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Mudanças e continuidades do aviamento na pesca artesanal

Supply change and continuity in artisan fishing

Resumos

O presente texto discute o sistema de aviamento no âmbito da pesca artesanal, no litoral do estado do Pará, a partir da literatura sociológica e antropológica sobre o assunto, enfatizando a problemática das relações sociais que estruturam a cadeia de comercialização entre produtores e intermediários. Aborda algumas especificidades do aviamento na pesca e suas implicações em termos de permanência e mudança nas relações de troca, tendo em vista as transformações ocorridas no âmbito regional, as quais tiveram forte influência no sistema produtivo e comercial da pesca artesanal.

Pesca artesanal; Aviamento; Comercialização; Intermediários


This text is about a system known as aviamento, sort of a loan, but with some peculiar features, related to the fishing field on the seashore of Pará State. Its is based on a sociological and anthropological literature and has its focus on the social relations on which the commercial net, among producers and intermediaries, is based. It also goes over some specific aspects of the aviamento process on fishing and its implications as to the permanence and change in the exchange relationship, having in mind, the regional transformations, which were strongly influenced by artisan fishing productive and commercial system.

Artisan fishing; Aviamento; Commercialization; Intermediaries


ARTIGOS

Mudanças e continuidades do aviamento na pesca artesanal

Supply change and continuity in artisan fishing

Elio de Jesus Pantoja Alves

Universidade Federal do Maranhão. Departamento de Sociologia e Antropologia. Professor Assistente. São Luis, Maranhão, Brasil (elio@ufma.br)

RESUMO

O presente texto discute o sistema de aviamento no âmbito da pesca artesanal, no litoral do estado do Pará, a partir da literatura sociológica e antropológica sobre o assunto, enfatizando a problemática das relações sociais que estruturam a cadeia de comercialização entre produtores e intermediários. Aborda algumas especificidades do aviamento na pesca e suas implicações em termos de permanência e mudança nas relações de troca, tendo em vista as transformações ocorridas no âmbito regional, as quais tiveram forte influência no sistema produtivo e comercial da pesca artesanal.

Palavras-chave: Pesca artesanal. Aviamento. Comercialização. Intermediários.

ABSTRACT

This text is about a system known as aviamento, sort of a loan, but with some peculiar features, related to the fishing field on the seashore of Pará State. Its is based on a sociological and anthropological literature and has its focus on the social relations on which the commercial net, among producers and intermediaries, is based. It also goes over some specific aspects of the aviamento process on fishing and its implications as to the permanence and change in the exchange relationship, having in mind, the regional transformations, which were strongly influenced by artisan fishing productive and commercial system.

Keywords: Artisan fishing. Aviamento. Commercialization. Intermediaries.

INTRODUÇÃO

No decorrer de um estudo enfocando a incidência de relações sociais personalizadas no processo de trabalho e na comercialização dos produtos da pesca em um bairro do distrito de Icoaraci em Belém, Pará, em 1996, recorreu-se à literatura sociológica e antropológica sobre populações pesqueiras nesta região, focalizando a problemática da permanência e da mudança nos referenciais sociais presentes em tais relações econômicas (ALVES, 1997). Nessa literatura, um dos aspectos recorrentes diz respeito à persistência do aviamento, forma tradicional de crédito que, como é sabido, esteve na base do sistema de produção da borracha no início do século XX na Amazônia, bem como de outros produtos extrativos de exportação, como a castanha e, recuando-se mais no tempo, as 'drogas do sertão' durante o período colonial.

Este artigo pretende analisar de que modo o aviamento tem se desevolvido no contexto da produção pesqueira, levando em consideração as diferenças e similitudes apontadas na literatura sobre o assunto, isto é, procura visualizar o aviamento típico da economia gomífera, verificando suas influências nas comunidades pesqueiras nos últimos anos.

Uma das características do aviamento que se estabelece entre comerciante e produtor direto, como será visto, é o caráter personalizado do qual se reveste a transação. Os adiantamentos feitos de parte a parte têm como garantia, muitas vezes, a promessa do ressarcimento, lastreada na confiança derivada do interconhecimento. Tais aspectos não significam, obviamente, relações simétricas, pois na fixação dos preços podem estar embutidos juros extorsivos que deprimem a renda do produtor.

Na atual conjuntura, em que movimentos de pequenos agricultores, pescadores e produtores extrativistas reivindicam o acesso a financiamentos bancários subsidiados, organizando manifestações de massa como os "Gritos da Terra", é oportuno repensar a permanência de modalidades tradicionais de crédito em muitos portos pesqueiros na região amazônica. Nesse sentido, este artigo busca a compreensão das peculiaridades do aviamento existentes entre os pescadores e os 'seus' intermediários, com base em estudos sobre comunidades pesqueiras do litoral do Pará.

Na Amazônia, os autores fazem referência à persistência do aviamento na pesca, discutindo suas relações com o aviamento na economia extrativa da borracha. Vale, portanto, discutir, em primeiro lugar, as características desse sistema e, posteriormente, verificar suas especificidades nas comunidades pesqueiras hoje.

