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Superexploração da força de trabalho na saúde em um contexto de pandemia de Covid-19 no Brasil

Superexploitation of the health workforce in the context of the COVID-19 pandemic in Brazil

Sobreexplotación de la fuerza de trabajo de salud en el contexto de la pandemia de COVID-19 en Brasil

Resumo

O capitalismo, na sua etapa de dominância do capital fictício, acentuado pelas dimensões de sua crise pandêmica, econômica e ecológica, tem intensificado a superexploração da força de trabalho no mundo e, particularmente, no Brasil. Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo analisar as manifestações da superexploração da força de trabalho entre trabalhadores(as) da saúde em um contexto de pandemia de Covid-19 no Brasil. O artigo está estruturado em quatro partes. A primeira discute as dimensões do valor da força de trabalho. A segunda aborda os mecanismos de superexploração da força de trabalho. A seção seguinte discorre acerca das manifestações da superexploração entre os(as) trabalhadores(as) da saúde, nos últimos anos. E a parte final apresenta dados de como tem ocorrido ou acontecido a superexploração no cenário da pandemia de Covid-19 no Brasil. Atualmente, em um cenário de pandemia de Covid-19, observa-se um percentual significativo de profissionais da saúde com sobrecarga de trabalho, com jornadas para além das 40 horas semanais, alguns tendo que recorrer a mais de um vínculo de trabalho para poder sobreviver. Tais manifestações representam as péssimas condições de trabalho dessa categoria de trabalhadores, além de contribuir para o adoecimento e o elevado número de acidentes de trabalho.

Palavras-chave:
exploração do trabalho; trabalhadores da saúde; jornada de trabalho; capitalismo; Covid-19

Abstract

Capitalism, in its stage of dominance of fictitious capital, accentuated by the dimensions of its pandemic, economic and ecological crisis, has intensified the superexploitation of the labor force in the world and, particularly, in Brazil. In this perspective, this article aims to analyze the manifestations of the superexploitation of the workforce among health workers in the context of the COVID-19 pandemic in Brazil. The article is structured in four parts. The first discusses the dimensions of the value of labor power. The second deals with the mechanisms of superexploitation of the workforce. The following section discusses the manifestations of superexploitation among health workers in recent years. And the final part presents data on how superexploitation has occurred in the scenario of the COVID-19 pandemic in Brazil. Currently, in the COVID-19 pandemic scenario, there is a significant percentage of health professionals with work overload, with working hours beyond 40 hours per week, some having to resort to more than one employment relationship to survive. Such manifestations represent the terrible working conditions of this category of workers, in addition to contributing to illness and the high number of accidents at work.

Keywords:
labor exploitation; health workers; working hours; capitalism; COVID-19

Resumen

El capitalismo, en su etapa de dominación del capital ficticio, acentuado por las dimensiones de su crisis pandémica, económica y ecológica, ha intensificado la sobreexplotación de la fuerza de trabajo en el mundo y, particularmente, en Brasil. Desde esta perspectiva, este artículo tiene como objetivo analizar las manifestaciones de sobreexplotación de la fuerza de trabajo entre los trabajadores y trabajadoras de la salud en un contexto de pandemia de COVID-19 en Brasil. El artículo está estructurado en cuatro partes. La primera discute las dimensiones del valor de la fuerza de trabajo. La segunda aborda los mecanismos de sobreexplotación de la mano de obra. En la siguiente sección se analizan las manifestaciones de la sobreexplotación entre los trabajadores y trabajadoras de la salud en los últimos años. Y la parte final presenta datos sobre cómo se ha producido u ocurrió la sobreexplotación en el contexto de la pandemia de COVID-19 en Brasil. Actualmente, en un escenario de la pandemia del COVID-19, existe un porcentaje importante de profesionales de la salud con sobrecarga laboral, trabajando más de 40 horas a la semana, teniendo algunos que recurrir a más de un empleo para poder subsistir. Tales manifestaciones representan las malas condiciones de trabajo de esta categoría de trabajadores, además de contribuir a la enfermedad y al elevado número de accidentes de trabajo.

Palabra clave:
explotación laboral; trabajadores de la salud; jornada de trabajo; capitalismo; COVID-19

Introdução

Ao analisar concretamente a história do capitalismo do ponto de vista da sua totalidade, é possível identificar a existência de elementos constitutivos desse sistema. Entre estes elementos estão as formas de exploração da força de trabalho, que determinam as relações de produção na sociedade moderna. Para que se mantenham os padrões globais de acumulação, no modo de produção capitalista, a produção da riqueza social implica, necessariamente, a ampliação do grau de superexploração da força de trabalho.

A classe trabalhadora vivencia desde sempre formas intensas de exploração da força de trabalho e de precarização ilimitada, no Brasil não é diferente. O capitalismo, na sua atual fase (com a predominância do capital fictício) e sua crise na inter-relação com as crises pandêmica, econômica de ‘longa depressão’ e ecológica (Mendes, 2022MENDES, Áquilas N. Crise do capital e o estado: o desmonte da saúde pública brasileira em curso no neofascismo de Bolsonaro. In: MENDES, Áquilas N.; CARNUT, Leonardo (org.). Economia política da saúde: uma crítica marxista contemporânea. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 2022. p. 96-153. ), tem intensificado uma massiva desigualdade de classe, raça, etnia e gênero na sociedade como um todo e demonstrado a incapacidade do sistema de metabolismo antissocial do capital de suprir as necessidades básicas da humanidade.

Para almejarmos compreender como tem se dado a superexploração da força de trabalho entre trabalhadores(as) da saúde, no atual cenário de crise do capitalismo e de pandemia de Covid-19, se faz necessário empreender uma análise da estrutura e dinâmica do capitalismo dependente brasileiro, que permeie a sua consolidação, o seu desenvolvimento e as condições que determinam suas crises. Nesta perspectiva, o objetivo deste artigo é analisar as manifestações da superexploração da força de trabalho entre trabalhadores(as) da saúde em um contexto de pandemia de Covid-19 no Brasil.

Deste modo, o artigo se ampara em pesquisa bibliográfica, tendo como unidade de análise os trabalhadores da saúde. Para tanto, o artigo encontra-se dividido em quatro seções. Na primeira, apresentamos uma discussão sobre as dimensões do valor da força de trabalho. Na segunda, discorremos sobre os mecanismos de superexploração da força de trabalho. Na terceira, expomos as manifestações da superexploração entre os(as) trabalhadores(as) da saúde, nos últimos anos. Por fim, na quarta seção, apresentamos como tem se dado a superexploração no cenário atual da pandemia de Covid-19, que aprofundou a crise contemporânea do capitalismo, intensificando a exploração, a miséria e o sofrimento da classe trabalhadora brasileira, e evidenciamos as repercussões da superexploração nas condições de vida e saúde dos trabalhadores da saúde.

1. Dimensões do valor da força de trabalho: bases fundantes da especificidade da superexploração

Ao se discutir o trabalho no âmbito do capitalismo dependente brasileiro, entende-se fundamental ter como categoria central de análise a superexploração da força de trabalho, assinalada por Marini como o “fundamento da dependência” (Marini, 2011aMARINI, Rui M. Sobre a dialética da dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STÉDILE, João P. (org.) Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011a. p. 173-185. , p. 185). A categoria ‘superexploração do trabalho’ apareceu pela primeira vez na obra de Ruy Mauro Marini, intitulada Subdesenvolvimento e revolução (Marini, [1968] 2017MARINI, Rui M. Subdesenvolvimento e revolução. 6. ed. Florianópolis: Insular, 2017. 272p.), mas ganha uma posição destacada e sistemática em “Dialética da dependência” (Marini, 2011bMARINI, Rui M. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STÉDILE, João P. (org.) Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011b. p. 131-172. ), publicado originalmente em 1973.

A superexploração funda-se na economia dependente como mecanismo compensatório da perda de mais-valia, não no nível das relações de mercado, mas no plano da produção interna. Marini afirma que:

O aumento da intensidade do trabalho aparece, nessa perspectiva, como um aumento da mais-valia, obtido através de uma maior exploração do trabalhador e não do incremento de sua capacidade produtiva. O mesmo poderia dizer da prolongação da jornada de trabalho, isto é, do aumento da mais-valia absoluta na sua forma clássica; diferentemente do primeiro, trata-se aqui de aumentar simplesmente o tempo de trabalho excedente, que é aquele em que o operário continua produzindo depois de criar um valor equivalente ao dos meios de subsistência para seu consumo. Deve-se assinalar, finalmente, um terceiro procedimento, que consiste em reduzir o consumo do operário mais além do seu limite normal, pelo qual “o fundo necessário de consumo do operário se converte de fato, dentro de certos limites, em um fundo de acumulação de capital”, implicando assim em um modo específico de aumentar o tempo de trabalho excedente (Marini, 2011bMARINI, Rui M. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STÉDILE, João P. (org.) Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011b. p. 131-172. , p. 147-148).

