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Pescadoras de camarão: gênero, mobilização e sustentabilidade na ilha Trambioca, Barcarena, Pará

Shrimp fishing wonen: gender, mobilization and sustainability on the Trambioca island, Barcarena, Pará

Resumos

A partir deste artigo discute-se a relação entre gênero, mobilizações sociais e sustentabilidade no contexto da ilha Trambioca, município de Barcarena, Pará, especialmente quanto à experiência das pescadoras de camarão (Macrobrachium amazonicum). A pesquisa foi orientada pela metodologia antropológica do trabalho de campo e pela produção fotográfica, mas foram igualmente incorporadas estratégias que permitiram a produção de dados para uma análise quanto à economia política. Fundamentalmente, a mesma revelou uma experiência em que as mulheres pescadoras acabam sendo o destaque na produção de camarão nessa ilha, participando de todo o processo de produção, beneficiamento e comercialização. Em face à crise ambiental e econômica globalizada, tais pescadoras propõem a criação de camarão, com o que esperam aumentar a renda. Entretanto, nesse processo organizativo, elas percebem que os limites são muitos e que precisam de financiamento, capacitação e tecnologia voltadas para a criação de camarão. Conseqüentemente, muitas implicações apresentam-se para a sustentabilidade, em especial se a possibilidade de uma economia diferenciada for levada em consideração.

Pescadoras de camarão; Relações de gênero; Mobilização social; Sustentabilidade; Ilha Trambioca; Barcarena


Through this paper the relations between gender, social mobilizations and sustainability in the context of the Trambioca Island - Barcarena, Para, Brazil -, specially regarding the shrimp (Macrobrachium amazonicum) fisherwomen. The research was oriented by the anthropological methodology of fieldwork and by the photographic production, but strategies were incorporated in a way to allow data production to do an analysis towards the political economy. Fundamentally, it revealed an experience in which fisherwomen end being the highlight in the shrimp production in this Island, who participate in the entire process of production, of transformation of the raw material and of commercialization. In spite of the globalized environmental and economic crisis, such fisherwomen are proposing the raising of shrimp, through which they intend to raise the income. However, in such an organizational process, they perceive that the limits are many and that they need training and technology linked to the raising of shrimp and financing. Consequently, the implications to sustainability appear as many, in special if a possibility of a differentiated economy is to be taken into consideration.

Fisherwomen; Gender relations; Social mobility; Sustainability; Trambioca Island; Barcarena


ARTIGOS

Pescadoras de camarão: gênero, mobilização e sustentabilidade na ilha Trambioca, Barcarena, Pará

Shrimp fishing wonen: gender, mobilization and sustainability on the Trambioca island, Barcarena, Pará

Ligia Terezinha Lopes Simonian

Universidade Federal do Pará. Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Professora e pesquisadora. Belém, Pará, Brasil (simonianl@gmail.com)

RESUMO

A partir deste artigo discute-se a relação entre gênero, mobilizações sociais e sustentabilidade no contexto da ilha Trambioca, município de Barcarena, Pará, especialmente quanto à experiência das pescadoras de camarão (Macrobrachium amazonicum). A pesquisa foi orientada pela metodologia antropológica do trabalho de campo e pela produção fotográfica, mas foram igualmente incorporadas estratégias que permitiram a produção de dados para uma análise quanto à economia política. Fundamentalmente, a mesma revelou uma experiência em que as mulheres pescadoras acabam sendo o destaque na produção de camarão nessa ilha, participando de todo o processo de produção, beneficiamento e comercialização. Em face à crise ambiental e econômica globalizada, tais pescadoras propõem a criação de camarão, com o que esperam aumentar a renda. Entretanto, nesse processo organizativo, elas percebem que os limites são muitos e que precisam de financiamento, capacitação e tecnologia voltadas para a criação de camarão. Conseqüentemente, muitas implicações apresentam-se para a sustentabilidade, em especial se a possibilidade de uma economia diferenciada for levada em consideração.

Palavras-chave: Pescadoras de camarão. Relações de gênero. Mobilização social. Sustentabilidade. Ilha Trambioca. Barcarena.

ABSTRACT

Through this paper the relations between gender, social mobilizations and sustainability in the context of the Trambioca Island - Barcarena, Para, Brazil -, specially regarding the shrimp (Macrobrachium amazonicum) fisherwomen. The research was oriented by the anthropological methodology of fieldwork and by the photographic production, but strategies were incorporated in a way to allow data production to do an analysis towards the political economy. Fundamentally, it revealed an experience in which fisherwomen end being the highlight in the shrimp production in this Island, who participate in the entire process of production, of transformation of the raw material and of commercialization. In spite of the globalized environmental and economic crisis, such fisherwomen are proposing the raising of shrimp, through which they intend to raise the income. However, in such an organizational process, they perceive that the limits are many and that they need training and technology linked to the raising of shrimp and financing. Consequently, the implications to sustainability appear as many, in special if a possibility of a differentiated economy is to be taken into consideration.

Keywords: Fisherwomen. Gender relations. Social mobility. Sustainability. Trambioca Island. Barcarena.

INTRODUÇÃO

A questão de gênero em contextos de pesca certamente remonta a tempos bem antigos e, inclusive, tem interessado como objeto de estudo aos acadêmicos, embora, na maioria das vezes, os homens é que são identificados como pescadores (FIRTH, [1946] 1966; FURTADO, 1993; MALDONADO, 1988; VERÍSSIMO, 1970). Ao pensar na Amazônia, há dez anos, Maneschy (1994) revelou uma 'presença discreta' das mulheres nessa atividade econômica, o que Maués (1999) retomou um pouco depois. No entanto, ultimamente, essa participação começou a ser destacada na literatura especializada, independentemente das modalidades de pesca, o que inclui os processos de beneficiamento, a comercialização da produção e a mobilização política (ALENCAR, 2004, 1993; CARDOSO, 2000; ORCÉS, 1999). Com este artigo, pretendese discutir, no âmbito da produção de camarão canela (Macrobrachium amazonicum),1 1 Também é conhecido como camarão regional. Ainda note-se que mais duas espécies são encontradas nas águas que banham externa e internamente a ilha Trambioca: o camarão lagosta, que é bem maior e "[...] aparece quando o camarão canela some; e o camarão aviu ou catita, bem pequeno e pretinho" (José Alves Rodrigues, 65 anos, 2004, informação verbal; mais conhecido como Borotó e desse modo será referido daqui a diante). Mas, pelo que a pesquisa revela, até o momento, essas espécies não têm valor comercial para os pescadores locais. as tendências recentes entre as ilhoas2 2 Embora não sejam termos usados localmente, ilhoas, assim como ilhéus, são os habitantes de ilhas. de Trambioca (http://www.gestaoambiental/projeto/org.br).