O sistema de aviamento na Amazônia: origens e mudanças recentes

Numa primeira acepção, 'aviar' é um termo forjado na Amazônia, que significa fornecer mercadoria a crédito. O comerciante, ou 'aviador', antecipa o fornecimento de bens de consumo e instrumentos de trabalho ao produtor que, por sua vez, efetua o pagamento da dívida contraída através de produtos extrativos e agrícolas. Essa relação remonta ao período em que a região integrou-se ao processo de colonização européia. Surge, portanto, a partir da inserção da economia nativa ao sistema mercantilista, já nos negócios das 'drogas do sertão' no século XVIII, como mostra Oliveira (1983), referindo-se aos 'regatões', comerciantes que percorriam os rios da região.

[...]

um comerciante, inicialmente caboclo ou português que, em troca de quinquilharias, instrumentos diversos, roupas e gêneros alimentícios, recebia o produto do trabalho indígena ou caboclo. Como ele visasse o máximo de lucros regateava o preço da mercadoria comprada, procurando desvalorizá-la, ao mesmo tempo em que enaltecia a excelência, a utilidade ou a beleza do que vendia. Por causa disso, ele ficou conhecido como regatão. No século XVIII ele já estava em atividade. Não usava a moeda, praticando o escambo, ou seja, trocando gêneros. Com seu comércio em barco, apesar de extremamente espoliador, ele ligou povoados do interior ao litoral, através de notícias e de mercadoria. Como suas viagens demorassem semanas e meses, ele entregava a seus fregueses as mercadorias a crédito para, na volta dessas viagens, receber o ressarcimento, em produto, do que havia fornecido no início das mesmas

(p. 235-236).

Dadas as características da região, como a distância e o isolamento entre os povoados e o centros consumidores, o difícil acesso aos locais de coleta, aliados à escassez de moeda, consolidou-se o 'aviamento'. O coletor de produtos extrativos tornava-se dependente dos intermediários, de quem recebia certos insumos da produção e certos bens de subsistência a serem pagos em produtos. Nessas condições, o financiador tinha ampla liberdade na fixação dos preços.

Santos (1968), de forma simplificada, explica que

[...]

dá-se o aviamento quando A fornece mercadoria a B uma quantidade Q de mercadorias (bens de consumo e alguns instrumentos de trabalhos), ficando B de resgatar a dívida com produtos agrícolas ou extrativos da próxima safra, em espécie; havendo saldo credor, B recebe dinheiro; se o saldo é devedor, B fica debitado até a safra subsequente. A chama-se aviador; B chama-se aviado

(p. 11).

Em seu livro História Econômica da Amazônia (SANTOS, 1980), Santos considera que o aviamento foi o elo sustentador e articulador de toda a estrutura social da região, integrando o homem do interior amazônico à sociedade global. Constituiu o

embrião de um grande mecanismo que pôs a funcionar toda a economia amazônica da fase da borracha e que persiste em nossos dias, se bem que modificado e com importância atenuada

(1980, p. 156).

Esse sistema formava-se a partir de uma cadeia de relações sociais e econômicas, que ligava vários intermediários até o produtor direto.

É recorrente na literatura sobre a Amazônia a idéia de que o aviamento é uma forma de crédito mais eficiente do que o sistema financeiro formal, uma vez que este é incapaz de chegar até o pequeno produtor distante. Por outro lado, na época da borracha, era o sistema bancário que, através dos créditos, alimentava as firmas aviadoras1 1 Estabelecimentos comerciais que operavam em Belém e se abasteciam de dinheiro nos bancos. Passavam mercadorias e dinheiro aos médios aviadores, que, por sua vez, repassavam aos pequenos, até chegarem ao produtor direto. . Portanto, haveria uma relação de complementaridade entre o sistema formal e o informal.

Como é sabido, o auge da extração da borracha foi também o auge das relações comerciais próprias do aviamento. Na época, organizava-se como uma 'cadeia hierarquizada', iniciando com as grandes firmas aviadoras, que obtinham financiamento nos bancos da capital (Belém) e, em seguida ligando-se aos médios e pequenos aviadores, até chegar ao produtor direto.

Santos (1980) analisa que, a partir dos pequenos aviadores, as relações concretizavam-se através de pactos meramente verbais, mas que funcionavam com perfeita regularidade. Na cadeia de aviamento, o produtor ocupava uma posição desfavorável, pois não tinha contato com as praças de mercado, desconhecia por completo as técnicas de comercialização, vendia o produto a um comprador cuja posição era de monopsônio, além de geralmente ser analfabeto ou de pouca instrução.

O aviamento esteve presente, também, em outros importantes produtos extrativos da região, como a castanha. Sua influência na pesca fez-se também sentir e se exprime na própria linguagem do pescador de hoje, quando se refere a um 'patrão' que 'avia' sua embarcação.

Em períodos mais recentes, o aviamento na Amazônia foi se reformulando em virtude de vários fatores. Santos (1980) destaca a crise na relação aviador-freguês, caracterizada pelo monopólio da comercialização imposto pelo aviador. Dentre os fatores da crise, ressalta-se a expansão do eixo rodoviário e, conseqüentemente, o aumento na circulação de moeda, bem como as restrições de acesso ao crédito por parte dos aviadores. A expansão de formas de trabalho assalariado e a extensão da previdência social ao meio rural também tiveram importantes repercussões sobre a relação entre comerciantes-aviadores e seus fregueses.

