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Pactos territoriais e agências locais de desenvolvimento: a apropriação destes instrumentos ao território do Baixo Tocantins

Territorial pacts and local development agencies: the adaptation of these instruments to the Lower Tocantins territory

Resumos

O desenvolvimento é, antes de tudo, político e exige mecanismos para a afirmação das vontades sociais. Tais mecanismos devem estar regulados por um corpo de normas criadas para confrontar interesses contraditórios, negociar acordos, implementar ações e avaliar resultados, tudo conforme escalas espaciais diversas. O desenvolvimento fundado na deliberação social pede metodologias e técnicas, para cuja formulação os pactos territoriais e as agências locais de desenvolvimento podem proporcionar inspiração. Nos contextos da Amazônia, a aplicação das normas serve para impedir a vigência da lei da selva, onde poderes fortes subjugam populações e pequenos produtores. Além de coibir abusos, as normas e metodologias servem também à promoção de processos virtuosos, no que tange ao emprego de novas tecnologias e ao incentivo de novas relações sociais e produtivas. O desenvolvimento e o seu planejamento é, pois, um problema de compatibilização de éticas políticas, normas técnicas e metodologias de emancipação social. Não existem prescrições universalmente válidas, mas certos princípios e instrumentos da política regional européia podem inspirar novas práticas na Amazônia

Pactos territoriais europeus; Cooperação internacional; Agências locais de desenvolvimento; Território do Baixo Tocantins; Conselho gestor do PDJUS


Development is mainly a political process which asks for mechanisms to affirm social needs. These mechanisms have to be regulated by norms created to confront opposite interests, deal agreements, implement actions e valuate results, all that at different spatial levels. The development founded on social deliberation claims methodologies and technics, whose formulation the territorial pacts and the development local agencies can give inspiration for. In the contexts of Amazon, the reinforcement of norms would come to avoid the legge of the jungle, where the powerfull dominate the weaker ones. Besides refraining abuses, the norms and methodologies also serve to promote virtuous processes related to the use of new methodologies and new social and produtive relationships. The development is therefore a problem of compatibilizazion of political ethics, technical norms and methodologies of social emancipation. Does not exist universal prescriptions, but certain principles and mechanisms of the european regional politics can inspirate new pratics in Amazon

European territorial pacts; International cooperation; Local agencies of development; Territory of the Baixo Tocantins; PDJUS Management council


ARTIGOS

Pactos territoriais e agências locais de desenvolvimento: a apropriação destes instrumentos ao território do Baixo Tocantins

Territorial pacts and local development agencies: the adaptation of these instruments to the Lower Tocantins territory

Rodrigo Peixoto

Museu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Ciências Humanas. Pesquisador. Belém, Pará, Brasil (rpeixoto@unina.it)

RESUMO

O desenvolvimento é, antes de tudo, político e exige mecanismos para a afirmação das vontades sociais. Tais mecanismos devem estar regulados por um corpo de normas criadas para confrontar interesses contraditórios, negociar acordos, implementar ações e avaliar resultados, tudo conforme escalas espaciais diversas. O desenvolvimento fundado na deliberação social pede metodologias e técnicas, para cuja formulação os pactos territoriais e as agências locais de desenvolvimento podem proporcionar inspiração. Nos contextos da Amazônia, a aplicação das normas serve para impedir a vigência da lei da selva, onde poderes fortes subjugam populações e pequenos produtores. Além de coibir abusos, as normas e metodologias servem também à promoção de processos virtuosos, no que tange ao emprego de novas tecnologias e ao incentivo de novas relações sociais e produtivas. O desenvolvimento e o seu planejamento é, pois, um problema de compatibilização de éticas políticas, normas técnicas e metodologias de emancipação social. Não existem prescrições universalmente válidas, mas certos princípios e instrumentos da política regional européia podem inspirar novas práticas na Amazônia.

Palavras-chave: Pactos territoriais europeus. Cooperação internacional. Agências locais de desenvolvimento. Território do Baixo Tocantins. Conselho gestor do PDJUS.

ABSTRACT

Development is mainly a political process which asks for mechanisms to affirm social needs. These mechanisms have to be regulated by norms created to confront opposite interests, deal agreements, implement actions e valuate results, all that at different spatial levels. The development founded on social deliberation claims methodologies and technics, whose formulation the territorial pacts and the development local agencies can give inspiration for. In the contexts of Amazon, the reinforcement of norms would come to avoid the legge of the jungle, where the powerfull dominate the weaker ones. Besides refraining abuses, the norms and methodologies also serve to promote virtuous processes related to the use of new methodologies and new social and produtive relationships. The development is therefore a problem of compatibilizazion of political ethics, technical norms and methodologies of social emancipation. Does not exist universal prescriptions, but certain principles and mechanisms of the european regional politics can inspirate new pratics in Amazon.

Keywords: European territorial pacts. International cooperation. Local agencies of development. Territory of the Baixo Tocantins. PDJUS Management council.

INTRODUÇÃO

O encaminhamento de um precursor projeto de desenvolvimento no Baixo Tocantins

Certas instituições públicas que atuam na Amazônia brasileira precisam se requalificar para retomar atividades de planejamento regional, interrompidas nos anos 90 com a adoção de políticas neoliberais. Particularmente a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), cujo projeto para recriar-se na Nova Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) encontra-se no Congresso Nacional; e a Eletronorte, que tenta encaminhar planos de desenvolvimento regional requerem novos instrumentos de planejamento e gestão do desenvolvimento e consideram a requalificação tanto uma necessidade como um objetivo institucional.

É possível e necessário tornar o Estado na Amazônia permeável à pluralidade de forças que expressam a diversidade social e cultural da região, dotando-o de mecanismos que o façam eficiente como indutor de desenvolvimento pela correção das desigualdades econômico-sociais (COSTA, 2004, p. 4).

Este é um dado fundamental para a procura de novas referências, porque sem o interesse dos entes públicos, o esforço de pesquisa não iria além de um mero exercício acadêmico, essencial para o projeto1 1 Trata-se de pesquisa realizada em Nápoles, Itália, patrocinada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), que concedeu uma bolsa de estudos de pós-doutorado ao autor para desenvolver o projeto "O plano de desenvolvimento sustentável da microrregião da UHE Tucurui: Leitura crítica da proposta, o problema da participação popular e a experiência européia de planejamento territorial negociado". , que pretende resultados práticos.

Todavia, para alcançar esses resultados, os interesses das entidades públicas precisam ser transformados em ações institucionais, de modo a dar caráter de programa de trabalho ao processo de adoção de novas referências de política regional. Assim, com o propósito de pesquisar novos instrumentos de desenvolvimento, são considerados a cooperação internacional, os seminários e os acordos de colaboração realizados nesse âmbito. De fato, para envolver um conjunto de entidades públicas italianas e brasileiras e dar um sentido prático ao projeto, depois de uma primeira mesa redonda realizada em novembro de 2003 com o patrocínio da Província de Nápoles, organizou-se um outro seminário em Belém, também na sede da ADA, em junho de 2004. Naquela ocasião, firmou-se um acordo de cooperação entre a ADA e a Città del Fare, uma agência de desenvolvimento que congrega nove municípios próximos a Nápoles. O acordo, subscrito também por outras instituições na qualidade de patrocinadoras e promotoras, entre as quais a Universidade de Nápoles, a Região Campania e a Eletronorte, prevê um percurso de colaboração cujos objetivos são: considerar o problema de desenvolvimento que a Amazônia enfrenta e promover a experimentação de instrumentos e metodologias de ação para praticar formas de desenvolvimento territorial sustentáveis, participativas e inclusivas.

Ademais, os procedimentos iniciais para a adaptação de uma espécie de pacto territorial e de um tipo de agência de desenvolvimento no Baixo Tocantins, que se pretende como um território formado por nove municípios2 2 Além dos cinco municípios inicialmente previstos no PDJUS - Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru e Mocajuba - também os municípios de Abaetetuba, Barcarena, Moju e Oeiras do Pará reivindicam participação nos planos de desenvolvimento da Eletronorte. , vão além do co-envolvimento formal das instituições públicas. A realização de uma experiência piloto naquele território exige discutir o significado destas inovações com as entidades representativas da população local. No caso da área a jusante da Usina Hidrelétrica (UHE) Tucuruí, o Conselho Gestor do Plano Popular de Desenvolvimento a Jusante da Usina Hidroelétrica de Tucuruí (PPDJUS) é um fórum adequado para isso, uma vez que dele fazem parte uma o Consórcio de Desenvolvimento Sócio-Econômico Intermunicipal do Baixo Tocantins (Codesei, uma associação de municípios), movimentos sociais, representações sindicais, associações de pescadores, universidades e centros de pesquisa, a própria Eletronorte e outros entes públicos, como a ADA, o Banco da Amazônia e, ao menos teoricamente, o Governo do estado do Pará.

Embora faltem representantes do setor empresarial no Conselho Gestor do plano, particularmente da Alumínio Brasileiro S.A. (Albrás), e ainda que os que dele participam já o façam com certo desalento, porque, depois de um ano e meio de discussões, ainda não se alcançou qualquer resultado concreto, a constituição deste conjunto representa uma conquista.

A história do Conselho Gestor começa em um seminário de grande participação popular realizado em Tucuruí em abril de 2003 e passa por outro seminário, também muito concorrido, realizado pouco depois em Cametá. Se os objetivos do desenvolvimento e os meios para alcançá-los precisam ser definidos pelos coletivos que representam a população diretamente interessada, então essa história tem um significado. O Conselho Gestor precisa ser valorizado e aperfeiçoado nas suas atribuições de deliberar sobre o desenvolvimento local. Assim, para debater novas soluções de desenvolvimento, como o pacto e a agência, está previsto um amplo encontro com o Conselho Gestor do plano. Espera-se que seja este um momento de grande impulso prático aos objetivos do projeto.

Antecipando um pouco os termos desse debate, procura-se aqui argumentar como as referências européias e a cooperação internacional podem contribuir para a definição de um novo instrumental teórico e técnico ao desenvolvimento da Amazônia. As possibilidades de desenvolvimento no Brasil e, ainda mais na Amazônia, são diversas das européias. À Amazônia não se pode negar a condição de periferia de uma nação em desenvolvimento. Inserida em uma hierarquia global que divide espacialmente a produção e a apropriação da riqueza, não se deve exagerar a capacidade endógena da região no que tange à promoção do seu desenvolvimento. Sob os constrangimentos da divisão internacional da produção, as assim chamadas políticas regionais priorizam o atendimento dos centros dinâmicos nacionais e internacionais em detrimento dos interesses propriamente regionais. Assim, incrustado entre duas grandes empresas cujas produções voltam-se ao exterior, de um lado uma hidrelétrica e de outro uma fábrica de alumínio, questionam-se quais são as possibilidades do humilde território do Baixo Tocantins. Na realidade, este local não pode tanto, não obstante os planos tradicionais façam alusão a grandes números e resultados, conforme a usual grandiloqüência dos discursos. Em vista das circunstâncias, precisaria haver um grande empenho político para financiar o desenvolvimento de acordo com o princípio da coesão social, que concentra investimentos nas áreas mais atrasadas, e conforme critérios que privilegiem decisões centradas no interesse local e tomadas a partir da base social.