Essa questão requer uma abordagem conceitual voltada para as relações de gênero, para a organização política e para o desenvolvimento pautado por políticas, estratégias e ações sustentáveis. Ao pensar em gênero, a ênfase será dada ao envolvimento das mulheres no contexto produtivo (LEACOCK, [1976] 1981; NASH, 1975; SIMONIAN, 2001a). No que diz respeito ao envolvimento político das mulheres (COLLIER, 1974), buscar-se-á analisar seus esforços organizativos quanto à maximização de seus fazeres econômicos. Já a discussão quanto à sustentabilidade, em toda a sua complexidade como posto por Redclift (2000), Simonian (2000), dentre outros autores, é essencial em tempos de globalização pautada pelo neoliberalismo. Na ilha Trambioca, Barcarena, estado do Pará, tais problemáticas encontram-se disseminadas, mas a partir das preocupações, propostas e ações dos habitantes acerca das possibilidades de reprodução social e produção de renda.

A existência de pescadoras de camarão no contexto cultural dessa ilha foi detectada a partir de um levantamento e de uma pesquisa realizados em 2001 (SIMONIAN, 2002; TRAMBIOCA, 2003-2001)3 3 Essa descoberta deu-se no contexto do projeto Gestão em ilha de muitos recursos, história e habitantes: experiências na Trambioca, Barcarena, Pará (SIMONIAN, 2004b, 2002). . A partir de então, as imagens sobre essa realidade passaram a ser divulgadas (MORRIS; SIMONIAN, 2006; SIMONIAN, 2004a, 2004b; TRAMBIOCA, 2004, 2002a, 2002b). Depois, durante o I Encontro das Mulheres da Ilha Trambioca (TRAMBIOCA, 2002a, 2002b), contabilizou-se mais de 100 dessas pescadoras (SIMONIAN, 2002). Mas, pelo que se conhece, a importância econômica dessas trabalhadoras é destaque ao longo da história e da contemporaneidade local, tanto em termos de economia doméstica quanto do mercado local/regional.

Nota-se, ainda, que até recentemente, as pescadoras de camarão dessa ilha são invisibilizadas no contexto das lutas das mulheres das regiões estuarina e do baixo rio Tocantins. Por certo, nem mesmo a Colônia de Pesca - Z13 ou a Comissão Pastoral da Pesca (CPP), presentes no município de Barcarena e no estado do Pará, envolvem-se a contento com essas trabalhadoras (SIMONIAN, 2003, 2002, notas de campo; TRAMBIOCA, 2002b). Recentemente, nem mesmo a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP), de natureza federal, trabalha, de forma alguma, a problemática dessas mulheres pescadoras e, particularmente, pescadoras de camarão.

Por sua vez, Simonian (2003b) continua a pesquisa, principalmente no sentido de desvendar a relação entre tais trabalhadoras, a pesca especializada, seus modos de organização e sustentabilidade4 4 A respeito, ver ainda o trabalho de Morris e Simonian (2006), pois em parte aborda essa problemática. . Paralelamente, iniciou-se um trabalho de assessoria às pescadoras (SIMONIAN, 2000, 2004a), com vistas a uma abordagem produtiva que implique sustentabilidade. Do ponto de vista metodológico, a produção acadêmica privilegia uma abordagem interdisciplinar com ênfase na pesquisa ecológica, histórica e antropológica (EDWARDS, 1997; OLIVEIRA, 1996; SITTON, MEHAFFY, DAVIS JR., 1983, 1990; TEIXEIRA, 2004). Nessa perspectiva, a estratégia seguida tem por ênfase o trabalho de campo, a aplicação de questionários e a documentação imagética.

O que segue é uma introdução à perspectiva teórica que sustenta a presente discussão. Logo, há uma caracterização, ainda que breve, da ilha Trambioca, seus habitantes, história, cultura e inserção das mulheres na produção de camarão. Um maior detalhamento acerca do envolvimento dessas trabalhadoras nesse metiér, que inclui conhecimentos, pesca, beneficiamento e comercialização, vem a seguir. Então, tem-se uma discussão e notas conclusivas que apontam para uma realidade essencial do ponto de vista da cultura local e para uma dinâmica em busca de alternativas que possam garantir a continuidade dessa modalidade de pesca e da participação das mulheres.

GÊNERO, MOBILIZAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: ABORDAGEM TEÓRICA

Uma discussão sobre a participação das mulheres na pesca, beneficiamento e comercialização de camarão como as da ilha Trambioca implica minimamente considerar as relações de gênero, organização política e desenvolvimento. Quanto ao gênero, mobilização e sustentabilidade, as relações que se estabelecem socialmente distam muito de uma realidade harmoniosa, o que gera toda sorte de tensões, conflitos e até violência, inclusive na esfera da produção (LEACOCK, [1976] 1981; NASH, 1975; SIMONIAN, 2001a, 2001b). Pelo que a produção teórica aporta e pelo que se detectou em campo, as implicações que essas relações impõem são as mais diversas, contraditórias, enfim, complexíssimas.

A pensar-se na questão política, o gênero feminino não se envolve em lutas políticas formais a exemplo de partidos, revoluções etc., ao menos em alguma modalidade de questionamento quanto ao status quo, em geral opressivo, limitante, quando não totalmente destrutivo. Nessa perspectiva, Collier (1974), Simonian (2001b) e Vargas (1995), dentre outros autores, têm discutido, com ênfase na articulação dessas lutas, com direitos específicos e com a possibilidade de melhoria da qualidade de vida. Entretanto, a problemática maior que se coloca quanto à presença das mulheres na política diz respeito aos limites impostos às possibilidades de seu fortalecimento5 5 Esse processo tem sido por muitos denominado de 'empoderamento', um neologismo, por certo, desnecessário. como lideranças, autoridades e cidadãs.

Ainda é possível ressaltar que as mulheres têm estado, ultimamente, mais preocupadas em se organizar com vistas a maximizar seu potencial de vida e ganhos econômicos. De acordo com o entendimento de Redclift (2000) e de Simonian (2001a), as políticas e estratégias públicas e as decorrentes dos movimentos sociais são essenciais quanto à implementação de ações sustentáveis no âmbito dos processos produtivos. Mas é de se apontar os limites do Estado e do movimento social, principalmente quanto à desconsideração em relação a compromissos internacionais assumidos, a exemplo das convenções da Eco 92 e da Conferência de Pequim etc. (BEIJING, 1996; UNITED NATIONS, 1992), como o de propor, criar e implementar tais políticas, estratégias e ações. Nessa direção, o sentido seria o de incorporar, formalmente, os interesses das mulheres no processo mais amplo de desenvolvimento, em que pese uma participação bem mais antiga.

