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CARTA DO EDITOR

O Ano da Alemanha no Brasil terá início em maio próximo, mas começamos a celebrá-lo neste número, por meio da publicação de dois documentos alusivos à memória da ornitóloga Emília Snethlage (1868-1929), pesquisadora do Museu Goeldi entre 1905-1921 e do Museu Nacional do Rio de Janeiro entre 1921-1929. O primeiro texto é um interessante relato de viagem ao rio Tocantins, de 1907, vertido do alemão e publicado pela primeira vez. Foi-nos cedido gentilmente pelo sobrinho-neto de Emília, Rotger Michael Snethlage, que tem sido um incansável divulgador da obra da zoóloga e também da de Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939), seu pai, antropólogo com importantes contribuições para a etnologia do Nordeste e da Amazônia. O segundo texto é o obituário de Emília, escrito por Emil-Heinrich e publicado originalmente em 1930, em alemão. Aqui também segue vertido, pela primeira vez, ao português.

Esperamos que ambos os documentos sinalizem a riqueza das relações científicas entre o Brasil e a Alemanha, intensas até a Segunda Guerra Mundial, em várias disciplinas, e estimulem a realização de novos estudos históricos e também a revisão da obra dos vários alemães, homens e mulheres, que percorreram ou viveram em terras brasileiras desde o século XVI. Ao longo de 2013 e 2014, o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas publicará fontes, ensaios e artigos referentes a cientistas que trabalharam no ou colaboraram com o Museu Goeldi durante a centenária história da instituição. O legado de Emília Snethlage, pela qualidade da obra e singularidade da sua trajetória profissional, é um bom começo.

Nove artigos compõem o sumário deste número. O primeiro, de Morgan Schmidt (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI), é uma detalhada e notável análise sobre a formação das manchas de terra preta existentes em aldeias indígenas do Parque Nacional do Xingu, o que permitiu ao autor argumentar em favor do potencial desse recurso, e dos sistemas indígenas de conhecimento e manejo do meio natural, para a conservação de ecossistemas amazônicos. Ainda no campo da arqueologia, Rafael de Abreu e Souza (Universidade Estadual de Campinas) divulga os resultados das escavações realizadas em uma chácara paulista que produzia vinho artesanal na primeira metade do século XX, chamando a atenção para as relações existentes entre essa atividade socioeconômica e a imigração europeia.

Entrando nas análises históricas, Christian Santos e colaboradores (Universidade Estadual de Maringá) estudam a dispersão e o cultivo de espécies de pimentos do Novo Mundo, a partir das viagens marítimas iniciadas pelos portugueses no século XV, tomando como fontes os escritos de cronistas, médicos, herbaristas e filósofos naturais. Por sua vez, André Vital e Gilberto Hochmann (Fundação Oswaldo Cruz) abordam um tema inovador: o conhecimento produzido pelos médicos da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas, conhecida como Comissão Rondon (1907-1915), a partir da interação com a população local. Carolina Brito e Nísia Lima (Fundação Oswaldo Cruz) também se dedicam a um tema relacionado à saúde, mas com foco no Serviço de Proteção aos Índios, particularmente na proposta de criação de um Serviço Médico-Sanitário da instituição, nas décadas de 1940-1950, que representaria o início de uma mudança nas ações sanitárias postas em prática pelo governo federal no interior do país. Encerrando este bloco de trabalhos, Ana Maria Andrade e Tatiane Santos (Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCTI) investigam a dinâmica política do processo de criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, encerrado em 1956, bem como os interesses militares e civis que permeavam o debate sobre a energia atômica no Brasil.

Entre os estudos antropológicos, Luciana Menegaldo (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e colaboradores descrevem as interações socioculturais entre moradores do Parque Nacional do Jaú (AM/RR) e a fauna silvestre local, analisando questões de gênero e geração. Paula Lacerda (Universidade Federal do Rio de Janeiro) também toca em questões de gênero ao discutir o papel dos movimentos sociais na Amazônia, particularmente na rodovia Transamazônica, refletindo sobre a vinculação com a Igreja Católica, sobre a relação com o Estado e sobre o protagonismo feminino. Finalmente, Flávio Silveira e Manoel Rocha (Universidade Federal do Pará) dão visibilidade às memórias de uma família residente em um bairro central de Belém (PA) para analisar as transformações das paisagens urbanas, sobretudo as que passam por processos de arruinamento.

Neste número, homenageamos Vicente Salles, falecido no último dia 7 de março, aos 81 anos. Ele foi autor de vultosa obra historiográfica e antropológica, incluindo alguns clássicos sobre a história da música e do teatro no Pará, e sobre a presença africana na Amazônia. Também era um atento observador das novidades editoriais, tendo feito questão, em sua última visita a Belém, de vir pessoalmente até o escritório desta revista propor um texto para publicação, oferta que, infelizmente, não foi concretizada. Para escrever um breve obituário do professor, convidamos Roseane Silveira de Souza (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), atualmente desenvolvendo tese de doutorado sobre sua obra, a quem agradecemos pelo pronto aceite. Homenageamos também o professor John Manuel Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas, falecido em 26 de março em um acidente automobilístico. Monteiro foi assíduo colaborador e um entusiasta de nossa revista, nunca se furtando a compartilhar seus conhecimentos e capacidade crítica. A ele e ao saudoso Vicente Salles, dedicamos este número.

Agradeço aos autores que aqui resenham quatro livros, pela generosidade dos comentários, e à dedicada equipe que produz a revista, pela paixão e total comprometimento com o trabalho.

Boa leitura!

Nelson Sanjad

Editor Científico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
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