utilizada e função exercida pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde (n=259). Mato Grosso do Sul e São Paulo, 2020.

O uso da máscara cirúrgica foi mais frequente, visto que 76,4% a utilizaram durante todo o tempo de trabalho, embora exista um percentual de 10,4% que não usaram em nenhum momento. Houve associação significativa do tipo de máscara disponibilizada e a categoria profissional (p<0,05). Apenas a máscara cirúrgica foi mais frequente para os ACSs (71,9%) do que os profissionais de nível superior (43,3%) e auxiliares e técnicos (43,3%). Além disso, 9,4% dos ACSs informaram não ter máscara disponibilizada. É possível verificar que os profissionais de nível superior tiveram mais acesso à máscara N95/PFF2 (10,2%) em comparação com os auxiliares e técnicos, com 6,5% e 7,8%, respectivamente (Tabela 3).

Quanto ao tempo de uso da máscara, 76,4% utilizam máscara cirúrgica o tempo todo na unidade; 26,3% usam máscara N95/PFF2 durante a realização de procedimentos produtores de aerossóis; e 14,3% durante o atendimento a pacientes. As variáveis situações e tempo que utiliza máscara cirúrgica; e situações e tempo que utiliza máscara N95/PFF2 não apresentaram associação com a função exercida na unidade (p>0,05).

Quanto à utilização de máscara N95/PFF2 e ao grau de formação (p<0,05), 50,0% dos técnicos, 35,1% dos profissionais com graduação e 39,3% dos profissionais com pós-graduação não usam esse tipo de máscara em nenhum momento. Dos profissionais que utilizam a máscara N95/PFF2, verificou-se que 18,5% o fazem o tempo todo, 26,3% durante a realização de procedimentos produtores de aerossóis e 14,3% durante o atendimento a pacientes (Tabela 3).

Tabela 3
Associação entre o tipo de máscara, tempo de utilização da máscara cirúrgica, situações em que utiliza a máscara N95, tempo de utilização da máscara N95 e categoria profissional dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (n=259). Mato Grosso do Sul e São Paulo, 2020.

Caracterização dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde atuantes na pandemia

Os resultados da pesquisa mostram que os profissionais de saúde participantes do estudo são em sua maioria do sexo feminino, atuantes na assistência direta, formados prioritariamente por profissionais da enfermagem, seguidos de ACSs e médicos, com pós-graduação e idade média de 39,1 anos.

Observamos que o perfil da amostra quanto a sexo e idade é condizente com outras pesquisas realizadas no Brasil (Cofen, 2020CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Enfermagem em números. Brasília: Cofen, 2020. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros. Acesso em: 27 abr. 2021.
http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-nu...
; Fiocruz, 2017FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-Ensp/Fiocruz, 2017. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf. Acesso em: 22 jun. 2021.
http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem...
; Sturmer et al., 2020STURMER, Giovani et al. Perfil dos profissionais da Atenção Primária à Saúde vinculados ao curso de Especialização em Saúde da Família UNA-SUS no Rio Grande do Sul. Revista Conhecimento Online, Novo Hamburgo, v. 1, n. 12, 2020. Doi: 10.25112/rco.v1i0.1639. Disponível em: https://doaj.org/article/0f19043b69fe4489b679b7be49b15865. Acesso em: 19 jul. 2022.
https://doaj.org/article/0f19043b69fe448...
; Simas e Pinto, 2017SIMAS, Paloma R. P.; PINTO, Isabela C. M. Trabalho em saúde: retrato dos agentes comunitários de saúde da região Nordeste do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1.865-1.876, 2017. Doi: 10.1590/1413-81232017226.01532017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/hKLZGNNH33JvHLdtGrYvLMx/?format=pdf. Acesso em: 19 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/csc/a/hKLZGNNH33...
) e nos Estados Unidos (Rabinowitz e Rabinowitz, 2021RABINOWITZ, Loren G.; RABINOWITZ, Danielle G. Women on the frontline: a canged workforce and the fight against COVID-19. Academic Medicine, v. 96, n. 6, p. 808-812, 2021. Doi: 10.1097/ACM.0000000000004011. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8140642/?report=reader. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
), em que a maioria dos profissionais é de mulheres com média de idade de 40 anos, o que significa que as equipes são compostas por profissionais jovens (Cofen, 2020CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Enfermagem em números. Brasília: Cofen, 2020. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros. Acesso em: 27 abr. 2021.
http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-nu...
; Fiocruz, 2017FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-Ensp/Fiocruz, 2017. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf. Acesso em: 22 jun. 2021.
http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem...
; Sturmer et al., 2020STURMER, Giovani et al. Perfil dos profissionais da Atenção Primária à Saúde vinculados ao curso de Especialização em Saúde da Família UNA-SUS no Rio Grande do Sul. Revista Conhecimento Online, Novo Hamburgo, v. 1, n. 12, 2020. Doi: 10.25112/rco.v1i0.1639. Disponível em: https://doaj.org/article/0f19043b69fe4489b679b7be49b15865. Acesso em: 19 jul. 2022.
https://doaj.org/article/0f19043b69fe448...
; Treviño-Reyna et al., 2021TREVIÑO-REYNA, Goel et al. Employment outcomes and job satisfaction of international public health professionals: what lessons for public health and COVID-19 pandemic preparedness? Employment outcomes of public health graduates. International Journal of Health Planning Management, v. 36, n. 1, p. 124-150, 2021. Doi: 10.1002/hpm.3140. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/hpm.3140. Acesso em: 14 jun. 2021.
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).