Nessa mesma linha de análise, Osorio assinala que “a superexploração pretende dar conta de uma modalidade de acumulação em que, de maneira estrutural e recorrente, viola-se o valor da força de trabalho” (Osorio, 2009OSORIO, Jaime. Dependência e superexploração. In: SADER, Emir et al. (org.). A América Latina e os desafios da globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 167-187. , p. 171).

O entendimento da categoria superexploração como fundamento da dependência e aspecto explicativo da reprodução do capitalismo dependente passa pela compreensão de outros elementos centrais: “a existência de diferentes níveis de abstração e de unidades de análise no marxismo, isto é: modo de produção, sistema mundial, padrão de reprodução do capital, formação econômico-social e conjuntura” (Osorio, 2009OSORIO, Jaime. Dependência e superexploração. In: SADER, Emir et al. (org.). A América Latina e os desafios da globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 167-187. , p. 171).

A superexploração da força de trabalho se apresenta de modo estruturante nos países de capitalismo dependente, como destaca Osorio (2009OSORIO, Jaime. Dependência e superexploração. In: SADER, Emir et al. (org.). A América Latina e os desafios da globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 167-187. ) :

A diferença reside em que, nas economias dependentes, essa modalidade de exploração se encontra no centro da acumulação. Não é então nem conjuntural nem tangencial à lógica de como essas sociedades se organizam. E ganha sentido quando se analisa o capitalismo como sistema mundial, que exige transferências de valores das regiões periféricas para o centro, e quando as primeiras, como forma de compensar essas transferências, acabam transformando parte do “fundo necessário de consumo do operário” em um “fundo de acumulação de capital”, dando origem a uma forma particular de reprodução capitalista e a uma forma particular de capitalismo: o dependente (Osorio, 2009OSORIO, Jaime. Dependência e superexploração. In: SADER, Emir et al. (org.). A América Latina e os desafios da globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 167-187. , p. 174).

Para melhor entendermos a categoria ‘superexploração da força de trabalho’, seguiremos um percurso que se inicia pela compreensão de categorias como ‘força de trabalho’, ‘valor de uso’, ‘valor’, ‘mais-valia’ e ‘exploração’. Tal percurso se faz necessário, para que se possa decodificar a afirmação levantada por Osorio (2009OSORIO, Jaime. Dependência e superexploração. In: SADER, Emir et al. (org.). A América Latina e os desafios da globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 167-187. , p. 175) de que “a superexploração, como violação do valor da força de trabalho, não implica uma maior exploração”.

Inicialmente, é necessário compreender que o trabalhador não vende seu trabalho ao capitalista, mas sim a sua força de trabalho; “ele vende sua capacidade de trabalhar durante um dia, uma semana, um mês”. O capitalista, por sua vez, “compra a mercadoria força de trabalho e, como qualquer outra mercadoria, ela possui valor e valor de troca”, salientam Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 132) apoiados na perspectiva marxiana.

Importante ressaltar que o valor de uso da força de trabalho é sua capacidade de produzir valor e mais-valia, enquanto que o trabalho é o processo de consumir o valor de uso da força de trabalho. A magnitude do valor da força de trabalho é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário para a produção e reprodução desse artigo específico (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. ). A princípio, pode-se pensar que a reprodução da força de trabalho só é possível quando, depois do final da jornada de trabalho, o trabalhador está em condições de repor sua saúde e energia para voltar a trabalhar na jornada seguinte.

Marx destaca que, “dada a existência do indivíduo, a produção da força de trabalho consiste em sua própria reprodução ou manutenção” (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 275). Logo, para sua reprodução [ou manutenção], os(as) trabalhadores(as) necessitam de certa quantidade de meios de subsistência (ou mercadorias) que satisfaçam as suas necessidades naturais1 1 As necessidades naturais de um(a) trabalhador(a) são muitas (por exemplo: alimentação, vestimenta, transporte, saúde, lazer, educação, moradia etc.) e diferem de acordo com o clima, com as peculiaridades naturais de um local, com o grau de cultura de um país, e de sob quais condições e com quais costumes e exigências de vida se formou a classe trabalhadora de determinada localidade (Marx, 2013). e seja suficiente para mantê-los(as) em condições normais de vida. O tempo de trabalho necessário à produção da força de trabalho corresponde ao necessário à produção de tais meios de subsistência. Dito de outra maneira, o conjunto de mercadorias necessárias à subsistência de trabalhadores(as) possui um valor, uma magnitude de valor. E este é parte do valor da força de trabalho.

A extensão das necessidades imediatas, bem como o modo de sua satisfação, é ela própria um produto histórico, conforme reforça Marx (2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. ):

Diferentemente das outras mercadorias, a determinação do valor da força de trabalho contém um elemento histórico e moral. No entanto, a quantidade média dos meios de subsistência necessários ao trabalhador num determinado país e num determinado período é algo dado (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 276).

Contudo, não para por aí, afinal o proprietário da força de trabalho é mortal e em algum momento vai precisar ser substituído, ou por haver terminado sua vida útil ou simplesmente por ter morrido. 2 2 Sobre os limites do processo de exploração da força de trabalho, Carcanholo e Sabadini (2011, p. 138) são taxativos ao dizer que um “aspecto importante a ser destacado é o fato de que extensão e intensificação da jornada, para além de determinado grau, são incompatíveis. Não é possível, elevar ambas, simultaneamente sem limites”. Acrescentando mais à frente: os limites que a ampliação da mais-valia absoluta apresenta são do tipo físico ou fisiológico e mesmo social e até político. As necessidades vitais, espirituais, sociais e inclusive reprodutivas dos trabalhadores impõem barreiras ao aumento indiscriminado da mais-valia absoluta. A luta de classes e a correlação de forças em cada momento é um dos seus freios. Por tudo isso, o capital busca outros mecanismos para criar mais-valia. Trataremos mais adiante das noções de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. O sistema do capital não está muito interessado na ‘finitude’ do indivíduo detentor da força de trabalho, preocupando-se apenas com a contínua transformação de dinheiro em capital, que por sua vez exige uma contínua perpetuação de trabalhadores(as) no mercado de trabalho. Os trabalhadores, seres finitos que são, só conseguirão se perpetuar, e assim atender às exigências de produção e reprodução do capital, por meio da ‘procriação’. Isso significa que precisam ter filhos(as) e eles(as) precisam das condições necessárias para sobreviver e se desenvolver (ex.: alimentação, vestimenta, transporte, saúde, lazer, educação etc.). Tudo isso implica um conjunto adicional de mercadorias que possuem um valor. A magnitude desse valor se incorpora à força de trabalho (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ).

Assim, o valor da força de trabalho leva em consideração tanto as condições de sobrevivência do(a) trabalhador(a) quanto as da sua família. Desde esse momento é possível tratar da mais-valia. O que acontece é que o trabalhador normalmente produz mais valor que o valor de sua força de trabalho. Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ) apontam que o aumento do produto excedente pode se dar de muitas maneiras: prolongando a jornada de trabalho, elevando a produtividade e reduzindo o tempo necessário, intensificando o trabalho, apropriando-se de parte do fundo de consumo (ou de parte do tempo de trabalho necessário) para transformá-lo em fundo de acumulação.

É possível identificar duas dimensões no valor da força de trabalho na análise de Marx, a saber, o valor diário e o valor total. O valor total “considera o tempo total de vida útil do trabalhador ou o total de dias que o possuidor da força de trabalho vende sua mercadoria no mercado, em boas condições, além dos anos de vida em que já não participará da produção (anos de aposentadoria)” (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 65).

É o valor total da força de trabalho que determina seu valor diário. Conforme argumenta Marx (2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 630), “o valor diário da força de trabalho é calculado com base em sua duração média, ou na duração normal de vida de um trabalhador e na correspondente transformação normal - ajustada à natureza humana - de substância vital em movimento”.

