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Desvelando o invisível: os movimentos sociais na pesca e suas ações no estuário do Pará

Revealing the invisible: social movements in fishery and its actions in the estuary of Pará

Resumos

Este trabalho traz em seu bojo reflexões que pouco se modificaram no decorrer dos anos e são referentes às causas e conseqüências de ações dos movimentos sociais e das pessoas que neles estão envolvidas, as quais procuram trazer possíveis alternativas de sobrevivência para agricultores, pescadores etc. A metodologia utilizada para as análises foi a observação participante e a aplicação de um roteiro de entrevistas entre lideranças, pescadores em Marudá e dirigentes do Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) e Conselho Pastoral da Pesca (CPP). O objetivo aqui desejado é mostrar perspectivas teóricas para o entendimento dos movimentos sociais que envolvem os pescadores do nordeste do Pará e alertar os dirigentes do poder público, ONGs, movimentos sociais e demais organizações relacionadas à pesca, a fim de promover e garantir uma organização social e política direcionada não somente para questões materiais (créditos, financiamentos etc.), mas também para a conscientização e participação política mais enfática dos pescadores, através de fóruns de discussões em que haja espaço para reclamações e exigências amparadas legalmente; e para a discussão das demandas sociais no atual contexto global de necessidade, conflitos e violência aos direitos individuais.

Pescadores; Pesca artesanal; Movimentos sociais


This paper presents reflections which have not been modified during the years, and relate to the causes and consequences of the actions of the social movements and the people that are involved in them who try to create alternatives of surviving for farmers, fishermen, etc. The methodology used in the analysis was the participant observation, and the use of interviews made among leaders of the community, fishermen of Marudá and leaders of the Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) and of the Conselho Pastoral da Pesca (CPP). The aim here is to show theoretical perspectives for the understanding of the social movements involving the fishermen in the northeast of Pará and to be a way of attracting the attention of the government, ONGs, social movements and all organizations related to the fishing, in order to to promote and guarantee a social and political organization whose objective is not only financial but also directed to the political consciousness of the fishermen, throughout forums of discussions so they may claim for their social demands in the global context of necessity, conflict and violence andindividual rights.

Fishermen; Artisan fishing; Social movements


ARTIGOS

Desvelando o invisível: os movimentos sociais na pesca e suas ações no estuário do Pará

Revealing the invisible: social movements in fishery and its actions in the estuary of Pará

Petrônio Lauro Teixeira Potiguar Júnior

Museu Paraense Emílio Goeldi. Projeto Recursos Naturais e a Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia: Relações do Homem com o seu Meio Ambiente - RENAS. Belém, Pará, Brasil (ppotiguar@yahoo.com.br)

RESUMO

Este trabalho traz em seu bojo reflexões que pouco se modificaram no decorrer dos anos e são referentes às causas e conseqüências de ações dos movimentos sociais e das pessoas que neles estão envolvidas, as quais procuram trazer possíveis alternativas de sobrevivência para agricultores, pescadores etc. A metodologia utilizada para as análises foi a observação participante e a aplicação de um roteiro de entrevistas entre lideranças, pescadores em Marudá e dirigentes do Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) e Conselho Pastoral da Pesca (CPP). O objetivo aqui desejado é mostrar perspectivas teóricas para o entendimento dos movimentos sociais que envolvem os pescadores do nordeste do Pará e alertar os dirigentes do poder público, ONGs, movimentos sociais e demais organizações relacionadas à pesca, a fim de promover e garantir uma organização social e política direcionada não somente para questões materiais (créditos, financiamentos etc.), mas também para a conscientização e participação política mais enfática dos pescadores, através de fóruns de discussões em que haja espaço para reclamações e exigências amparadas legalmente; e para a discussão das demandas sociais no atual contexto global de necessidade, conflitos e violência aos direitos individuais.

Palavras-chave: Pescadores, Pesca artesanal, Movimentos sociais.

ABSTRACT

This paper presents reflections which have not been modified during the years, and relate to the causes and consequences of the actions of the social movements and the people that are involved in them who try to create alternatives of surviving for farmers, fishermen, etc. The methodology used in the analysis was the participant observation, and the use of interviews made among leaders of the community, fishermen of Marudá and leaders of the Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) and of the Conselho Pastoral da Pesca (CPP). The aim here is to show theoretical perspectives for the understanding of the social movements involving the fishermen in the northeast of Pará and to be a way of attracting the attention of the government, ONGs, social movements and all organizations related to the fishing, in order to to promote and guarantee a social and political organization whose objective is not only financial but also directed to the political consciousness of the fishermen, throughout forums of discussions so they may claim for their social demands in the global context of necessity, conflict and violence andindividual rights.

Keywords: Fishermen, Artisan fishing, Social movements.

CONSIDERAÇÕES INICIAS SOBRE O ESTUDO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

O interesse pelo tema envolvendo os aspectos sociais, políticos e econômicos que circunscrevem o 'mundo da pesca artesanal' manifestou-se através de reflexões acadêmicas resultantes de pesquisas realizadas desde a década de 1970 sobre as comunidades pesqueiras pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), entre as quais se destaca a de Furtado (1987), que analisou as transformações socioculturais em populações do litoral paraense, particularmente as ocorridas em Marudá e Marapanim, Pará. A migração de pescadores para esta área é o fator que tangenciou tais análises e também meu objeto de estudo como bolsista do MPEG/CNPq, no âmbito do Projeto Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia: Relações do Homem com o seu Meio Ambiente (RENAS), de 1996 a 1999 (Potiguar, 2002).

Ao realizar estudos no período mencionado, um dos fatores observado empiricamente foi o fato dos pescadores da área pesquisada não se sentirem representados na condição de profissionais pelas associações existentes em Marudá, em razão de perceberem certa ausência de tais entidades relativa a orientações quanto ao uso do meio ambiente, articulações de alternativas de rendas fora a pesca e a falta de orientações sobre seus direitos e deveres, influenciando a desarticulação política, econômica e social destes no local1 1 Na época da pesquisa em Marudá, as entidades da pesca existentes eram a Colônia de Pescadores, Conselho Pastoral da Pesca (CPP), Associação Beneficente dos Pescadores de Marudá (ABPM), Associação de Mulheres da Área Pesqueira de Marudá (AMAPEM) e a representante voluntária do Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE). .