Tal como este, outros estudos também evidenciaram maior frequência de profissionais da enfermagem (Cofen, 2020CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Enfermagem em números. Brasília: Cofen, 2020. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros. Acesso em: 27 abr. 2021.
http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-nu...
; Fiocruz, 2017FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-Ensp/Fiocruz, 2017. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf. Acesso em: 22 jun. 2021.
http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem...
; Sturmer et al., 2020STURMER, Giovani et al. Perfil dos profissionais da Atenção Primária à Saúde vinculados ao curso de Especialização em Saúde da Família UNA-SUS no Rio Grande do Sul. Revista Conhecimento Online, Novo Hamburgo, v. 1, n. 12, 2020. Doi: 10.25112/rco.v1i0.1639. Disponível em: https://doaj.org/article/0f19043b69fe4489b679b7be49b15865. Acesso em: 19 jul. 2022.
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; Treviño-Reyna et al., 2021TREVIÑO-REYNA, Goel et al. Employment outcomes and job satisfaction of international public health professionals: what lessons for public health and COVID-19 pandemic preparedness? Employment outcomes of public health graduates. International Journal of Health Planning Management, v. 36, n. 1, p. 124-150, 2021. Doi: 10.1002/hpm.3140. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/hpm.3140. Acesso em: 14 jun. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
), médicos (Silva-Costa et al., 2022SILVA-COSTA, Aline G. et al. Percepção de risco de adoecimento por Covid-19 e depressão, ansiedade e estresse entre trabalhadores de unidades de saúde. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 38, n. 3, e00198321, 2022. Doi: 10.1590/0102-311X00198321. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/LVkM4gdrWGJ98pb3SHVPFWL/. Acesso em: 14 jul. 2022.
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) e ACSs (Gomes et al., 2022GOMES, Lisandra et al. Profissionais que atuam frente à pandemia do novo coronavírus: condições de saúde relacionadas aos aspectos emocionais. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, São Paulo, v. 11, n. 1, e15511124386, 2022. Doi: 10.33448/rsd-v11i1.24386. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/24386. Acesso em: 14 jul. 2022.
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) na atuação diante da pandemia.

Neste estudo, os profissionais trabalham em média 44 horas semanais, com um vínculo trabalhista. Contudo, vale ressaltar que 25% dos participantes relataram ter mais de um vínculo empregatício. Foi identificada associação significativa entre vínculos trabalhistas e a categoria profissional. Além disso, constatou-se que exercem suas atividades com carga horária semanal acima de 44 horas, o que demonstra potencial para maior sobrecarga física e mental neles. Tal situação foi mais frequente nos profissionais de nível superior do que nos profissionais de ensino médio.

Foi observado que a maioria dos ACSs apresenta apenas um vínculo trabalhista, assim como evidenciado em outros estudos (Andrade et al., 2018ANDRADE, Caio C. B. et al. Agentes comunitários de saúde: perfil sociodemográfico, condições laborais e hábitos de vida. Revista de Enfermagem UFPE (on-line), Recife, v. 12, n. 6, p. 1.648-1.656, 2018. Doi: 10.5205/1981-8963-v12i6a231047p1648-1656-2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/231047. Acesso em: 19 jul. 2022.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
; Castro et al., 2017CASTRO, Thiago A. et al. Agentes comunitários de saúde: perfil sociodemográfico, emprego e satisfação com o trabalho em um município do semiárido baiano. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 3, p. 294-301, 2017. Doi: 10.1590/1414-462X201700030190. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/ZrxpxGtjBGQPbG3zkYVLS5B/?lang=pt. Acesso em: 11 jun. 2021.
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).