No entanto, há de se esperar um certo compromisso do Governo Federal para com a renovação do elenco das políticas regionais no Brasil. Nesse caso, além de recursos financeiros e institucionais, o desenvolvimento pediria princípios e instrumentos adequados ao enfrentamento de uma situação de atraso, não apenas econômico e social, mas também político3 3 O desenvolvimento político está na raiz da proposta de uma nova Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, que "deverá promover a democratização do processo decisório que formata a intervenção desenvolvimentista do Governo Federal na Amazônia. Para tanto, deverá conter mecanismos para uma incorporação 'dinâmica' e 'qualificada' de demandas dos atores sociais coletivos, através das representações de grupos relevantes... Deverá fazer uma 'incorporação dinâmica' das demandas sociais por mecanismos que considerem as dimensões de tempo e lugar do desenvolvimento" (COSTA, 2004, p. 5). . Assim, buscando realizar uma experiência inovadora de pacto territorial na Amazônia, tomou-se a área a jusante da represa de Tucuruí, onde se procura dar forma e substância a um plano popular de desenvolvimento, o PPDJUS. A expectativa é de que se possa sensibilizar e mobilizar pessoas e instituições sobre a validade de tal projeto naquela área e, a partir desta experiência, introduzir procedimentos inovadores também em outros territórios da região. Esse artigo segue nessa direção e, confrontando com algumas das idéias e considerações contidas em textos enviados a mim para a publicação de um volume de artigos, conforme previa aquele seminário de junho de 2004, discute três questões relacionadas a um novo modo de planejar o desenvolvimento regional quais sejam: a necessidade de individualizar territórios no vasto espaço amazônico; a adaptação do pacto territorial como instrumento de desenvolvimento; e o emprego das agências locais para administrar o processo.

Uma primeira necessidade é a adoção do território como unidade de planejamento

Há duas questões importantes a uma nova abordagem do desenvolvimento da Amazônia: uma refere-se ao problema das escalas e medidas, que concerne ao conceito de território; outra diz respeito à gestão dos vários interesses divergentes no âmbito dos diversos territórios. Uma leitura atenta da Amazônia mostrará que os problemas ambientais, antropológicos, sociais e econômicos, difusos nos seus 5 milhões de km², apresentam-se diversamente, segundo as características das suas diferentes áreas4 4 A Amazônia, como floresta tropical úmida densa e não densa, abrange oito países da América do Sul, concentrando 60% da sua área (cerca de 3,7 milhões de km 2) no Brasil. Por sua vez, o conceito político de Amazônia Legal, definido, para efeito de planejamento e desenvolvimento regional, pelas leis 1.806, de 6 de janeiro de 1953 e 5.173, de 27 de outubro de 1966, e pelo artigo 45 da Lei complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977, delimita uma superfície de 5.035.747,80 km 2 (61,2% do Território Nacional), incluindo cerrados e campos, em Roraima, Pará e Amapá. A chamada Amazônia Legal brasileira inclui os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e oeste do Maranhão ( www.ambientebrasil.com.br e www.amazonialegal.com.br). . Coexistem várias Amazônias e precisam ser distinguidas em territórios específicos, a fim de elaborar-se diagnósticos e soluções peculiares a cada um. Significa que, em vez de uma multidão de esforços locais desconectados ou uma única política regional, como tradicionalmente é feito para toda a região Norte, há necessidade de se praticar várias políticas territoriais, conforme as necessidades e potencialidades localizadas em cada território, uma escala intermediária que abrange várias localidades e é contida num âmbito regional mais amplo. Uma interpretação mais acurada da Amazônia, ou do estado do Pará (1,25 milhão km²), depende de uma nova organização espacial, de modo que em cada território seja possível realizar uma leitura específica, uma avaliação particular das possibilidades, um distinto plano, um exclusivo processo negociado das escolhas de desenvolvimento e um programa de investimento adaptado àquela realidade territorial única5 5 Brandão (2004), em artigo sobre "Novas escalas e dimensões para o desenvolvimento regional e urbano no Brasil", critica as "visões que colocam toda a ênfase de suas análises em um única escala espacial" e indaga sobre "alternativas metodológicas e de políticas de desenvolvimento que possam apreender, de maneira mais aperfeiçoada possível, a complexidade escalar inerente aos problemas sociais e da dinâmica regional e urbana, destacando a situação histórica periférica e subdesenvolvida, como a brasileira". Destaca que a "literatura corrente tende a analisar apenas as duas extremidades escalares, afirmando que o leitmovit, a substância e o comando de todos os processos sociais se encontrariam agora crescentemente apenas nas polaridades: ou o local ou o global". E defende a interação de "estratégias multiescalares": "É fundamental encontrar a escala adequada que defina determinado campo onde a decisão deve ser tomada. É preciso encontrar a escala de observação adequada para a observação dos fenômenos sobre os quais se deseja intervir. A escala deve ser vista como um recorte para a apreensão das determinações e condicionantes dos fenômenos sociais". .

A Amazônia é heterogênea - as áreas a montante e a jusante da UHE Tucuruí, por exemplo, são diferentes em vários aspectos - mas a sua diversidade não foi ainda individualizada em territórios, espaços de potencialidades, interesses, conflitos e eventualmente acordos entre as partes sociais, em função de uma política de desenvolvimento. Para tanto, a experiência de desenvolvimento territorial das regiões meridionais italianas pode servir de referência a uma nova concepção de planejamento para a Amazônia. Esta premissa é respaldada por meio de semelhanças político-culturais e econômicas que as duas áreas periféricas apresentam, mas um confronto entre o Mezzogiorno e a Amazônia, capaz de detalhar traços comuns, como a pobreza e o clientelismo político, não será estabelecido nesta abordagem sucinta, cujo objetivo é discutir a validade de um modelo de interação social para o desenvolvimento de um dado território qual é o pacto territorial. Além deste instrumento, que regula um sistema para negociar acordos sociais na realização de investimentos, a política territorial européia incorpora princípios tão importantes que, se adotados, inverteriam a direção recente do planejamento regional no Brasil. Entre estes princípios está o da coesão econômica e social, que prevê a redução da desigualdade das várias regiões por meio de ações específicas naquelas mais atrasadas, com atenção especial às áreas rurais. Na Europa, é justamente o princípio da coesão que introduz a abordagem orientada ao território, que, por sua vez, procura concentrar recursos em objetivos territoriais considerados, ao invés de setorialmente, de forma integrada (DE FILIPPIS; STORTI [19_ _?]).

Portanto, antes de tudo, no heterogêneo contexto de fronteira que caracteriza a Amazônia e no vasto estado do Pará, onde os grandes projetos continuam a criar contrastes sociais, existe a necessidade de identificar territórios para neles promover mudanças nas relações produtivas. A isto serve um tipo de desenvolvimento e certas tecnologias voltadas ao reforço do associativismo e da capacidade dos grupos de produtores organizarem-se para exercitar um maior controle sobre suas vidas e agregar um maior valor aos seus produtos. É preciso, então, planejar o microdesenvolvimento e o seu funcionamento no território, considerando as pessoas de carne e osso, assim como os meios de que elas dispõem. No Baixo Tocantins ou em outros territórios, isto só se realiza com os grupos de produtores assumindo o poder de planejar o desenvolvimento do seu próprio território, o que supõe a existência de recursos técnicos e financeiros, assim como o acesso dos representantes destes grupos às esferas de decisão. É por isso que a natureza do desenvolvimento é política.

O desenvolvimento diz respeito à vida social das pessoas no contexto de um território, que precisa ser devidamente interpretado nas suas necessidades e possibilidades. O Baixo Tocantins, como todo o resto da Amazônia, caracteriza-se pelo rápido crescimento dos seus centros urbanos, e, não obstante, continua a ser um território essencialmente rural. Os seus centros urbanos são, na realidade, cidades rurais, ligadas social e economicamente aos seus entornos agrícolas, fluviais e florestais. Portanto, o desenvolvimento do território depende de relações produtivas que integrem estes ambientes. Disso pode derivar uma estratégia eficaz de desenvolvimento territorial que inclua a industrialização dos produtos primários através da difusão de pequenas indústrias, realizando uma produção de qualidade em condições de acrescentar valor a partir de uma marca de identidade territorial, seja este o peixe filetado do Tocantins, o carnaval de Cametá, o corante natural de Mojú, o artesanato e as frutas tropicais de Igarapé-Miri ou a artesania naval e a cachaça envelhecida de Abaetetuba. São alguns os percursos já iniciados na direção de produções típicas e, por isso, o desenvolvimento é também uma questão de técnicas produtivas voltadas à afirmação de identidades latentes. Não é simples realizar uma produção de qualidade com a marca do território, pois há demanda de tempo e investimentos, mas, enquanto se inventa na prática este território-projeto, constrói-se cidadania e criamse novas instituições sociais, resultados não-palpáveis, entretanto não menos importantes.

O território - escala intermediária entre o estado e o município e menor que aquela usualmente adotada pelos órgãos responsáveis pelo planejamento regional - e toda a história e identidade que lhe dão substância são os recursos fundamentais para deslanchar o desenvolvimento. O Baixo Tocantins, face ao PPDJUS, procura se afirmar como um território na amplitude de nove municípios, e não apenas dos cinco municípios inicialmente previstos pelo PDJUS (Plano de Desenvolvimento da Área a Jusante da UHE Tucuruí), sem o P de popular. No importante seminário de abril de 2003, realizado em Tucuruí, lideranças sociais dos quatro outros municípios então excluídos reivindicaram participação. Naquela oportunidade, a Eletronorte firmou um manifesto que, entre outras considerações, demandava um plano de desenvolvimento elaborado conforme as necessidades da população. De lá pra cá, outros encontros e várias reuniões ocorreram e, de prático, o plano ganhou um representativo Conselho Gestor, que incorpora representantes do território do Baixo Tocantins na plenitude dos nove municípios. Prefeituras, câmaras de vereadores, sindicatos, associações de produtores, movimentos sociais e instituições públicas, quase todos estão representados. O Conselho Gestor funciona como um embrião de um pacto territorial e significa um princípio de sistematização de uma grande mesa de negociação. Contudo, a este ponto, um ano e meio depois daquele marco inicial de Tucuruí, algo substancial precisa acontecer para manter nos participantes a confiança de que tudo isso produzirá resultados concretos.