Mesmo considerando os estudos de Campos (1993), Mello (1995) e Leitão (1995), dentre outros, sobre os movimentos sociais na pesca, a opção por esta temática se dá por entender que suas reflexões foram feitas de maneira macro, ou seja, trilhando somente o contexto histórico, envolvendo as organizações políticas na pesca pelo Brasil, sem um olhar direcionado para uma dada realidade.

Os fatores mencionados acima levaram a refletir e elaborar um exercício etnográfico que demonstrasse como agem os Movimentos Sociais (MS) na pesca e de que maneira suas ações causam impactos em Marudá, direcionando o olhar à atuação do Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) e do Conselho Pastoral da Pesca (CPP) por já terem desenvolvido algumas atividades na região.

Este estudo fornece subsídio para o entendimento teórico e prático deste contexto, e torna a realidade pesqueira mais uma fonte de informação diante das produções acadêmicas já desenvolvidas até o momento relativas a esta questão. É também um avanço nos estudos pesqueiros diante da tímida produção sobre os movimentos sociais do nordeste do Pará.

A metodologia para este estudo foi baseada em pesquisa bibliográfica e de campo, adotando as técnicas de pesquisa documental, observação direta e conversas formais e informais com pescadores, lideranças do local e com os representantes dos MS aqui mencionados. O objetivo pretendido é tornar esta análise uma das fontes de informação aos pescadores, associações, MS de pesca e para a academia, não se caracterizando, portanto, em um estudo definitivo, exclusivo e muito menos denunciativo.

Neste contexto, o conceito de 'movimentos sociais' é o mesmo utilizado por Touraine (1989, p. 233), que o considera um movimento que objetiva mudança generalizada em todos os setores da sociedade, ou seja, é um processo que combina "princípio de identidade, de um princípio de oposição e um princípio de totalidade, quer dizer, a definição de um grupo de disputa de interesse," sendo a mesma análise adaptada por Castell (1999), quando trata do 'Poder da Identidade' no processo atual de globalização.

Assim, o conceito de MS utilizado por Touraine (1989) ressalta que o princípio identitário dos atores sociais foi adaptado às especificidades do contexto pesqueiro, já que os objetivos de seus MS, por enquanto, não vão além do interesse deste grupo. O referido autor os denomina de "movimentos sociais de base" e considera as especificidades políticas, econômicas, sociais e culturais de cada grupo investigado.

Com base no comentário anterior, deve-se ter clareza que, para estudar os MS na América Latina, é preciso considerar suas particularidades nos âmbitos políticos, econômicos e sociais. Ressalta-se que os MS, no cone sul, sempre estiveram atrelados ao Estado por intermédio do controle de suas ações, evitando, assim, o desgaste e o 'perigo' à ordem/governo vigente e legitimando o poder governamental, uma das características do processo histórico ditatorial dos governos na América Latina (Gutierrez, 1987; Calderon; Jelin, 1987).

No Brasil, segundo alguns autores (Castro, 1992; Oliveira, 1992; Navarro, 1996; Fernandes, 1998), vários MS no campo articulam-se no âmbito da discussão sobre a reforma agrária durante as décadas de 1970 e 1980, quando o Estado, neste passado não tão distante, desempenhou seu papel através de ações contra os movimentos sociais, a exemplo de assassinatos de sindicalistas e outros líderes com poderes de articulação entre os trabalhadores camponeses (Martins, 1981, 1999). Hoje, estas ações efetivam-se por meio de fazendeiros e grileiros contra agricultores e lideranças que lutam pela posse da terra e para um desenvolvimento sustentável das matas na Amazônia, como o caso da missionária Dorothy Stang, assassinada em 2005 em Anapú, Pará.

Assim, Castro (1992) e Oliveira (1992), ao analisarem os MS na Amazônia, avaliam que é na década de 1970 que o crescimento elevado da pobreza na região é concomitante ao número significativo de trabalhadores que se articularam numa participação mais efetiva do homem do campo no processo político nacional. Neste sentido, Grzybowski (1990) chama atenção para quem se propõe a estudá-los em áreas rurais. Para ele, os MS no campo têm um cenário fragmentado, com suas ações ocorrendo de maneira dinâmica em várias direções e havendo o envolvimento dos atores sociais com sua ansiedade, esperança e decepções. As suas observações são fundamentais para análise aqui pretendida, já que o cenário político em áreas pesqueiras – pelo menos em Marudá – é similar aos descritos por este autor.

Entre o passado e o presente: a participação dos pescadores em levantes populares à criação dos MS na pesca

Vários intelectuais, como Mello (1995), ao proporem um breve balanço bibliográfico sobre os MS na pesca, denunciam que as produções acadêmicas, há vários anos, invisibilizaram a participação dos pescadores em levantes populares que tinham como intuito, pelo menos oficialmente, obter a independência política do Brasil e de seus estados (Comissão..., 1998; Campos, 1993, Mello, 1995; Leitão, 1995, 1997; Furtado, 1997).

No Pará, uma das revoltas mais importantes chamou-se Cabanagem e ocorreu em 1835 (Bezerra Neto, 1999). Segundo Campos (1993), foi quando se visualizou a presença efetiva dos pescadores na busca de melhoria da qualidade de vida, já que os cabanos (denominação dos integrantes da cabanagem), em sua maioria, eram pessoas que moravam em áreas ribeirinhas na Amazônia, estando os pescadores inseridos neste espaço2 2 Deve ser lembrado que este movimento não era uma reação genuína dos pescadores, mas um processo cujo objetivo era um projeto maior de conquista social. .