Um estudo com o objetivo de identificar, na macrorregião oeste do estado do Paraná, os trabalhadores da saúde submetidos a vínculos de trabalho precários verificou que a maioria (85,28%) dos vínculos precários se concentrava entre os profissionais de saúde com formação de nível superior (Eberhardt, Carvalho e Murofuse, 2015EBERHARDT, Leonardo D.; CARVALHO, Manoela; MUROFUSE, Neide T. Vínculos de trabalho no setor saúde: o cenário da precarização na macrorregião Oeste do Paraná. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 107, p. 18-29, jan./mar. 2015. Doi: 10.1590/0103-110420151040432. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/vvjQn6LBSsZmBwyZSzBqkMz/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 8 jun. 2021.
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), tal como neste estudo.

O governo federal criou o Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS (DesprecarizaSUS), de competência do Ministério da Saúde, que estabelece ações para desprecarização dos vínculos de trabalho com o intuito de promover contratos efetivos, melhorias salariais e políticas de humanização. Isso porque existe um número expressivo de trabalhadores com vínculo de trabalho precário na área de saúde, como contratos temporários, informal ou verbal, condicionando acúmulo de vínculos empregatícios (Brasil, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde. Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS: DesprecarizaSUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. ). Entretanto, nota-se que a precarização do trabalho acentuou-se no contexto da pandemia em todas as suas dimensões: vínculos de trabalho e relações contratuais precárias em um contexto de contrarreforma trabalhista; organização e condições de trabalho piores, principalmente diante do home office e da uberização; saúde dos trabalhadores comprometida por ocupações precárias que não implicam medidas de proteção à saúde consistentes, além de maior exposição física e emocional ao novo vírus, dentre outras (Souza, 2021SOUZA, Diego O. S. As dimensões da precarização do trabalho em face da pandemia de Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 19, e00311143, 2021. Doi: 10.1590/1981-7746-sol00311. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/7rJ6TkW8Cs88QkbNwHfdkxb/?format=pdf. Acesso em: 19 jul. 2022.
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).

Considerando-se o fato de a maioria dos profissionais participantes ser de enfermeiros, vale destacar que no Brasil a jornada de trabalho da enfermagem não é regulamentada em legislação. No relatório final do perfil da enfermagem no Brasil realizado em 2013, já constava que profissionais enfermeiros apresentavam mais de um vínculo empregatício, com predomínio de jornadas de trinta a sessenta horas semanais (61,2%). Verificou-se também a existência de trabalhadores com carga horária acima de sessenta horas semanais (7,7%) e até acima de oitenta horas semanais (1,6%) (Fiocruz, 2017FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-Ensp/Fiocruz, 2017. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf. Acesso em: 22 jun. 2021.
http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem...
).

Um estudo apresentado pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reconhece que o SUS possibilitou maior acesso à saúde da população brasileira, aumentando também a oferta de trabalho para os profissionais. Em contrapartida, com a restrição orçamentária que vem sendo sentida pelo Estado, tem ocorrido uma deterioração das condições de trabalho e remuneração dos profissionais, o que contribui para que o trabalhador tenha mais de um vínculo empregatício (Dedecca e Trovão, 2013DEDECCA, Claudio S.; TROVÃO, Cassiano J. B. M. A força de trabalho no complexo da saúde: vantagens e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 6, n. 18, p. 1.555-1.567, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/VJTGkYQWKQDHPTxh4VDrGnj/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 abr. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/VJTGkYQWKQ...
).

Ainda sobre as condições de trabalho, os resultados demonstram que variaram conforme o estado de atuação. No MS, a vacinação contra influenza ocorreu com maior frequência do que a de SP; já o acesso e a realização dos testes para Covid-19 foram maiores em São Paulo; e o uso de máscara N95/PFF2 foi maior entre os profissionais que exercem função assistencial.

