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Antropologia e medicina: assistência à saúde no Serviço de Proteção aos Índios (1942-1956)

Anthropology and medicine: health care in the Serviço de Proteção aos Índios, Brazil (1942-1956)

Resumos

O artigo discute como as ações de atenção à saúde no Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foram concebidas. O período analisado compreende os anos de 1942 a 1956, respectivamente, o ano da criação da Seção de Estudos (SE) do SPI, reconhecido pela literatura que tem se dedicado ao tema como o momento de importantes mudanças no referido órgão, a partir da valorização das ciências sociais na estrutura administrativa, e o ano em que o antropólogo Darcy Ribeiro deixou a chefia da SE. Nesse contexto, analisamos a proposta de criação de um Serviço Médico-Sanitário do SPI, que sugere uma vinculação entre saberes médicos e antropológicos na promoção de melhorias sanitárias em benefício dos grupos indígenas.

Movimento sanitarista; Saúde indígena; Indigenismo; Política pública; Pensamento social; Antropologia


The article discusses how the actions of health care were planned by the Brazilian Serviço de Proteção aos Índios (SPI). The period analyzed covers the years from 1942, when the SPI Studies Section was founded, nowadays recognized as the beginning of important changes in this institution with the enhancement of social sciences in its administrative structure, to 1956, when the anthropologist Darcy Ribeiro left the direction of Studies Section. In this context, we analyze the plans for the SPI Medical and Sanitary Service, which suggest a link between medical and anthropological knowledge in promoting sanitation improvements to indigenous groups.

Sanitary movement; Indigenous health; Indigenism; Public policy; Social thought; Anthropology


ARTIGOS

Antropologia e medicina: assistência à saúde no Serviço de Proteção aos Índios (1942-1956)

Anthropology and medicine: health care in the Serviço de Proteção aos Índios, Brazil (1942-1956)

Carolina Arouca Gomes de Brito; Nísia Trindade Lima

Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Carolina Arouca Gomes de Brito Fundação Oswaldo Cruz. Prédio da Expansão. DEPES Avenida Brasil, 4036, sala 403. Manguinhos Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 21041-361 ( carolarouca@gmail.com)

RESUMO

O artigo discute como as ações de atenção à saúde no Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foram concebidas. O período analisado compreende os anos de 1942 a 1956, respectivamente, o ano da criação da Seção de Estudos (SE) do SPI, reconhecido pela literatura que tem se dedicado ao tema como o momento de importantes mudanças no referido órgão, a partir da valorização das ciências sociais na estrutura administrativa, e o ano em que o antropólogo Darcy Ribeiro deixou a chefia da SE. Nesse contexto, analisamos a proposta de criação de um Serviço Médico-Sanitário do SPI, que sugere uma vinculação entre saberes médicos e antropológicos na promoção de melhorias sanitárias em benefício dos grupos indígenas.

Palavras-chave: Movimento sanitarista. Saúde indígena. Indigenismo. Política pública. Pensamento social. Antropologia.

ABSTRACT

The article discusses how the actions of health care were planned by the Brazilian Serviço de Proteção aos Índios (SPI). The period analyzed covers the years from 1942, when the SPI Studies Section was founded, nowadays recognized as the beginning of important changes in this institution with the enhancement of social sciences in its administrative structure, to 1956, when the anthropologist Darcy Ribeiro left the direction of Studies Section. In this context, we analyze the plans for the SPI Medical and Sanitary Service, which suggest a link between medical and anthropological knowledge in promoting sanitation improvements to indigenous groups.

Keywords: Sanitary movement. Indigenous health. Indigenism. Public policy. Social thought. Anthropology.

INTRODUÇÃO

Ausência, inoperância e ineficiência são termos muito utilizados em textos de época e em análises contemporâneas sobre o Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Aplicáveis a problemas como acesso à terra e proteção frente a interesses contrários às populações indígenas, parecem encontrar ainda maior expressão no que concerne às condições de saúde. De fato, esse tema era praticamente invisível no âmbito da política nacional de saúde e tratado de forma incipiente no SPI, de 1910 a 1967, ou seja, ao longo de seus 57 anos de atuação. De acordo com autores que a ele se dedicaram, sua maior visibilidade ocorreu na década de 1950, sobretudo a partir da atuação do médico Noel Nutels e da criação do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), vinculado ao Serviço Nacional de Tuberculose do Ministério da Saúde (Santos et al., 2009; Paz, 1994; Costa, 1987).