Aramburu (1992), em seu trabalho intitulado Aviamento modernidade e pós-modernidade no interior amazônico, baseado na comercialização de madeira e outros produtos na ilha de Marajó, preocupou-se em entender as alterações que esse sistema sofreu frente às mudanças estruturais do mercado mundial. Nesse estudo, o autor mostra o aviamento moderno como uma relação mais fluida e dinâmica em relação ao período do chamado 'ciclo da borracha' na Amazônia

Segundo Aramburu (1992), a partir dos anos 1970, a queda do valor de troca de produtos primários de exportação no mercado externo e o aumento das taxas de juro subseqüente à crise do petróleo levaram a crescentes restrições do crédito financeiro aos exportadores e, portanto, aos aviadores tradicionais. Reduzia-se, assim, o poder centralizador e duradouro desses agentes.

A queda do valor de troca dos produtos de exportação primários, referido por Aramburu (1992), fazia escassear o crédito aos aviadores e, ao mesmo tempo, diminuía ainda mais o valor desses produtos primários na 'fonte'. Mas o aviamento, em si, não desapareceu. Sua persistência, explica, é ao mesmo tempo decorrente das relações de trocas desiguais em que se inserem os produtores diretos, deprimindo sua renda. Ademais, a queda nas cotações dos bens primários fazia-se sentir também, de maneira aguda, pelo extrator, que permanecia sempre como último elo de uma cadeia de intermediação. Desse modo, apesar das mudanças, persistiam, em amplas áreas, as bases de sustentação desse esquema.

A continuidade do aviamento também pode ser explicada em função do caráter de segurança que pode representar para o comerciante que lida com produtos extrativos, em um contexto no qual os fatores de produção (terra, matéria-prima e força de trabalho) não estão sob o seu controle privado. A segurança, freqüentemente, é assegurada por relações de cunho mais social, nas quais noções de 'ajuda' e de troca de favores recíprocos entre aviador e aviado estão presentes.

O funcionamento do aviamento e as razões de sua permanência devem ser entendidos a partir das condições concretas de trabalho dos produtores rurais e da relação estabelecida com o intermediário. O endividamento do produtor engendra a obrigação da venda ao financiador.

Por outro lado, a relação aviador-aviado não se esgota nos aspectos econômicos da transação. Wolf (1970), em sua obra intitulada Sociedades Camponesas, mostra que num contexto de escassez de capitais e de relativa ausência e fragilidade da estrutura institucional formal da sociedade, esse tipo de relação torna-se funcional no sentido da busca de estabilidade e garantia no desenvolvimento das atividades produtivas.

Em geral, o produtor recorre a um 'patrão' na medida em que este tem condições de prestar 'ajuda' em momentos difíceis. A acumulação formada pelo comerciante, conforme Aramburu (1992), é uma espécie de 'fundo de reserva' que, diante de qualquer fatalidade, estaria à disposição de seus clientes. Por outro lado, o produtor espera que o intermediário possa ampará-lo nos momentos em que precisar. É nesse papel de assistente que se manifesta o poder do 'patrão', principalmente quando se trata de ajuda aos parentes do produtor em caso de doença; constituindo-se, assim, 'a razão de ser da patronagem', no dizer do referido autor. E a assistência surge nessa relação como um elemento compensador da assimetria entre o produtor e o patrão, o que vai, dessa forma, legitimar a relação de poder e dominação existente na patronagem2 2 Na ausência de um conceito melhor elaborado, entendemos que 'patronagem' consiste numa relação social fundamentada em compromissos morais, em pactos de confiança, fidelidade e de 'ajuda' entre 'freguês' e patrão (produtor-aviador). O patrão possui obrigações morais com o freguês, que, por sua vez, se submete a uma troca comercial monopolista. Há casos em que, sendo o intermediário de baixo poder econômico, ele pode depender, circunstancialmente, do produtor no fornecimento dos produtos. .

A ascensão do marreteiro no processo de comercialização e o enfraquecimento do papel do aviador tradicional

A literatura consultada mostra que as mudanças em curso vieram abalar a situação de monopólio dos 'grandes patrões', acentuando a concorrência de outras categorias de comerciantes, regionalmente conhecidos como marreteiros. Com eles, redes comerciais previamente estabelecidas tenderam à fragmentação.

De acordo com Aramburu (1992), 'marreteiro' é o termo que designa alguém que surge para 'perturbar' uma relação comercial tradicional entre um grande aviador e um conjunto de produtores rurais sob sua dependência. O autor refere-se a pequenos comerciantes de baixo poder econômico em relação ao aviador tradicional. A presença desse novo agente, o marreteiro, vem suscitar desvios da produção, aumentando a concorrência e, consequentemente, alterando o equilíbrio da firma aviadora. Daí o seu caráter perturbador na harmonia das relações de patronagem existentes.

Na análise de Aramburu (1992), ressalta-se uma importante observação que aponta para o sentido 'conservador' das mudanças em curso. Embora a concorrência provoque o enfraquecimento do monopólio do aviador e, consequentemente, contribua para a descentralização e fragmentação do aviamento, este não chega a ser substituído pelo mercado. A economia de muitas áreas do interior permanece baseando-se sobre o crédito, seja este concedido por comerciantes estáveis ou por marreteiros, haja vista que as trocas econômicas não possibilitam a formação de um 'fundo de reserva' que permita ao pequeno produtor trabalhar para vender de maneira autônoma.

Segundo Aramburu (1992), o marreteiro diferenciase do antigo aviador pelas seguintes características:

-Ele negocia os produtos à vista e atua ocasionalmente, sobretudo nos períodos de safras de produtos com maior demanda.