Até o período da Cabanagem, os pescadores ainda não se encontravam organizados em entidades de pesca para conquistar seus direitos e deveres na condição de 'profissionais do mar'3 3 A inscrição na Colônia de Pescadores juntamente com o IBAMA é que dá o respaldo oficial para que os pescadores possam desempenhar suas atividades contando tempo de serviço para sua aposentaria. Por esta razão, utilizamos a categoria 'trabalhadores' e 'profissionais'. . Oficialmente, no Brasil e no estado do Pará, os pescadores se 'organizaram' como categoria de trabalhadores a partir da criação, pelo Governo Federal, da Conferência Nacional dos Pescadores (CNP), Federação Estadual dos Pescadores (FEPA) e as Colônias de Pesca. Ao que tudo indica, estas entidades foram criadas com o objetivo de manipular e tutelar os pescadores, através da relação aproximada entre governo central e os presidentes destas entidades, nomeados pelo primeiro para presidirem as segundas, os quais, no geral, eram administradores alheios aos problemas e ao cotidiano do pescador (Campos, 1993; Mello, 1995; Leitão, 1995, 1997; Furtado, 1997).

Nas últimas décadas, a postura de omissão destas entidades oficiais tem provocado discussões entre as lideranças pesqueiras, pois estas entendem que sua postura assistencialista e seus dirigentes pouco contribuíam para a efetiva representação dos pescadores no Brasil, já que não perpassa somente pela questão material, mas também por uma organização político-ideológica consolidada, evolvendo questões como cidadania e relação com o meio ambiente, dentre outras.

Diante da insatisfação da postura assumida pelas entidades oficiais na pesca, alternativas organizacionais foram acionadas, desembocando na criação de sindicatos, associações nas esferas nacional, estadual e municipal, com uma outra concepção de organização dos pescadores em que o enfoque político é uma marca registrada, demonstrando um diferencial diante de sua subjugação no processo histórico do Brasil e do Pará. Deve ser esclarecido que esta efervescência organizacional é mais evidenciada nos anos da abertura política, na década de 1980, com a criação do CPP, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), num indicativo da necessidade de organização desta categoria ser mais presente no seio político do país4 4 Cinco anos após, foi criado o Regional Norte do CPP, com sede em Belém e atuação restrita ao no estado do Pará (Rocha et al., 1996). .

Incentivados pela organização política dos camponeses e pescadores, através do CPP, a campanha para a elaboração da Constituição Brasileira de 1988 teve movimentos paralelos com a 'Constituinte da Pesca', articulando-se na busca pela autonomia política e sindical aos pescadores5 5 O art. 8º da Constituição Federal garante aos pescadores liberdade organizativa e autônoma, equiparando-se aos sindicatos e colônias dos pescadores. , garantida, posteriormente, com o surgimento do MONAPE, que, estrategicamente, estendeu suas bases de atuação às representações estaduais6 6 No Pará, o MONAPE é representado pelo Movimento dos Pescadores do Estado do Pará (MOPEPA), que, segundo Campos (1993),é composta por profissionais genuinamente da pesca. .

O CPP e o monape: um perfil etnográfico dos MS na pesca

O Conselho Pastoral da Pesca é uma pastoral social ligada à linha 6 da CNBB, com objetivo de desenvolver trabalhos voltados à promoção social dos pescadores artesanais e suas famílias, bem como formar e acompanhar as lutas das organizações pesqueiras. Na região Norte do Brasil, esses trabalhos junto aos pescadores desenvolvem-se quase que exclusivamente no Pará, embora contatos preliminares nos estados do Amazonas e Amapá já tenham ocorrido.

O objetivo principal do CPP é auxiliar, através de palestras, seminários e atividades lúdicas, a relação do pescador com o meio ambiente e incentivar sua auto-valorização, buscando a auto-estima dos atores sociais na atual conjuntura de desesperança e falta de perspectiva para o futuro, dentro de suas especificidades políticas, sociais e culturais, ou seja, elementos que forneçam a construção e manutenção de sua identidade pesqueira (Alves, 1994).

Segundo as informações da representante do CPP-Norte, antes de 1988, várias áreas foram atendidas pelas regionais e núcleos com o intuito de atender as demandas que surgiam na época. Isto é evidenciado no Quadro 1.


Alguns municípios, como Aranaí, no Marajó, Abaetetuba, Viseu e Igarapé Mirim, no nordeste paraense, parecem ter condições de "andarem com as próprias pernas"7 7 Relato oral da representante do CPP no período da pesquisa, agosto de 2000. no que se refere ao desenvolvimento de trabalhos de conscientização de seus direitos e deveres e outras questões fundamentais a serem discutidas, segundo a representante do CPP-Norte. Daí o não desempenho de ações deste conselho nestas regiões.

Hoje, o CPP-Norte conta com núcleos distribuídos nos municípios da seguinte maneira: três na região de Tocantins; três na região do Salgado; um na região do Xingu; um na região do Tapajós; e na região Central há uma coordenação e um assessor.

Percebe-se, então, que há uma grande quantidade de áreas onde os trabalhos de capacitação de lideranças, dentre outros, são desenvolvidos precariamente, o que dificulta as atividades do CPP, implicando, inclusive, na retirada das ações desta pastoral em diversas regiões. Em Tocantins, por exemplo, só Limoeiro do Ajirú é alvo das atividades do CPP, devido à escassez de recursos financeiros desta pastoral. Por outro lado, na zona do Salgado, nordeste paraense, especificamente em Marudá, a superposição de ações dos agentes pastorais vem exigindo o afastamento temporário destes, já que constantemente são convocados a desenvolverem outras missões em várias regiões ligadas ao CNBB, prejudicando, assim, suas atividades. Fator que parece atingir também o MONAPE, já que sua área de abrangência é mais extensa que a do CPP.

O MONAPE tinha sua sede instalada, desde sua criação, na cidade de São Luis do Maranhão. Hoje, está alocada no ocidental do Mercado do Ver-o-Peso, em Belém do Pará, e possui as mesmas funções desenvolvidas na capital maranhense. Suas instalações são precárias no que tange à organização estrutural, pois havia um presidente e seu vice, um assistente administrativo e auxiliar até o período da pesquisa8 8 Nacionalmente, sua estrutura organizativa é composta de um Congresso Nacional, composto pelas regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul; um Conselho Deliberativo com dois membros de cada estado; e uma Coordenação Executiva Nacional com quatro efetivos (Coordenador, Vice Coordenador, Secretário e Tesoureiro) e dois suplentes (1º suplente de secretário e 1º suplente de tesoureiro). .