Nesta linha de argumentação, Osorio sublinha que:

o valor diário de trabalho deve ser calculado, então, considerando determinado tempo médio de vida dos trabalhadores, de acordo com as condições dominantes na época. Os avanços na medicina social, por exemplo, permitiram elevar a expectativa de vida, o que torna possível prolongar o tempo de vida produtiva e de vida total (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 65).

O mesmo autor acrescenta ainda que

isso deve ser relacionado, no entanto, com a ambição do capital de fazer com que toda a vida dos trabalhadores seja tempo de trabalho. A luta de classes é que definirá, finalmente, que porcentagem do prolongamento da vida total será convertida em prolongamento do tempo de trabalho (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 66, grifos do autor).

Osorio ressalta em outra oportunidade:

É sobre as bases objetivas que definem o valor da força de trabalho que pode ser entendido o papel do desenvolvimento da luta de classes na determinação dos salários, tal como são a mais-valia e a sua transfiguração em lucro e lucro médio na concorrência os elementos fundamentais para compreender a disputa entre capitais. Definitivamente, não é a luta de classes que determina o valor, mas é este que define o eixo em torno do qual se desenvolverá a luta de classes (Osorio, 2009OSORIO, Jaime. Dependência e superexploração. In: SADER, Emir et al. (org.). A América Latina e os desafios da globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. p. 167-187. , p. 179, grifos do autor).

Logo, se o salário recebido pelo(a) trabalhador(a) é insuficiente ou se este indivíduo está envolvido num processo de trabalho que gera muito desgaste (seja pelo prolongamento da jornada de trabalho, seja pela intensificação do trabalho), de modo a encurtar o seu tempo de vida útil e de vida total, isso representa situações nas quais o capital está se apropriando hoje dos anos futuros de trabalho e de vida. Estes são processos de exploração redobrada, na medida em que se viola o valor da força de trabalho (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. ).

É importante considerar que a ideia de remunerar a força de trabalho por seu valor não pode ser reduzida a um assunto puramente salarial (tampouco da dimensão ‘saúde’, como veremos mais adiante). “Os trabalhadores devem encontrar o conjunto de condições indispensáveis para produzir e reproduzir sua força de trabalho, e dentro delas o salário é importante, mas não é o único elemento”, salienta Osorio (2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 66).

Alguns processos de trabalho podem aumentar a jornada ou intensificá-la a tal ponto que, apesar do pagamento de horas extras ou de incrementos salariais pelo aumento das mercadorias produzidas, terminem reduzindo a vida útil e a vida total de trabalhadores e trabalhadoras. Tal situação acontece, pois, embora seja possível ter acesso à quantidade necessária (e inclusive a uma quantidade maior) de bens que satisfaçam as condições de vida para assegurar a reprodução dos trabalhadores, estes não podem dispor das horas e dias de descanso necessários para repor o desgaste físico e mental de longas e intensas jornadas. Para Osorio (2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 66), “quando isso ocorre, o salário extra só recompensa uma parte dos anos futuros de que o capital se apropria com jornadas extenuantes ou de trabalho redobrado”.

Bem, tendo se estabelecido o valor total da força de trabalho, com base no tempo normal de vida útil de trabalho e de vida média total - magnitude que se define pelas condições médico-sociais dominantes, pela história e pelos costumes arraigados nos povos, a que as condições morais3 3 Ao tratar do prolongamento da jornada de trabalho, Marx afirma: “em seu impulso cego e desmedido, sua voracidade de lobisomem por mais-trabalho, o capital transgride não apenas os limites morais da jornada de trabalho, mas também seus limites puramente físicos”. E acrescenta adiante: “O capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho. O que lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta em movimento numa jornada de trabalho” (Marx, 2013, p. 371). não são alheias - deve-se passar ao cálculo do valor diário da força de trabalho, aquele que possibilita a venda da força de trabalho em condições normais pelo montante de anos anteriormente considerados (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. ).

Como já foi dito previamente, o valor diário da força de trabalho é determinado pelo valor do conjunto de mercadorias necessárias à subsistência e reprodução dos trabalhadores. Encontram-se aqui as necessidades referentes à alimentação, moradia, transporte, saúde, entre outras.

Também é relevante considerar as questões referentes à educação, à cultura e aos costumes em que tenham sido educados os(as) trabalhadores(as), o que faz com que determinadas necessidades básicas sejam supridas de maneiras distintas em diversos países, regiões e culturas. Por exemplo, uma cultura baseada no arroz e feijão soluciona suas necessidades básicas em matéria alimentar de maneira diferente de outras baseadas na batata ou no trigo.

Porém, as necessidades básicas da classe trabalhadora nos dias atuais não são as mesmas do passado (por exemplo, no século XIX ou no início do século XX), pois elas variaram para o conjunto da sociedade. Poder contar com uma air fryer, uma cafeteira elétrica ou um celular, por exemplo, é uma necessidade social substantiva em nosso tempo como poder contar com pão, arroz e feijão.

Osorio (2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. ) aponta que:

O desenvolvimento material da sociedade e a generalização de novos bens vão convertendo estes em bens necessários em épocas determinadas. Por isso, não há nada de estranho no fato de em favelas urbanas pobres se multiplicarem antenas de televisão, apesar de seus habitantes não contarem com alimentos básicos. O que deve surpreender não são as antenas, mas o fato de que a esta altura do desenvolvimento societal existam pessoas que não possam contar com os bens básicos, próprios da época em que vivem, e satisfazer ao mesmo tempo o resto de suas necessidades básicas de maneira suficiente (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 68).

Nesse sentido, compreende-se que o incremento do número de bens necessários que possibilita o desenvolvimento histórico pressiona a uma elevação do valor da força de trabalho. Mas o incremento da produtividade e o barateamento dos bens indispensáveis em geral atuam no sentido contrário, de modo que o valor da força de trabalho se encontra permanentemente tensionado por essas duas forças (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. ).

2. Os mecanismos de superexploração da força de trabalho

É possível identificar quatro mecanismos principais de superexploração da força de trabalho (que atuam de forma isolada ou combinada) que possibilitam a continuidade do processo de acumulação na periferia. São eles: o prolongamento da jornada de trabalho; o aumento da intensidade do trabalho; a apropriação, por parte do capitalista, de parcela do fundo de consumo dos(as) trabalhadores(as) - então convertido em fundo de acumulação capitalista -, sendo que esse mecanismo atua no sentido de criar as condições pelas quais o capital viola o valor da força de trabalho; e a ampliação do valor da força de trabalho sem que seja pago o montante necessário para tal (Amaral e Carcanholo, 2012AMARAL, Marisa S.; CARCANHOLO, Marcelo D. Superexploração da força de trabalho e transferência de valor: fundamentos da reprodução do capitalismo dependente. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 113-130. ).

Para que possamos entender o mecanismo de prolongamento da jornada de trabalho, analisaremos, inicialmente, as formas de existência de mais-valia do ponto de vista da totalidade e da reprodução. Afinal, é “a partir do conceito de mais-valia que se chega ao conceito de exploração, de exploração do trabalho pelo capital”, afirma Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 131).

O primeiro passo significa entender que o dinheiro recebido pelo trabalhador na forma de salário é um título (um papel ou papéis) que lhe dá direito para comprar, para se apropriar de um conjunto limitado de bens. Tais bens foram produzidos anteriormente por outros(as) trabalhadores(as), ou seja, os próprios trabalhadores(as) produziram antes aquilo de que vão se apropriar agora. Importante ter em mente que os trabalhadores só se apropriam de uma parte do produto do seu trabalho (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ).

Logo, é presumível que o dinheiro que inicialmente saiu do bolso dos capitalistas, no fim das contas, volta para eles, uma vez que os(as) trabalhadores(as) vão gastar seus salários comprando bens essenciais. Isso significa que os capitalistas se apropriam da mais-valia sem dar nada em troca; só permitem que os trabalhadores se apropriem de parte de algo que já produziram (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ).

Assim, para Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ),

a relação salarial (que produz mais-valia) é e não é ao mesmo tempo uma relação de exploração. Do ponto de vista da essência, é exploração; na aparência, pode ou não ser exploração. Com certeza, mesmo na aparência, será exploração quando os salários são baixos e/ou quando as condições de trabalho são insatisfatórias para a reprodução dos trabalhadores (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 136, grifos do autor).