-Ao tornar-se habitual, limita-se a uma base geográfica definida, mas, na medida em que há pressão social do produtor pela assistência e a necessidade de crédito para viabilizar a produção ele estabelece uma nova relação de patronagem, ou seja, constrói novas redes de relações comerciais com outros produtores.

-Atua com um potencial de 'ajuda' muito reduzido em relação à patronagem tradicional, tendo em vista que trabalha com pouco capital e com uma reduzida rede de fregueses.

O aparecimento desse intermediário justifica-se, portanto, pela diminuição dos prazos de ressarcimento e pela redução da generosidade dos antigos patrões. Nessa dinâmica de concorrência, reside uma possibilidade, em tese, de melhora nos preços dos produtos rurais.

Mudanças na economia da região e suas influências no contexto da pesca

Assim como em outros setores da economia amazônica, a pesca vem sofrendo profundas mudanças, que devem ser entendidas como resultantes de fatores externos e internos e influenciadoras diretas da organização socioeconômica das populações pesqueiras do litoral do Pará.

Por uma série de razões nacionais e regionais, uma parte considerável da população litorânea passou a viver, exclusivamente, do trabalho da pesca, notadamente a partir dos anos 1960. Fatores como a expansão da malha rodoviária, que ligou Belém ao centro-sul e ao nordeste do país, e a melhoria das rodovias do próprio estado do Pará dinamizaram a comunicação e facilitaram a circulação dos produtos haliêuticos. Com a expansão do comércio e a entrada de artigos industrializados oriundos do centro-sul, surgiram novas necessidades de consumo e, de certa forma, as comunidades locais passaram a se vincular mais ao mercado.

Avanços tecnológicos expressos na introdução de motores nas embarcações, a difusão de redes malhadeiras de náilon, a utilização do gelo na conservação do pescado, em substituição às práticas de conservação tradicional da salga e da secagem, são aspectos que repercutiram sobre o processo de trabalho, sobre as relações de trabalho e sobre as trocas.

Essas mudanças provocam a crescente necessidade de ampliação da produção para o mercado e um conseqüente processo de diferenciação social no segmento dos pescadores artesanais da região. Mello (1985), Furtado (1987) e Maneschy (1995) discutem esses aspectos.

Note-se que, com a expansão do sistema capitalista nas comunidades de pescadores, tornou-se perceptível a monetização das relações de troca e uma relativa fragmentação das relações de patronagem. Silveira (1979), no povoado pesqueiro de Baunilha, município de Primavera, no litoral do Pará, já registrava que os aviadores locais passaram a se habituar e enfrentar a concorrência na compra do pescado com comerciantes que vinham de outras localidades, e estes, de certa forma, prejudicavam a relação comercial tradicionalmente montada. Nesse sentido, em função das mudanças em curso, podese dizer que, também, houve uma diversificação na rede de intermediários dos produtos da pesca.

O aviamento na pesca: exemplos na literatura

Tradicionalmente nas comunidades pesqueiras, o acesso às condições objetivas de trabalho e o escoamento dos produtos no mercado efetivamse através das relações entre pescadores, proprietários dos meios de trabalho e comerciantes dos produtos da pesca, entre os quais vigoram relações assimétricas.

Os estudos mostram que nas relações de trabalho e de troca, freqüentemente, vigoram relações personalizadas, ou seja, laços sociais que tendem a extrapolar o sentido puramente econômico dessas transações.

Vale notar que a pesca artesanal hoje, no litoral do Pará, divide-se em dois grupos. No primeiro, em que se utilizam instrumentos fixos, destaca-se a pesca do curral, um tipo de armadilha fixa, em forma de cerca, que é feita de madeira e construída em beiras de praia ou no meio dos rios, em bancos de areia, com abertura por onde passam os peixes durante as marés cheias, disposta de modo a vedar-lhes a saída durante as vazantes. O segundo grupo reúne aqueles que usam instrumentos móveis, como na pesca de redes malhadeiras e espinhéis3 3 Trata-se de um instrumento de pesca formado por uma extensa corda na qual são presas linhas com anzóis, distribuídas de forma intervalar, aproximadamente uma braça da outra. A sua dimensão varia conforme o tamanho dos anzóis e a espécie a ser capturada. Pode ser utilizada de forma flutuante, ou fixa no fundo, através de âncoras de pedras (MANESCHY, 1995). . A mobilidade destes últimos permite, até certo ponto, um deslocamento e, portanto, uma possível diversidade de opções para escoar a produção, enquanto que os primeiros atuam em um raio mais estreito.

Recorrendo mais uma vez ao estudo de Furtado (1987) em Marudá, foram observadas duas formas básicas dos pescadores adquirirem material de pesca: uma que ela considera 'tradicional', por possuir características próximas às do aviamento existentes em outros segmentos sociais amazônicos, que está mais presente entre os 'curralistas'; e uma segunda, que ela denominou de 'recente', posto que adota normas do sistema de crédito que vigora nos segmentos mais complexos da sociedade, uma vez que já obedece a prazos e valores fixos no pagamento das prestações mensais, sendo mais comum entre os 'redeiros' (pescadores que utilizam redes malhadeiras).