Ao tentar incorporar a realidade das mulheres pescadoras em uma perspectiva conceitual, percebese que a mesma não dista muito da discussão acima introduzida. Precisamente, Alencar, Cardoso, Maneschy, Maués e Orcés revelaram questões importantes para uma reflexão especializada. Nas áreas de várzea do baixo Amazonas, por exemplo, Alencar (1993) analisa a relação entre gênero e trabalho, quando ressalta a importância das mulheres na economia local, com destaque para a sua participação na pesca propriamente dita, nos trabalhos de preparo e conserto de redes e no beneficiamento do pescado. É, ainda, Alencar quem informa que essas trabalhadoras também desempenham atividades agrícolas e extrativistas em contextos florestais etc., além de todo o trabalho doméstico. Como se percebe, as mulheres dessa área envolvem-se em fazeres múltiplos, dentre os quais os vinculados à economia da pesca são apenas alguns deles.

É nessa perspectiva de gênero e trabalho que se discute a presença e importância das mulheres na pesca de crustáceos e em outras tarefas correlatas. Assim, ao analisar o envolvimento das mulheres de Guarajubal, município de Marapanim, estado do Pará, na catação, beneficiamento e comercialização de carne ou massa de caranguejo, Cardoso (2000) revela que algumas delas vão ao mangue fazer a captura desses animais. A possibilidade de ganho econômico tem sido fundamental para o processo de autovalorização por parte dessas trabalhadoras, o que também tem tido impacto redutor quanto à violência doméstica, pois ao disporem de recursos, elas passam a ser, também, respeitadas pelos maridos e demais familiares.

Os envolvimentos múltiplos das mulheres com a captura de crustáceos em uma comunidade negra da costa equatoriana também foram recentemente investigados. Orcés (1999) analisa a relação íntima que essas mulheres estabelecem com o ecossistema de mangue, quer em termos de conhecimento como de estratégias e ações extrativistas e conservacionistas. E, como se percebe ao longo de seu trabalho, tais mulheres envolvem-se na pesca de mangue, especificamente como recursos voltados para a subsistência e para o mercado. Inclusive, essa autora propõe que se complexifique a discussão sobre gênero.

Além do artigo inicialmente referenciado de Maneschy (1994) sobre a 'presença da mulher' na pesca, onde discute o envolvimento das pescadoras nas tarefas da pesca em si, essa e outras autoras também revelam a participação crescente dessas trabalhadoras na política. Precisamente, Maneschy, Alencar e Nascimento (1995) apresentam um cenário mais recente em que as pescadoras passam a participar de movimentos sociais. Nesta direção, essas trabalhadoras têm se comprometido com reivindicações políticas como o reconhecimento de sua existência como uma categoria social específica e, ainda, acerca de seu envolvimento com lutas em busca de melhores condições de trabalho e de vida.

A invisibilidade da mulher em contextos pesqueiros foi, também, discutida por Maués (1999), a partir de amplo levantamento da produção documental e analítica a respeito. Precisamente, essa autora enfatiza as dificuldades de se definir a identidade de pescadora, tendo em vista os muitos envolvimentos dessas trabalhadoras em relação a outras atividades que realizam. A mesma revela, também, a ampliação da produção acadêmica ao longo das últimas décadas sobre as mulheres pescadoras, o que inclui a tentativa de superação de um modelo analítico de natureza dual e a participação dessas mulheres em contextos políticos.

Entre as pescadoras de camarão da ilha Trambioca, o que se percebe é uma presença marcante, aliás, disseminada pela ilha, embora mais concentrada na parte ocidental, porém, com uma participação política bastante incipiente. É essa realidade que se apresenta e se discute, ainda que de modo sucinto na secção que segue. Inclusive, é provável que mesmo as primeiras mulheres a viverem nessa ilha tenham sido pescadoras, haja vista a abundância de recursos pesqueiros no local, o que é atestado arqueologicamente pelos sambaquis ali encontrados.

A ILHA TRAMBIOCA: AMBIENTE, HISTÓRIA E CULTURA QUANTO À PESCA6 6 Os dados que constam nesta parte do trabalho têm por base Morris, Simonian (2006) e Simonian (2004a, 2004b; 2002 / 2003, notas de campo).

A ilha Trambioca localiza-se a oeste da área estuarina do rio Amazonas, sendo banhada pelas baías de Carnapijó a leste e de Guajará a oeste e justo ao norte da cidade de Barcarena, respectivamente na outra margem dos rios Mucuruçá ou Barcarena e Aititeua ou Arrozal. A mesma sofre a influência da maré, o que a impacta, cotidianamente e muitíssimo, quanto à disponibilidade de camarão e possibilidades de pesca desse recurso, sendo recortada por micro-bacias de igarapés, furos e por lagos. O solo, a vegetação e a fauna são típicos de várzea, com áreas de mangais, que também contam na parte central com floresta de terra firme; e tanto essa floresta como a fauna terrestre encontram-se em processo de extinção acelerada. É de se ressaltar, ainda, a beleza paisagística da ilha, em especial de suas áreas praianas.

Em termos de perspectiva histórica, populações muito antigas viveram nessa ilha, a exemplo dos paleoindígenas que ali produziram sambaquis e terras pretas, mas que, nos primeiros tempos coloniais, pereceram ou foram incorporados na sociedade mais ampla pelo processo de miscigenação. À época colonial, além de um pesqueiro real implantado na sua parte sudeste, promoveu-se a produção canavieira (Saccharum officinarum) e o seu beneficiamento através de engenhos, cujas ruínas ainda se podem encontrar em localidades diversas. Trambioca também é considerada um locus importante da Cabanagem, onde inclusive vivia Eduardo Angelim, o terceiro presidente cabano, e onde ele passou a viver após o exílio e foi enterrado. Utinga-Açu é identificado como o igarapé em que os cabanos se refugiavam para se refazer do cansaço e rearmar.

O envolvimento da população local na economia extrativista é bem antigo. Mas, para além do extrativismo indígena de antes da expansão européia na região e do uso de escravos para os trabalhos do pesqueiro real, desde o século XIX até os anos de 1970, a população local voltou-se para a produção de látex da seringueira. Também têm-se explorado madeiras, lenha para motores de barco a vapor, pedras para construção; produzido-se óleo de andiroba (Carapa guianensis - Meliaceas); e empreendido-se a pesca, inclusive a de camarão7 7 Até uma década atrás, quando "[...] a água salgava na ilha [...]" (Borotó, 2003, informação verbal), consta que na ilha também se capturava outros crustáceos, como o caranguejo ( Ucides cordatus) e o siri (família dos Portunídeos). . Em meados do século passado, a produção agrícola de legumes e verduras na ilha foi impulsionada pela implantação de uma colônia de japoneses em Uricuriteua, muitos vindos diretamente do Japão.