Mais-valia é o valor produzido pelo trabalho que supera o valor da força de trabalho, ela é um produto da exploração do trabalho (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. ). A mais-valia absoluta, por sua vez, é a forma que o capital usa para incrementar a massa de mais-valia produzida pelos(as) trabalhadores(as). Por exemplo, no prolongamento da jornada de trabalho, mantém-se constante a parte que é destinada ao pagamento da força de trabalho sob a forma de salário.

Numa jornada de trabalho de oito horas diárias, por exemplo, suponhamos que duas horas sejam destinadas à reprodução da força de trabalho, e as demais seis horas caracterizem a mais-valia que é apropriada pelo capitalista. Se a jornada é ampliada para dez horas, então está se produzindo um excedente. Tal prolongamento da jornada de trabalho [se dá] sem alterar o tempo de trabalho necessário (o salário), ou mesmo aumentando-o, exigindo, portanto, maior esforço dos(as) trabalhadores(as). Aqui está uma das formas de se alcançar a mais-valia absoluta.

O segundo mecanismo consiste na intensificação da jornada de trabalho, lembra-nos Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ):

Dada uma quantidade determinada de horas de trabalho por dia, a intensificação consiste em elevar o ritmo de trabalho dos trabalhadores, de maneira que se produza um volume maior de valores de uso, no mesmo tempo (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 138).

A produção da mais-valia absoluta, por um lado, implica um esforço adicional do trabalhador, por outro, a decisão de ampliar ou intensificar a jornada em certa magnitude tende a ser tomada pelo capitalista. “O fato de que o salário do trabalhador seja elevado em certa medida não impede que a massa de mais-valia produzida cresça com a mais-valia absoluta”, acrescenta Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 138).

Outra maneira que o capital encontra para aumentar a massa de mais-valia sem que para isso tenha que ampliar a jornada de trabalho para além dos limites estabelecidos, e nem necessariamente intensificá-la, é diminuindo a parte da jornada de trabalho que se refere ao trabalho necessário (necessário para repor a força de trabalho e que normalmente corresponde ao salário), aumentando consequentemente a parte do trabalho excedente. A massa de mais-valia produzida através desse mecanismo é denominada mais-valia relativa (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. ).

Nesse processo, o trabalhador não recebe necessariamente um salário real menor, pois continuará a receber uma remuneração que lhe permite adquirir os meios de subsistência básicos para a reprodução. A redução do valor da cesta de consumo dos(as) trabalhadores(as), permitindo que estes a comprem (mesmo tendo seu tempo de trabalho socialmente necessário reduzido) só é possível com o aumento da força produtiva do trabalho (produtividade) nos setores que produzem os bens de consumo dos trabalhadores ou os insumos e os meios de produção necessários.

Existem outros métodos que, aplicados de maneira conjunta com os anteriores, contribuem para que os capitalistas aumentem o volume total de lucro obtido do trabalho: diminuição do salário real e a remuneração abaixo do mínimo necessário à subsistência do trabalhador. Logo, o pagamento de um salário insuficiente para que trabalhadores(as) e suas famílias consigam reproduzir adequadamente a sua força de trabalho, ou seja, uma remuneração abaixo do valor da força de trabalho correspondente à superexploração da força de trabalho.

3. Superexploração e saúde

A ‘saúde’ no modo de produção capitalista é uma mercadoria (meio de subsistência) que contribui para a reprodução da força de trabalho, ou seja, o valor (ou magnitude do valor) da mercadoria saúde se incorpora ao valor da força de trabalho.

Se o trabalhador é privado de ‘saúde’, ele acaba privado de uma condição fundamental para sua reprodução e isso encurta a sua vida útil, a ponto de ele não dispor das horas e dias de descanso necessários para repor o desgaste, ou seja, é o capital se apropriando hoje dos anos futuros de trabalho e de vida destes(as) trabalhadores(as), configurando-se num processo de superexploração, na medida em que se viola o valor da força de trabalho.

Em nota técnica publicada em setembro de 2019, intitulada “Reforma trabalhista e os trabalhadores da saúde”, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) argumenta que existem algumas especificidades, relacionadas ao mundo do trabalho na saúde, que precisam ser consideradas ao analisar o mercado de trabalho neste setor específico. Em primeiro lugar, verifica-se que o capital constante4 4 A categoria ‘capital constante’ abordada por Marx (2013) representa os meios de produção, tecnologias, equipamentos e maquinaria empregados no processo de trabalho na saúde. no setor saúde não é necessariamente substitutivo5 5 Para ser mais preciso, o capital constante não é substitutivo de força de trabalho em nenhum setor da economia. da força de trabalho. Com base nesta constatação, decorrem duas considerações: os investimentos no setor saúde (ou seja, a destinação de maiores gastos em capital constante, desta forma, elevando a produtividade) são geradores de novos postos de trabalho, ao contrário de outros setores da economia, em que o aumento da massa de capital6 6 Segundo Amaral e Carcanholo (2012, p. 203-204), o sistema capitalista tem como lei geral uma produtividade crescente. A tendência é a de que a composição orgânica do capital aumente progressivamente e de que, portanto, aumente a massa de capital constante em relação à massa de capital variável, levando à formação de um exército industrial de reserva (EIR) como impacto da própria acumulação capitalista. Essa população excedente é produto necessário da acumulação capitalista e é, simultaneamente, sua própria alavanca, tornando-se condição fundamental de existência do próprio modo de produção capitalista. A dialética da questão - e isto é fundamental - está no fato de que, ao reproduzir esse sistema e permitir que haja ampliação da riqueza ou do capital social, a população trabalhadora produz as condições que [a] tornam relativamente supérflua a esse mesmo modo de produção. Significa dizer que, quando ocorre um incremento na composição do capital (que é a própria tendência no capitalismo), deve ser ampliada a produtividade do trabalho como instrumento de intensificação do processo acumulativo, em vez de ocorrer uma expansão nos níveis de contratação de trabalhadores que possam ser incluídos no processo produtivo, operando os novos meios de produção, e acrescentados nesse processo. Então, amplia-se a quantidade de máquinas e equipamentos, mas a contratação de trabalhadores não acompanha essa ampliação constante em relação à força de trabalho (capital variável) leva à formação de um exército industrial de reserva (EIR); e o aumento de produtividade no setor saúde é mais limitado (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

A nota técnica citada defende ainda que as atividades na área da saúde são suscetíveis a ‘falhas de mercado’, dada a elevada incerteza quanto à qualidade do produto ou serviço prestado, já que, ao contrário de outros produtos e setores de atividade, não pode ser testado antes de sua aquisição. Ao se acrescentar mais à frente que, “diante disto, a melhor maneira de se garantir a qualidade do serviço prestado não é tão somente o padrão tecnológico, mas, sobretudo, o processo de trabalho que deveria ser a base de orientação para ações de gestão do trabalho em saúde” (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. , p. 5).

O Anuário dos Trabalhadores da Saúde, publicado pelo DIEESE em 2018, apresenta uma série de indicadores da situação de trabalho dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 2012 a 2016, que permitem analisar, em alguma medida, dados (por exemplo: vínculos de trabalho; estabilidade no emprego; jornada de trabalho etc.) sobre a força de trabalho na saúde naqueles anos e constatar (ainda que de maneira superficial) o grau de exploração aos quais trabalhadores e trabalhadoras da saúde estão submetidos no Brasil (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2018DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Anuário dos trabalhadores do SUS: 2018. São Paulo: DIEESE, 2018. ).

Os vínculos de trabalho

Por exemplo, entre os anos de 2012-2016 observa-se uma variação percentual positiva para os vínculos CLT (16%) e estatutários (5%) e negativa para outros vínculos (-2%). Contudo, ao segregar o período 2012-2016 em dois outros períodos, 2012-2014 e 2014-2016, observa-se para o segundo período uma variação percentual negativa nos vínculos estatutários (-0,7%) e outros (-14,1%). Para o DIEESE esta é uma constatação que revela como tem crescido no SUS as ocupações cuja natureza do vínculo é mais flexível e menos protegida. “Tanto no governo federal como nos estados e municípios, cresceram as contratações por CLT, cooperativas de trabalho, além da terceirização e dos contratos com organizações sociais”, destaca a nota técnica (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. , p. 9).