Em Marudá, no litoral do Pará, Furtado (1987) distinguiu três tipos de intermediários. Os primeiros são chamados 'grandes intermediários', que se estabelecem localmente em barracões, onde recebem o pescado e transportam em seus próprios caminhões. Estes operam equipamento adequado à conservação do pescado e, por meio deles, ocorre o maior volume de exportação. Freqüentemente, entre produtores e estes últimos estabelecem-se relações de compromissos, não somente através da comercialização, mas também, como verificou a referida autora, encontram-se presentes relações sociais representadas pelo compadrio ou por relações amistosas. A segunda categoria é a dos 'médios intermediários', que compram dos primeiros, assim como diretamente dos produtores. Por último, encontram-se os 'pequenos intermediários', subdivididos em três subcategorias. Uns transportam o pescado em reduzidas quantidades, utilizando os ônibus de linha e revendendo em povoações próximas. Outros transportam o pescado por meio de bicicletas, sendo conhecidos localmente como 'bicicleteiros'. E, finalmente, os que atuam por via fluvial, através de embarcações motorizadas, denominadas de 'lanchas', atingindo povoados mais distantes. Estes últimos, segundo Furtado (1987), evocam o comércio dos regatões na Amazônia, uma vez que, além da comercialização do pescado, transportam passageiros e negociam bens produzidos nesses locais, ao mesmo tempo em que vendem produtos como combustível, sal, gêneros alimentícios diversos etc.

A vigência do aviamento, como uma rede de relações sociais e econômicas baseadas na dependência do produtor (pescador) ao comerciante local (aviador), efetiva-se em função de várias razões. Em primeiro lugar, a distância das comunidades pesqueiras dos centros urbanos favorece a ação dos comerciantes locais que, financiando os instrumentos de pesca e, ao mesmo tempo, escoando a produção, monopolizam a compra do pescado, ficando o pescador na grande dependência desses intermediários. Os pescadores assumem um contrato apoiado em engajamentos morais entre ambas as partes, raramente fixados por escrito. A necessidade de o pescador recorrer ao intermediário dá-se não somente para financiar equipamentos, mas, principalmente, para a aquisição de sal para a conservação do pescado e demais gêneros de primeira necessidade consumidos durante as viagens, assim como para realizar a comercialização do produto. Nessas circunstâncias, o pescador é obrigado a 'passar' a produção no final da jornada de trabalho ao intermediário financiador para poder continuar exercendo suas atividades. Situação que se constitui na razão da existência do aviador, elemento fundamental na manutenção do sistema econômico vigente (SILVEIRA, 1979).

Furtado (1987) ressalta a existência de algumas características no segmento dos pescadores artesanais que justificam um tipo específico de aviamento, comparando com a análise feita por Santos (1980):

-A ausência de capital entre os produtores provoca uma dependência em relação aos comerciantes que, por estarem mais diretamente ligados ao mercado monetizado, facilitam para os pescadores o acesso aos meios de trabalho e empréstimos de dinheiro para outras finalidades. Nesse sistema, a existência de direitos e deveres sustenta a relação.

-Os intermediários locais encontram-se vinculados aos intermediários de fora, que, por sua vez, subministram o crédito como decorrência da demanda existente sobre os produtos do mar produzidos pelos pescadores locais.

A referida autora observa que, embora o aviamento na pesca seja permeado por lealdade entre aviado e aviador (produtor e intermediário), os desvios de produção por parte do pescador podem quebrar a confiança do intermediário, mas não implicam na existência do caráter punitivo característico dos seringais nos tempos áureos da borracha.

Na pesca, diferentemente, sempre há comerciantes em busca de fornecimento do pescado. A competição entre eles por fornecedores exclui a possibilidade de aliança e defesa mútua de interesses. Essas características permitiram que o aviamento, na pesca, configurasse-se de forma muito peculiar em relação a outros segmentos sociais da Amazônia.

Tanto Silveira (1979) quanto Furtado (1987), que estudaram comunidades pesqueiras no nordeste paraense, indicam que a cadeia de intermediação na pesca, baseada no aviamento, expressa-se de forma mais nítida entre os pescadores que utilizam o curral como método de captura. Furtado constatou em seu estudo que isso acontece em razão de toda a montagem do curral estar diretamente vinculada ao crédito fornecido pelo intermediário. De acordo com Silveira (1979), em áreas onde houve maior diversificação nos instrumentos de pesca, as alterações advindas com as inovações tecnológicas, como a introdução de redes de náilon, propiciaram maior produtividade e, consequentemente, um menor grau de dependência em relação ao intermediário.

Se, por um lado, o maior grau de dependência do pescador ao intermediário pode ser explicado pelo isolamento e pela distância do mercado, bem como pela maior utilização do curral, como constatam Silveira (1979) e Furtado (1987), cujos estudos incidiram sobre comunidades rurais de pequena escala e ainda relativamente afastadas de centros urbanos; por outro, esses aspectos não devem ser considerados como tendência dominante. Em outras áreas de pesca como Ajuruteua, município de Bragança, Maneschy (1995) observou que, com a expansão do circuito de comercialização do pescado na região, os pequenos pescadores locais inseriram-se de forma desfavorável no mercado. Eles não têm controle sobre o processo de comercialização, dependem do marreteiro não somente como elo com o mercado, mas também face às dívidas que contraem junto a ele. Outro estudo que também ilustra bem essa realidade é o de Maués, R. H. e Maués, M. A. (1990) sobre a integração de uma comunidade rural ao modo de produção capitalista, no litoral do Pará, no qual registraram os seguintes aspectos:

-Os pescadores locais, por praticarem pescarias de curta duração, tinham gastos reduzidos com despesas.