Ainda no aspecto fundiário, depois de um domínio comum da terra e demais recursos, principalmente na era anterior à chegada dos europeus, foram privatizados, ante a formação de propriedades particulares, algumas das quais chegaram a ser tituladas, como a de Eduardo Angelim. Foi justo nessas terras e em parte de Guajará da Costa que se deu um conflito agrário nos anos de 1980, em especial a partir de tentativa de grilagem por um empresário (sic) residente em Belém. Presentemente, ante às evidências já produzidas, mas data venia, todas as terras são de domínio da Marinha brasileira, portanto, sendo os habitantes apenas ocupantes. No caso da Reserva Extrativista (RESEX) Trambioca vir a ser constituída, conforme os ilhéus e as ilhoas prepuseram em 2002, e ainda esperam, eles terão direito à posse e ao usufruto por meio de contrato de concessão de uso, conforme a legislação vigente.

Em termos demográficos, os dados censitários existentes são precários, mas em 2003, de acordo com as lideranças locais, estimava-se o total de famílias em cerca de 640 e o de pessoas em 1.8008 8 Os censos feitos em 2000 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Barcarena e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são incompletos, pois, de acordo com a população local, uma parte significativa dos domicílios não foi pesquisada. . Essa população é fundamentalmente de estrato mestiço, mas também se encontram algumas famílias diferenciadas, como as negras, algumas dispersas por toda a ilha e outras concentradas em Cumatiteua. Embora os japoneses tenham vivido a partir de 1953 na ilha, eles gradativamente a deixaram, restando atualmente apenas três famílias com terras em Uricuriteua, mas ali já não mais residem. Nos anos iniciados em 1970, um grupo de famílias de agricultores proveniente do Acará, via compadrio, passou a residir no Arapajó.

Com o passar do tempo, formou-se uma cultura cabocla na Trambioca, principalmente por extrativistas florestais e pescadores, que também produzem uma agricultura em escala pequena. No passado, a caça foi importante assim como o peixe9 9 A caça encontra-se praticamente extinta, mas mesmo assim, o pouco que ainda existe em termos de fauna é capturado de modo predatório por pessoas da própria ilha e por outras que a invadem a partir da cidade de Barcarena. Essa situação tem sido levada ao conhecimento de autoridades públicas, como o IBAMA-PA e a Delegacia de Polícia de Barcarena, mas providência alguma foi tomada até o momento. , camarão, açaí (Euterpe oleracea Mart.), farinha de mandioca (Manihot utilissima - AIPI; ESCULENTA), dentre outros recursos/produtos alimentícios. Mas, pela proximidade de Belém e ante uma produção voltada para o mercado, outros tantos produtos passaram a integrar a dieta local. No âmbito dessa cultura, destaca-se, ainda, na ilha, a pajelança, o catolicismo popular com uma série de festividades, rituais e um imaginário riquíssimo.

E, como a relembrar sistematicamente tais realidades culturais nessa ilha, todo um patrimônio histórico-cultural ainda persiste, em parte desde o período pré-colonial. Nessa perspectiva, têm-se sambaquis, terras pretas, um muiraquitã inconcluso, furos, igarapés 'ladrões', ruínas arquitetônicas de engenhos para beneficiamento de cana de açúcar, poços, igrejas etc. Também obras arquitetônicas antigas, porém conservadas, podem ser encontradas ali, a exemplo de um farol do terceiro quartel do século XIX, uma igreja católica de 1945 e uma residência da época da colônia japonesa.

Contraditoriamente, no entanto, em tempos recentes, faz-se sentir na cultura local o impacto de meios de comunicação sofisticados, da cultura de massa, que inclui o turismo de massa que tem invadido a ilha, e até do modelo de educação formal imposto e de natureza alienante. Como será o futuro próximo ou distante da ilha, dos recursos naturais locais e de ilhéus e ilhoas é algo que só se pode conjeturar. Mas se a RESEX Trambioca proposta por esses habitantes e cujo processo foi instaurado junto ao Centro Nacional de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentado (CNPT/IBAMA-DF)10 10 O Estado desconsidera sistematicamente os interesses fundiários e socioambientais dentre outros dos ilhéus e ilhoas da Trambioca; de fato, o processo de criação dessa proposta de Resex encontra-se praticamente paralisado enquanto muitas outras dessas unidades de conservação são constituídas pelo governo federal. E pelo que se pôde desvendar ao longo da pesquisa, o grupo político que controla há anos a administração municipal posiciona-se contra e impõe no contexto das relações de poder. Por sua vez, a representação do Ibama desconsidera os crimes ambientais praticados na ilha e em seu entorno, apesar das muitas denuncias de parte das lideranças ilhoas. A respeito, ver Simonian, Quaresma, Andrade, Mendes, Campos (2006). (TRAMBIOCA, 2002) for implantada, as possibilidades em torno de uma abordagem sustentável quanto ao desenvolvimento econômico, social e político poderão ser mais abrangentes.

AS TRAMBIOQUENSES11 11 Trambioquense é o termo gentílico relativo aos habitantes da ilha Trambioca; embora não seja um termo usado no dia-a-dia pelos moradores, o mesmo foi citado em algumas falas quando da pesquisa de campo. PESCADORAS DE CAMARÃO E AS QUESTÕES, TENDÊNCIAS E POSSIBILIDADES CONTEMPORÂNEAS

Neste ponto, é de perguntar-se: quem são essas trambioquenses pescadoras de camarão? E, precisamente, onde vivem e como? Embora a pesquisa específica esteja sendo na maioria iniciada, a partir dos dados disponíveis é possível afirmar que são mães de família as mulheres que se envolvem na pesca desse pequeno, mas valioso produto. Mas é provável que em termos quantitativos elas sejam bem mais que as 100 pescadoras de camarão contabilizadas durante o I Encontro das Mulheres da Ilha Trambioca (TRAMBIOCA, 2002a, b), pois já foram contabilizadas maior número dessas pescadoras (SIMONIAN, 2002). Mas os homens também participam dessa modalidade de pesca, o mesmo ocorrendo com jovens de ambos os gêneros. Pelo que se pode observar na Figura 1, crianças são muitas vezes vistas auxiliando as mães nos trabalhos de colocação de matapis e de despesca.


Essas pescadoras de camarão encontram-se espalhadas por toda a ilha, notadamente nas áreas costeiras e dos igarapés que se adentram pelo seu interior. E, como já posto, elas vivem, na maioria, junto aos igarapés Pau Grande e Guajará da Costa, ambos localizados na parte ocidental dessa terra ilhoa (MORRIS; SIMONIAN, 2006; SIMONIAN, 2004a, 2004b). Em especial, as que já têm experiência quanto a essa prática socioambiental detêm um conhecimento refinado a respeito, bem como um domínio sobre a tecnologia respectiva. Mas embora não exista uma legislação específica acerca do tamanho do camarão a ser pescado no estuário e a concordar com Lévi-Strauss ([1962] 1976), as pescadoras locais têm a sua 'ciência do concreto'.