Outra característica de grande expressão é a rotatividade do trabalho nos estabelecimentos vinculados ao SUS. O DIEESE estima que, em 2016, 20% dos contratos de trabalho ativos foram encerrados. Ainda neste ano, a taxa de rotatividade global para estatutários foi de 11,1%; para celetistas, de 29,5%, e, para os demais tipos de contrato, de 83,3%. Técnicos(as) e auxiliares de enfermagem estiveram entre as categorias com o maior número (32,6% do total, ou 872 mil vínculos; destes, 65,7% eram celetistas e 32,7% estatutários) de vínculos profissionais no SUS, em 2016. Em segundo, terceiro e quarto lugares estão os trabalhadores(as) nos serviços de promoção e apoio à saúde (12,9% do total, ou 345 mil vínculos: 69,7% estatutários e 26,5% celetistas), as(os) enfermeiras(os) (10,4% do total, ou 279 mil vínculos, com 60,3% celetistas) e as(os) médicas(os) clínicas(os) (8,7% do total, ou 234 mil vínculos), respectivamente (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

Os vínculos adicionais são outra modalidade de prolongamento da jornada de trabalho que se tornou usual no âmbito da saúde, na qual, muitas vezes, a uma jornada diária de oito horas, em algum estabelecimento público ou privado, são agregadas horas extras (seja naquele mesmo estabelecimento, seja em outro) com o intuito de complementar os rendimentos, uma vez que são baixas as remunerações pagas e limitadas às políticas de valorização da carreira. O DIEESE constatou um aumento, entre 1998-2008, no número de pessoas ocupadas, em algum trabalho principal, mas que mantinham trabalho adicional, em cinco (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife e Salvador) das seis regiões analisadas, a exceção foi a região de São Paulo, cuja variação negativa foi de 5,9% (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2009DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

Ao analisar um período mais recente, o mesmo DIEESE encontrou quase um quarto dos(as) trabalhadores(as) do SUS com mais de um vínculo de trabalho, ou seja, trabalhavam em mais de um estabelecimento de saúde, no ano de 2016. Entre as categorias com maior número de vínculos adicionais, destacam-se os(as) técnicos(as) e auxiliares de enfermagem (218 mil), médicas(os) (121 mil), enfermeiras(os) (75 mil) e farmacêuticas(os) (32 mil), totalizando 596 mil trabalhadores da saúde, de um total de 2,68 milhões de trabalhadores(as) no SUS, ou seja, 22% do total (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

Sobre os limites que assinalam a duração possível de uma jornada de trabalho, Osorio (2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. ) expõe:

[...] o prolongamento da jornada tem como consequência uma elevação do valor da força de trabalho, ao requerer maior quantidade de bens necessários para repor o desgaste das horas extras. Porém quando ultrapassado certo ponto, a partir do qual o desgaste físico e mental não pode ser reposto, o aumento de horas diárias não consegue ser compensado pelo aumento do salário. Nesses casos, o capital está se apropriando hoje de anos futuros de trabalho, o que não só viola o valor da força de trabalho, mas implica a redução da vida útil do trabalhador e de sua expectativa de vida de acordo com as condições normais dominantes (Osorio, 2012OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 48-112. , p. 71-72).

A remuneração

Ainda que se tenha observado um aumento no contingente de trabalhadores(as) da saúde - segundo o DIEESE - entre os anos de 1998-2008, isso não se refletiu na valorização7 7 Nesta passagem usa-se a palavra ‘valorização’ com o sentido de reconhecimento da importância de trabalhadores(as), do seu enaltecimento; diferente do sentido adotado pela teoria do valor, ao tratar das metamorfoses sofridas pelo valor, de modo a incrementá-lo. “O valor se incrementou; o valor se valorizou” (Carcanholo e Sabadini, 2011, p. 126). destes(as) trabalhadores(as). Pelo contrário, constatou-se naquele período uma redução na magnitude das remunerações. Ao se comparar os rendimentos médios reais pagos por hora aos ocupados do setor saúde em 2008, com aqueles auferidos em 1998, evidenciou-se a acentuada redução observada em praticamente todas as regiões analisadas, com destaque para a variações percentuais negativas identificadas na região metropolitana de São Paulo (-32,9%), de Recife (-25,0%) e de Salvador (-21,3%) (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2009DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Boletim Trabalho na Saúde. São Paulo: DIEESE, 2009. ).

A diminuição dos rendimentos na saúde, na maioria das regiões, reflete a retração dos salários em estabelecimentos privados que registraram reduções entre 32,0%, em São Paulo, e 4,5%, em Recife. Na esfera pública da saúde, houve queda do rendimento apenas em duas regiões: Recife (-23,3%) e Belo Horizonte (-3,4%). Nesta última região, identificou-se ainda uma variação percentual positiva (10,2%) no salário-hora de trabalhadores(as) vinculados(as) a estabelecimentos de saúde privada (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2009).

Dando um salto no tempo e alcançando o ano de 2016, observa-se que entre as categorias ocupacionais na saúde, os médicos clínicos recebiam naquele ano a maior remuneração (R$ 9.913,00, com crescimento real, descontada a inflação, de 8,8% em relação a 2012), ao passo que cuidadores(as) recebiam a menor (R$ 1.377,00). Enfermeiras(os) tinham uma remuneração média de R$ 4.713,00 e crescimento de 3,4% em relação a 2012, já os técnicos de enfermagem recebiam uma remuneração média de R$ 2.203,00, com aumento real de 7,1% em relação a 2012. Técnicos(as) de enfermagem ganhavam 46,7% do recebido por enfermeiros(as), que, por sua vez, auferiam 47,5% da remuneração de médicos(as). A distância entre a maior e a menor remuneração no SUS, em 2016, era de sete vezes (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

Outra característica bastante expressiva quando se analisa o componente da remuneração entre trabalhadores celetistas vinculados a estabelecimentos do SUS é a desigualdade de gênero e raça. As mulheres, por exemplo, recebiam, em 2016, 75% da remuneração dos homens (R$ 2.878,00 contra R$ 3.828,00). As mulheres negras (pretas e pardas) recebiam 60% da remuneração dos homens não negros (brancos, amarelos e indígenas): R$ 2.561,00 contra R$ 4.302,00. Os(as) trabalhadores(as) negros(as) têm remuneração equivalente a 80% da remuneração dos(as) não negros(as): R$ 2.711,00 contra R$ 3.396,00 (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

As diferenças de remuneração que, por um lado, podem ser explicadas pela natureza dos postos de trabalho, como, por exemplo, a constatação de que existem menos mulheres negras médicas (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ), por outro lado, têm sua origem atrelada à formação do proletariado brasileiro, que foi profundamente marcada pelos fenômenos históricos, econômicos e sociais no Brasil, a exemplo da sua trajetória como resultado de uma colonização predatória, na qual o país funcionou como espaço de apropriação de recursos naturais e financeiros para a metrópole portuguesa, com o trabalho escravo se estendendo por mais de 300 anos, ou mesmo depois da abolição da escravatura com a transição para o trabalho assalariado, não tendo sido proporcionado aos(às) ex-escravizados(as) garantias de assistência social ou qualquer amparo estatal que lhes permitissem melhores condições de vida.

Mesmo numa comparação entre pessoas com escolaridade de ensino superior similares, os dados indicam que trabalhadores(as) negros(as) recebiam 12,5% menos que os(as) brancos(as): R$ 3.981,00 ante R$ 4.549,00 (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ). Castelo, Ribeiro e Rocamora (2020CASTELO, Rodrigo; RIBEIRO, Vinicius; ROCAMORA, Guilherme. Capitalismo dependente e as origens da “questão social” no Rio de Janeiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 137, p. 15-34, jan./abr. 2020. https://doi.org/10.1590/0101-6628.199. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5cPpmMJKnwPZ6rQR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5...
) nos lembram que o ingresso da América Latina no mercado mundial aconteceu sob o amparo da colonização, ordem social fundada na monocultura de exportação, no latifúndio e na força de trabalho escravizada indígena e negra.

Castelo, Ribeiro e Rocamora (2020CASTELO, Rodrigo; RIBEIRO, Vinicius; ROCAMORA, Guilherme. Capitalismo dependente e as origens da “questão social” no Rio de Janeiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 137, p. 15-34, jan./abr. 2020. https://doi.org/10.1590/0101-6628.199. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5cPpmMJKnwPZ6rQR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5...
) colocam que:

Em meados do século XIX, com a divisão internacional do trabalho comandada pelo Império Britânico, há uma mudança qualitativa da inserção latino-americana nos circuitos mundiais da acumulação de capitais, passando da colonização para o capitalismo dependente. Esse é um período de transição de modos de produção na América Latina.