O território do Baixo Tocantins

As características mais evidentes do Baixo Tocantins são a baixa densidade demográfica, com a média de 17,4 hab/km² (embora com grandes diferenças entre os municípios, visto que Abaetetuba apresenta o índice de 74,1 hab/km², enquanto Mojú 5,5 hab/km²), e o baixo grau de urbanização, com a maioria da população habitando áreas rurais (também com substanciais diferenças entre os municípios). O caráter eminentemente rural do Baixo Tocantins é ainda mais marcante do que aquele que evidenciamos pelos dados, porque as sedes municipais são, na realidade, cidades rurais. À exceção de Barcarena, onde funciona a fábrica de alumínio da Albrás, em todos os outros municípios as principais atividades produtivas e a vida da cidade relacionam-se aos entornos agrícolas e florestais, mas não de uma maneira realmente integrada, porque muito dos gêneros alimentícios de primeira necessidade vendidos no comércio local vêm de fora. Por isso, o que precisa ser reforçado, através de políticas de desenvolvimento rural adequada, é a integração social e econômica entre os ambientes propriamente rurais e aqueles considerados urbanos, para o que mercados e feiras bem estruturados e pequenas indústrias de beneficiamento de produtos primários poderiam contribuir.

Uma outra característica importante do Baixo Tocantins, dado que repercutiu gravemente no problema sanitário, é o reduzido percentual de domicílios servidos de água proveniente da rede pública, correspondentes há cerca de um terço do total. Isso significa que uma grande parte da população resolve esta necessidade fundamental perfurando no quintal da casa cisternas pouco profundas, cuja água é freqüentemente contaminada pelas chamadas fossas assépticas que se encontram a poucos metros de distância. Como não existe um sistema público de esgoto sanitário, toda a água utilizada nos domicílios é jogada nas fossas vizinhas às cisternas, em um solo arenoso muito permeável, provocando a contaminação. O resultado é que a população sofre de uma série de doenças crônicas veiculadas pela água. Dado que a implantação de uma infra-estrutura sanitária abrangente nos centros urbanos depende de investimentos demasiadamente altos para a pequena capacidade financeira dos municípios, a solução deste problema pode ser encaminhada apenas mediante um programa de saneamento movido por fundos extramunicipais. Na esfera do Governo Federal, existem programas de saneamento urbano para pequenos e médios centros urbanos, que, além de melhorar o problema sanitário, dependendo da forma como são implementados, podem também proporcionar melhorias nos níveis de emprego e renda das localidades atendidas. Contudo, os municípios não têm meios para elaborar os projetos técnicos exigidos e, então, captar tais recursos. No âmbito do território, a constituição de uma espécie de oficina de projetos poderia resolver essa carência.

Ademais, a realidade de uma população sujeita a doenças infecciosas é um dos problemas mais dramáticos da Amazônia, refletido sobre a taxa de mortalidade infantil, a expectativa de vida e, inclusive, a política local. Como a doença é um problema central na vida do povo, em um contexto de relações paternalistas, todos aqueles que têm relação com o sistema de saúde, deparam-se com um campo político, sejam eles médicos, farmacêuticos ou mesmo intermediários em condições de obter aos mais necessitados uma senha de atendimento em um centro de saúde. Tanto isso é verdade que impressiona o grande número de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores lançados em uma carreira política a partir de uma origem profissional de uma maneira ou outra relacionada à saúde. Assim, cruzam-se aqui dois problemas: aquele sanitário e este de uma política local fundamentada na exploração das necessidades da população carente, e ambos devem interessar a um planejamento do desenvolvimento que não considere apenas o objetivo de dotar o território de infraestruturas produtivas, mas também a evolução das práticas políticas e a melhoria geral das condições de vida da população.

Com exceção do município de Barcarena, em razão do alumínio e do porto, a economia do território é essencialmente agrícola e florestal, apresentando um baixo grau de integração da cadeia produtiva. Não existem atividades industriais que acrescentem valor a uma economia primária baseada na produção de frutas, na criação de gado ou em uma agricultura primitiva que não responde nem mesmo pelo suprimento local. A utilização das existentes associações de produtores para a implantação de pequenas unidades de industrialização da produção primária, procurando atribuir aos produtos locais uma marca de qualidade e identidade em condições de ser reconhecida no mercado, dependeria de um esforço de formação profissional contextualizada à cultura local. A industrialização do pescado poderia vir a ser uma atividade central no território, de acordo com a tradição nativa e o recurso de um grande rio, como o Tocantins. Todavia, os pescadores argumentam que o barramento do rio para a construção da hidrelétrica provocou a diminuição da variedade e quantidade dos peixes a jusante e reclamam uma compensação. Justamente por causa destas reclamações e de análises técnicas realizadas que comprovaram os danos à pesca causados pela barragem, a Eletronorte decidiu contratar um plano de desenvolvimento (PDJUS) para a área do Baixo Tocantins, que, no entanto, contemplou apenas 5 municípios (Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajurú e Mocajuba), e não os 9 municípios, como posteriormente reivindicaram os prefeitos e os movimentos sociais. Assim, da barragem à foz do rio, o Baixo Tocantins, na sua plenitude, é um território cujas características gerais estão dispostas na Tabela 1, que permite algumas ilações quando analisadas. A primeira delas é que, mesmo apresentando uma taxa de crescimento demográfico mais alta que a do Brasil, o Baixo Tocantins cresceu mais lentamente que o conjunto da região Norte e muito menos que a área vizinha, a montante da hidrelétrica de Tucuruí (Breu Branco, Goianésia, Ipixuna, Itupiranga, Jacundá, Novo Repartimento e Tucuruí), que viu sua população crescer 50% no período de dez anos. Esta diferença explica-se pelo fato de, além do isolamento rodoviário que prejudica o Baixo Tocantins, não existirem atividades econômicas capazes de atrair outros investimentos e criar postos de trabalho, enquanto no território a montante da barragem experimenta uma situação oposta, uma vez que é relativamente bem servido de estradas e encontra-se em uma zona dinâmica, nas proximidades de grandes projetos. A construção e a operação da hidrelétrica de Tucuruí representou um fator de dinamismo para a área a montante e, ao contrário, um problema para o território a jusante, dado que a obra atraiu a população jovem àquela área que oferecia oportunidades de trabalho. Tanto isso é verdade que, no decênio 1980/90, durante o auge dos trabalhos em Tucuruí, verificaram-se importantes reduções na renda dos municípios a jusante da hidrelétrica. Com exceção de Mocajuba, os municípios considerados na Tabela 2 mostram uma grave ausência de dinamismo econômico, uma estagnação que caracteriza um território esquecido.

Importante ainda considerar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o qual coloca o Baixo Tocantins em situação pior que a região Norte, que, por sua vez, apresenta um índice abaixo da média brasileira. Vale dizer que o território que nos interessa é muito atrasado em termos de renda per capita, expectativa de vida e níveis de educação, elementos que compõem o IDH. A pequena melhoria nos dez anos considerados deveu-se ao fator educação, já que, como em todo o país, também no Baixo Tocantins, o número de matrículas nos níveis mais fundamentais experimentou certo incremento. Portanto, a condição de um território frágil dentro de uma região atrasada justifica um empenho decidido do estado, no sentido de reduzir a pobreza e encaminhar um processo de desenvolvimento social, econômico e político. Uma discussão sobre o pacto territorial como um instrumento útil a este fim é o tema que o próximo tópico introduz.

As lições dos pactos territoriais europeus

Para que a experiência européia e particularmente a da Itália meridional possam servir de referência internacional, é preciso observá-las com espírito crítico, para delas extrair lições aproveitáveis, inclusive a partir dos erros e insuficiências. A partir da pesquisa bibliográfica; da observação empírica (no caso italiano), e de um relatório recente contratado pela Comissão Européia para avaliar os pactos europeus como instrumento de desenvolvimento, este tópico apresenta uma síntese do que é e do que propõe um pacto territorial.

Na Itália, o financiamento dos pactos territoriais iniciou-se como um novo instrumento de desenvolvimento na primeira metade dos anos 90, primeiro no Mezzogiorno e depois também em outras áreas do país. De maneira concisa, o pacto territorial pode ser definido como uma forma de financiamento público pela qual o Estado induz sujeitos locais a se colocarem em torno de uma mesa de negociação para decidirem o que fazer no território que lhes concerne para, a seguir, também sob forma de co-financiamento, darem vida a iniciativas produtivas. Portanto, a filosofia do pacto é caracterizada por um impulso central que fornece o financiamento para a fase de negociação, a qual é seguida pela aprovação pública das iniciativas e pelo co-financiamento das mesmas; e a concentração entre os segmentos sociais do território, que significa uma nova atitude política para o confronto de interesses, a efetivação de trocas horizontais e, em última análise, para o estabelecimento de colaborações (STAME, 2001).

As políticas territoriais vigentes na Itália há dez anos - através de uma série de instrumentos, entre os quais os pactos territoriais e as agências locais de desenvolvimento - procuram superar os limites do chamado 'intervento extraordinário', política caracterizada por um centralismo administrativo que propunha o desenvolvimento das regiões atrasadas do Sul exclusivamente mediante pesados investimentos de capital, assim como se fez na Amazônia. Hoje reconhece-se que os aspectos institucionais, políticos e socioculturais incidem sobre o atraso do Sul e propõe-se o desenvolvimento desde as bases da sociedade, dal basso, como eles dizem. Contra a centralização e o economicismo que então vigia, a nova política representou uma mudança importante. Graças à chamada harmonização territorial - que interage o público, entendido como os sistemas administrativos locais, o privado, ou seja, as empresas e a sociedade civil, que reúne organizações sociais e associações diversas que representam os interesses da população - a estrutura produtiva das regiões meridionais adquiriu certa especialização, integração e consistência, assim como as administrações locais e os serviços tornaram-se relativamente mais eficientes. Particularmente, um artesanato associado ao turismo, que procura afirmar identidades territoriais a produções típicas, como a cerâmica, o vinho, o azeite de oliva e toda uma grande variedade de produtos gastronômicos, ganha terreno.

Não obstante, nem tudo na chamada programmazione negoziata pode ser considerado como bom exemplo. Não se cogita retornar ao passado, mas compreende-se que, a despeito dos sucessos obtidos, os resultados ainda são modestos. O Mezzogiorno vive uma difícil situação de desemprego para a qual não se encontram soluções. E disso, em parte, deriva uma criminalidade extremamente capilarizada. E não é rara a instrumentalização das ferramentas e dos seus recursos financeiros para uma indevida capitalização de empresas, quando eles deveriam ser utilizados para todo o conjunto social. Ademais, os pactos não parecem ter criado na população um real interesse pela política, que continua a ser matéria exclusiva de uma elite ilustrada. Ou seja, não se logrou criar capital social, sendo este um argumento central em todos os discursos sobre desenvolvimento territorial. Não obstante estes problemas, tudo o que se quer ali é andar para frente. Mobilizando recursos do território e financiamentos externos, do Estado e da União Européia, segundo um conjunto de regras, o desenvolvimento territorial é adotado como uma experiência e um percurso para transformar situações reais a partir do envolvimento das forças locais, e isso tem um significado importante. Mas é verdade, como uma experiência em evolução, dever-se-ia cuidar para facilitar o acesso e a influência dos interesses populares nos pactos, que, no entanto, criados no governo Prodi, operam hoje na Itália de Berlusconi. Ou seja, as políticas nacionais afetam o instrumento de desenvolvimento local.