- Produziam grande parte do que necessitavam; além disso, a existência do 'circuito de reciprocidade', que são excedentes usados na troca não monetária, isto é, produtos da pesca e da agricultura que circulavam entre parentes, compadres e vizinhos, tornavamnos menos subordinados ao intermediário.

Nesse estudo, os autores constataram que o pescador passava a ser dependente economicamente na medida em que se obrigava a participar da economia de mercado. Isto implica dizer que as condições em que as comunidades inserem-se no mercado não propiciam uma autonomia aos produtores no que se refere à venda de seus produtos a diferentes comerciantes.

Na monografia Pescadores e Marreteiros em Icoaraci: um estudo sobre relações de trabalho e de troca na pesca artesanal, realizado em Icoaraci, (ALVES, 1997), que serviu de base à elaboração deste artigo, procurou-se analisar as condições em que os pescadores comercializavam seus produtos no meio urbano. Os dados coletados acerca de onze tripulaçõs demonstraram que para a maioria dos pescadores tornava-se mais viável vender o pescado para o comerciante local do que se deslocar até o principal entreposto pesqueiro do estado, o Ver-O-Peso, embora sendo próximo de Icoaraci, mesmo que o retorno econômico nem sempre fosse satisfatório. O estudo procurou identificar as relações sociais que estruturavam tanto a formação das tripulações, quanto as transações com os comerciantes locais (marreteios). Os pescadores contactados eram migrantes, principalmente da ilha de Marajó. Das onze tripulações, sete eram formadas segundo os princípios do parentesco, isto é, o proprietário dos meios de produção era, geralmente, o pai que agregava os filhos, parentes e conhecidos nas atividades. Do mesmo modo, as relações de troca com os intermediários, marreteiros e residentes na mesma área eram permeadas por noções de solidariedade representadas entre os atores sociais envolvidos nas transações que, com frequência, também eram parentes (consanguíneos ou afins), amigos ou vizinhos. No estudo em questão, essas relações foram interpretadas como mecanismos para atenuar as pressões do mercado, bem como a segurança na possibilidade de um retorno, se não de imediato, pelo menos em momento de dificuldades. No caso das transações com intermediários de outras áreas, como é o caso dos que atuam no mercado do Ver-O-Peso, os acordos comerciais apresentam um caráter mais utilitário, isto é, uma relação que tende a reduzir os compromissos mais duradouros. Nesta situação, recorrer aos laços de parentesco consiste um fator de segurança no momento em que o pescador decidirá para quem vender a sua produção. Esses aspectos convergem na idéia de que a aproximação do pescador com os principais entrepostos pesqueiros não significa um maior controle dos meios de trabalho e maior liberdade na venda dos seus produtos. Ao contrário, este estudo indica que as condições de inserção dos pescadores no mercado não propiciam autonomia na venda a diferentes comerciantes.

Assim, verifica-se que há pelo menos duas formas de pensar as condições de participação dos pescadores no mercado. De um lado, o maior acesso ao mercado consumidor, através da fragilidade registrada na cadeia de aviamento ou por via da migração para o meio urbano, pode significar uma relativa independência do pescador em relação ao intermediário. De outro lado, porém, os estudos mostram que isso não implica a possibilidade de alocação dos produtos da pesca diretamente pelo pescador nas praças de mercado. Como mostra Maneschy (1993), os marreteiros preenchem certas 'funções econômicas' na medida em que os pescadores permanecem sem condições de arcar com os custos da produção de forma autônoma. Como também observou Furtado (1987), o pescador concebe o intermediário como uma 'peça necessária', sem o qual não conseguiria atingir o mercado fora de seu 'micro-mundo'. Ressalta-se que a quebra do monopólio na comercialização e uma conseqüente liberdade na compra e venda do pescado no local de produção pode significar a obtenção de uma melhora nos preços do pescado. Porém, uma vez diminuído o poder de barganha do intermediário, seus fregueses poderão ficar desassistidos das práticas de distribuição em momentos de necessidade, como alerta Aramburu (1992).

Se o aviamento passa por um processo de reestruturação, é correto afirmar que na pesca esse sistema permanece, pelo menos em parte, sustentando as relações de troca. Porém, é interessante destacar que, no caso da pesca, o aviamento desenvolveu-se de forma menos centralizada quando comparada aos outros seguimentos sociais amazônicos onde grandes atacadistas controlavam a concorrência com outros marreteiros.

As relações com os marreteiros, que envolvem o crédito, podem ser reforçadas por laços de parentesco, compadrio, amizade ou vizinhança entre os agentes. Portanto, embora o aviamento, como um sistema de troca tradicional, tenha se fragilizado e se descentralizado, não se deve imaginar que houve uma substituição imediata por relações de tipo impessoais próprias do sistema capitalista. Apesar das profundas modificações, o aviamento ainda constitui um modelo de sociabilidade ao qual os produtores se sujeitam para definir relações nas práticas comerciais. Os pescadores utilizam correntemente o termo 'aviar' referindo-se ao financiamento do 'patrão' para as despesas das pescarias.