Até então, a região era fornecedora de matérias-primas e alimentos para os países industriais centrais e a sua condição política era de colônia dos impérios europeus. Junto aos processos nacionais de independência no início dos anos 1800, temos a transição dos modos de produção pré-capitalistas para o capitalismo dependente, tendo o trabalho livre como relação social de produção hegemônica, mas combinada com diversas outras formas tidas como arcaicas (Castelo, Ribeiro e Rocamora, 2020CASTELO, Rodrigo; RIBEIRO, Vinicius; ROCAMORA, Guilherme. Capitalismo dependente e as origens da “questão social” no Rio de Janeiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 137, p. 15-34, jan./abr. 2020. https://doi.org/10.1590/0101-6628.199. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5cPpmMJKnwPZ6rQR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5...
, p. 17).

Nesse período de transição coexistiram o trabalho escravo e o trabalho livre em diversas regiões e setores econômicos do Brasil, e esse amálgama entre tais relações sociais de produção contribuiu para a formação do proletariado brasileiro, “que tem suas raízes sociais nos indígenas, negros e imigrantes europeus” (Castelo, Ribeiro e Rocamora, 2020CASTELO, Rodrigo; RIBEIRO, Vinicius; ROCAMORA, Guilherme. Capitalismo dependente e as origens da “questão social” no Rio de Janeiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 137, p. 15-34, jan./abr. 2020. https://doi.org/10.1590/0101-6628.199. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5cPpmMJKnwPZ6rQR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5...
, p. 20). Os autores acrescentam mais à frente:

O fazer-se da classe trabalhadora no Brasil é um longo processo que tem profundas raízes no período escravista. É um mito achar que a formação da classe trabalhadora começa nos centros urbanos do Sudeste com a militância dos operários fabris de origem estrangeira e que defendiam os ideais anarquistas. A classe trabalhadora brasileira é herdeira das lutas dos escravos e escravas, rurais e urbanos, que, durante cerca de meio século, compartilharam experiências com os trabalhadores livres (Castelo, Ribeiro e Rocamora, 2020CASTELO, Rodrigo; RIBEIRO, Vinicius; ROCAMORA, Guilherme. Capitalismo dependente e as origens da “questão social” no Rio de Janeiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 137, p. 15-34, jan./abr. 2020. https://doi.org/10.1590/0101-6628.199. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5cPpmMJKnwPZ6rQR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/f45LPLk5...
, p. 27).

Para o DIEESE, “faltam perspectivas de carreiras mais atrativas no SUS, inclusive para o reconhecimento da experiência tácita no trabalho, pois os dados indicam que a remuneração aumenta, na medida em que aumenta o grau de instrução” (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. , p. 15). Contudo, de acordo com Martins (2011MARTINS, Carlos E. O pensamento social de Ruy Mauro Marini e sua atualidade: reflexões para o século XXI. Crítica Marxista, São Paulo, n. 32, p. 127-146, 2011. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo236merged_document_246.pdf. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxi...
), a elevação da qualificação do trabalhador sem a remuneração equivalente ao incremento de valor da formação de trabalho é um dos mecanismos pelos quais se desenvolve a superexploração da força de trabalho, que se caracteriza pela queda dos preços da força de trabalho por baixo do seu valor.

A jornada de trabalho

No Brasil, identifica-se o prolongamento da jornada de trabalho em muitos setores. No setor da saúde, por exemplo, observou-se um aumento do número de horas médias trabalhadas entre os anos de 1998 e 2008, segundo o Boletim Trabalho na Saúde, publicado em 2009 (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2009DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Boletim Trabalho na Saúde. São Paulo: DIEESE, 2009. ). O mesmo boletim constatou um elevado número de trabalhadores da saúde que trabalharam além do limite legal das 44 horas semanais. Na maioria das regiões analisadas (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo), este indicador, em termos percentuais, ficou acima dos 20,0%, com destaque para as áreas metropolitanas de Salvador e São Paulo, nas quais a proporção atingiu os 29,0% em 2008.

O trabalho na saúde sofre os ditames do sistema capitalista assim como qualquer outro setor. Os(as) trabalhadores(as) da saúde estão submetidos(as) a jornadas extensas e intensas de trabalho, não apenas porque precisam incrementar a remuneração insuficiente que recebem - e o fazem por meio das horas extras, sobreavisos, plantões etc. - mas porque essa é a lógica do sistema capitalista e um dos mecanismos pelos quais se explora a força de trabalho e se extrai a mais-valia. Este trabalho intenso e extenso tem como consequência o adoecimento de muitos trabalhadores da saúde, além de causar o aumento de acidentes de trabalho.

Em relatório conjunto publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em setembro de 2021, estimou-se que o fator de risco ocupacional com maior número de mortes atribuíveis em 2016 foi a exposição a longas horas de trabalho (n = 744.924 mortes). Em termos absolutos, o número global de mortes relacionadas ao trabalho aumentou em 177.914 mortes, entre 2000 e 2016, tal tendência foi impulsionada grandemente pela exposição a longas horas de trabalho, que contribuiu com o maior aumento (165.356 mortes globalmente) (Organização Internacional do Trabalho, 2021ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). OMS/OIT: quase 2 milhões de pessoas morrem a cada ano de causas relacionadas ao trabalho. 2021. Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_820318/lang--pt/index.htm. Acesso em: 8 nov. 2022.
http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCM...
; International Labour Organization, 2021INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). WHO/ILO Joint Estimates of the Work-related Burden of Disease and Injury, 2000-2016. 2021. ISBN: 978-92-2-035432-2. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---lab_admin/documents/publication/wcms_819788.pdf. Acesso em: 8 nov. 2022.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
).

Entre as categorias de trabalhadores que estão submetidos às horas extras de maneira mais expressiva se encontram os(as) técnicos(as) e auxiliares de enfermagem, os trabalhadores em serviços de promoção à saúde, enfermeiras(os) e médicas(os). Em 2016, do total de falecimentos registrados de trabalhadores vinculados ao SUS (n = 1.981), 14,2% deveram-se a doenças profissionais e 55,1% decorreram de acidentes de trabalho (típicos ou de trajeto). As aposentadorias por doença, invalidez ou acidente representaram 23% do total das aposentadorias (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. ).

A taxa de mortalidade de trabalhadores vinculados a estabelecimentos do SUS cresceu de 41,8 para 70,7 por 100 mil vínculos, de 2012 para 2016. A nota técnica do DIEESE destaca que “cerca de 54% dos empregos em estabelecimentos do SUS têm de médio a alto risco para acidentes de trabalho. Revelando que são necessárias políticas permanentes de prevenção no ambiente e nas condições de trabalho” (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2019DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Reforma Administrativa e os trabalhadores do SUS. São Paulo: DIEESE, 2019. , p. 15-16).

4. Crise pandêmica, superexploração e os rebatimentos na saúde dos trabalhadores

No cenário atual de crise pandêmica, temos visto um contingente considerável de trabalhadores(as) da saúde adoecidos física e psiquicamente. Ou seja, são trabalhadores(as) que apresentam alguma dificuldade na reposição de sua energia e saúde para voltar a trabalhar na jornada seguinte. Estes trabalhadores não têm os meios de subsistência suficientes para reproduzir a sua força de trabalho. Essa situação se configura como uma superexploração da força de trabalho.