Na Itália, a programação negociada e, particularmente, o pacto territorial foram recebidos com grande entusiasmo,

como resultado da mobilização dos novos atores sociais e políticos emersos no cenário meridional depois do fim do intervento extraordinário e a queda do sistema precedente. Centenas de prefeitos, de administradores locais, de sindicalistas, de funcionários públicos e de empresários se encontraram no instrumento do pacto territorial (SALES, 2003).

Hoje, passado o entusiasmo inicial, uma avaliação mais ponderada pode ser feita. Alguns pactos, mas não a maioria, foram claramente bem sucedidos nos objetivos de promover investimentos públicos e privados e criar emprego no âmbito dos seus territórios, a partir do estabelecimento de amplas parcerias e interações institucionais. Um exemplo é o pacto territorial para a geração de emprego (patto territoriale per l'occupazione) para a área a nordeste de Nápoles, que depois, em razão do seu sucesso - em grande medida atribuído a qualidades de liderança e coordenação - transformou-se na agência local de desenvolvimento Città del Fare, partícipe do acordo de colaboração com a Agência de Desenvolvimento da Amazônia mencionado acima.

No entanto, as circunstâncias políticas atuais da Itália deixam patente que o pacto é apenas um instrumento e não pode representar uma panacéia em condições de resolver todos os problemas do desenvolvimento e das necessárias mudanças institucionais de um dado território, em um contexto nacional adverso. Associadas ao pacto, as regiões pobres necessitam de outras políticas. Ademais, como um instrumento que é, o pacto pode e efetivamente vem sendo utilizado como um simples envólucro formal para projetos formulados em velhos esquemas de relações de favorecimento a 'amigos dos amigos', reunidos sob a forma aparente de novos processos de interação social e econômica. Isto é, o contexto político e institucional diz muito a respeito das possibilidades do pacto territorial como instrumento de desenvolvimento. Portanto, a eficácia do pacto territorial como instrumento de desenvolvimento depende de um conjunto de condições, duas das quais, o macro contexto em que ele se insere e a qualidade da sua coordenação, acabou-se de exemplificar acima.

Entretanto, existem outras condições e circunstâncias. Um estudo aprofundado dos fatores que influenciam o sucesso de um pacto territorial veio detalhado em um denso relatório encomendado pela Comissão Européia, que pormenoriza considerações acerca de questões, como contextos local e nacional, administração e liderança, tamanho do pacto, capacidade de atrair recursos, capacidade de inovação, amplitude das parcerias, participação popular, direcionamento estratégico e integração de políticas, nível de expectativas confrontado com a disponibilidade de meios, enfim, todo um complexo de fatores que devem ser controlados para garantir a eficácia do instrumento, o qual, nesse caso, foi avaliado em termos do que propunha o programa que os lançou, nos início dos anos 90, nos então 15 países que compunham a União Européia, ou seja, a efetividade na geração de emprego, a sua característica de política formulada de baixo para cima (bottom up), a extensão e a qualidade das parcerias envolvidas, a integração das estratégias adotadas e, finalmente, o seu caráter inovador quanto às soluções empregadas. Este relatório, aqui sumarizado muito sinteticamente, considerou dados de 89 Territorial Employment Pacts (TEPs), contemplando uma ampla variedade de contextos, cobrindo populações de 16.000 a 3.000.000 habitantes, TEPs que reuniram de 5 a 105 parceiros. Destes 89 TEPs, 30 foram tomados como estudos de caso e analisados detalhadamente. Em relação aos objetivos propostos, não apenas no que tange à criação direta de empregos, mas principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de modelos cooperativos para o desenvolvimento de novos projetos, 39 realizaram-se plenamente, 36 apenas parcialmente e 14 simplesmente não alcançaram efetividade.

Assim, de acordo com seus objetivos, o deslanche do programa na União Européia partiu com a seleção das 89 áreas onde as parcerias deveriam ser estabelecidas e com a nomeação, em cada área, de um coordenador, com a atribuição de desenvolver um plano integrado de ação para a promoção do emprego. Portanto, um Plano de Ação foi solicitado em cada caso. Este plano deveria delinear as necessidades do território a que o pacto referia-se, as prioridades estratégicas e as ações específicas para concretizá-las, estabelecendo, dessa forma, os objetivos e as metas a serem alcançados pelo pacto. O plano de ação era o documento estratégico com o qual os parceiros deveriam se comprometer e deveria conter propostas para a mobilização de recursos de uma variedade de fontes públicas e privadas, além dos Fundos Estruturais Europeus6 6 Os planos de ação foram submetidos à Comissão Européia no início do programa e a liberação de recursos dependia da sua aprovação, o que, em alguns casos, envolveu uma intensa negociação entre o Pacto e a Comissão (ECOTEC..., 2002). Os planos de ação deveriam, ainda, conter metas e indicadores através dos quais a realização dos seus objetivos pudesse ser avaliada. Inicialmente, cada pacto recebeu da Comissão Européia fundos no valor de até 300.000 euros a título de assistência técnica, recurso suficiente para o estabelecimento do pacto que deveria, no entanto, ser capaz de levantar posteriormente recursos adicionais de fontes como os Fundos Estruturais. .

Uma das primeiras coisas a dizer sobre os pactos europeus, chamados Territorial Employment Pacts (TEPs), isto é, pactos territoriais para a geração de emprego, é que eles foram criados para confrontar o desemprego, mas, em muitos lugares, o Mezzogiorno, inclusive, ainda é o problema do dia na Europa. Os pactos são, pois, produto de um contexto específico em um período histórico determinado. Ao longo do tempo, contudo, o seu valor foi identificando-se como instrumento canalizador de idéias de todo tipo para o processo de desenvolvimento (ECOTEC..., 2002). Talvez seja essa propriedade de indutor de mudanças e de novos processos a mais interessante propriedade a considerar para uma adaptação do instrumento às realidades da Amazônia. Nesse caso, a análise do contexto - a leitura do território e das possibilidades de apoios técnicos e financeiros - e a integração de estratégias para equilibrar objetivos e meios são procedimentos fundamentais para o estabelecimento e a efetividade de um pacto territorial. Esta é uma lição dos pactos: é preciso não pretender resultados maiores do que aqueles que os meios permitem, inclusive para não criar expectativas demasiadas, que depois pesarão de forma contrária na avaliação do instrumento. Portanto, realismo é uma atitude importante no estabelecimento das metas. Não faz sentido um pacto pretender criar um grande número de postos de trabalho e reduzir substancialmente taxas de desemprego quando os recursos e o tempo para tanto são escassos. E de resto, nenhum pacto poderia esperar, por si mesmo, realizar um impacto dramático sobre uma questão tão estrutural como o mercado de trabalho. Isso não implica que o pacto não deva aliviar tais condições, mas que o seu efeito pode não ser suficiente para reverter os profundos impactos de um ciclo econômico sobre o mercado de trabalho, o que tem a ver com o contexto macroeconômico no qual o pacto opera e não com o seu fracasso.

Ainda quanto à questão do contexto, os pactos europeus mostraram que, onde já existia uma grande quantidade de agentes operando em sistema de parceria, os pactos tinham pouco a oferecer em termos de construção de novas instituições, entendidas estas no sentido de práticas e comportamentos sociais e coletivos. Os pactos podem representar um instrumento importante justamente onde falta uma tradição de cooperação objetivada a resolução de problemas comuns. Ou seja, com outras variáveis macroeconômicas e externas permanecendo constantes, o contexto mais favorável para a efetividade de um pacto para a geração de emprego foi aquele de um espaço não congestionado por outras políticas e instrumentos análogos. Daqui, a conclusão que se tira é a de que, desde que haja um construtivo apoio de uma autoridade superior, muito pode ser alcançado em um ambiente relativamente vazio em termos de políticas conduzidas de modo interativo. Portanto, ressaltase, nesse caso, a importância de uma instituição líder na condução do processo.

Uma boa e estável liderança é um fator importante também quando associada à competência de um indivíduo ou de um grupo capaz de bem administrar o pacto. A fraqueza de alguns TEPs foi atribuída à inexperiência do grupo que o administrou. Mesmo nas condições mais favoráveis, um pacto pode apresentar um desempenho medíocre se sua organização e administração não estiverem à altura da tarefa e, inversamente, uma administração competente pode lograr bons resultados mesmo onde o pacto enfrenta problemas externos e de contexto. O relatório encomendado pela Comissão Européia enfatiza que boa administração foi muitas vezes associada à competência de um indivíduo chave:

o sucesso do pacto depende da personalidade do coordenador da parceria, um verdadeiro líder que executa os monitoramentos e promove o progresso do pacto. (ECOTEC..., 2002).

O pacto precisa ter uma escala espacial adequada para ter bem definido o seu foco e as suas parcerias. Os resultados estratégicos que o pacto persegue devem estar consensuados entre os parceiros que dele participam e disso deriva que pactos muito grandes, reunindo um grande número de parceiros, suscitam rivalidades e encontram dificuldades nesse aspecto. Objetivos limitados, mas focados de forma altamente concentrada em uma escala espacial situada entre o município e a região, constituiria a medida ideal de um pacto, que, qualquer seja o seu tamanho, precisa ter os seus objetivos estratégicos consensuados pelos seus parceiros e apoiados pelo governo central e instituições líderes7 7 Desse apoio dependeu também a capacidade do pacto atrair outros recursos além do montante concedido pela Comissão Européia a título de assistência técnica. A lógica dos TEPs envolveu a construção e a formalização de parcerias capazes de reunir atores com o potencial de efetuar um certo impacto sobre o mercado de trabalho na área abrangida. Nesse aspecto, os pactos mais inovadores surpreenderam ao incorporar na parceria a participação de organizações pouco usuais a esse tipo de mobilização, que vieram a contribuir de modo significativo para a elaboração, consensualização e execução das ações previstas no plano. . Igualmente inerente à lógica do pacto, é a integração quanto à estratégia de desenvolvimento. No caso dos TEPs isso significou não apenas dar aos desempregados novas qualificações, mas assegurar que essas refletissem de fato as necessidades da economia local.