Ressalta-se aqui a importância do caráter de persistência de certos laços personalizados nas relações de trabalho e de troca entre pescadores. Seja em comunidades pesqueiras mais distantes do mercado ou entre pescadores inseridos no meio urbano, os estudos de Silveira (1979), Furtado (1987), Mello (1985), Maués, R., Maués, M. (1990) e Maneschy (1995) revelam que as dificuldades de reposição dos meios de trabalho, aliadas à escassez de recursos e à carência de créditos do sistema formal para essa categoria profissional, propiciam a permanência do aviamento como forma de financiamento. Sendo esta a condição pela qual os pescadores mantêm-se dependentes dos créditos dos intermediários.

Considerações finais: contiuidades e mudanças no aviamento pesqueiro

No estudo já realizado em Icoaraci (ALVES, 1997), busca-se orientação na tese de Durhan (1973). Essa autora, em pesquisa sobre migrantes rurais na cidade de São Paulo, mostrou que eles utilizavam seu 'equipamento cultural' para viabilizar a sua inserção no meio urbano, uma vez que não tinham acesso aos mecanismos formais de orientação na cidade. As dificuldades que o migrante tinha para utilizar as 'instituições impessoais' da cidade tornavam-no muito dependente de uma rede de contatos pessoais para sua integração na sociedade urbana.

Entre os pescadores de Icoaraci, as relações de parentesco tiveram importância crucial desde o processo migratório, bem como na adaptação durante os primeiros tempos da chegada e na própria localização residencial próxima a parentes e conterrâneos. Comumente, entre esses parentes conterrâneos encontram-se seus 'parceiros' de pesca e os comerciantes para quem vendem o produto das capturas em caráter permanente ou eventual.

Esses dados corroboram uma hipótese segundo a qual a manutenção das relações tradicionais no contexto da pesca constituem mecanismos de adaptação às situações colocadas pela economia de mercado. De certo modo, esses aspectos convergem com a tese defendida por Durhan (1973), quando destaca que na ativação de laços pessoais residia a possibilidade de ajustamento de migrantes à nova ordem social em ascensão. Esse estudo tratou da migração rural-urbana que fornecia o contingente de trabalhadores para a industrialização do sudeste brasileiro.

No caso dos pescadores de Icoaraci, evidencia-se que as relações de trabalho e a comercialização efetivamse através de referenciais sociais. Mesmo morando próximo do principal mercado de peixes do estado do Pará, o Ver-o-Peso, os pescadores proprietários (que possuem instrumentos de pesca) de Icoaraci vendem parte do pescado para os marreteiros do bairro. Essa situação pode ser explicada por fatores como a reduzida capacidade produtiva devido às limitações do material com que operam: embarcações de pequeno porte e diminuta quantidade de redes, que nem sempre tornam rentável o dispêndio em combustível e gelo para o deslocamento e o tempo de espera no porto da capital e a captura de espécies menos aceitas pelo grande mercado. Mas há um outro aspecto muito importante a destacar para os fins deste trabalho, pois não raro, a escolha de vender no bairro é justificada como forma de lealdade ao marreteiro, a quem recorre em momentos de dificuldade ou, então, por se tratar de um parente, ex-pescador como ele próprio.

A situação descrita tem similitudes com a que foi analisada por Wolf (1970) em relação aos camponeses de base agrícola. Em um contexto marcado pela insegurança no controle de condições objetivas de produção, a permanência de certos laços sociais não se explica apenas por 'apego' à tradição, mas pelo fato de que essas relações podem representar estratégias e mecanismos de manter aportes nos momentos de crise. Esse autor destaca, ainda, as coalizões ou alianças entre camponeses que, de certo modo, se contrapõem à noção de indivíduos isolados, agindo unicamente pelo interesse econômico. Esses conceitos serviram de inspiração para interpretar os dados empíricos sobre a pesca artesanal em Icoaraci, na medida em que os pescadores associam-se entre si e com os pequenos marreteiros locais, pois, como mostram os estudiosos, a pesca é uma atividade cuja produção tem altos riscos em uma economia capitalista. Portanto, diante das incertezas, as redes de solidariedades têm importância crucial nas atividades produtivas.

Seria oportuno pensar no papel da Colônia de Pescadores no que diz respeito à viabilidade de acesso às fontes de créditos. Segundo a opinião da maioria dos informantes, em Icoaraci, como em outros lugares, essa instituição não vem desenvolvendo uma política voltada para o interesse da categoria, assim como não tem um acompanhamento junto aos pescadores, restringindo-se à cobrança de taxa mensal, razões pelas quais muitos deixaram de pagar a mensalidade, além do fato de apenas um número reduzido de pescadores encontrarem-se colonizados. Por outro lado, os membros da instituição não têm clareza sobre as diverssas categorias de pescadores cadastrados, os interesses divergentes e conflitos subjacentes. Num breve levantamento feito na Colônia, constatou-se uma distinção bem clara quanto aos diversos seguimentos dos pescadores em Icoaraci. Há pequenas e médias empresas atuando no processo de captura do pescado, cuja organização do trabalho tende a utilização da mão-de-obra assalariada. Outro seguimento atua com pequenas embarcações (botes), sendo formado principalmente através do sistema de 'parceria', com uso frequente da mão-de-obra familiar, e distribuindo o resultado da produção segundo o volume da produção e conforme a parte, isto é, de acordo com a propriedade que cada membro possui nos meios de produção. O interesse em apontar essas diferenças básicas entre os pescadores é pelo fato destes atuarem num espaço produtivo comum e a disputarem a captura das espécies mais valorizadas não tem sido isenta de conflitos no espaço marítimo. Dessa forma, ao agregar seguimentos de pescadores em escala produtiva e interesses diferentes, a Colônia de Pescadores vem enfrentando uma série de dificuldades quanto à legitimidade de suas ações e sua representatividade política perante os pescadores artesanais, que reclamam da falta de crédito bancário por meio da instituição e de ações específicas aos seus interesses. Frequentemente, comentam que os créditos só têm para os 'grandes' e que estes nem sempre são pescadores. Apontam como resultado dessa política o abandono de embarcações de ferro no porto, enquanto que os que precisam não têm acesso aos créditos.