Se somarmos a esse cenário a precarização histórica dos trabalhadores(as) do SUS, que através da sua assistência à saúde e serviços (mas não somente isso) confere o aporte de saúde necessário para que a classe trabalhadora reproduza a sua força de trabalho e continue trabalhando com melhores condições de vida, é possível conceber o quanto essa precariedade da saúde pública brasileira contribui para o rebaixamento do valor da força de trabalho, logo, para a superexploração da força de trabalho, para a extração de excedente do trabalho8 8 Ainda que os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público da saúde não estejam subsumidos diretamente ao capital, eles são trabalhadores produtivos e produzem excedente-valor para o capital. Carcanholo argumenta que os trabalhadores da saúde pública produzem valor e excedente-valor que não é pago pelos que imediatamente usufruem que, se são trabalhadores, têm o valor da sua força de trabalho reposto ou ampliado. Não só o excedente, mas o próprio valor produzido pelos profissionais funcionários públicos reaparecerá nas mãos dos capitais que contratem os trabalhadores sem que lhes custe nada (salvo quando algo pagam de impostos correspondentes). Se esses trabalhadores são produtivos, aquele valor e aquele excedente se transformam em mais lucros para o capital global. A atividade dos mencionados profissionais funcionários públicos é, então, duplamente produtiva; não só o excedente que produzem, mas todo o valor reaparece como lucro do capital. O trabalho dos profissionais da saúde ou educação (por conta própria ou do setor público), quando beneficiarem trabalhadores improdutivos, obviamente não aparecerá como aumento dos lucros gerais do capital, mas, no mínimo, como uma redução das transferências que o capital deve fazer de mais-valia para esse tipo de trabalhadores. Assim, nesse caso, esse trabalho profissional não aumenta os lucros do capital, mas contribui para que não haja reduções maiores. Caso o trabalho daqueles profissionais beneficie os recebedores de mais-valia não trabalhadores, o caso é algo diferente: a mais-valia total apropriada por parte desses setores da sociedade simplesmente se traduzirá em uma elevação do volume de valores de uso apropriados por eles (Carcanholo, 2008, p. 2017-218). , a mais-valia.

É o sistema capitalista se beneficiando de diversas formas e maneiras do campo da saúde. Seja através da privatização, desfinanciamento e desmonte do SUS (Mendes, 2022MENDES, Áquilas N. Crise do capital e o estado: o desmonte da saúde pública brasileira em curso no neofascismo de Bolsonaro. In: MENDES, Áquilas N.; CARNUT, Leonardo (org.). Economia política da saúde: uma crítica marxista contemporânea. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 2022. p. 96-153. ), seja por meio da superexploração da sua principal engrenagem (quem movimenta e constrói o SUS) que é a força de trabalho na saúde.

A pandemia de Covid-19 aprofundou as mazelas sociais manifestadas pelo capitalismo, impactando diretamente as condições de vida e trabalho da população, ampliando os índices globais de mortalidade, de desemprego, de pobreza, de fome etc., além de aumentar o grau de exploração de trabalhadores(as) e intensificar as desigualdades de classe, raça e gênero na sociedade como um todo.

Nesse cenário de crise pandêmica, as pessoas que trabalham direta ou indiretamente na área da saúde foram especialmente afetadas. Projetos como o Observa Covid e Rede CoVida mostram, em algumas de suas publicações e estudos, a situação particularmente preocupante daqueles que atuam nos estabelecimentos do SUS ou cuidam de pessoas com Covid-19, principalmente os que se encontram na linha de frente do combate à pandemia, garantindo o funcionamento dos leitos, além dos atendimentos ambulatoriais na rede de atenção básica e especializada (Trabalhadores..., 2021Pinto, Isabela Cardoso M., et al. Trabalhadores de saúde no enfrentamento da Covid-19. Observa Covid, Salvador: ano 2, edição 8, jun. 2021. Disponível em: https://api.observacovid.analisepoliticaemsaude.org/media/boletins/8/pdfs/boletim_OBSERVAcovid_JUNHO2021_ed8.pdf. Acesso em: 18 maio 2020.
https://api.observacovid.analisepolitica...
; Rede Covida, 2020REDE COVIDA. Boletim CoVida: a saúde dos trabalhadores de saúde no enfrentamento da pandemia da Covid-19. Salvador: UFBA/Fiocruz Bahia/CIDACS, 2020. Edição n. 5. Disponível em: https://renastonline.ensp.fiocruz.br/recursos/boletim-covida-n-5-saude-trabalhadores-saude-enfrentamento-pandemia-covid-19. Acesso em: 18 maio 2020.
https://renastonline.ensp.fiocruz.br/rec...
).

Silva et al. (2021SILVA, Iracema V. et al. A vigilância de ambientes e processos de trabalho na prevenção da Covid-19 na Bahia. Revista Baiana de Saúde Pública, Bahia, v. 45, p. 109-124, abr. 2021. Número especial 1. https://doi.org/10.22278/2318-2660.2021.v45.NEspecial_1.a3244. Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/3244/2778. Acesso em: 9 abr. 2021.
https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/r...
), ao analisarem registros de inspeções sanitárias realizadas no estado da Bahia, no período de abril a novembro de 2020, verificaram, por exemplo, um maior número de casos no setor de serviços (n = 39), com destaque para os serviços de saúde com metade das inspeções (n = 20).

Mendes et al. (2021MENDES, Tiza T. M. et al. Investigação epidemiológica de Covid-19 relacionada ao trabalho em trabalhadores de saúde: experiência do CEREST Salvador. Revista Baiana de Saúde Pública, Bahia, v. 45, p. 254-266, abr. 2021. Número especial 1. https://doi.org/10.22278/2318-2660.2021.v45.NEspecial_1.a3249. Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/3249/2787. Acesso em: 8 nov. 2022.
https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/r...
), ao analisarem casos de trabalhadores(as) da saúde contaminados com a Covid-19, na cidade de Salvador, Bahia, no período de abril a agosto de 2020, verificaram uma predominância feminina (75,9%), maior na faixa etária de 20 a 39 anos (54,5%), além de uma predominância de casos entre pessoas autodeclaradas pretas/pardas (76,8%), bem como entre trabalhadores(as) que apresentam jornada de trabalho entre 40 e 60 horas semanais (88,4%). As autoras argumentam que a “multiplicidade de vínculos, encontrada em cerca de um terço dos trabalhadores investigados, e a extensão da jornada de trabalho são primordiais nesta análise, pois são fatores que aumentam a exposição do trabalhador” à Covid-19 (Mendes et al., 2021MENDES, Tiza T. M. et al. Investigação epidemiológica de Covid-19 relacionada ao trabalho em trabalhadores de saúde: experiência do CEREST Salvador. Revista Baiana de Saúde Pública, Bahia, v. 45, p. 254-266, abr. 2021. Número especial 1. https://doi.org/10.22278/2318-2660.2021.v45.NEspecial_1.a3249. Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/3249/2787. Acesso em: 8 nov. 2022.
https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/r...
, p. 263). No entanto, vale acrescentar que estes procedimentos (prolongamento da jornada de trabalho e multiplicidade de vínculos) “configuram um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador” e se apresentam como elementos constitutivos do capitalismo dependente (Marini, 2011bMARINI, Rui M. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STÉDILE, João P. (org.) Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011b. p. 131-172. , p. 149).

De acordo com a “Carta aberta dos trabalhadores da saúde atuantes nas UBS do município de São Paulo”, publicada em janeiro de 2022, são muitos os problemas vivenciados por trabalhadores(as) no curso da emergência sanitária de Covid-19, entre os quais pode-se citar: a sobrecarga de trabalho; o número reduzido de profissionais; o aumento exponencial do número de atendimentos; a ampliação da jornada de trabalho (sem a devida remuneração das horas extras); o acúmulo de funções; a adição de atividades extras nas rotinas de alguns profissionais, com manutenção da cobrança de metas (de maneira truculenta) de atividades habituais; a realocação de profissionais, deixando setores específicos com sobrecarga e a população sem atendimento adequado (Sindicato dos Médicos de São Paulo, 2022SINDICATO DOS MÉDICOS DE SÃO PAULO (SIMESP). Carta aberta dos trabalhadores da saúde atuantes nas UBS do município de São Paulo. 2022. Disponível em: https://simesp.org.br/noticiassimesp/carta-aberta-trabalhadores-saude-atuantes-nas-ubs-municipio-sp/. Acesso em: 9 ago. 2022.
https://simesp.org.br/noticiassimesp/car...
).

Além disso, questiona-se também a falta de insumos mínimos para o atendimento da população (por exemplo: medicamentos essenciais para o tratamento das infecções; lençol para maca hospitalar; oxigênio; luvas; testes de gravidez e espéculos vaginais etc.).

De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), ao tratar e analisar os dados do INSS/CATWEB e INSS/Benefícios, o setor econômico com mais acidentes de trabalho (2012 a 2021) é o de atividades de atendimento hospitalar, cuja ocupação de técnico de enfermagem foi a que apresentou o maior número de acidentes de trabalho para o mesmo período, no Brasil (Smartlab, 2022SMARTLAB. Observatório de segurança e saúde no trabalho: promoção do meio ambiente do trabalho guiada por dados. Disponível em: https://smartlabbr.org/sst/. Acesso em: 8 nov. 2022.
https://smartlabbr.org/sst...
).