A ênfase na ineficiência das ações e na avaliação das políticas indigenistas acaba, entretanto, dificultando que se considerem outras questões relevantes, entre elas a gênese de ideias e matrizes intelectuais para a abordagem de problemas relativos à saúde indígena e a reflexão mais ampla sobre as correntes de pensamento que se voltaram para as sociedades indígenas e o contato interétnico. Esta é a perspectiva adotada neste artigo, cujo objetivo é analisar propostas apresentadas durante as décadas de 1940 e 1950 no SPI, considerando que as mesmas alcançaram importantes desdobramentos nos anos que se seguiram. Foi o caso do Plano de Serviço Médico-Sanitário do SPI, apresentado, em dezembro de 1946, por Herbert Serpa, diretor da Seção de Estudos (SE) daquele órgão de 1944 a 1951. Um dos seus pressupostos consistia na necessidade de se criar uma especialidade - a saúde indígena - a partir de crítica às ações do Ministério da Educação e Saúde, que enfatizavam a assistência rural e a saúde das populações caboclas.

Consideramos que, naquele momento, surgiram algumas ideias sobre a especificidade que deveria orientar a saúde indígena, conformando, deste modo, uma matriz de interpretação sobre o tema, com implicações nas décadas seguintes. Com o objetivo de compreendê-la, analisamos as ideias que orientaram a atuação da Seção de Estudos do SPI, em particular a discussão em torno do que foi então conceituado como 'redução demográfica indígena', problema formulado pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Com base em reflexões que vêm orientando pesquisa sobre as ciências sociais e o campo da saúde pública nas décadas de 1940 e 1950 (Maio e Lima, 2009; Lima e Maio, 2010), pretendemos contribuir para a consolidação de uma linha de estudos voltada para as relações entre antropologia e saúde indígena no período em pauta.

A política indigenista e o papel do SPI têm se constituído em objetos de importantes pesquisas, entre as quais se destaca a de Souza Lima (1995) e sua instigante análise sobre o poder tutelar. No que se refere ao papel dos antropólogos e ao objeto da antropologia no contexto da Segunda Guerra Mundial, os estudos de Almeida (2004) e Figueiredo (2009) trouxeram importantes contribuições, inclusive sobre a atuação de antropólogos no SPI entre 1947 e 1964 e sobre a inserção da antropologia na agenda da saúde pública no Brasil. Entretanto, ainda não foram investigadas, de maneira mais aprofundada, as propostas apresentadas no âmbito dessa agência estatal como decorrência do encontro entre antropologia, saúde e questão indígena - o que constitui um importante capítulo da história das ciências sociais no país. A partir de uma perspectiva histórica, o estudo de tal encontro pode contribuir para a abordagem de dilemas contemporâneos expressos tanto na produção acadêmica como na agenda de políticas públicas.

VIAGENS CIENTÍFICAS E SANEAMENTO DO BRASIL: PRIORIDADE ÀS POPULAÇÕES SERTANEJAS OU CABOCLAS

A literatura que vem se dedicando à análise da história das políticas indigenistas tem ressaltado o predomínio do discurso assimilacionista e seu prognóstico da tendência ao desaparecimento dos indígenas, absorvidos pela sociedade nacional (Souza Lima, 1995; Barroso-Hoffmann et al., 2004; Souza Lima e Barroso-Hoffmann, 2002; Santos et al., 2009). Ainda que, a partir de pressupostos teórico-metodológicos distintos, tal discurso tenha recebido críticas desde a década de 1950, no plano das políticas públicas só houve mudanças significativas a partir da década de 1980, com o reconhecimento da sociodiversidade indígena brasileira na Constituição Federal de 1988, evidenciada por quase duas centenas de etnias, portadoras de diferentes línguas, cosmologias e formas de organização social e política (Santos et al., 2009; Carneiro da Cunha, 1992). Note-se ainda que, em contraste com o prognóstico de desaparecimento, os povos indígenas se encontram atualmente em crescimento demográfico (Pagliaro et al., 2005; Santos et al., 2009). Entretanto, tal não era o cenário projetado no início do século XX.