Ao realizarem a pesca propriamente dita, essas trabalhadoras têm como uma das tarefas principais a colocação dos matapis ao longo da costa ou dos igarapés, como se vê na Figura 2. A seguir, tem-se uma imagem similar na Figura 3, produzida por uma pescadora de Jacarequara, por ocasião de uma oficina de artes, realizada durante o encontro mencionado, o que revela a importância que essa atividade tem em termos de inconsciente coletivo e memória social. Já a despesca dos camarões retidos por essa armadilha, quando da maré alta, aparece na Figura 4. Os matapis são amarrados às estacas12 12 Essas estacas são preferencialmente feitas de matamatá ( Eschweilera matamata - Lecitidaceas), mas também de cupuuba espécie não-identificados) ou giriparana espécie não-identificados (BOROTÓ, 2004, informação verbal). fincadas nas margens da costa e de igarapés, precisamente na maré de quebra. Quando não estão em uso, eles são levantados em estacas e amarrados, para desse modo tomarem sol e resistirem mais à imersão constante nas águas.




De fato, essas são tarefas do dia-a-dia, em especial nos períodos picos de produção, ou seja, durante os meses de maio, junho e julho, que têm uma íntima conexão com os fluxos da maré estuarina. Conforme o conhecimento local, é com a maré de lance que os camarões vêm grandes, quando alcançam maior produtividade e preço; na maré de quebra, os camarões são menores, espalham-se pelos poços onde trocam a casca e crescem; é também quando aparece muito "filho" pela praia e seu valor econômico cai muito (BOROTÓ, 2003; QUARESMA, 35 anos, 2004; RAMOS, 2003, informação verbal). É na maré de lance que o camarão "dá melhor" na baía Guajará e, por sua vez, é na maré de quebra que realidade similar ocorre nos igarapés.

Cada pescadora de camarão tem uma área de utilização individual, que pode ou não ser contígua à área de sua ocupação/residência. O número de matapis usados em uma safra é contado, também, por indivíduos; assim, numa família, mulheres, homens e mesmo jovens podem ser os donos desses instrumentos de trabalho, bem como controlar áreas de produção individualmente ou de modo coletivo (SIMONIAN, 2003b). Assim, depreende-se que a família é central nesse contexto cultural, isso apesar das tensões nela encapsuladas, como aliás, Simonian (2002, 2003a) revela ao tratar da família em áreas de fronteiras da Amazônia brasileira ou mesmo na própria sociedade trambioquense. A respeito, Quaresma (2004, informação verbal), de Pau Grande, que em 2003 tinha 50 matapis e duas áreas de trabalho - uma no igarapé e outra na baía - orgulha-se de ter nascido e se criado no meio dos matapis, onde aprendeu muito com o pai.

A ser pequeno o resultado da despesca e o tamanho dos camarões muito reduzidos, tais pescadoras armazenam toda ou parte dos camarões despescados em viveiros. Estes são em geral feitos pelos homens, que utilizam talas de jupati (Raphia vinifera Beauv.), cipó titica (Heteropsis sp. - Araceae) e madeira para produzi-los, um dos quais pode ser visto na Figura 5. Apenas uma mulher informou que é ela que faz seus próprios viveiros, isto porque embora o marido seja pescador, "[...] ele nunca se importou com pesca de camarão" (QUARESMA, 2003, informação verbal). Os viveiros são amarrados em estacas, junto aos portos das casas e não é sem razão que são tratados como o 'açougue', pois quando cheios permitem o acesso rápido ao alimento. Eles também são identificados como a 'caderneta de poupança', já que o camarão armazenado pode ser vendido de imediato, se necessário.


Em termos econômicos, entre as pescadoras da ilha, considera-se fundamental a despesca na hora certa, mesmo que isso tenha que ser feito na madrugada, principalmente porque são muitos os peixes agressores que tentam destruir os matapis e os viveiros para se alimentarem com as puquecas13 13 Iscas preparadas pelas pescadoras e pescadores, para atraírem camarões aos matapis; ver adiante, para uma descrição do processo de produção, matéria prima utilizada etc. , como o bacu (Lithodoras dorsalis Val.) e o bagre (Pseudopimelodus raminus Val.) (BOROTÓ, 2003, informação verbal). Mas quando a despesca resulta em quantidade reduzida, a utilização do viveiro permite que a cada despesca uma quantidade nova de produto seja adicionada, até chegar a um total de quilos que torne a venda minimamente viável. Se a despesca resultar em quantidade significativa, os camarões podem ser vendidos imediatamente, quer in natura, quer já beneficiados, ou seja, cozidos em água e sal, o que localmente se denomina de fritura.

Em se tratando da quantidade despescada, por certo ter-se-á que, oportunamente, fazer um controle sobre a produção de camarão na ilha, pois, pelo que se pôde pesquisar, até o momento, há uma variação grande quanto ao total pescado por produtora/ produtor. Por exemplo, uma família do igarapé Guajará da Costa informou, em 2002, que quando a safra é boa, despesca entre 40 e 60 quilos de camarão por semana (Luis Gonzaga Bentes do Espírito Santo, hoje com 66 anos, 2001, informação verbal). Um outro pescador experimentado disse, recentemente, que estava pescando semanalmente em torno de 25 quilos (BOROTÓ, 2003, informação verbal). Então, segundo se soube em Pau Grande, uma pescadora disse que pode pescar até 50 quilos por semana, mas justamente no dia da entrevista ela não tinha conseguido nenhum quilo.

Como se vê, é bem complexa essa questão da capacidade de cada produtora/produtor, quer em termos individuais, quer em termos familiares. Nessa direção, Marinete B. Quaresma (2003, informação verbal) ponderou que tudo depende do número de matapis e do tempo de trabalho de cada pescadora ou pescador, de sua experiência e das condições locais de produção, ou seja, se o meio oferece um plantel maior de camarões e se a despesca é ou não intensificada. Note-se, ainda, que essa pesca implica em custos preliminares significativos, quer quanto à mão-de-bra, que precisa ser minimamente especializada, quer quanto à produção de matapis e de puquecas.

Entretanto, também as condições de saúde desses trabalhadores hão de ser consideradas quanto à sua capacidade produtiva. Exemplar, nesta direção, foi a própria experiência de Marinete que, em inícios de 2003, tinha uma barragem para criação de camarão nas proximidades de sua casa, feita por ela e vizinhas.