Estes e outros aspectos acabam por comprometer a segurança e a saúde nos ambientes de trabalho, gerando adoecimento e mortes, bem como problemas de saúde mental associados às condições de trabalho, ao medo de se contaminar e de contaminar familiares e amigos, ansiedade, distúrbios de sono e/ou alimentares e depressão vinculada ao estresse decorrente do trabalho cotidiano, especialmente da atenção e do cuidado dispensado a pessoas com Covid-19.

Os fatores que contribuem para o desenvolvimento e piora do sofrimento mental (mas também das condições de vida e saúde de trabalhadores(as) como um todo) perpassam as dimensões econômicas, sociais, ambientais, culturais, fisiológicas etc. Afinal, são fatores historicamente determinados pelo modo de produção capitalista.

Considerações finais

O Brasil tem vivenciado uma ampliação de ocupações cuja natureza é mais flexível e menos protegida, situação que se reflete também no mercado de trabalho da saúde. Tem-se identificado ao longo dos anos uma diminuição dos vínculos estatutários, além de uma expressiva rotatividade no trabalho em estabelecimentos vinculados ao SUS. Outra grande expressão da superexploração da força de trabalho da saúde é o aumento dos múltiplos vínculos, por meio dos quais trabalhadores e trabalhadoras da saúde se submetem, a fim de alcançar uma remuneração que lhes permita a reprodução e manutenção da sua força de trabalho, e o mínimo para sua sobrevivência.

O cenário de exploração se completa com a constatação da redução na magnitude das remunerações dos trabalhadores da saúde ao longo dos anos, além da discrepância salarial entre as categorias profissionais na saúde, sobretudo na comparação salarial sob a dimensão do gênero e da raça. Para a apropriação do excedente-valor pelo capital, a força de trabalho da saúde é submetida a jornadas extensas e intensas de trabalho, que, em última análise, só amplia o adoecimento da classe que vive do trabalho, além de aumentar também acidentes de trabalho.

Uma das consequências decorrentes da superexploração da força de trabalho é o aumento de acidentes, do adoecimento (físico e psíquico) e dos óbitos relacionados ao trabalho. É o sistema do capital mostrando suas garras e utilizando-se de todos os mecanismos possíveis e os aparentemente impossíveis, na extração e apropriação dos valores produzidos por trabalhadores e trabalhadoras da saúde.

Referências

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  • 1
    As necessidades naturais de um(a) trabalhador(a) são muitas (por exemplo: alimentação, vestimenta, transporte, saúde, lazer, educação, moradia etc.) e diferem de acordo com o clima, com as peculiaridades naturais de um local, com o grau de cultura de um país, e de sob quais condições e com quais costumes e exigências de vida se formou a classe trabalhadora de determinada localidade (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. ).
  • 2
    Sobre os limites do processo de exploração da força de trabalho, Carcanholo e Sabadini (2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 138) são taxativos ao dizer que um “aspecto importante a ser destacado é o fato de que extensão e intensificação da jornada, para além de determinado grau, são incompatíveis. Não é possível, elevar ambas, simultaneamente sem limites”. Acrescentando mais à frente:

    os limites que a ampliação da mais-valia absoluta apresenta são do tipo físico ou fisiológico e mesmo social e até político. As necessidades vitais, espirituais, sociais e inclusive reprodutivas dos trabalhadores impõem barreiras ao aumento indiscriminado da mais-valia absoluta. A luta de classes e a correlação de forças em cada momento é um dos seus freios. Por tudo isso, o capital busca outros mecanismos para criar mais-valia.

    Trataremos mais adiante das noções de mais-valia absoluta e mais-valia relativa.
  • 3
    Ao tratar do prolongamento da jornada de trabalho, Marx afirma: “em seu impulso cego e desmedido, sua voracidade de lobisomem por mais-trabalho, o capital transgride não apenas os limites morais da jornada de trabalho, mas também seus limites puramente físicos”. E acrescenta adiante: “O capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho. O que lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta em movimento numa jornada de trabalho” (Marx, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 371).
  • 4
    A categoria ‘capital constante’ abordada por Marx (2013)MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. representa os meios de produção, tecnologias, equipamentos e maquinaria empregados no processo de trabalho na saúde.
  • 5
    Para ser mais preciso, o capital constante não é substitutivo de força de trabalho em nenhum setor da economia.
  • 6
    Segundo Amaral e Carcanholo (2012AMARAL, Marisa S.; CARCANHOLO, Marcelo D. Superexploração da força de trabalho e transferência de valor: fundamentos da reprodução do capitalismo dependente. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 113-130. , p. 203-204),

    o sistema capitalista tem como lei geral uma produtividade crescente. A tendência é a de que a composição orgânica do capital aumente progressivamente e de que, portanto, aumente a massa de capital constante em relação à massa de capital variável, levando à formação de um exército industrial de reserva (EIR) como impacto da própria acumulação capitalista. Essa população excedente é produto necessário da acumulação capitalista e é, simultaneamente, sua própria alavanca, tornando-se condição fundamental de existência do próprio modo de produção capitalista. A dialética da questão - e isto é fundamental - está no fato de que, ao reproduzir esse sistema e permitir que haja ampliação da riqueza ou do capital social, a população trabalhadora produz as condições que [a] tornam relativamente supérflua a esse mesmo modo de produção. Significa dizer que, quando ocorre um incremento na composição do capital (que é a própria tendência no capitalismo), deve ser ampliada a produtividade do trabalho como instrumento de intensificação do processo acumulativo, em vez de ocorrer uma expansão nos níveis de contratação de trabalhadores que possam ser incluídos no processo produtivo, operando os novos meios de produção, e acrescentados nesse processo. Então, amplia-se a quantidade de máquinas e equipamentos, mas a contratação de trabalhadores não acompanha essa ampliação

  • 7
    Nesta passagem usa-se a palavra ‘valorização’ com o sentido de reconhecimento da importância de trabalhadores(as), do seu enaltecimento; diferente do sentido adotado pela teoria do valor, ao tratar das metamorfoses sofridas pelo valor, de modo a incrementá-lo. “O valor se incrementou; o valor se valorizou” (Carcanholo e Sabadini, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio S. Sobre o capital e a mais-valia. In: CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: essência e aparência. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 123-145. , p. 126).
  • 8
    Ainda que os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público da saúde não estejam subsumidos diretamente ao capital, eles são trabalhadores produtivos e produzem excedente-valor para o capital. Carcanholo argumenta que os trabalhadores da saúde pública

    produzem valor e excedente-valor que não é pago pelos que imediatamente usufruem que, se são trabalhadores, têm o valor da sua força de trabalho reposto ou ampliado. Não só o excedente, mas o próprio valor produzido pelos profissionais funcionários públicos reaparecerá nas mãos dos capitais que contratem os trabalhadores sem que lhes custe nada (salvo quando algo pagam de impostos correspondentes). Se esses trabalhadores são produtivos, aquele valor e aquele excedente se transformam em mais lucros para o capital global. A atividade dos mencionados profissionais funcionários públicos é, então, duplamente produtiva; não só o excedente que produzem, mas todo o valor reaparece como lucro do capital.

    O trabalho dos profissionais da saúde ou educação (por conta própria ou do setor público), quando beneficiarem trabalhadores improdutivos, obviamente não aparecerá como aumento dos lucros gerais do capital, mas, no mínimo, como uma redução das transferências que o capital deve fazer de mais-valia para esse tipo de trabalhadores. Assim, nesse caso, esse trabalho profissional não aumenta os lucros do capital, mas contribui para que não haja reduções maiores. Caso o trabalho daqueles profissionais beneficie os recebedores de mais-valia não trabalhadores, o caso é algo diferente: a mais-valia total apropriada por parte desses setores da sociedade simplesmente se traduzirá em uma elevação do volume de valores de uso apropriados por eles (Carcanholo, 2008 CARCANHOLO, Reinaldo A. Capitalismo contemporâneo e trabalho produtivo. Revista de Economia, Paraná, v. 34, p. 205-221, 2008. Número especial. http://dx.doi.org/10.5380/re.v34i4.17195. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/economia/article/view/17195/11330. Acesso em: 18 jan. 2023.
    https://revistas.ufpr.br/economia/articl...
    , p. 2017-218).

  • Financiamento

    Não houve.
  • Aspectos éticos

    Não se aplica.
  • Apresentação prévia

    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2022
  • Aceito
    09 Fev 2023
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