Acesso a medidas de prevenção e proteção de riscos ocupacionais

O resultado deste estudo aponta que em ambos os estados brasileiros analisados mais de 80% dos profissionais da saúde tiveram acesso à vacina contra a influenza como parte do grupo prioritário, porém ainda encontramos um percentual de profissionais que foi vacinado tardiamente e profissionais que não tiveram acesso à vacinação. Além disso, verificou-se uma associação significativa (p=0,0306) entre a variável imunização e o estado de atuação, sendo que em MS a vacinação antecipada dos profissionais ocorreu com maior frequência do que a de SP.

A decisão de incluir uma vacina no Programa Nacional de Imunizações (PNI) deve ser baseada em evidências, levando em consideração os estudos realizados pelos comitês técnicos assessores e as questões de investimentos. Fica a critério das gestões estaduais e municipais as estratégias para planejamento e organização das ações de vacinação (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Como implementar vacinação de profissionais da saúde contra influenza sazonal. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2020. Doi: 10.37774/9789275722329. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52224/9789275722336_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 22 jun. 2021.
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), o que justifica as diferenças encontradas nos dois estados, uma vez que eles têm autonomia para definir estratégias e ações.

Um estudo com o objetivo de analisar o impacto da vacinação contra gripe na morbimortalidade por influenza nos idosos no período de 2010 a 2019 identificou variações da cobertura de acordo com a região do país. O estudo confirma os dados de maior imunização no MS ao destacar que na região Centro-Oeste obtiveram-se coberturas vacinais acima de 100% nos anos de 2015, 2016, 2018 e 2019 (Azambuja et al., 2020AZAMBUJA, Humberta C. S. et al. O impacto da vacinação contra influenza na morbimortalidade dos idosos nas regiões do Brasil entre 2010 e 2019. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, supl. 2, e0004012, 2020. Doi: 10.1590/0102-311X00040120. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/cgWr4YqwJCmqP3zNGbj3M8v/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 27 abr. 2021.
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).

No presente estudo, 31,3% dos entrevistados ainda não haviam tido acesso aos testes para detecção de SARS-CoV-2, e 32,8% tiveram acesso ao teste tardiamente (em relação ao início da distribuição aos profissionais da saúde), resultado semelhante ao estudo realizado nos meses de fevereiro e março de 2020 na Espanha com profissionais da APS, do qual participaram 4.701 trabalhadores; destes, apenas 1.050 (22,3%) tiveram acesso ao teste para detecção do vírus SARS-CoV-2 (García-Sierra et al., 2020GARCÍA-SIERRA, Rosa M. et al. Descriptive study of the health service workers of a Primary Care Department confined by COVID-19. Revista Española de Salud Pública, Madri, v. 94, set. 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32880381/. Acesso em: 13 jun. 2021.
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).

Sabe-se que a disponibilidade do teste RT-PCR ainda está distante do cotidiano dos serviços de APS no país. No período de maio a junho de 2020, a Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), com apoio da Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil (Opas-Brasil), desenvolveu um estudo transversal com 2.566 profissionais e gestores, entre os quais 1.908 profissionais de saúde da APS e 566 gestores, distribuídos por todos os estados da federação e o Distrito Federal. Verificou-se que a maioria dos profissionais não teve acesso aos testes rápidos (53,3%) (Bousquat et al., 2020BOUSQUAT, Aylene et al. Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS. Relatório de Pesquisa. Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal da Pelotas (UFPel), Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) Brasil. Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco. Rio de Janeiro: Rede de Pesquisa em APS Abrasco, ago. 2020. Disponível em: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Relato%CC%81rioDesafiosABCovid19SUS.pdf. Acesso em: 9 jun. 2021.
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).

Outro estudo (Kantorski et al., 2021KANTORSKI, Luciane P. et al. Suspected infection, absenteeism at work and testing for Covid-19 among nursing professionals. Texto & Contexto: Enfermagem (on-line), Florianópolis, v. 30, e20210135, 2021. Doi: 10.1590/1980-265X-TCE-2021-0135. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/Crk6Lj9NmZQfG7nChNLzMTL/. Acesso em: 12 jun. 2022.
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) sustenta essa perspectiva, confirmando a baixa proporção de realização de testes para a triagem de Covid-19 (38,2%) entre os profissionais da enfermagem durante a pandemia. A testagem massiva no país seria um certo padrão-ouro de vigilância em uma pandemia, porém demonstrou-se com desafios e barreiras; houve poucos testes, com má distribuição, sendo baixa a testagem nos lugares mais pobres em comparação a lugares ricos, além do acesso desigual na importação de insumos, o que explicitou assimetrias nas redes da ciência e da saúde global.