Ainda relacionado à qualidade de instrumento inovador, atribuída aos pactos desde a sua concepção e, de modo geral, confirmada na prática, esperava-se deles o estabelecimento de parcerias desde a base social (bottom-up partnerships). A idéia era encorajar iniciativas e esquemas para enfrentar o desemprego a partir da mobilização popular, porque assim acreditava-se ser possível favorecer o aparecimento de soluções criativas, com maiores chances de sucesso. O caráter realmente popular do TEP dependeu muito da composição da parceria, dos interesses representados pelos seus membros e da medida em que estes possuíam legitimidade social. Não se esperava que os pactos interagissem diretamente com as comunidades locais. Em vez disso, uma genuína parceria popular foi considerada aquela que engajasse autênticos representantes dos interesses das coletividades locais. Isso permitiria recolher uma riqueza de conhecimentos que favoreceria a formulação e a implementação de projetos e iniciativas apropriadas à configuração do mercado de trabalho na área (ECOTEC..., 2002). Acima de tudo, o envolvimento e influência destes representantes deveria ser real, isto é, sua presença deveria ser muito mais do que meramente simbólica. Vale acrescentar que duas formas de bottom-up partnerships foram consideradas na avaliação dos pactos. Uma que envolvia a perspectiva popular no planejamento das ações estratégicas; outra que tomava esta perspectiva apenas às ações mais operacionais. A adoção de uma ou outra forma teve a ver com o tamanho da parceria, e, considerando as duas conjuntamente, a maioria dos pactos não logrou alcançar uma abordagem realmente popular8 8 Um exemplo de construção de pacto com participação popular vem da experiência do Berlim-Neukolln Pact, que assegurou isso através do envolvimento sistemático de todos os parceiros locais na elaboração do plano de ação do TEP. As prioridades do plano foram definidas em brainstorming, seções envolvendo os parceiros locais, facilitada por uma agência independente com a incubência de assegurar total participação. Após a definição do plano, aos atores foram conferidas responsabilidades específicas para o seu desenvolvimento. . No cômputo geral, considerando uma ou outra forma, o relatório avaliou que 57% dos pactos foram bem sucedidos em construir uma parceria popular, 30% apenas parcialmente e 13% não o fizeram.

Em um sumário final sobre os TEPs, o relatório contratado pela Comissão Européia avalia que o nível local oferece um terreno significativo para ações voltadas à geração de emprego e para políticas de desenvolvimento, especialmente no que diz respeito à inserção de grupos excluídos. A realização de tais potencialidades depende da constituição de parcerias com ampla legitimidade social, as quais representam de uma fonte chave para a inovação e a criatividade. Mas é importante também, a bem da sua capacidade de investimento, que o pacto consiga comprometer parceiros financeiramente dotados9 9 Além disso, algumas condições concorrem decisivamente para o sucesso dos pactos, entre as quais o reconhecimento e apoio das estruturas locais ao pacto como instrumento de desenvolvimento; a integração do pacto com o sistema governativo, ou seja, sua integração com a política regional mais ampla; o alto nível de expectativa de alguns pactos não era consistente com o relativamente baixo nível de recursos financeiros e a capacidade de administração do seu staff, portanto, a necessidade de equilibrar ambições e meios é crítica; competência na administração do pacto é uma variável chave para o seu sucesso, portanto, vale a pena qualificar o seu corpo administrativo; a necessidade de um foco bem definido, traduzido em metas claras e factíveis, é também essencial; pactos muito grandes tem dificuldade de estabelecer parcerias e focos de ação estáveis, portanto, a escala ideal do pacto situa-se entre o município e a região; é crucial o papel de instituições líderes no pacto, tanto para efeito da sua coesão interna como para a sua articulação com outras políticas governamentais. . O relatório tece, ainda, comentários sobre um programa de desenvolvimento territorial baseado no instrumento do pacto em regiões pouco desenvolvidas, com pouca tradição de ações em parceria e com estruturas institucionais pouco consolidadas. Nesse caso, a recomendação é a de que o pacto venha planejado e encaminhado em íntima colaboração com o sistema governamental10 10 A avaliação mostra que os bem sucedidos pactos portugueses diferem dos menos exitosos pactos gregos, particularmente no que tange às boas relações institucionais criadas e mantidas, inclusive com entes chave na política regional. No caso português, os pactos se incluíram como um instrumento importante destas políticas e tiveram desde o início um apoio decisivo em termos de recursos estratégicos, elementos ausentes nos pactos gregos, que também sofreram com administrações inexperientes. , e que nenhuma expectativa deve ser alimentada quanto a resultados muito rápidos. Em que pese as dificuldades iniciais do instrumento nestes contextos, o relatório recomenda o processo do pacto como desejável no desenvolvimento de políticas e práticas locais. Contudo, antes de introduzir o pacto como instrumento de política, recomenda-se preparar os recursos humanos, financeiros e institucionais necessários.

Qual pacto territorial serve ao Baixo Tocantins?

O pacto territorial e a agência local de desenvolvimento viriam para acrescentar meios a um processo que, contido na Eletronorte, se defronta com dificuldades de avanço. Mas qual é o tipo de pacto que melhor atende às necessidades de desenvolvimento do Baixo Tocantins? Obviamente não se pretende copiar políticas européias aperfeiçoadas e radicadas em situações históricas particulares. Os modelos de desenvolvimento europeus não são automaticamente aplicáveis a outras realidades, mesmo porque, como se verifica lá, em diferentes localidades de uma mesma região, da mesma matriz instrumental ocorrem soluções diferentes adaptadas aos diversos contextos, localizados, às vezes, apenas 100 km de distancia um do outro. O desenvolvimento diz respeito à vida social em contextos singulares (BLACK, 2004), sem a existência de receitas universais. Existem, sim, princípios e instrumentos de desenvolvimento territorial em condições de inspirar novas soluções em outros lugares.

A dotação de capital físico é importante, mas um pacto é avaliado principalmente pelos resultados produzidos em termos de qualificação profissional, de melhores condições de vida, através de investimentos em serviços sanitários, nutrição e educação e, finalmente, de desenvolvimento produtivo com coerência ambiental e social. O pacto deve suscitar mudanças de comportamento social, efetivar novas regras de relacionamento político, criar confiança entre a população e os órgãos públicos, aumentar o associativismo e, então, como conseqüência, promover realizações produtivas (STAME, 2001). O instrumento do pacto não propõe um modelo geral de harmonização política para o desenvolvimento, porque isso deve ser alcançado em cada local, mas sugere uma metodologia para organizar o encontro de forças políticas e sociais e a interação destas com instituições públicas e culturais, inclusive as universidades (STAME, 2001). Nesse sentido, o Conselho Gestor do PPDJUS assemelha-se a um pacto nascente.

Uma conquista importante dos pactos está no reconhecimento de que, antes de tudo, o desenvolvimento é um problema de mudança institucional, isto é, diz respeito às regras que regulam as relações entre os grupos sociais. Então, tanto mais na Amazônia, trata-se de romper com práticas e hábitos - no sentido de práticas historicamente arraigadas que Bourdieu (1989) dá à noção de habitus - que servem à manutenção de uma estrutura social e política atrasada, e a este fim não basta acrescentar capital físico a um determinado território. A iniciativa de tornar o desenvolvimento um processo político dotado de regras claras, de modo a permitir a expressão de todas as partes sociais e especialmente das mais fracas, significa um grande passo no sentido de mudar sistemas de poder comandados por alguns poderosos, que fazem da distribuição do dinheiro público um negócio particular, certamente prejudicial aos interesses coletivos. Estabelecer regras para o jogo político nos territórios é fundamental, portanto, um pacto territorial no Baixo Tocantins deve servir ao aperfeiçoamento dos métodos coletivos de tomada de decisão e, daí, à melhoria das condições de vida, porque antes de enfrentar os efeitos da pobreza requer-se combater o que a produz. Começa-se, então, a definir que tipo de pacto territorial pode interessar ao Baixo Tocantins.

O pacto, que propõe uma mudança assim profunda no modo de organizar a vida coletiva em um determinado território, para funcionar, precisa tornarse orgânico ao lugar onde se insere. Por isso, De Vivo (2004), falando sobre pactos da região Campania na Itália, sublinha que a transformação requerida no modo de operar e regular o desenvolvimento econômico não pode ser encetada em um vazio social, em um percurso sem história. Acolhendo esta recomendação, um bom procedimento seria o de valorizar o história do PPDJUS e do seu Conselho Gestor, ainda que breve, acrescentando novos conteúdos e formas a uma conquista importante. Outro procedimento justo é o de contextualizar o tecido social do Baixo Tocantins sem excluir grupos que normalmente não comparecem mesmo nos planos ditos participativos. Os conflitos que índios, coletores de castanha, pequenos agricultores e posseiros, pescadores e antigos habitantes enfrentam com os advindos novos proprietários, fazendeiros criadores de gado e empresários madeireiros podem ser lidos como conflitos entre diversas temporalidades históricas (MARTINS, 1997) e entre diversas formas de vida material. Reside nisso uma profunda diversidade de interesses e uma diferença drástica de visões de mundo, tudo coexistindo no mesmo espaço geográfico11 11 Não obstante a variedade de perspectivas, o território é comum a todos, que o dividem como espaço a ser desenvolvido mediante políticas públicas. O território, na condição de esfera pública, sujeita à deliberação coletiva de grupos sociais que o vêem a partir de pontos de vista diferentes, é algo que condiz muito com o pensamento de Hannah Arendt (1997), para quem uma das questões mais cruciais no discurso político é a criação de uma identidade coletiva à qual apelar quando os grupos sociais deparam-se com o problema de decidir entre cursos de ação alternativos e colocam a questão: 'o que nós devemos fazer?'. No confronto de perspectivas, o 'nós' não é completamente dado, mas precisa ser constantamente negociado. . No Baixo Tocantins, o pacto deve ser capaz de abrigar essa pluralidade de orientamentos humanos e sociais e resolver situações de conflito, até onde couber um tratamento político. Além disso, em situações de vivo antagonismo, é difícil falar de concertação social, um dos objetivos do instrumento do pacto territorial. Aqui, onde vigora tanta injustiça, o pacto territorial deve assumir um claro partido e deve existir para fortalecer os mais fracos.