O objetivo principal do MONAPE é conseguir buscar a credibilidade dos pescadores e avançar nas conquistas das estruturas oficiais de suas representações, a exemplo das colônias de pesca e federações, fortalecendo-as e assegurando a autonomia política e econômica por melhores condições de vida e trabalho.

A estratégia para atingir tais objetivos está na realização de seminários e encontros para pescadores, crianças e jovens; incentivo à participação das lideranças locais em cursos de capacitação; produção de boletins e cartilhas ressaltando pontos importantes que envolvem a organização dos pescadores, como a sindicalização das mulheres pescadoras e a necessidade da inscrição nas colônias de pescadores. Desta maneira, seus direitos asseguram-se no que diz respeito à aposentadoria, já que a partir da inscrição nas colônias de cada zona de pesca é que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) reconhece os pescadores como 'profissionais do mar'.

De maneira geral, o MONAPE busca uma dinamização e funcionamento político-adimistrativo para obter levantamento da realidade do setor pesqueiro e das organizações na pesca, em que as discussões e propostas são avaliadas na realização de congressos nacionais internos. Além disso, busca-se negociar com órgãos públicos e bancos oficiais o acesso de crédito aos pescadores artesanais, viabilizando alternativas econômicas com propostas de projetos às fontes de fomentos.

De modo geral, estas entidades pouco se diferenciam em seus objetivos e estratégias, o que, de certa forma, suscitaria um trabalho em conjunto, evitando desgastes financeiros e de pessoal, mas isto parece não ocorrer por alguns conflitos internos de caráter político.

Falam as lideranças pesqueiras e os pescadores em Marudá9 9 Durante a pesquisa de campo, entrevistei 42 pescadores, distribuídos entre associados e não associados à ABPM e AMAPEM e ex-capatazes. As lideranças foram entrevistadas separadamente, para uma comparação das respostas aos questionamentos feitos, as quais eram similares.

Os depoimentos dos pescadores não-associados, seja da Associação Beneficente dos Pescadores de Marudá (ABPM) ou Associação de Mulheres da Área Pesqueira de Marudá (AMAPEM), em Marudá, deixaram evidente que estes pescadores não possuem informações sobre a existência do MONAPE e CPP, contrapondo-se aos discursos de algumas lideranças com relatos ricos sobre os MS10 10 Isto ficou mais evidente quando obtive informações de que a ABPM recebe apoio parcial do MONAPE e a AMAPEM é apoiada pelo CPP. .

Já os pescadores associados em Marudá têm noção vaga dos objetivos e estratégias do MONAPE e CPP. Isto indica que alguns pescadores, os mais antigos em particular, parecem ainda permanecer com um único referencial associativo da pesca diante de entidades oficiais e não-oficiais, ou seja, Colônia de Pescadores Z 611 11 Instalada na sede municipal de Marapanim, há 14 quilômetros da vila de Marudá. e, algumas vezes, a ABPM, mas resguardam críticas a ambas, no que diz respeito às orientações de seus direitos e deveres, conforme o relato seguinte.

"Nós não tem nada disso [orientações] aqui. A Culonia não faz nada pra nós. Só faz cobrá o dinhêro todo mês prá nós. Não dá benefício nenhum, não. Não nos dá orientação de nada. Só ajuda quando nós precisa de médico, e isso as vez" (Waldeci, pescador, 45 anos, junho de 2000).

Por outro lado, as críticas à Colônia de Pesca local são ausentes quando se referem ao atendimento odontológico e encaminhamentos para hospitais públicos. Nota-se que esta, mesmo com dificuldades, parece manter, em parte, o caráter assistencialista remanescente dos anos de sua criação12 12 As colônias de pesca foram criadas no Brasil no período colonial com a intenção de impedir a organização dos pescadores brasileiros, dando-se pela reação destes à inserção e favorecimento de pescadores portugueses no Brasil. Outro objetivo era a defesa da costa brasileira contra ataques estrangeiros. Assim, ao se colonizar, além de estarem diretamente tutelados ao Estado, os pescadores brasileiros não recebiam orientação sobre os seus direitos e deveres. .

Assim, percebi que existe uma tendência para a auto-divulgação das ações dos líderes destas associações, em detrimento das ações realizadas por outras entidades, o que, de certa forma, indica tensões existentes 13 13 Isto fica mais evidente entre ABPM, AMAPEM, representante do MONAPE e CPP em Marudá. . Este fato é discutido por Rocha et al. (1996), em estudos sobre a organização política dos pescadores no nordeste do Pará.

Mediante as explicações anteriores referentes aos objetivos e estratégias relativos às ações desempenhadas pelo MONAPE e CPP, algumas lideranças de Marudá chamaram atenção para o fato de que elas atuam sem a participação dos pescadores da área. Esta mesma opinião é corroborada pelas críticas freqüentes aos MS na pesca, destacando que a intenção primeira de seus representantes está na obtenção de cargos políticos, seja em Marudá ou em outras regiões, indicando uma alternativa destes líderes em realizar cobranças mais diretas do Estado quanto à efetivação de políticas públicas dos setores específicos, como a pesca.

Sobre a referência dos pescadores aos 'interesses individuais' manifestados pelos representantes dos MS na pesca, notei que, em alguns estudos atuais, esta opinião também se manifesta por vários autores na América Latina, enfatizando, no entanto, que estes interesses podem acarretar desentendimentos internos dentro das entidades sociais, instalando a concorrência em cada um desses grupos. Deste modo, são reconhecidas as relações de disputa interna pelo poder, pois

[...] as diferenciações e propostas em concorrência remetem às diferentes situações sociais e apreensões desta situação. Revela-nos o modo de constituição dos sub-grupos (por convivência, por concepções políticas, por gênero, por raça, por lugar hierárquico etc.) e quais possibilidades que cada um representa (Alves, 1994, p. 90).