Encontrou-se associação significativa entre as variáveis estado de atuação e acesso ao teste. Os trabalhadores de São Paulo tiveram acesso anterior aos trabalhadores de Mato Grosso do Sul. Um estudo (Lima et al., 2021LIMA, Francisca E. T. et al. Intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas e a realização do exame para Covid-19 nas capitais brasileiras, agosto de 2020. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 30, n. 1, e2020788, 2021. Doi: 10.1590/S1679-49742021000100021. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v30n1/2237-9622-ess-30-01-e2020788.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021.
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) com o objetivo de analisar as notificações de síndrome gripal segundo o intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas e a realização do exame para Covid-19 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal também verificou predomínio na realização de testes na região Sudeste do país. O estudo constatou ainda acesso tardio aos testes, destacando que o RT-PCR e o teste rápido-anticorpo foram os mais realizados no Brasil, mas apenas aproximadamente 50% de cada um desses testes foram realizados em tempo adequado.

No atual contexto pós-pandêmico brasileiro, observa-se um cenário distinto, com maior possibilidade de acesso aos testes, visto que a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou no início de 2022 a resolução normativa n. 478 (Brasil, 2022aBRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução normativa-RN n. 478, de 19 de janeiro de 2022. Altera a Resolução Normativa-RN n. 465, de 24 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no âmbito da Saúde Suplementar, para regulamentar a cobertura obrigatória e a utilização do Teste SARS-CoV-2 (coronavírus Covid-19), teste rápido para detecção de antígeno. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2022a. Disponível em: https://in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-normativa-rn-n-478-de-19-de-janeiro-de-2022-375007085. Acesso em: 12 jul. 2022.
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), prevendo a inclusão do exame teste rápido para detecção de antígeno SARS-CoV-2 no rol de coberturas obrigatórias para beneficiários de planos de saúde. Além disso, o Ministério da Saúde atualizou a ação Testa Brasil, do Programa Diagnosticar para Cuidar, e propôs o Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19 (PNE-Teste) (Brasil, 2022bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Diagnosticar para Cuidar: Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19 PNE-Teste. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde , 2022b. ), prevendo a utilização de testes rápidos de antígeno (TR-AG) para casos sintomáticos atendidos no SUS.

A respeito da disponibilização e do uso de EPIs, a maioria dos profissionais participantes recebeu máscaras do tipo cirúrgica para atuação em detrimento das máscaras do tipo N95/PFF2. Os participantes relataram o uso de máscara cirúrgica durante todo o período de trabalho na unidade de saúde e por um período não superior a um dia. Contudo, alguns participantes referiram não receber máscaras suficientemente e utilizar máscaras cirúrgicas por período superior a um dia.

Um estudo transversal realizado em cidades mais populosas de três países latino-americanos (Brasil, Colômbia e Equador), do qual participaram 1.082 profissionais (médicos, enfermeiros e outras categorias), mostrou que 70% sentiram falta de EPIs. É a deficiência mais observada nos prontos-socorros (PS) e nas UBSs, em comparação com áreas hospitalares. Além da falta, 51,4% dos profissionais relataram desconhecimento sobre o uso correto deles (Martin-Delgado et al., 2020MARTIN-DELGADO, Jimmy et al. Availability of personal protective equipment and diagnostic and treatment facilities for healthcare workers involved in Covid-19 care: a cross-sectional study in Brazil, Colombia, and Ecuador. PloS One, v. 15, n. 11, e0242185, 2020. Doi: 10.1371/journal.pone.0242185. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0242185. Acesso em: 20 jun. 2021.
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).

No Canadá, além de outras dificuldades da APS durante a pandemia, o não reconhecimento da importância dessa equipe fez com que fossem negligenciados a destinação de recursos materiais e equipamentos de proteção individual, favorecendo prioritariamente as instituições hospitalares (Kearon e Risdon, 2020KEARON, Joanne; RISDON, Cathy. The role of Primary Care in a pandemic: reflections during the COVID-19 pandemic in Canada. Journal of Primary Care & Community Health, v. 11, 2150132720962871, 2020. Doi: 10.1177/2150132720962871. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7536478/. Acesso em: 11 jun. 2021.
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).