Porém, essa pescadora de camarão ficou sem recursos devido a problemas de saúde, pois teve que parar de trabalhar por um certo período, o que teve como conseqüência a destruição dessa obra pelas chuvas e enchentes.

Ainda, note-se que muitas outras atividades integram o que se pode denominar de 'cultura do camarão', tanto em termos de conhecimento, de tecnologia ou de práticas organizativas. Dentre elas, estão as que são realizadas pelas mulheres: a produção de matapis, de puquecas, o beneficiamento e venda de camarão (SIMONIAN, 2002, 2003b, 2004a, 2004b). Mais recentemente, tem havido uma preocupação em relação a questões ecológicas como a redução do tamanho e da população da espécie.

No que concerne à produção de matapis, nem todas as mulheres o fazem, embora algumas tenham se especializado nesse metiér. De fato, muitas mulheres tecem seus próprios matapis, que têm uma durabilidade reduzida - se feitos com tala de jupati, podem durar em torno de seis meses, mas se de outra tala menos resistente, eles duram apenas cerca de quatro meses14 14 Eventualmente, algum material pode ser reaproveitado como o cipó titica ou, mais recentemente, os fios de plástico usados para fazer as amarras. . Conseqüentemente, a produção desses instrumentos de pesca de camarão é permanente e, como dito acima, implica custos. Segundo Simonian (2004b, 2002), algumas mulheres, como as da família da matriarca Argela de Nazaré Moraes de Oliveira, de 69 anos, moradoras do furo do Aititeua/Arrozal, que são vistas na Figura 6, especializaram-se e, fundamentalmente, produzem para venda. Por sua vez, muitos homens preparam matapis, porém, para uso próprio ou de seus familiares.


Em tempos recentes, os padrões tradicionais de confecção de matapis foram alterados, em especial a partir da introdução de material industrializado. Precisamente, fios de plástico são muitas vezes usados para fazer as amarras das talas (SIMONIAN, 2002, notas de campo), como se vê na Figura 7. Dentre as razões para tal uso, há a quase extinção do cipó titica na ilha, o preço alto desse cipó no mercado regional, tendo em vista que em grande parte vem do médio Amazonas, e a maior resistência do fio plástico, que pode ser reaproveitado muitas vezes.


A produção de puquecas, a isca usada para atrair camarões aos matapis e, neles ou nos viveiros, alimentá-los, é uma das tarefas correlatos à pesca strictu senso. As ilhoas pescadoras de camarão preparam as puquecas com pedaços de mesocarpo de coco babaçu (Orbignya phalerata martiana / oleifera - Areacaceae)15 15 No passado, esse mesocarpo chegava em pranchas de cerca de três centímetros de grossura, mas agora é adquirido a granel (RAMOS, 2003 apud SIMONIAN, 2004b). Esse material é considerado apropriado para a produção de puquecas quando tufa, ou seja, incha. Também, em tempos passados, esse mesocarpo foi substituído por massa de miriti ( Mauritia flexuosa Mart.), mas não foi aprovado. , que são embrulhados de preferência em folhas de cantã (Monotagma contractum), amarrados com 'envira' ou fibra de miriti. Como esse mesocarpo precisa ser adquirido, acaba encarecendo a produção (RAMOS, 2003, informação verbal)16 16 O seu custo/kg em 2004 era de R$ 0,80 na feira da área portuária de Barcarena e de R$ 0,68 em supermercado. . Na Figura 8, tem-se Maria Alda, moradora de Pau Grande, produzindo essa isca. Em forma de pacotes pequenos, elas são 'iscadas' ou colocadas dentro dos matapis, isto antes da colocação/amarração deles nas estacas antes referidas.


No que diz respeito ao beneficiamento, as pescadoras camaroneiras tratam essa matéria-prima com dois objetivos: o atendimento às necessidades quanto à alimentação familiar e quanto à venda para a obtenção de renda. A considerar-se o uso doméstico desse produto, na época da safra ele é praticamente cotidiano. Ultimamente, o camarão é, em geral, preparado ao vapor e consumido com açaí, como se vê sobre a mesa preparada para almoço, na residência de Cândida Ramos da Costa Rodrigues, 62 anos, e de Borotó,17 17 Cândida foi pescadora de camarão por muitos anos; a mesma também trabalhou muito em produção de matapis, mas, ultimamente, devido à idade e problemas nas articulações - que reporta como vinculados à pesca de camarão - já não pode mais trabalhar nessa atividade (SIMONIAN, 2003, n. c.). de Guajará da Costa (Figura 9). Apenas eventualmente o camarão é assado ou usado na produção de tortas.


Em se tratando da comercialização, essas trabalhadoras beneficiam esse produto in natura pelo processo que identificam como fritura, embora, de fato, seja uma salga por cozimento em água e sal, seguido de secagem. Por sua vez, essa atividade é tipicamente vinculada ao gênero feminino, o que, aliás, foi testemunhado em campo. Se forem donos e responsáveis por matapis, os pescadores tendem a fazer a venda do camarão em seu estado natural. 'A lida no fogão', como dizem, é 'trabalho de mulheres'.

Pelo que se ouviu em campo, até pouco tempo a produção era direcionada para o mercado local, principalmente a partir da cidade de Barcarena. Eventualmente, isto é, se a safra fosse muito boa, a produção era levada a Belém, o que era feito em montaria ou canoa, ou seja, a remo (BOROTÓ, 2003, apud SIMONIAN, 2004b)18 18 Borotó lembra de 1956, quando tinha 18 anos e foi vender a produção de camarão dele e da esposa Cândida, em Belém, onde aportou na área da atual vila da Barca (BOROTÓ, 2003 apud SIMONIAN, 2004b). . Mas, nestes últimos anos, formou-se um mercado alternativo nas praias locais, onde o camarão beneficiado é transacionado junto a veranistas que ali chegam. Para as pescadoras, a renda é mais positiva neste circuito econômico, pois a relação comercial é direta com os consumidores.

Em termos organizativos, as pescadoras de camarão dessa ilha têm se movido em várias direções. Uma delas restringe-se ao âmbito familiar. Nesta perspectiva, segundo documentado por Simonian (2004b), uma mulher pescadora de camarão de Pau Grande, preparou matapis para um casal de filhos, que passaram a ter seus próprios instrumentos de trabalho e, assim, puderam produzir para sustentar os estudos. Sua intenção, no entanto, foi em parte frustrada por uma gravidez da filha e nascimento da criança, o que, ao menos nesse tempo, inviabiliza a permanência dela na escola. Em outros termos, é o processo resistente e generalizado da feminização da pobreza (BARRIENTOS, 1993) a se reproduzir entre os trambioquenses.