Sobre o comentário de Alves (1994), deve-se alertar que o posicionamento tomado por diversos representantes dos MS é analisar os conflitos como um processo inerente ao contexto de organização política destes movimentos, ou seja, uma postura saudável quando seus efeitos são em benefício da organização política dos MS de maneira geral e, principalmente, de sua base de sustentação.

Relativas aos impactos das ações do MONAPE e CPP, as opiniões se diversificavam, dependendo do universo a qual pertencem14 14 Associados, não associados, capatazes e lideranças. . No geral, ressaltam a ausência de ambos no desempenho de seus objetivos, colaborando para um impacto negativo na organização social e política dos pescadores em Marudá, o que, para os ex-capatazes, evidencia-se pela falta de articulação das associações locais e destes MS para concentrar um maior número de pescadores para eventos promovidos por ambos. Segundo estes informantes, isto reflete em conflitos entre o MONAPE e o CPP, o que, de certa forma, está se reproduzindo entre a associações e outras entidades locais, desvirtuando os objetivos para o qual foram criados.

A fragilidade de organização política no âmbito dos MS da pesca artesanal é bastante ressaltada pelos pescadores em Marudá. Esta crítica faz-se mais presente quando os pescadores relatam a ausência de amparo em situações de urgência na obtenção de material para a pesca, assistência à saúde e, principalmente, quando ocorrem acidentes com esposas, filhos e com o próprio pescador, além das orientações efetivas quanto à situação de desemprego, aposentadoria, acidente de trabalho e etc15 15 Estes direitos foram conquistados por fazerem pauta das reivindicações dos movimentos sociais na pesca. Mas não é notada a informação sobre estes contextos aos pescadores, pelo menos no caso específico destes profissionais em Marudá, à exceção dos poucos pescadores da AMAPEM e ABPM. . De certo modo, os MS deixam os pescadores com noções vagas sobre seus direitos e deveres na condição de profissionais.

O contexto mencionado oferece indicativos para que o MONAPE e o CPP articulem estratégias a fim de esclarecer seus objetivos, e principalmente deixar claro que sua missão nas comunidades pesqueira não é assistencialista e sim conscientizadora.

Apesar de ser compreensível a postura dos pescadores em relação aos fatores comentados anteriormente, há uma inversão de prioridades entre estes profissionais, colocando suas necessidades imediatas à frente de sua organização social e política. Além destas questões, vários relatos chamaram atenção ao reconhecerem sua própria falta de organização, onde avaliam a necessidade de 'união'16 16 Quando falam em 'união' os pescadores referem-se à importância de se organizarem, realizarem trabalhos em conjunto, reforçando os movimentos sociais na busca de seus direitos, e cumprirem seus deveres enquanto pescadores. , pois,

"Não existe união. O pessoá tudo são disigual. Se um qué fazer uma coisa, por mais que possa ter feito. Não é um pessoal unido que diz: vamos fazer? Vamos! Não! Se um faz uma cuisa ou outro já não faz. Aquele um, já vai esculhambar, anarquizar e assim nunca vai as coisas avante, uma sociedade positiva, nunca foi. Por isso que a sociedade aqui nunca foi avante" (Sr. Tito, pescador, 70 anos, Marudá, junho de 2000).

"O pescador é uma classe que é muito desorganizada. Ele nunca procura se organizá... O pessoal não gosta muito de se organizá mesmo. Fica nessa!... E aí em vez de ir pra frente, vai pra traz" (Floriano, pescador, 68 anos, Marudá, junho de 2000).

Para as lideranças, os impactos das ações do MONAPE e do CPP em Marudá, apesar das dificuldades, são positivos, com algumas ressalvas. A primeira delas é a necessidade de uma presença mais ativa de ambos em Marudá, o que pode incorrer na participação e envolvimento dos pescadores, incentivando, desta maneira, sua organização interna. Na percepção da representante informal do MONAPE17 17 Hoje, este representante não reside mais em Marudá, segundo última investigação de campo. em Marudá, isto poderá ser uma estratégia para recuperar a credibilidade dos pescadores desta região, possibilitando um trabalho mais aproximado do MONAPE e CPP, numa soma de esforços no atendimento às demandas referentes ao processo de organização destes trabalhadores do mar.

Segundo os informantes, caso ocorra esta fusão de esforços, seria de grande contribuição à diminuição da aparente tensão existente entre MONAPE e CPP pela disputa do espaço político na região e que reflete na ABPM e AMAPEM, comprometendo, em parte, um trabalho mais intenso em Marudá, pois,

"Acredito que... falta mas introsação entre dois, uma introsação das duas entidades pra tar junto.... pra que a coisa seja maior...Nós, nós devia caminhar juntos, o MONAPE, CPP e as Associações...Acho que é muito bom a introsação" (Representante da AMAPEM em Marudá, junho de 2000).

O relato demonstra que é um pouco complexa a realização de um trabalho conjunto entre MONAPE e CPP devido a questões estruturais internas não favoráveis, além de uma aparente disputa política instalada entre ambos no que diz respeito à conquista de espaço geográfico e confiança dos pescadores no estado do Pará.

O monape e o CPP: ações e perspectivas

Retornei à sede do MONAPE e CPP para verificar com seus representantes as informações obtidas em campo por pescadores e lideranças de Marudá. No que se refere ao planejamento de ações do CPP para a região do Salgado, esclareceu-se que os projetos do CPP não são voltados para o Salgado como um todo, já que os planos de ação baseiam-se na reunião e trabalhos com grupos formados localmente18 18 As cidades que compõem a zona do Salgado são Maracanã, Quatipuru, Marapanim e Santo Antônio do Tauá. . Este mesmo método de planejamento também é utilizado pelo MONAPE, segundo o seu presidente.