Estudo desenvolvido com três categorias profissionais (médicos, enfermeiros e pessoal administrativo) em Cingapura mostrou que diversos fatores interferem no uso correto de equipamentos de proteção individual, especialmente o conhecimento sobre os EPIs adequados para situações de transmissão respiratória e a técnica correta de utilização deles. Os profissionais de saúde que estão mais expostos ao vírus mostram-se mais propensos a usar equipamentos adequados do que o pessoal administrativo por entenderem ter um risco de exposição menor (Chia et al., 2005CHIA, Shyh E. et al. Appropriate use of personal protective equipment among healthcare workers in public sector hospitals and primary healthcare polyclinics during the SARS outbreak in Singapore. Occupational & Environmental Medicine, v. 62, n. 7, p. 473-477, jul. 2005. Doi: 10.1136/oem.2004.015024. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1741057/. Acesso em: 11 jun. 2021.
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). Resultado semelhante foi verificado neste estudo, pois se observou relação entre as variáveis tipo de máscara utilizada e função exercida, com maior frequência de uso de máscara N95/PFF2 para os profissionais que exercem função assistencial do que para os que exercem função administrativa.

Estudo desenvolvido pela Fundação Getulio Vargas em maio de 2020 mostra que apenas 32,9% dos 480 participantes acreditam ter recebido materiais adequados para trabalhar diariamente com segurança. Dentre as categorias profissionais, os ACSs e os agentes comunitários de endemias (ACEs) são os que menos receberam EPIs (19,65%). Além da quantidade de EPI, grande percentual questiona a qualidade. Assim, 39,6% acreditam que a qualidade está classificada entre má e péssima (Lotta et al., 2020LOTTA, Gabriela et al. A pandemia de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no Brasil. Nota técnica 2ª fase, jul. 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/redecovid19humanidades/index.php/br/a-pandemia-de-covid-19-e-os-profissionais-de-saude-publica-no-brasil-2a-fase. Acesso em: 20 jul. 2022.
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).

Finalmente, verificou-se associação significativa entre o tipo de máscara disponibilizada e a profissão exercida (p<0,05). Apenas a máscara cirúrgica foi mais frequente para os ACSs (71,9%) do que para os profissionais de nível superior (43,3%) e auxiliares e técnicos (43,3%). Além disso, 9,4% dos ACSs informaram não ter máscara disponibilizada. É possível constatar que os profissionais de nível superior tiveram mais acesso à máscara N95/PFF2 (10,2%) em comparação com os auxiliares e técnicos, com 6,5% e 7,8%, respectivamente.

Um estudo (Costa et al., 2020COSTA, Nilson R. et al. Os agentes comunitários de saúde e a pandemia da Covid-19 nas favelas do Brasil. Observatório Covid-19: Informação para Ação, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/os_agentes_comunitarios_de_saude_e_a_pandemia_da_covid-19_nas_favelas_do_brasil.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
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) realizado com 775 ACSs atuantes em comunidades pobres e favelas de 368 municípios brasileiros apontou que 39% dos agentes comunitários de saúde referiram não ter recebido EPIs. Outro estudo (Bousquat et al., 2020BOUSQUAT, Aylene et al. Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS. Relatório de Pesquisa. Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal da Pelotas (UFPel), Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) Brasil. Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco. Rio de Janeiro: Rede de Pesquisa em APS Abrasco, ago. 2020. Disponível em: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Relato%CC%81rioDesafiosABCovid19SUS.pdf. Acesso em: 9 jun. 2021.
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) efetuado com profissionais da Atenção Básica, gestores e gerentes das secretarias municipais de saúde do Brasil, por meio de inquérito on-line (websurvey), verificou que 24% dos profissionais não tiveram acesso aos EPIs (Costa et al., 2020COSTA, Nilson R. et al. Os agentes comunitários de saúde e a pandemia da Covid-19 nas favelas do Brasil. Observatório Covid-19: Informação para Ação, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/os_agentes_comunitarios_de_saude_e_a_pandemia_da_covid-19_nas_favelas_do_brasil.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
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). Cabe aqui destacar a importância da atuação dos ACSs no enfrentamento da pandemia, os quais constituem-se elo entre a equipe e o indivíduo/família que se encontra em isolamento, além de executarem ações de monitoramento e educação em saúde (Duarte et al., 2020DUARTE, Rafael B. et al. Agentes comunitários de saúde frente à Covid-19: vivências junto aos profissionais de enfermagem. Enfermagem em Foco, v. 11, n. 1, p. 252-256, 2020. Edição especial. Doi: 10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3597. Diponível em: Diponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3597/837 . Acesso em: 18 abr. 2021.
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). Outro aspecto observado por pesquisadores (Bousquat et al., 2020) foi o deslocamento do ACS para a realização de suas atividades para dentro da UBS. Um grande percentual fazia atendimentos a sintomáticos respiratórios.