Também essas mulheres pescadoras têm se envolvido com questões sociais mais amplas, o que inclui o círculo de vizinhos, amigos, parentes. Por exemplo, na área do igarapé Pau-Grande, elas se reúnem para fazer mutirões destinados à produção de matapis, limpeza de terrenos etc. (RAMOS, 2004 apud SIMONIAN, 2004b; QUARESMA, 2004 apud SIMONIAN, 2004b). Anos atrás, essas mulheres ainda ajudavam a viúva Docila das Chagas Santos, com 50 anos em 2006, que ficou com filhos e totalmente sem recursos19 19 Docila era recém-chegada à ilha quando isso aconteceu há 13 anos; do marido não lhe ficou pensão alguma, pois ele não era segurado. . Precisamente, foram elas que lhe ensinaram a preparar matapis e a pescar camarão. Segundo disse Docila, ela e o filho Kleber, com 15 anos em 2006, que preferem despescar à noite, pescam com oito matapis. Entretanto, além da parte que reserva para o consumo, isso lhe garante uma renda irrisória.

Muitas dessas pescadoras de camarão, principalmente as da parte ocidental da ilha, têm se preocupado com a questão da sustentabilidade dessa espécie e do ecossistema em que vive. Nesse sentido e em conversas e reuniões (Figura 10), elas têm abordado as dificuldades que vêm enfrentando, com destaque para a escassez do produto e para a redução do tamanho desses já pequenos animais. Também essa é uma discussão que outros trabalhadores da pesca levantam, a exemplo de os de Gurupá, estado do Pará (SILVA, 2004, informação verbal). Porém, até que se tenha pesquisas de natureza ecológica sobre a população de camarão na área estuarina, pouco se pode dizer além do crescimento dessa modalidade de pesca, processo que acompanhou o crescimento populacional local.


No caso da ilha Trambioca, ilhéus e ilhoas, pescadores levantam a possibilidade de que a poluição provocada por contínuos acidentes nas águas que lhes são circundantes pode estar afetando a capacidade de reprodução e de crescimento dessa espécie. Paradigmáticos quanto a tais acidentes ocorridos ultimamente, são o vazamento de óleo de uma balsa e de resíduos de produção mineral que contaminaram as águas que banham a ilha etc. (SIMONIAN, 2004c). Inclusive, há um consenso generalizado entre os trambioquenses de que, possivelmente, a fumaça branca produzida pelas empresas de mineração localizadas em Barcarena seja responsável pela destruição de espécies animais e vegetais, como o açaizeiro e o camarão. Diz-se o mesmo acerca dos resíduos deixados nas águas da baía, especialmente quando das lavagens de navios e de balsas, inúmeras e freqüentes, no porto de Conde.

A respeito dessa problemática, pesquisas de base ainda estão por serem feitas e não apenas levantamentos que têm sido contratados por empresas para fundamentar consultorias rápidas. Certamente, essas são mais que insuficientes para uma avaliação condizente com a complexidade de tal realidade. Assim, possíveis soluções, encaminhamentos de intervenções de natureza reparadora distam muito do horizonte trambioquense, o que continua a limitar a possibilidade de efetivação de políticas e ações voltadas à gestão socioambiental e à sustentabilidade em perspectiva local.

De todo modo, as mulheres pescadoras dessa ilha e, por que não dizer, muitos homens têm se mobilizado, ainda que minimamente, com vistas à reversão desse processo. As propostas que vêm surgindo apontam para a necessidade de incremento da produção de camarão, quer por meio de uma gestão responsável das águas e das espécies que nelas vivem, o que por certo demanda o envolvimento de segmentos sociopolíticos mais amplos, quer através da implementação de processos criatórios e de beneficiamento. Nesta direção, as mulheres têm se destacado.

Entretanto, anteriormente, os pescadores da área de Guajará da Costa organizaram, em 1997, a Associação de Pescadores, Agricultores e Artesãos de Guajará da Costa. Esta, inclusive, já encaminhou um projeto para criação de camarão, mas fora "[...] desviado pela Prefeitura" (J. do E. S., 2001, informação verbal). O Centro Pesqueiro do Norte (CPNOR), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA) iniciou (sic) uma criação dessa espécie na baía de Guajará, em Cuipiranga, mas sem sucesso (SIMONIAN, 2004c, 2002). Muitas pescadoras de camarão participaram do I Encontro das Mulheres da Ilha Trambioca, realizado em Jacarequara, em 2002 (TRAMBIOCA, 2002a), quando depois de muita relutância se reconheceram como tais e revelaram alguns problemas ligados a essa atividade. Em recente reunião em Pau Grande, muitas se fizeram presentes, tendo se comprometido com a realização de um levantamento sobre os produtores dessa área e de Guajará da Costa.

Toda essa preocupação e discussão têm a ver com a proposta de criação de uma RESEX nessa ilha, ainda em 2002. Entretanto, devido às políticas vigentes acerca dessa modalidade de Unidade de Conservação (UC), encontra-se paralisado. Nessa perspectiva, questões como gestão socioambiental, desenvolvimento sustentável e cidadania começaram a ser discutidas, principalmente em relação à capacitação, financiamento, assessoria técnica e científica etc. No entanto, é ainda incerta qualquer conjetura acerca de um futuro próximo que reflita positivamente essas inquietações, em especial porque as políticas, estratégias e ações voltadas para o desenvolvimento regional/local estão a se distanciar cada vez mais delas.

NOTAS CONCLUSIVAS

Pela pesquisa realizada, que incluiu trabalho de campo, mas também o levantamento e a análise da produção acadêmica acerca das mulheres pescadoras, seu métier e perspectivas recentes, conclui-se que essa é uma categoria socioeconômica muito disseminada mundialmente. Embora produzidos a pouco mais de uma década, os trabalhos sobre as pescadoras da Amazônia ainda demandam maior aprofundamento e mais pesquisas em áreas diferenciadas. Até então, o que havia eram registros muito breves, que pouco informavam sobre tais trabalhadoras.

A pensar-se na pesca na Trambioca, desde muito é significativa a presença de mulheres. Neste ponto, é de se observar que, possivelmente, as paleoindígenas e as indígenas contemporâneas à expansão européia na região tenham sido pescadoras, ainda que em tempo parcial. Nessa ilha, conforme ressaltado anteriormente, sambaquis são encontrados e, nesses sítios, tais mulheres provavelmente trabalharam.

Recentemente, ante a extinção de muitas atividades econômicas - como o corte da seringa, de lenha etc. - e um mercado crescente, as mulheres vêm se envolvendo mais e mais na pesca. Precisamente, essa participação como mão-de-obra vincula-se mais à pesca do camarão canela ou amazônico. Nesta direção, a partir de um levantamento há pouco realizado, localizaram-se cerca de 140 mulheres que pescam de matapi sistematicamente, sendo um número significativo o das que habitam a parte ocidental da ilha. Eventualmente, as mulheres também participam da pesca de igarapé, em geral com o uso de caniço, linha e anzol, para o atendimento das necessidades alimentares da família.