Desde os primeiros anos de atuação do SPI, o horizonte de desaparecimento dos povos indígenas esteve presente em documentos e em relatos de viagens científicas, a exemplo daquelas realizadas pela Comissão Construtora das Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, a Comissão Rondon (Sá et al., 2008). Dos textos elaborados a partir das atividades dessa comissão, o livro "Rondônia: anthropologia - ethnographia", de Edgard Roquette-Pinto (2005), pode ser tomado como exemplo bastante elucidativo. Publicado em 1917 como um relato da viagem de 1912 à Serra do Norte, onde se localizavam os povos Paresí e Nambikwara, esses em fase inicial de contato com a Comissão Rondon, foi apresentado pelo autor como uma tentativa de "tirar um instantâneo da situação antropológica e etnográfica dos índios da Serra do Norte, antes que principiasse o trabalho de decomposição que nossa cultura vai neles processando" (Roquette-Pinto, 2005, p. XIV).

Talvez por essa razão - a percepção do inevitável desaparecimento das sociedades Paresí e Nambikwara -, a defesa de uma etnografia sertaneja emirja como uma das principais propostas apresentadas, não obstante registros da cultura material e imaterial e das doenças identificadas pelo médico e antropólogo nessas sociedades ocuparem grande parte da obra. Nessa perspectiva, é interessante observar o lugar especial ocupado pelos Paresí na descrição das sociedades indígenas com as quais Roquette-Pinto estabeleceu contato. Para ele, os Paresí conformavam um exemplo de transição de 'índio' para 'brasileiro', processo mediado pela cultura sertaneja, isto é, referiu-se ao processo de assimilação dos Paresí à organização social do país, entendendo que eles deixariam de ser 'índios' para se transformarem em 'sertanejos' (Lima et al., 2005b). Valendo-se de um argumento com nítida inspiração na obra clássica de Euclides da Cunha, o autor identificou nos sertanejos o cerne da nacionalidade brasileira.

O exame da trajetória do antropólogo revela que, logo após a publicação de "Rondônia", ganhou relevo em suas atividades no Museu Nacional a ideia de se criar uma etnografia sertaneja, inclusive com a instalação de uma sala 'Euclides da Cunha' naquela instituição. Ocorreu também seu crescente envolvimento com as campanhas de reforma da saúde e da educação, realizadas durante as décadas de 1910-1930. Nelas, eram mobilizadas imagens sobre a necessária redenção dos brasileiros, que não estariam condenados por questões raciais, mas que necessitavam de políticas públicas nos campos da saúde e da educação (Lima e Sá, 2008).

Como observado em outros textos, a adesão de Roquette-Pinto ao positivismo desempenhou papel importante na obra, na qual se constata a ênfase no pertencimento de todos os povos a uma mesma humanidade, diferindo apenas quanto ao grau de civilização (Lima et al., 2005b). A ideia de evolução espontânea dos grupos indígenas - defendida tanto por Roquette-Pinto como por Rondon - está apoiada nessa perspectiva e se constituiu em um dos fundamentos da proposta de sua tutela pelo Estado, uma das características de longa duração da política indigenista no Brasil (Souza Lima, 1995).

Também nos discursos de Rondon, o sertanejo visto como cerne da nacionalidade, em perspectiva bastante semelhante às de Euclides da Cunha e Roquette-Pinto, era enaltecido. É o que pode ser observado na seguinte citação, extraída da conferência por ele proferida durante as comemorações do segundo centenário da cidade de Cuiabá:

Mas os grandes feitos que hoje comemoramos não resultaram dessa espécie de aliança, desse concurso efetivo e necessário da capacidade coordenadora do português com a força das massas indígenas que ele submetia e dirigia. Esforços tão novos como esses que foram teatro os vastos sertões que se estendiam para além da linha de Tordesilhas exigiam, para se traduzirem em fatos, a criação de um novo tipo de homem, o mameluco, ou para melhor nos exprimirmos, exigiam o aparecimento do

legítimo brasileiro

- nascido da transfusão num só indivíduo das qualidades, da inteligência, de caráter e sentimento que se encontravam separadamente acentuadas, ora no europeu, ora no americano (Rondon

apud

Viveiros, 1958, p. 468, grifo nosso).