Segundo um estudo (Nogueira et al., 2020NOGUEIRA, Mariana L. et al. 2º Boletim da Pesquisa Monitoramento da Saúde e Contribuições ao Processo de Trabalho e à Formação Profissional dos Agentes Comunitários de Saúde em Tempos de Covid-19. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz , nov. 2020b. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/44597. Acesso em: 5 jul. 2022.
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) desenvolvido em dois momentos, nos meses de abril e maio de 2020 com 1.978 ACSs, e nos meses de junho e julho de 2020 com 884 ACSs de seis municípios brasileiros (São Paulo, Guarulhos, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Fortaleza e Maracanaú), a situação foi semelhante. Os resultados da pesquisa “Monitoramento da saúde dos ACSs em tempos de Covid-19” foram divulgados em dois boletins. No primeiro boletim (Nogueira et al., 2020aNOGUEIRA, Mariana L. et al. 1º Boletim da Pesquisa Monitoramento da Saúde e Contribuições ao Processo de Trabalho e à Formação Profissional dos Agentes Comunitários de Saúde em Tempos de Covid-19. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, ago. 2020a. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/42709. Acesso em: 5 jul. 2022.
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), 93,8% dos respondentes afirmaram ter recebido máscara cirúrgica e que ela foi disponibilizada a todos os profissionais de saúde da unidade; já 11,1% disseram que houve o fornecimento de máscaras para os profissionais da UBS com exceção dos ACSs, e 6,2%, que não foi fornecido a nenhum profissional. No segundo boletim (Nogueira et al., 2020bNOGUEIRA, Mariana L. et al. 2º Boletim da Pesquisa Monitoramento da Saúde e Contribuições ao Processo de Trabalho e à Formação Profissional dos Agentes Comunitários de Saúde em Tempos de Covid-19. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz , nov. 2020b. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/44597. Acesso em: 5 jul. 2022.
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), 93,2% afirmaram que todos os profissionais receberam máscara cirúrgica; 4,7% disseram que houve o fornecimento de máscaras para os profissionais da UBS, exceto os ACSs, e 2,1%, que não foi fornecida a nenhum profissional. Quando comparamos os resultados, observamos que, embora em momentos distintos, são semelhantes, apresentando uma discreta melhora nos percentuais com o decorrer do período pandêmico.

Verificam-se, com esses dados, ações discriminatórias sofridas pelos ACSs. Aponta-se que há desigualdade na distribuição de EPIs, em especial entre os diferentes profissionais da saúde, com os ACSs sendo preteridos. Algumas questões levantadas referentes à diferença na disposição da proteção adequada apoiam-se em uma perspectiva hierárquica que resiste em reconhecer os ACSs como trabalhadores da saúde, ou que eles não atuariam na linha de frente do combate à Covid-19, por isso não teriam direito aos EPIs (Nogueira et al., 2020NOGUEIRA, Mariana L. et al. 2º Boletim da Pesquisa Monitoramento da Saúde e Contribuições ao Processo de Trabalho e à Formação Profissional dos Agentes Comunitários de Saúde em Tempos de Covid-19. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz , nov. 2020b. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/44597. Acesso em: 5 jul. 2022.
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).

Além disso, no Brasil evidencia-se igualmente um descaso por parte das instituições empregadoras com a proteção dos profissionais de enfermagem. O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo disponibilizou uma pesquisa com 5.451 participantes (enfermeiros, técnicos, auxiliares, obstetrizes e atendentes), relacionada às denúncias feitas pelos profissionais de enfermagem. Foram 842 denúncias sobre a falta de EPIs, das quais 495 referiam impedimento do uso de EPI pela chefia imediata. A pesquisa relata que 50% das instituições não fornecem EPIs necessários; dentre elas, 60% justificam a falta pela indisponibilidade no mercado (Coren/SP, 2020CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO (COREN/SP). EPIs para a enfermagem durante a pandemia de Covid-19. São Paulo: Coren/SP, 2020. Disponível em: https://portal.coren-sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/sondagem-EPI-27042020-para-site.pdf. Acesso em: 27 abr. 2021.
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).