Em relação aos planos de ação para Marudá, o CPP chama atenção para o prejuízo destas ações no local, devido à falta de agentes pastorais na comunidade e à ausência de parcerias internas, influenciando no desenvolvimento do trabalho de orientações aos pescadores. Já o MONAPE tem um trabalho voltado não para esta área em si, mas sim para sua sede municipal, Marapanim, que se dissemina para outras áreas adjacentes, inclusive Marudá, fato que não é relatado pelos pescadores e pelas lideranças neste local.

Retomando a questão da possível disputa, seja ela política ou espacial, percebida pelos pescadores e lideranças19 19 Devo chamar atenção que a percepção dos pescadores sobre conflitos entre MONAPE e CPP foi presente somente entre os relatos dos associados da ABPM e AMAPEM, o que se explica justamente por estarem mais próximos do processo político que envolve estes movimentos sociais. entre o MONAPE e CPP, este último descarta qualquer intenção neste sentido, pois a preocupação da entidade é direcionada aos objetivos de seus trabalhos, sendo, no entanto, semelhante a do MONAPE. Por outro lado, a relação de trabalho entre os dois MS não se desenvolve com um contato direto aqui no Pará, mas em nível nacional, como ressaltou o presidente do MONAPE,

"... a nível nacional, nós temo uma excelente relação com a coordenação da pastoral dos pescadores [...] Não existe novas divergências ideológicas, que nem é nem política, nova divergência ideológica. Ela não chega a atingir o trabalho nem de um nem de outro. Por que, uma das coisas que a pastoral entendeu, foi exatamente que ela não tinha o poder de representação da categoria. E aí ela contribuiu pra que fosse criado esse movimento [o MONAPE]20 20 Nota do autor. , embora esse movimento não tenha o poder de representação [...] A nível de Estado, nós temos tido alguns estado que tem tido algumas divergências com as lideranças estaduais, mas que não tem implicado também no trabalho de organização. Inclusive agora com a pastoral dos pescadores daqui do estado do Pará, nós temo tido uma boa relação, nós temo acompanhado alguns encontro que eles tem efeito [...] o modo de trabalhar de um não é o modo de trabalhar do outro, então tem essa divergência, nós temos essa divergência. Mas a relação é boa como pessoa e como entidade" (Presidente do MONAPE, Belém, junho de 2000).

Todavia, a representante do CPP-Norte e o presidente do MONAPE ressaltam a inexistência de parceria entre ambos no Pará, que se concretizaria somente com a discussão de projetos, planejamento e propostas para o crescimento da região e, principalmente, o esclarecimento aos pescadores sobre seus direitos trabalhistas.

Os relatos deixam claro a existência de uma tensão, o que talvez tenha estimulado a desestruturação de alguns grupos em Marudá, a exemplo da ABPM, de onde surgiram a AMAPEM e Erva Vida21 21 O grupo de mulheres Erva Vida é formado por mulheres dissidentes da antiga formação da ABPM. Hoje algumas retornaram para esteúltimo, mas centram atenção no primeiro, que é produtor de remédios fabricados com plantas tradicionais da região. , levando a crer ser característico de uma reprodução dos conflitos MONAPE e CPP.

Referente aos impactos de suas ações, o CPP, apesar das divergências, vê como ponto positivo a atuação da ABPM como associação que desempenha ações como a conscientização sobre a não degradação do meio ambiente, impedindo derrubadas de manguezais. Outro ponto positivo foi o surgimento de outras associações, como a AMAPEM, com seu contingente maior formado pelas mulheres que buscam se organizar como trabalhadoras da pesca, desenvolvendo, principalmente, trabalhos e discussões sobre medicinas alternativas, dentre outras.

A avaliação acima é similar a feita pelo representante do MONAPE, ressaltando a parceria com institutos de pesquisa como o MPEG22 22 Além de subsidiar os movimentos sociais com os resultados da pesquisas desenvolvida pelo MPEG, através do Programa RENAS, em março de 1999, o MPEG instalou em Marudá um projeto que viesse auxiliar os pescadores nesta região. A sede piloto em Marudá é da ABPM, estando incluso a participação de todas as entidades e pescadores, associados ou não nesta empreitada, já que o objetivo principal do mesmo é o retorno dos resultados da pesquisa à comunidade por intermédio de cursos, palestras e capacitação destes profissionais da pesca. , através de estudos, apontando dados aos MS em prol do setor pesqueiro e do pescador que poderá dar um conotação para servir de exemplo a outras comunidades no sentido de reconhecerem os MS e a pesquisa científica na região, mas,

"Isso vai depender muito do pessoal que tá lá. Porque... nós temos uma deficiência na questão administrativa. Todos nós do movimento popular, todo o movimento popular, tem uma deficiência na questão administrativa. Ou por questões de conhecimento de administração de uma instituição ou por questão de conhecimento da ideologia partidária ou da própria ideologia pessoal (Presidente do MONAPE, Belém, junho de 2000).

A partir deste relato, o presidente do MONAPE ressalta que um trabalho mais intenso é necessário, pois "o pontapé inicial" está sendo feito na parceria entre a pesquisa e a comunidade.

Quando relatei os resultados obtidos nas entrevistas realizadas com os pescadores, ressaltando o não conhecimento destes sobre a existência do CPP, foi esclarecido pelo CPP-Norte que o objetivo dos agentes das pastorais é a ação direta e não a divulgação do nome CPP. Ou seja, o trabalho desempenhado pela entidade não tem o objetivo de transformar-se num marketing para o CPP. Para o presidente do MONAPE, este fato causou surpresa justamente pelo fato de o CPP já desenvolver várias atividades na região, bem como o MONAPE, através da ABPM.

Deste modo, a dirigente do CPP faz uma avaliação de que o processo de transformação de suas especificidades pesqueiras, através da inserção do turismo na região, impõe um outro tipo de mercado e leva a pastoral a discutir um possível afastamento desta área. Além da questão do turismo, há várias associações desenvolvendo trabalhos em Marudá, o que, de certa forma, tem intimidado seu desempenho pelos conflitos ainda existentes nesta vila de pescadores.