Vale dizer que, no contexto do Baixo Tocantins, a par de incorporar aqueles sujeitos públicos e privados interessados em participar de um amplo fórum deliberativo sobre o desenvolvimento local, o pacto não pode ser um instrumento neutro. Isso significa que aqui talvez o pacto territorial não consiga reunir em uma mesma mesa de negociação todos os diversos sujeitos sociais, porque alguns não se adaptarão à sua lógica democrática. Àqueles a quem interessa a situação de controle social através da intimidação, da violência e do paternalismo, o instrumento civilizatório do pacto territorial não deve servir. Estes dificilmente participarão, porque, como instrumento que é, o pacto deve fazer da política local um tema de pública deliberação, em vez de um negócio de poucos. Assumindo a necessidade da mudança, o pacto deve trazer para dentro de si os conflitos de interesses para resolvê-los conforme critérios democráticos. Esta é a lógica central deste instrumento de desenvolvimento econômico e político. Assim, como raciocina Robert Putnam, teórico americano do capital social e da comunidade cívica que realizou estudos na Itália, nenhuma análise oferece a mínima sustentação à teoria que a luta política e social seja incompatível com um bom governo. Implícito nessa conclusão está o fato de que não foi encontrada nenhuma correlação entre o conflito político e a comunidade cívica. De fato, para Putnam (1993), comunidade cívica não é uma entidade onde domina a harmonia e onde as lutas intestinas não existem.

No Baixo Tocantins, o estabelecimento de regras para o jogo político, além de princípios, pede procedimentos práticos. A partir da análise crítica da experiência européia, é preciso pensar uma adaptação prática do instrumento àquele contexto territorial. Nesse sentido, seguindo a recomendação do relatório da Comissão Européia resumido na seção anterior, previamente à instalação de uma experiência piloto de pacto territorial, é preciso preparar recursos humanos, financeiros e institucionais. E que instituições na Amazônia estão em condições de encaminhar e articular um esforço nessa direção? Inicialmente, trata-se de romper velhas tradições burocráticas que isolam as instituições umas das outras e implantar uma interação institucional capaz de suprir necessidades diversas. Do citado relatório, extrai-se que o sucesso dos pactos depende amplamente de apoios institucionais no que diz respeito a recursos chave, enfatizandose o papel de instituições líderes na condução do processo. Ora, nesse caso a Europa não está tão longe da Amazônia quanto à definição das necessidades. Uma das proposições contidas em artigo de Costa (2004), que fala do papel de uma possível nova Sudam, é que a instituição deve assumir a capacidade de indicar rumos, definir estratégias, prover direção para as ações dos agentes públicos e privados. Para o autor, "tão importante quanto dispor de mecanismos de financiamento é ter capacidade institucional para formular propostas de referência". Uma experiência precursora de pacto territorial poderia ser empreendida por uma nova Sudam associada à Eletronorte, como entes coordenadores de uma ação multi-institucional, que incluiria outras instituições, entre as quais os municípios, universidades e entidades populares.

A institucionalização do pacto como instrumento de desenvolvimento passa necessariamente pela definição de mecanismos financeiros. Se os relatórios técnicos atestam que a área a jusante da UHE Tucuruí sofreu prejuízos ambientais e sociais com o barramento do rio, alguma lei embasada neste fato poderia destinar recursos aos municípios do Baixo Tocantins, à semelhança dos royalties pagos aos municípios a montante. Por enquanto, as expectativas de recursos ao PPDJUS não se apóiam em qualquer critério técnico ou legal, as cifras oscilam ao sabor de vontades não concretizadas de diretorias que dialogam mal entre si e o processo não progride por insuficiência de fundos. Na realidade, falta um esforço de definição de normas que permitam a todos os participantes conhecer as respectivas incumbências e os tempos previstos para as suas realizações. Contudo, a contribuição financeira da Eletronorte, pertinente às áreas atingidas por seus empreendimentos, deve, no Baixo Tocantins, compor-se com o apoio de outras instituições. Para um pacto territorial, isto é, focado na melhoria dos parâmetros que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e no protagonismo popular, como poderiam se adaptar modalidades do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Norte (FNO) e do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), reformulados para financiar atividades produtivas de caráter associativo e artesanal, além de investimentos básicos em saneamento, formação e saúde? O fato é que a democratização do acesso a fundos públicos requer um esforço de normalização jurídica.

Um pacto territorial focalizado no desenvolvimento humano e político, além da clara definição de objetivos, teria a vantagem de ter alguns dos seus êxitos facilmente monitorados a partir da estabelecida metodologia de mensuração do IDH, duas condições importantes ao instrumento do pacto, conforme mostram as experiências européias. Na ordem do dia, está a necessidade de emancipação social, contra o que se colocam a pobreza e, especialmente nestes trópicos húmidos, os problemas sanitários que causam as doenças infecciosas. A carência material anda de mãos dadas com o atraso político; o paternalismo vigora porque a população precisa adotar uma atitude subserviente para sobreviver. Portanto, enquadra-se a referência metodológica contida no relatório acima considerado: o pacto precisa perseguir objetivos bem definidos para ser eficaz. Isso se resolve acrescentando ao desenvolvimento humano esse conceito quantificável de IDH, uma diretriz política. Assim, torna-se o pacto orgânico ao contexto, dando-lhe um caráter de instrumento de desenvolvimento político, o que inclui combater as causas da pobreza.

Além disso, tornar o pacto territorial orgânico ao nosso contexto significa também compatibilizá-lo com o que já se conseguiu sistematizar em termos de mecanismos de desenvolvimento. Uma solução que, centrada no eixo econômico, em certa medida integra o social e o político são os Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPIL), mecanismo que congrega, em uma 'meso-realidade local', um conjunto de atores públicos e privados relacionados à produção de um determinado produto, como frutas. Costa (2004, p. 9) indaga: "se o ASPIL é 'meso-realidade local', qual a 'macrorealidade' que lhe corresponde?" Assim, embora podendo servir para "fundamentar um sistema de planejamento regional para o desenvolvimento sustentável da Amazônia", sua 'concretude' não corresponderia a uma noção suficiente para descrever um sistema mais abrangente que requereria uma expressão mais abstrata, como a de cadeias, setores ou pólos. Pontuando um aspecto do debate que este artigo pretende suscitar, vale considerar que o conceito de território permite essa leitura abrangente para a qual contribuem os arranjos e sistemas produtivos, que, correspondendo a uma diversa complexidade social e institucional, poderiam estar compreendidos no âmbito de um território, que corresponde a um outro nível de arranjo político. Ou seja, alguns ASPILs poderiam estar contidos em um pacto territorial, que, por sua vez, estaria amparado por políticas regionais mais amplas, e isso tornaria mecanismos concernentes a várias escalas compatíveis entre si.

Aliás, a compatibilização criativa de vários mecanismos de uma natureza semelhante, na medida em que, embora em escalas diferentes, igualmente buscam relacionar horizontalmente sujeitos sociais e econômicos no sentido de pactuar políticas públicas, representa uma importante estratégia de desenvolvimento integrado. Em outras palavras, Brandão (2004, p. 19) argumenta nesse sentido:

É preciso explicitar os conflitos de interesse em cada escala e construir coletivamente a contratualização das políticas públicas. Esses contratos devem articular horizontalmente os agentes políticos de determinada escala. Tratar de forma criativa escalas, níveis e esferas, lançando mão de variados instrumentos, politizando as relações, construindo cidadania e buscando combater as coalizões conservadoras, através de uma contra-hegemonia pelo desenvolvimento. Vencer as competências superpostas, rediscutir atribuições, evitar a dispersão da autoridade, estar equipado para reagir, isto é ter capacidade resposta e impugnação às forças políticas que querem a perenização do sub-desenvolvimento.

No cenário ainda institucionalmente conservador da Amazônia, o Conselho Gestor do PPDJUS inovou porque propôs relacionar sujeitos sociais em um determinado recorte espacial para a finalidade de rediscutir um plano, que, depois de vários e motivados encontros, ganhou um 'P' de popular. O Plano, assim como o seu Conselho Gestor, apresentam insuficiências e requerem novos desenvolvimentos. Apesar dos seus limites, são iniciativas importantes que encerram virtudes e uma história a ser valorizada. Para sugerir um novo impulso a estas iniciativas, um confronto entre a realidade do Conselho Gestor do Plano e a idéia de um pacto territorial é o tema do próximo tópico.

As insuficiências do Conselho Gestor do Plano

Então, entre o Conselho Gestor do plano e um pacto territorial, questionaram-se quais são as insuficiências do primeiro e as analogias de ambos? Em comum, há o esforço de solidarizar municípios vizinhos, com problemas e possibilidades afins. Existe também a intenção de promover a comunicação, se não a interação entre instituições públicas. Igualmente, o pacto e o conselho propõem reunir em uma mesma mesa de discussão representantes de diversos setores sociais, instados a dialogar em torno a assuntos de interesse comum. Ambos procuram criar um espaço público, um fórum para a manifestação de pontos de vista e propostas relacionadas a um determinado território. Entretanto, o pacto refere-se a um território reconhecido como uma unidade de programação e gestão, formalmente constituído para todos os efeitos administrativos. Por outro lado, falta um ordenamento formal constituinte do conjunto de municípios que compõem o território do Baixo Tocantins, e aqui começam as insuficiências do Conselho Gestor do Plano.

O pacto é um instrumento oficialmente reconhecido pelas fontes financiadoras do desenvolvimento - a Região, o Estado e a União Européia -, que não apenas transferem verbas, mas exigem o cumprimento de todo um ritual de regras para a liberação dos recursos aos projetos eleitos pelos sujeitos que participam dele, projetos elaborados tecnicamente de acordo com as prioridades definidas por um plano de ação compartilhado por todos os atores. Por sua vez, o conselho gestor não tem um status de instrumento de política porque não possui independência e meios; é apenas uma esfera de discussão dentro de uma empresa, a Eletronorte, que atua como um super ator, em condições de comandar todas as outras partes, que seguem as suas disposições esperando ter fundos para mover certos projetos. O Conselho Gestor do PPDJUS pertence à Eletronorte e não ao território, portanto, precisa emancipar-se, para isso cumprir um percurso em direção à sua autonomia.

Os méritos do Conselho Gestor como experiência inovadora são reconhecidos por aqueles que militam pela sua afirmação. É o caso da Prof. Cecília Basile, testemunhar durante o encontro de Tucuruí12 12 O encontro "Os movimentos populares, as instituições de ensino e pesquisa e o desenvolvimento regional na área de Tucuruí" foi realizado nos dias 10, 11 e 12 de abril de 2003. Contou com grande participação de movimentos sociais e com a presença de autoridades políticas e administrativas. O encontro abriu um processo de discussão entre a Eletronorte, representantes de instituições acadêmicas e lideranças populares, resultando em uma série de outros seminários, na remodelação do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Área a Jusante da UHE Tucuruí (PDJUS) e na criação de seu Conselho Gestor. , uma ampla discussão popular do PDJUS, que envolveu a promoção pela Eletronorte de dez oficinas preparatórias para o Encontro Regional de Cametá, culminou com a

aprovação e constituição do Conselho Gestor do PDJUS, com uma composição paritária entre Órgãos do Poder Público e Entidades da Sociedade Civil organizada, instância de deliberação, com uma expectativa de constituir-se em experiência inovadora no setor de planejamento regional no Estado do Pará (BASILE, 2004).