Esses achados devem ser interpretados considerando-se as limitações do estudo. O delineamento transversal não permite inferências de causalidade entre as ocorrências. Ademais, por se tratar de uma pesquisa virtual, pode ocorrer a possibilidade do não entendimento pleno de algumas questões, mesmo sendo ofertados canais de comunicação com os pesquisadores (e-mail, telefone) para sanar as dúvidas dos participantes. Outra limitação foi a seleção da amostra por conveniência, o que restringiu o poder do estudo para identificar associações relevantes e também prejudicou a generalização dos resultados.

Apesar das limitações mencionadas, foi possível verificar que há a necessidade de melhorar as condições de trabalho na APS, com a oferta de EPIs de qualidade e em quantidade suficiente, além de garantir vacinas contra influenza de forma prioritária e antecipada, e testes de Covid-19 aos profissionais. Destaca-se que as condições de trabalho se distinguiram no presente estudo segundo sexo, categoria profissional e estado de atuação durante a pandemia.

Chamam a atenção as condições de trabalho dos ACSs, sendo identificadas diferenças de acesso a EPIs por eles. Essa categoria ainda não tem sido devidamente valorizada como membro da equipe de saúde da APS. Portanto, as políticas públicas voltadas para o trabalho em saúde devem atentar para essa categoria, a qual encontra-se exposta a maiores riscos ocupacionais durante períodos epidêmicos.

Considerações finais

O perfil dos profissionais atuantes na APS nos estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo é de mulheres, adultas jovens, envolvidas com a assistência direta a usuários e familiares. A categoria profissional de enfermagem foi a mais frequente dentre os participantes da pesquisa, seguida dos ACSs. Além disso, demonstrou-se que os profissionais de nível superior apresentam maior número de vínculos trabalhistas, o que gera sobrecarga de trabalho, sendo esse um potencial motivo para desencadear estresse físico e mental perante a conjuntura pandêmica pela qual se passava no momento.

Quanto às medidas de proteção de riscos ocupacionais, o estudo evidenciou deficiências, sobretudo na oferta e no uso de EPIs e de testes para detecção do vírus - expondo, desse modo, os profissionais da APS a risco de contrair a infecção pela Covid-19. A categoria profissional em maior risco é a de ACS; por conseguinte, exige atenção especial quanto às medidas protetivas no âmbito da saúde do trabalhador.

Os achados deste estudo atentam para a importância de políticas públicas voltadas para todos os profissionais, em especial para os ACSs, que versem sobre melhores condições de trabalho durante a pandemia da Covid-19. Em se tratando de políticas, foram observadas possíveis diferenças nas gestões municipais dos estados, que parecem não ofertar o acesso equânime de profissionais de saúde da APS a proteção, imunizantes e testes para detecção de SARS-CoV-2. Sugere-se que essas informações contribuam para estratégias públicas protetivas aos trabalhadores da APS.

Por fim, vale mencionar que o cenário pandêmico atrelado ao predomínio do modelo biomédico no país, centrado em leitos de terapia intensiva e hospitais, culminou em menores investimentos governamentais na APS, a qual apresenta como atributos a competência cultural, a capilaridade do acesso, o vínculo e a longitudinalidade do cuidado, que são essenciais para a atuação no monitoramento de casos e nas ações de orientação e prevenção, levando a prejuízos no controle da doença durante o período da pandemia.

Referências

  • Financiamento

    Projeto com financiamento pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) e Ministério da Saúde, Chamada FUNDECT n. 08/2020 - Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS) e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), edital Covid-19 - Projetos e Ideias - Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPP)/Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Esportes (PROECE)/Agência de Internacionalização e de Inovação (AGINOVA) 22/2020. Número do processo: FUNDECT 1/018.055/2021 e UFMS 80916.851.21027.15052020. Título: Impacto de Ações Voltadas para a Promoção da Aceitabilidade, Adesão e Cumprimento de Medidas de Prevenção e Controle da Covid-19 no Mato Grosso do Sul.
  • Aspectos éticos

    A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com seres humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), conforme o parecer consubstanciado n. 4.062.744, em 1 de junho de 2020. Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 31493920.8.0000.0021.
  • Apresentação prévia

    Este artigo é resultante da dissertação de mestrado Trabalho, gestão e capacitação na pandemia da Covid-19: percepção de profissionais da Atenção Primária à Saúde, de autoria de Maristela Rodrigues Marinho, defendida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2022
  • Aceito
    08 Ago 2022
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