Por outro lado, o presidente do MONAPE ressaltou a necessidade de um trabalho mais direcionado à formação política das pessoas envolvidas com o MONAPE, chamando atenção, inclusive, à questão partidária. Para seu presidente, é por falta desta formação política que se percebe o desinteresse dos pescadores, já que pouco se discutem as concepções político-partidárias.

Além destas questões, o MONAPE discute a descentralização dos trabalhos da coordenação nacional, numa realização de pequenos projetos nos estados, voltado à formação político-social, político-sindical e político-partidária, em que há certa deficiência, resultando em perdas de presidências/coordenações de colônias e associações em vários estados, inclusive no Pará.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de qualquer consideração, deve-se ressaltar que o MONAPE e o CPP desenvolvem trabalhos de assessoria e orientação em várias regiões do Pará há anos e se tem notícias de excelentes resultados, a exemplo dos municípios de Abaetetuba, Santo Antônio do Tauá, Souzel e outros. Assim, os impactos de suas ações em Marudá, sejam eles positivos ou negativos, não devem ser considerados como parâmetro às outras regiões. Mas, o registro das dificuldades de articulações aqui demonstradas é importante para entendermos que os resultados negativos apontados pelos pescadores de Marudá influenciam nas atividades do MONAPE e CPP, principalmente no que diz respeito ao processo de organização social e política dos pescadores neste local.

Mesmo com objetivos e estratégias definidas, o MONAPE e o CPP enfrentam problemas de toda ordem, como insuficiência financeira, grupo reduzido de pessoal carente de capacitação técnica-administrativa, falta de assessoria própria e controle do número de associações e organizações alternativas de pescadores. Assim, retarda-se, de certo modo, o andamento de suas atividades e, principalmente, o alcance de seu objetivo fundamental, que é a organização e conscientização do pescador em Marudá e outras regiões23 23 Devo lembrar que este perfil técnico, político, administrativo e organizacional fora apontado em um diagnóstico solicitado pelo MONAPE, realizado pela CUT/CONTAG. .

Com uma pesquisa documental mais intensa no MONAPE, seus relatórios de avaliação apontam à inexistência de comunicação entre os seus integrantes, implicando na não difusão e repasse de eventos realizados pelo MONAPE, podendo ser um indicador de desarticulação no futuro24 24 Diagnóstico do MONAPE. CUT/CONTAG de Pesquisa, Desenvolvimento, Ação e organização da Pesca Artesanal, 1999. . Além disso, estes não permitem uma visualização de quais são as regiões atendidas por suas ações e principalmente as de maiores impactos na perspectiva da organização social e política dos pescadores, o que desvaloriza os trabalhos desenvolvidos pelo MONAPE e CPP.

Percebi que estas dificuldades apresentam-se possivelmente devido à criação recente do MONAPE e CPP, tendo como referência os MS no campo, não acumulando experiências necessárias para arregimentar um grande número de pescadores, levando-os, dessa maneira, a se desarticularem, o que implica numa precária relação como interlocutores dos pescadores, pelos menos no caso de Marudá.

Além dos problemas já mencionados, alguns relatórios, tanto do MONAPE quanto do CPP, apontam a falta de definição de papéis dos integrantes destas representações, como o papel dos coordenadores em suas bases estaduais, em que há necessidade de definições urgentes. Talvez esta definição fortaleça estes movimentos numa política de auto-sustentação, inclusive com atuações em conselhos nacionais, estaduais e municipais.

Direcionando o olhar aos relatos dos pescadores e das lideranças em Marudá, notei um impacto tímido das ações do MONAPE e CPP na região, resultando num descrédito destas entidades perante os pescadores, sejam elas nacional, estadual ou locais e, principalmente, em suas possibilidades de conquistas sociais. Segundo os pescadores e as observações em campo, este contexto possivelmente ocorre devido à disputa de espaço político entre as representações locais dos pescadores, o que levanta a hipótese de que esta realidade seja um reflexo dos conflitos entre MONAPE e CPP.

A falta de disponibilidade destas entidades e de seus representantes na região contribui para a timidez de suas ações em Marudá, provocando a desarticulação e possibilitando a inserção de pessoas e grupos estranhos nas organizações locais, direcionando as ações internas aos objetivos fora do contexto da pesca. Isto se soma à indisponibilidade de tempo dos próprios pescadores em participar de cursos e palestras25 25 De modo geral, o MONAPE e o CPP, quando tinham ações mais intensas na área, realizavam cursos e palestras nos finais de semana, pois eram nestes dias que, provavelmente, poderia ser arregimentado um número significativo de participantes nestes eventos. .

Mas não se pode negar que, mesmo sendo de uma maneira tímida, os MS da pesca têm contribuído para revelar a existência destes trabalhadores na pesca artesanal, mostrando seu modo de ser e sua importância produtiva e social. Não se deve deixar de lembrar também que esta invisibilidade ainda persiste, mesmo organizados político, econômica e socialmente. Possivelmente, ela exista pela ínfima participação política destes pescadores, segundo contexto discutido por Leitão (1997) e Furtado (1997).

No caso de Marudá, há uma necessidade de ser repensado o desenvolvimento de ações destes MS no local, de modo mais integrado na busca de atendimento das demandas dos pescadores, ou seja, uma luta articulada das necessidades gerais dos povos do mar que sofrem da exclusão social e das ausências de políticas públicas. Dentro desta perspectiva está também a divulgação das experiências de comercialização e uma intervenção mais direta nas propostas e elaborações de leis, programa e projetos de organização.

Por fim, neste caso, percebe-se que existem sérias carências quanto à orientação sobre os conflitos internos e externos destes MS e, principalmente, quanto ao esclarecimento dos interesses a serem atendidos. Por isso, é preciso reunir esforços para o alcance dos objetivos e para orientação política, econômica e social sobre as novas conotações particulares das ações coletivas, atualizando-se em seu desempenho no que tange à garantia e atendimento da classe e de representações pesqueiras, já que o MONAPE e CPP apresentam diferentes métodos de trabalho, mas objetivos e estratégias semelhantes. Isto também contribuirá para que não nos tornemos referência nacional pela falta de capacidade em mediarmos conflitos existentes em vários setores no meio rural, resultando, assim, em conflitos velados e mortes descabidas, como as dos agricultores de El Dourado dos Carajás e da missionária Dorothy Stang, em Anapú, Pará.