Entretanto, passado o impulso inicial, evidenciaramse insuficiências no processo,"cujas fragilidades vêm se acentuando constantemente, e os conflitos de atuação intensificando-se" (BASILE, 2004), problemas aos quais Basile sugere o estabelecimento de regras como solução:

Regulamentação do processo de gestão física e financeira do PDJUS na estrutura da Eletronorte, evitando-se atrasos na análise dos projetos, indefinições dos prazos a cumprir no fluxo de análise e aprovação dos projetos, indefinição dos valores a serem aplicados, ou seja, falta definição formal relacionada às disposições legais existentes ou a criar, referentes ao financiamento dos planos de desenvolvimento. A Eletronorte compõe o Conselho Gestor do PDJUS, mas não apresenta precisamente as exigências, critérios de seleção, prazos de liberação dos projetos e recursos, possíveis agências repassadores de recursos financeiros aos órgãos conveniados, conforme dispositivos legais pertinentes a sua estrutura administrativa (BASILE, 2004, p. 3).

Relacionado ainda aos problemas da falta de regulamentação e indefinição dos papéis institucionais que lhe tiram efetividade, generaliza-se nos membros do Conselho a dúvida se a participação vale mesmo a pena, porque não se vê um horizonte de resultados. Como diz Basile, há "omissão da representação de órgãos estratégicos para uma ação integrada na microrregião". A inércia em que se encontra o processo vem enfatizada no depoimento de Favacho (2004, p. 6), que assessora o Codesei, um consórcio de cinco municípios a jusante da hidrelétrica:

Criado para funcionar como órgão consultivo e não deliberativo, o CONJUS passou o ano de 2003 debatendo a questão dos projetos regionais e locais. O projeto regional prioritário previa a criação de um CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DA PISCICULTURA, já que a principal demanda era e é a questão do desaparecimento dos peixes nos rios. Uma grande confusão envolvendo os pesquisadores, o CONJUS e a ELETRONORTE acabou por inviabilizar o projeto, que ficou para ser reestudado no ano de 2004. Porém, como persistem os conflitos de interesses, até agora não foi apresentado o projeto regional. Quanto aos projetos locais, a orientação inicial foi para que cada município apresentasse os seus. Os nove municípios os apresentaram, porém todos foram seguidamente rejeitados por imperfeição técnica, e só após muito esforço do CONJUS, a ELETRONORTE orientou e esclareceu "como" ela queria a apresentação dos projetos. Repassadas pelos CONJUS as informações aos municípios, através do CODESEI e da AMBAT, que refizeram os projetos, a ELETRONORTE informou que não mais aceitaria projetos para os quatro municípios que haviam sido incluídos. Houve necessidade de refazer novamente todos os projetos e, em suma, até agora nenhum foi aprovado.

Na realidade, a evolução do Conselho e do PPDJUS na direção de uma espécie de pacto territorial demanda uma série de definições e medidas quais sejam: o território abrangido, dado que persistem controvérsias sobre o número de municípios que participam de fato; uma reforma nos princípios, horizontes e metas do plano, inclusive no que diz respeito a uma política social para melhorar a condição de vida da população; o papel de cada uma das entidades que participam do Conselho Gestor, quanto às ações, programas e projetos relativos ao plano; uma programação econômica que se refira às necessidades do território (em vez de partir de um orçamento proposto pela Eletronorte), para cujo atendimento proceder-se-á a captação de recursos; a explicitação dos procedimentos para se obter recursos para financiar o plano, da parte das entidades que participam do Conselho Gestor, tais como a Eletronorte, a ADA, o Banco da Amazônia (BASA), o Governo do estado do Pará, as prefeituras e as instituições de ensino e pesquisa, além de outras possíveis fontes como a Albras e o Orçamento Geral da União; toda a normativa do processo, quanto a prazos e obrigações, de modo a dotá-lo de regras bem definidas; a implementação de uma agência de desenvolvimento, capaz de consolidar administração e representação e ser o lugar de definição das escolhas e medidas práticas relacionadas ao desenvolvimento do território; e um sistema de controle social, avaliação e eventuais ajustes.

Inovações administrativas e o papel de uma agência de desenvolvimento

O PPDJUS não pode continuar a ser um plano da Eletronorte, cujo objetivo é antes de tudo produzir energia elétrica. Em vez de um plano da empresa, é necessário transformá-lo em um plano do território, embora com um importante apoio da empresa. Contudo, não se necessita do apoio de apenas uma empresa, mas de várias instituições, que hoje atuam na região de maneira isolada por falta de uma melhor coordenação. Vale ressaltar que o plano necessita de uma reforma capaz de dar a ele uma nítida identidade territorial, uma clara definição de objetivos e decididos apoios institucionais devidamente coordenados. Diante de inúmeras necessidades, precisa-se realizar ações por etapas.

O Baixo Tocantins é um território pobre, no qual terça parte da população adulta é analfabeta, doenças infecciosas matam e as relações políticas são do tipo paternalista, o que infunde nos pobres um sentimento de dívida para com autoridades que usam recursos públicos em nome próprio. Se o verdadeiro desenvolvimento é uma questão que diz respeito às pessoas (BLACK, 2004), então serviria ao Baixo Tocantins um plano focalizado no desenvolvimento humano - conceito que encerra em si os componentes renda, saúde e educação - e 'político', acréscimo que serve a realçar o objetivo de emancipação social do plano que dará referência ao pacto, que poderia ser denominado, de forma coerente com seu conteúdo, 'Pacto para o desenvolvimento humano e político do Baixo Tocantins'.

É importante ao sucesso de um pacto territorial no Baixo Tocantins o concurso de uma agência, além da Eletronorte, para catalizar a participação de um conjunto de instituições política e financeiramente dotadas, como a Agência de Desenvolvimento da Amazônia, o Governo do Estado e o Banco da Amazônia. A coordenação do pacto e dos diversos sujeitos que dele pactuam com o plano, bem como a administração de todas as necessidades práticas referentes à sua condução, são necessidades que uma agência local pode atender com eficiência. A escala de atuação da Agência de Desenvolvimento da Amazônia é regional e não propriamente territorial. A alçada da atuação da Eletronorte é setorial e a rigor a empresa não está apta a conduzir um plano de desenvolvimento territorial. As prefeituras operam na esfera local. Da mesma forma, são diversos os âmbitos do Governo do estado do Pará e do Banco da Amazônia. De modo que uma inovação institucional, do tipo de uma agência local de desenvolvimento, far-se-ia útil à finalidade de conduzir um processo de desenvolvimento territorial devidamente planejado e pactuado.

É recorrente o problema da inadequação da estrutura administrativa convencional para integrar sujeitos sociais e instituições locais, realizar negociações, definir opções relativas ao desenvolvimento de um determinado território e gerir o processo nas suas necessidades práticas, seja no Brasil ou em outras partes do mundo. Estes seriam alguns dos papéis de uma agência de desenvolvimento, um ente para assumir os procedimentos administrativos e integrar os sujeitos públicos e privados participantes. Um ente capaz, enfim, de concretizar a idéia de integração institucional, atuando em um nível de gestão intermediário, situado entre o estadual e o municipal.

Mas existem outras funções que tornariam uma agência ainda mais útil, se esta pudesse reunir em si mesma o agenciamento de todo um conjunto de serviços tradicionalmente oferecidos por entes diversos, isto é, a elaboração de projetos executivos, a captação de recursos para financiá-los e para financiar as ações previstas no plano, a formação profissional, o crédito facilitado a pequenos empreendedores e outros meios de apoio social e produtivo. A natureza autônoma de tal agência permitiria a ela apresentar-se como ente institucional, com presença política local, e como um sujeito contratual, em condições de acessar fontes financeiras, contratar o fornecimento de serviços ao território e formalizar cooperações nacionais e internacionais. Ou seja, o modelo ideal de agência deveria reunir em si mesma uma capacidade abrangente de responder a todas as necessidades de desenvolvimento do território.

É possível que o estabelecimento de uma agência em condições de abraçar tantos encargos e serviços não seja uma tarefa que se possa realizar sem a colaboração de organizações especializadas, para cujo propósito a cooperação internacional pode contribuir. Uma possibilidade viável seria a de trazer a participar do acordo de colaboração, que reúne a Città del Fare e a Agência de Desenvolvimento da Amazônia, o Center for International and Regional Cooperation for Local Economies (Circle), instituição ligada à Organização das Nações Unidas, que acumula uma interessante experiência de implantação e consolidação de agências de desenvolvimento em vários países do mundo, cuja característica está em que "criadas em contextos muito diferentes, são eficazes porque não reproduzem um modelo rígido, mas se adaptam às necessidades específicas do território" (Cooperazione..., 2000). Evidentemente, a adoção de tal inovação administrativa deveria ser discutida com os municípios e os outros sujeitos institucionais à luz do que já se dispõe na região em termos de associações de municípios e sistemas de microcrédito e incentivo ao pequeno empreendimento.

CONCLUSÃO

A proposição assumida no início desse artigo - de que o desenvolvimento é essencialmente político e reclama instrumentos para a afirmação dos interesses sociais - é válida porque os pontos de vista são múltiplos e os grupos sociais têm entendimentos diversos sobre desenvolvimento, uma vez que, a guisa de exemplo, os custos e benefícios de uma grande barragem os afetam de maneira muito desproporcional. Para os grupos sociais mais fracos, grandes empreendimentos desenvolvimentistas geralmente significam transtorno, prejuízo e marginalização. Para os poderes fortes, grandes projetos representam grandes oportunidades. Nos sistemas que nos governam, são estes que decidem as prioridades, porque camponeses, índios, pescadores e tantos moradores vizinhos aos grandes empreendimentos não opinam sobre o território que habitam. Não têm voz porque não existem mecanismos para permitir isso. Assim, para estes, o desenvolvimento muitas vezes é percebido mais como dano do que como benefício. A história da Amazônia é rica de tais exemplos e hoje se reconhece plenamente isso:

É pertinente a percepção de que muitas das intervenções 'estatais' se fizeram na Região corroborando práticas ambientalmente deletérias, ao lado de aprofundarem mazelas sociais, excluindo os mais necessitados e confirmando o poder econômico e político dos mais fortes (COSTA, 2004, p. 3).

As tacanhas medidas de indenização e compensação eram, ao mesmo tempo, um reconhecimento aos danos causados e a continuação da política do mais forte.