A permanência dessas características suscita questionamentos quanto à pressuposição de que a migração rural-urbana e a crescente divisão do trabalho tendiam a enfraquecer a "consciência coletiva", como propusera Durkheim em seu texto clássico A Divisão do Trabalho Social. Considerandose a situação recente de pescadores em localidades litorâneas do Pará, verifica-se a manutenção de práticas sociais que se supunha do passado, características de economias tradicionais, mais fechadas. Tais práticas e relações asseguram a reprodução social dos pescadores. O aviamento fornecido pelos marreteiros corresponde a uma dessas práticas consideradas tradicionais, ainda que com modificações, conforme destacado na literatura consultada. Além disso, com frequência a concessão do crédito é também uma estratégia do comerciante para garantir a clientela e não só a busca do recurso por parte dos pescadores, sobretudo 'ajuda' nos momentos difíceis ou de baixa produção. Porém, tal assistência não anula as dificuldades que os pescadores enfrentam para vender seu produto em condições satisfatórias e nem as restrições de acesso aos mecanismos formais de crédito, 'bandeira de luta' de movimentos socias de pescadores, não somente na região, mas no país. Para a maioria dos pescadores, ter crédito, hoje, ainda significa ser capaz de se vincular a um 'patrão forte'.

Recebido: 17/09/2004

Aprovado: 09/03/2005

  • ALVES, Élio de Jesus Pantoja. 1997. Pescadores e Marreteiros de Icoaraci: um estudo sobre relações de trabalho e de troca na pesca artesanal. Monografia (Conclusão de Curso) - Universidade Federal do Pará, Belém.
  • ARAMBURU, M. 1992. Aviamento, modernidade e pós-modernidade no interior amazônico. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 25.
  • DURHAN, E. 1973. A caminho da cidade. São Paulo: Perspectiva.
  • FURTADO, L. 1987. Curralistas e redeiros de Marudá: pescadores do litoral do Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.
  • FURTADO, L. 1993. Belém: Pescadores do Rio Amazonas Museu Paraense Emílio Goeldi.
  • MANESCHY, M. C. 1993. Pescadores e curralistas do litoral do Estado do Pará: evolução e continuidade de uma pesca tradicional. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, São Paulo, n. 10, p. 53-73.
  • MANESCHY, M. C. 1995. Ajuruteua: uma comunidade pesqueira ameaçada. Belém: Universidade Federal do Pará
  • MAUÉS, R. H.; MAUÉS, M. A. 1990. Pesca e Agricultura na Amazônia: a integração de uma comunidade rural ao modo de produção capitalista. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, nova série Antropologia, Belém, n. 1. p. 29-40.
  • MELLO, A. F. 1985. A pesca sob o capital: a tecnologia a serviço da dominação. Belém: Universidade Federal do Pará
  • OLIVEIRA, A. E. 1983. Ocupação Humana na Amazônia: desenvolvimento integração e ecologia. São Paulo: Brasiliense, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
  • SANTOS, R. 1968. O equilíbrio da firma aviadora e o significado econômico-social do aviamento. Revista Pará Desenvolvimento, Belém, n. 3.
  • SANTOS, R. 1980. São História econômica da Amazônia São Paulo: Queiroz.
  • SILVEIRA, I. M. 1979. Formas de aviamento num povoado pesqueiro da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, nova série antropologia, Belém, n. 74.
  • WOLF, E. 1970. Sociedades Camponesas Rio de Janeiro: Zahar.
  • 1
    Estabelecimentos comerciais que operavam em Belém e se abasteciam de dinheiro nos bancos. Passavam mercadorias e dinheiro aos médios aviadores, que, por sua vez, repassavam aos pequenos, até chegarem ao produtor direto.
  • 2
    Na ausência de um conceito melhor elaborado, entendemos que 'patronagem' consiste numa relação social fundamentada em compromissos morais, em pactos de confiança, fidelidade e de 'ajuda' entre 'freguês' e patrão (produtor-aviador). O patrão possui obrigações morais com o freguês, que, por sua vez, se submete a uma troca comercial monopolista. Há casos em que, sendo o intermediário de baixo poder econômico, ele pode depender, circunstancialmente, do produtor no fornecimento dos produtos.
  • 3
    Trata-se de um instrumento de pesca formado por uma extensa corda na qual são presas linhas com anzóis, distribuídas de forma intervalar, aproximadamente uma braça da outra. A sua dimensão varia conforme o tamanho dos anzóis e a espécie a ser capturada. Pode ser utilizada de forma flutuante, ou fixa no fundo, através de âncoras de pedras (MANESCHY, 1995).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      09 Mar 2005
    • Recebido
      17 Set 2004
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