Do mesmo modo que Roquette-Pinto expressou-se ao abordar as relações entre a Comissão Rondon e os Paresí, Rondon estabelecia contato e propunha políticas para as populações indígenas, mas identificava nos caboclos ou mamelucos, dos sertões, o arquétipo do brasileiro. Tal exaltação do sertanejo já havia encontrado espaço anteriormente na literatura romântica, mas no contexto da Primeira República ela foi associada a campanhas de denúncia e de mobilização da opinião pública em torno da tese da necessária integração dos sertões brasileiros, retórica fortemente usada pela Comissão Rondon e pelos relatórios das viagens médicas promovidas pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

No mesmo período em que era criada uma agência estatal específica para lidar com a questão indígena, sugestivamente denominada Serviço de Proteção aos Índios e de Localização dos Trabalhadores Nacionais1 1 O Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), criado pelo Decreto 8.072, de 20 de junho de 1910, vinculado ao Ministério da Agricultura, passou a se chamar Serviço de Proteção aos Índios (SPI) a partir de 1918. O SPI apresentou-se como a primeira instituição governamental brasileira direcionada para a causa indígena. , esboçava-se uma das características das ações de saúde pública predominantes até a década de 1980: a ênfase na saúde dos sertanejos. Assim, paralelamente à gênese do discurso assimilacionista no que se refere às sociedades indígenas, apresentou-se a proposta de recuperação das populações sertanejas, sobretudo pelo que foi posteriormente denominado movimento sanitarista da Primeira República (Castro Santos, 1985), cujas ideias orientaram as agências voltadas para a política de saúde em nível nacional.

Ainda que fatores diferentes tenham contribuído para essa construção imaginária, consideramos que as viagens científicas do início do século XX desempenharam papel de destaque, expedições que, ademais, se apresentavam como missões civilizadoras da República (Lima, 1998, 1999). A partir de 1907, na mesma época em que a Comissão Rondon procurava desbravar os sertões, construir linhas telegráficas e realizar levantamento científico em extensa área do território nacional, intensificaram-se as viagens científicas promovidas pelo IOC. As primeiras expedições destinaram-se aos trabalhos profiláticos que acompanharam ações relacionadas às atividades exportadoras, base da economia do país: construção de ferrovias; saneamento dos portos; estudos voltados à extração da borracha na Amazônia (Lima, 1999; Thielen et al., 2002).

Foi também nesse contexto que Carlos Chagas e Belisário Penna dirigiram-se, em junho de 1907, a Lassance, no norte de Minas Gerais, por requisição da Estrada de Ferro Central do Brasil, que projetava estender a ferrovia até Belém, capital do estado do Pará. A finalidade principal era realizar a profilaxia da malária, que dizimava os trabalhadores contratados pela empresa para prolongar a linha férrea até Pirapora. Durante os trabalhos, Chagas realizou várias observações sobre um inseto hematófago, comum na região, popularmente conhecido como barbeiro. Verificou que o inseto era o vetor de uma doença até então desconhecida, que associou a uma série de manifestações mórbidas. Causada por um protozoário, denominado por Carlos Chagas como Trypanosoma cruzi, a doença recebeu inicialmente o nome científico de tripanossomíase americana, e posteriormente doença de Chagas. A despeito da intensa controvérsia sobre essa descoberta científica, que ocorreu em 1909, ela se tornou um símbolo da medicina brasileira e da alta qualificação da ciência nacional (Kropf, 2009).

Na década de 1910, merecem destaque as viagens promovidas pelo IOC em apoio às atividades da Inspetoria de Obras contra as Secas, com o objetivo de realizar o inventário das condições epidemiológicas e socioeconômicas das regiões percorridas pelo rio São Francisco e de outras áreas do Nordeste e Centro-Oeste brasileiros. A viagem que se tornou mais conhecida foi a de Arthur Neiva e Belisário Penna, dirigida a localidades situadas nos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás.