Um grande projeto hidrelétrico, seja ele no Brasil ou na região do vale do rio Narmada, na Índia, repercute diferentemente entre os grupos sociais nos âmbitos local, regional e nacional. Um grande empreendimento que aumenta o endividamento do país e desvia recursos a credores internacionais, em vez de servir a necessidades básicas de saúde e educação, interessa a toda população, de Norte a Sul. A decisão sobre a sua oportunidade deveria ser motivo de um amplo debate seguido de um plebiscito e um dia talvez venha a ser assim. Por ora, há mecanismos para debater e deliberar democraticamente sobre questões locais, como é o caso do orçamento participativo, e procura-se desenvolver outros adequados a escalas espaciais mais amplas, como é o caso do pacto territorial, levando em conta que o território considerado, situado entre a grande usina e a grande fábrica, é quase desprezível frente aos grandes interesses internacionais que movem a exportação de energia elétrica em forma de alumínio. Não é à toa que os parcos recursos destinados aos planos de inserção regional da empresa representavam uma pequena fração face aos enormes subsídios conferidos em termos de tarifas diferenciadas aos consumidores eletrointensivos.

O que pode realizar um pacto territorial no Baixo Tocantins? Isso depende dos meios financeiros e recursos técnicos e humanos que o pacto puder reunir para desenvolver o plano a que se refere, mas não apenas. O sucesso do pacto depende da sua articulação com outros instrumentos de desenvolvimento em todas as escalas, do local ao nacional. Cada escala espacial apresenta uma complexidade diferente, decorrente da necessidade de mecanismos próprios de negociação e pactuação. O fundamental, entretanto, é não perder de vista as especificidades, os limites das escalas e o fato de que elas e seus instrumentos relacionam-se uns aos outros. Isto está de acordo com Brandão (2004, p. 19), que diz:

cada problema tem a sua escala espacial específica. É preciso enfrentá-lo a partir da articulação dos níveis de governo e das esferas de poder pertinentes àquela problemática específica. Além das articulações intraregionais é importante ampliar seu raio político de manobra a fim de negociar sua inserção inter-regional.

Uma das lições dos pactos europeus é que o sucesso relaciona-se à sua inclusão na política geral do país e da região, na mainstream policy, como é costume dizer. Articulados, os instrumentos das diversas escalas espaciais podem constituir um sistema de desenvolvimento. O local não pode se desenvolver independentemente do nacional ou do global. Isso serve a relativizar o poder de transformação de um plano de desenvolvimento regional ou de um pacto territorial, que sofrem as determinações do contexto envolvente e serve também para calibrar suas ambições.

De forma que o desenvolvimento é político, mas é igualmente institucional, tanto no sentido lato, de organização da vida associada e coletiva e das normas sociais e jurídicas, como no sentido das competências administrativas das instituições públicas, que não devem se superpor, mas também não podem deixar vazios onde a ação pública é necessária. É preciso certa liderança institucional para organizar os instrumentos de desenvolvimento de maneira a definir competências específicas, fazê-los funcionar de maneira sistêmica e, inclusive, influenciar as instituições sociais naquele sentido lato. Uma das hipóteses de trabalho de Putnam (1993), em uma pesquisa sobre o desenvolvimento das instituições e dos seus papéis na estrutura social e política de diversas regiões italianas, era a de que as instituições forjam a política, na medida em que forjam a identidade dos atores, os poderes e as estratégias. Uma inovação institucional para fortalecer os mais fracos, mediante tecnologias, associativismos e mecanismos de afirmação dos seus interesses é o que pode significar um pacto territorial. Assim, o que pode um pacto territorial no Baixo Tocantins? Pode, talvez, servir de exemplo para outros territórios.

Recebido: 31/04/2005

Aprovado: 22/08/2005

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  • STAME, Nicoletta. 2001. La valutazione dello sviluppo locale. Disponible em: <www.pnud.org.br/idh> Mimeo. Acesso em 2004.
  • 1
    Trata-se de pesquisa realizada em Nápoles, Itália, patrocinada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), que concedeu uma bolsa de estudos de pós-doutorado ao autor para desenvolver o projeto "O plano de desenvolvimento sustentável da microrregião da UHE Tucurui: Leitura crítica da proposta, o problema da participação popular e a experiência européia de planejamento territorial negociado".
  • 2
    Além dos cinco municípios inicialmente previstos no PDJUS - Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru e Mocajuba - também os municípios de Abaetetuba, Barcarena, Moju e Oeiras do Pará reivindicam participação nos planos de desenvolvimento da Eletronorte.
  • 3
    O desenvolvimento político está na raiz da proposta de uma nova Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, que "deverá promover a democratização do processo decisório que formata a intervenção desenvolvimentista do Governo Federal na Amazônia. Para tanto, deverá conter mecanismos para uma incorporação 'dinâmica' e 'qualificada' de demandas dos atores sociais coletivos, através das representações de grupos relevantes... Deverá fazer uma 'incorporação dinâmica' das demandas sociais por mecanismos que considerem as dimensões de tempo e lugar do desenvolvimento" (COSTA, 2004, p. 5).
  • 4
    A Amazônia, como floresta tropical úmida densa e não densa, abrange oito países da América do Sul, concentrando 60% da sua área (cerca de 3,7 milhões de km
    2) no Brasil. Por sua vez, o conceito político de Amazônia Legal, definido, para efeito de planejamento e desenvolvimento regional, pelas leis 1.806, de 6 de janeiro de 1953 e 5.173, de 27 de outubro de 1966, e pelo artigo 45 da Lei complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977, delimita uma superfície de 5.035.747,80 km
    2 (61,2% do Território Nacional), incluindo cerrados e campos, em Roraima, Pará e Amapá. A chamada Amazônia Legal brasileira inclui os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e oeste do Maranhão (
  • 5
    Brandão (2004), em artigo sobre "Novas escalas e dimensões para o desenvolvimento regional e urbano no Brasil", critica as "visões que colocam toda a ênfase de suas análises em um única escala espacial" e indaga sobre "alternativas metodológicas e de políticas de desenvolvimento que possam apreender, de maneira mais aperfeiçoada possível, a complexidade escalar inerente aos problemas sociais e da dinâmica regional e urbana, destacando a situação histórica periférica e subdesenvolvida, como a brasileira". Destaca que a "literatura corrente tende a analisar apenas as duas extremidades escalares, afirmando que o leitmovit, a substância e o comando de todos os processos sociais se encontrariam agora crescentemente apenas nas polaridades: ou o local ou o global". E defende a interação de "estratégias multiescalares": "É fundamental encontrar a escala adequada que defina determinado campo onde a decisão deve ser tomada. É preciso encontrar a escala de observação adequada para a observação dos fenômenos sobre os quais se deseja intervir. A escala deve ser vista como um recorte para a apreensão das determinações e condicionantes dos fenômenos sociais".
  • 6
    Os planos de ação foram submetidos à Comissão Européia no início do programa e a liberação de recursos dependia da sua aprovação, o que, em alguns casos, envolveu uma intensa negociação entre o Pacto e a Comissão (ECOTEC..., 2002). Os planos de ação deveriam, ainda, conter metas e indicadores através dos quais a realização dos seus objetivos pudesse ser avaliada. Inicialmente, cada pacto recebeu da Comissão Européia fundos no valor de até 300.000 euros a título de assistência técnica, recurso suficiente para o estabelecimento do pacto que deveria, no entanto, ser capaz de levantar posteriormente recursos adicionais de fontes como os Fundos Estruturais.
  • 7
    Desse apoio dependeu também a capacidade do pacto atrair outros recursos além do montante concedido pela Comissão Européia a título de assistência técnica. A lógica dos TEPs envolveu a construção e a formalização de parcerias capazes de reunir atores com o potencial de efetuar um certo impacto sobre o mercado de trabalho na área abrangida. Nesse aspecto, os pactos mais inovadores surpreenderam ao incorporar na parceria a participação de organizações pouco usuais a esse tipo de mobilização, que vieram a contribuir de modo significativo para a elaboração, consensualização e execução das ações previstas no plano.
  • 8
    Um exemplo de construção de pacto com participação popular vem da experiência do Berlim-Neukolln Pact, que assegurou isso através do envolvimento sistemático de todos os parceiros locais na elaboração do plano de ação do TEP. As prioridades do plano foram definidas em brainstorming, seções envolvendo os parceiros locais, facilitada por uma agência independente com a incubência de assegurar total participação. Após a definição do plano, aos atores foram conferidas responsabilidades específicas para o seu desenvolvimento.
  • 9
    Além disso, algumas condições concorrem decisivamente para o sucesso dos pactos, entre as quais o reconhecimento e apoio das estruturas locais ao pacto como instrumento de desenvolvimento; a integração do pacto com o sistema governativo, ou seja, sua integração com a política regional mais ampla; o alto nível de expectativa de alguns pactos não era consistente com o relativamente baixo nível de recursos financeiros e a capacidade de administração do seu staff, portanto, a necessidade de equilibrar ambições e meios é crítica; competência na administração do pacto é uma variável chave para o seu sucesso, portanto, vale a pena qualificar o seu corpo administrativo; a necessidade de um foco bem definido, traduzido em metas claras e factíveis, é também essencial; pactos muito grandes tem dificuldade de estabelecer parcerias e focos de ação estáveis, portanto, a escala ideal do pacto situa-se entre o município e a região; é crucial o papel de instituições líderes no pacto, tanto para efeito da sua coesão interna como para a sua articulação com outras políticas governamentais.
  • 10
    A avaliação mostra que os bem sucedidos pactos portugueses diferem dos menos exitosos pactos gregos, particularmente no que tange às boas relações institucionais criadas e mantidas, inclusive com entes chave na política regional. No caso português, os pactos se incluíram como um instrumento importante destas políticas e tiveram desde o início um apoio decisivo em termos de recursos estratégicos, elementos ausentes nos pactos gregos, que também sofreram com administrações inexperientes.
  • 11
    Não obstante a variedade de perspectivas, o território é comum a todos, que o dividem como espaço a ser desenvolvido mediante políticas públicas. O território, na condição de esfera pública, sujeita à deliberação coletiva de grupos sociais que o vêem a partir de pontos de vista diferentes, é algo que condiz muito com o pensamento de Hannah Arendt (1997), para quem uma das questões mais cruciais no discurso político é a criação de uma identidade coletiva à qual apelar quando os grupos sociais deparam-se com o problema de decidir entre cursos de ação alternativos e colocam a questão: 'o que nós devemos fazer?'. No confronto de perspectivas, o 'nós' não é completamente dado, mas precisa ser constantamente negociado.
  • 12
    O encontro "Os movimentos populares, as instituições de ensino e pesquisa e o desenvolvimento regional na área de Tucuruí" foi realizado nos dias 10, 11 e 12 de abril de 2003. Contou com grande participação de movimentos sociais e com a presença de autoridades políticas e administrativas. O encontro abriu um processo de discussão entre a Eletronorte, representantes de instituições acadêmicas e lideranças populares, resultando em uma série de outros seminários, na remodelação do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Área a Jusante da UHE Tucuruí (PDJUS) e na criação de seu Conselho Gestor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      31 Abr 2005
    • Aceito
      22 Ago 2005
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