Recebido: 17/09/2004

Aprovado: 23/04/2007

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  • TOURAINE, Alain. Como sair do liberalismo? Bauru: EDUSC, 1989. (Coleção Filosofia e Política).
  • 1
    Na época da pesquisa em Marudá, as entidades da pesca existentes eram a Colônia de Pescadores, Conselho Pastoral da Pesca (CPP), Associação Beneficente dos Pescadores de Marudá (ABPM), Associação de Mulheres da Área Pesqueira de Marudá (AMAPEM) e a representante voluntária do Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE).
  • 2
    Deve ser lembrado que este movimento não era uma reação genuína dos pescadores, mas um processo cujo objetivo era um projeto maior de conquista social.
  • 3
    A inscrição na Colônia de Pescadores juntamente com o IBAMA é que dá o respaldo oficial para que os pescadores possam desempenhar suas atividades contando tempo de serviço para sua aposentaria. Por esta razão, utilizamos a categoria 'trabalhadores' e 'profissionais'.
  • 4
    Cinco anos após, foi criado o Regional Norte do CPP, com sede em Belém e atuação restrita ao no estado do Pará (Rocha et al., 1996).
  • 5
    O art. 8º da Constituição Federal garante aos pescadores liberdade organizativa e autônoma, equiparando-se aos sindicatos e colônias dos pescadores.
  • 6
    No Pará, o MONAPE é representado pelo Movimento dos Pescadores do Estado do Pará (MOPEPA), que, segundo Campos (1993),é composta por profissionais genuinamente da pesca.
  • 7
    Relato oral da representante do CPP no período da pesquisa, agosto de 2000.
  • 8
    Nacionalmente, sua estrutura organizativa é composta de um Congresso Nacional, composto pelas regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul; um Conselho Deliberativo com dois membros de cada estado; e uma Coordenação Executiva Nacional com quatro efetivos (Coordenador, Vice Coordenador, Secretário e Tesoureiro) e dois suplentes (1º suplente de secretário e 1º suplente de tesoureiro).
  • 9
    Durante a pesquisa de campo, entrevistei 42 pescadores, distribuídos entre associados e não associados à ABPM e AMAPEM e ex-capatazes. As lideranças foram entrevistadas separadamente, para uma comparação das respostas aos questionamentos feitos, as quais eram similares.
  • 10
    Isto ficou mais evidente quando obtive informações de que a ABPM recebe apoio parcial do MONAPE e a AMAPEM é apoiada pelo CPP.
  • 11
    Instalada na sede municipal de Marapanim, há 14 quilômetros da vila de Marudá.
  • 12
    As colônias de pesca foram criadas no Brasil no período colonial com a intenção de impedir a organização dos pescadores brasileiros, dando-se pela reação destes à inserção e favorecimento de pescadores portugueses no Brasil. Outro objetivo era a defesa da costa brasileira contra ataques estrangeiros. Assim, ao se colonizar, além de estarem diretamente tutelados ao Estado, os pescadores brasileiros não recebiam orientação sobre os seus direitos e deveres.
  • 13
    Isto fica mais evidente entre ABPM, AMAPEM, representante do MONAPE e CPP em Marudá.
  • 14
    Associados, não associados, capatazes e lideranças.
  • 15
    Estes direitos foram conquistados por fazerem pauta das reivindicações dos movimentos sociais na pesca. Mas não é notada a informação sobre estes contextos aos pescadores, pelo menos no caso específico destes profissionais em Marudá, à exceção dos poucos pescadores da AMAPEM e ABPM.
  • 16
    Quando falam em 'união' os pescadores referem-se à importância de se organizarem, realizarem trabalhos em conjunto, reforçando os movimentos sociais na busca de seus direitos, e cumprirem seus deveres enquanto pescadores.
  • 17
    Hoje, este representante não reside mais em Marudá, segundo última investigação de campo.
  • 18
    As cidades que compõem a zona do Salgado são Maracanã, Quatipuru, Marapanim e Santo Antônio do Tauá.
  • 19
    Devo chamar atenção que a percepção dos pescadores sobre conflitos entre MONAPE e CPP foi presente somente entre os relatos dos associados da ABPM e AMAPEM, o que se explica justamente por estarem mais próximos do processo político que envolve estes movimentos sociais.
  • 20
    Nota do autor.
  • 21
    O grupo de mulheres Erva Vida é formado por mulheres dissidentes da antiga formação da ABPM. Hoje algumas retornaram para esteúltimo, mas centram atenção no primeiro, que é produtor de remédios fabricados com plantas tradicionais da região.
  • 22
    Além de subsidiar os movimentos sociais com os resultados da pesquisas desenvolvida pelo MPEG, através do Programa RENAS, em março de 1999, o MPEG instalou em Marudá um projeto que viesse auxiliar os pescadores nesta região. A sede piloto em Marudá é da ABPM, estando incluso a participação de todas as entidades e pescadores, associados ou não nesta empreitada, já que o objetivo principal do mesmo é o retorno dos resultados da pesquisa à comunidade por intermédio de cursos, palestras e capacitação destes profissionais da pesca.
  • 23
    Devo lembrar que este perfil técnico, político, administrativo e organizacional fora apontado em um diagnóstico solicitado pelo MONAPE, realizado pela CUT/CONTAG.
  • 24
    Diagnóstico do MONAPE. CUT/CONTAG de Pesquisa, Desenvolvimento, Ação e organização da Pesca Artesanal, 1999.
  • 25
    De modo geral, o MONAPE e o CPP, quando tinham ações mais intensas na área, realizavam cursos e palestras nos finais de semana, pois eram nestes dias que, provavelmente, poderia ser arregimentado um número significativo de participantes nestes eventos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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