Essas trabalhadoras também desenvolvem atividades correlatas, como a produção de matapis, de puquecas, o beneficiamento - para a alimentação familiar e a fritura - a comercialização etc. Porém, tanto na pesca como em muitos desses trabalhos, as trambioquenses pescadoras de camarão contam, muitas vezes, com o auxílio da família e da vizinhança, o que aponta para a persistência de trabalho cooperativo. Assim, evidencia-se também a presença masculina nessa modalidade de pesca e nos trabalhos correlatos. Ultimamente, ante a crise ambiental e econômica globalizada, as pescadoras trambioquenses levantaram a possibilidade de criação de camarão, na expectativa de aumentarem a renda.

Entretanto, os limites são ainda muitos para essas trabalhadoras, principalmente quanto à capacitação e tecnologia voltadas para a criação frente às dificuldades em relação a financiamentos. De todo modo, a criar-se e implantar-se a RESEX Trambioca, elas por certo terão um ambiente propício para esse projeto. Mas há de se interrogar sobre a vontade política do poder público federal, que vem postergando uma posição/postura/ação quanto a tais encaminhamentos e, em última instância, quanto à participação dessas pescadoras em uma economia diferenciada, que implique sustentabilidade.

Recebido: 17/09/2004

Aprovado: 04/11/2004

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  • VERÍSSIMO, J. 1970. A pesca na Amazônia Belém: UFPA. 130 p.
  • 1
    Também é conhecido como camarão regional. Ainda note-se que mais duas espécies são encontradas nas águas que banham externa e internamente a ilha Trambioca: o camarão lagosta, que é bem maior e "[...] aparece quando o camarão canela some; e o camarão aviu ou catita, bem pequeno e pretinho" (José Alves Rodrigues, 65 anos, 2004, informação verbal; mais conhecido como Borotó e desse modo será referido daqui a diante). Mas, pelo que a pesquisa revela, até o momento, essas espécies não têm valor comercial para os pescadores locais.
  • 2
    Embora não sejam termos usados localmente, ilhoas, assim como ilhéus, são os habitantes de ilhas.
  • 3
    Essa descoberta deu-se no contexto do projeto Gestão em ilha de muitos recursos, história e habitantes: experiências na Trambioca, Barcarena, Pará (SIMONIAN, 2004b, 2002).
  • 4
    A respeito, ver ainda o trabalho de Morris e Simonian (2006), pois em parte aborda essa problemática.
  • 5
    Esse processo tem sido por muitos denominado de 'empoderamento', um neologismo, por certo, desnecessário.
  • 6
    Os dados que constam nesta parte do trabalho têm por base Morris, Simonian (2006) e Simonian (2004a, 2004b; 2002 / 2003, notas de campo).
  • 7
    Até uma década atrás, quando "[...] a água salgava na ilha [...]" (Borotó, 2003, informação verbal), consta que na ilha também se capturava outros crustáceos, como o caranguejo (
    Ucides cordatus) e o siri (família dos Portunídeos).
  • 8
    Os censos feitos em 2000 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Barcarena e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são incompletos, pois, de acordo com a população local, uma parte significativa dos domicílios não foi pesquisada.
  • 9
    A caça encontra-se praticamente extinta, mas mesmo assim, o pouco que ainda existe em termos de fauna é capturado de modo predatório por pessoas da própria ilha e por outras que a invadem a partir da cidade de Barcarena. Essa situação tem sido levada ao conhecimento de autoridades públicas, como o IBAMA-PA e a Delegacia de Polícia de Barcarena, mas providência alguma foi tomada até o momento.
  • 10
    O Estado desconsidera sistematicamente os interesses fundiários e socioambientais dentre outros dos ilhéus e ilhoas da Trambioca; de fato, o processo de criação dessa proposta de Resex encontra-se praticamente paralisado enquanto muitas outras dessas unidades de conservação são constituídas pelo governo federal. E pelo que se pôde desvendar ao longo da pesquisa, o grupo político que controla há anos a administração municipal posiciona-se contra e impõe no contexto das relações de poder. Por sua vez, a representação do Ibama desconsidera os crimes ambientais praticados na ilha e em seu entorno, apesar das muitas denuncias de parte das lideranças ilhoas. A respeito, ver Simonian, Quaresma, Andrade, Mendes, Campos (2006).
  • 11
    Trambioquense é o termo gentílico relativo aos habitantes da ilha Trambioca; embora não seja um termo usado no dia-a-dia pelos moradores, o mesmo foi citado em algumas falas quando da pesquisa de campo.
  • 12
    Essas estacas são preferencialmente feitas de matamatá (
    Eschweilera matamata - Lecitidaceas), mas também de cupuuba espécie não-identificados) ou giriparana espécie não-identificados (BOROTÓ, 2004, informação verbal).
  • 13
    Iscas preparadas pelas pescadoras e pescadores, para atraírem camarões aos matapis; ver adiante, para uma descrição do processo de produção, matéria prima utilizada etc.
  • 14
    Eventualmente, algum material pode ser reaproveitado como o cipó titica ou, mais recentemente, os fios de plástico usados para fazer as amarras.
  • 15
    No passado, esse mesocarpo chegava em pranchas de cerca de três centímetros de grossura, mas agora é adquirido a granel (RAMOS, 2003
    apud SIMONIAN, 2004b). Esse material é considerado apropriado para a produção de puquecas quando tufa, ou seja, incha. Também, em tempos passados, esse mesocarpo foi substituído por massa de miriti (
    Mauritia flexuosa Mart.), mas não foi aprovado.
  • 16
    O seu custo/kg em 2004 era de R$ 0,80 na feira da área portuária de Barcarena e de R$ 0,68 em supermercado.
  • 17
    Cândida foi pescadora de camarão por muitos anos; a mesma também trabalhou muito em produção de matapis, mas, ultimamente, devido à idade e problemas nas articulações - que reporta como vinculados à pesca de camarão - já não pode mais trabalhar nessa atividade (SIMONIAN, 2003, n. c.).
  • 18
    Borotó lembra de 1956, quando tinha 18 anos e foi vender a produção de camarão dele e da esposa Cândida, em Belém, onde aportou na área da atual vila da Barca (BOROTÓ, 2003
    apud SIMONIAN, 2004b).
  • 19
    Docila era recém-chegada à ilha quando isso aconteceu há 13 anos; do marido não lhe ficou pensão alguma, pois ele não era segurado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      17 Set 2004
    • Aceito
      04 Nov 2004
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