No intervalo de sete meses, de março a outubro de 1912, os dois médicos foram responsáveis por amplo levantamento das condições de vida das populações locais, por expressivo registro fotográfico e pelo relatório que se tornou uma referência para o movimento pelo saneamento rural na Primeira República (Castro Santos, 2004, 1985; Hochman, 1998; Lima, 1999; Thielen et al., 2002). É à 'descoberta' desse Brasil ignorado e doente, pelas viagens médicas do IOC, e em particular à descoberta de Carlos Chagas, que alude uma das frases que se tornou emblemática do movimento pelo saneamento dos sertões e da criação da Liga Pró-Saneamento do Brasil, em 1918: o Brasil como um imenso hospital, segundo a forte expressão utilizada por Miguel Pereira (Kropf, 2009; Sá, 2009). Segundo esses cientistas, as moléstias endêmicas representavam o maior obstáculo à construção da nacionalidade e ao progresso do país. A apatia do trabalhador rural, até então atribuída à raça, deveria ser explicada pela doença e, no caso de Roquette-Pinto, em grande parte, pelo analfabetismo. O sertão era definido pela doença generalizada e pela distância em relação aos poderes públicos. Note-se que Neiva, Penna e Roquette-Pinto tomariam parte, logo após essas viagens, do movimento pelo saneamento rural e da criação de novas instituições e agências estatais nas áreas de saúde, educação e ciência.

O retrato do país esboçado nos textos da época apontava a doença, e não o clima e a raça, como o principal problema para o progresso. O atraso só poderia ser explicado pelo abandono a que eram relegadas as populações do interior do Brasil, o que nos leva a pensar em uma mudança sutil, porém significativa, em relação ao tema do isolamento do sertanejo proposto anteriormente por Euclides da Cunha. Para a difusão dessas ideias, muito contribuiu a publicação de artigos na imprensa, por Belisário Penna, no jornal "Correio da Manhã", e por Monteiro Lobato, em "O Estado de São Paulo". Os textos do primeiro foram republicados, em 1918, no livro "Saneamento do Brasil", porém a mais ampla divulgação decorreu dos escritos de Monteiro Lobato, reunidos em "Problema Vital", no mesmo ano, com a inclusão do famoso texto sobre a regeneração de Jeca Tatu, um de seus personagens mais conhecidos, representativo dos pobres, sobretudo dos lavradores e de outros trabalhadores rurais, na literatura brasileira (Lima, 2009).

No que se refere ao tema deste artigo, também chamam atenção as poucas referências às populações indígenas em relatórios de viagens realizadas a regiões e localidades marcadas pela sua presença2 2 Referências às populações indígenas, ainda que pontuais, podem ser encontradas no relatório da viagem realizada por Carlos Chagas ao vale do rio Negro em 1913 (Schweikardt e Lima, 2007). Um dos médicos que mais se debruçou sobre as condições de vida de sociedades indígenas foi Julio Paternostro, em "Viagem ao Tocantins" (Lima, 2009). O livro deste médico, publicado pela coleção Brasiliana, foi saudado pelo sociólogo Florestan Fernandes (1979), entre outras razões, por chamar atenção para os problemas das sociedades indígenas, tema que considerava invisível na historiografia brasileira. . O foco eram as populações sertanejas, como é possível verificar nos relatórios de viagem, à exceção da já mencionada Comissão Rondon, e sua divulgação na imprensa, assim como em livros de grande circulação para a época. Esses veículos contribuíram para a associação entre sertões e doenças que acometiam populações sertanejas, abordando apenas pontualmente a saúde e as condições de vida das populações indígenas.

Interessa-nos observar como, a partir da divulgação dos relatos de viagem e do movimento pelo saneamento dos sertões, construíram-se imagens duradouras sobre as populações rurais brasileiras, que persistiram no debate intelectual e político das décadas seguintes. Estas fortes imagens continuaram a ser mobilizadas no debate intelectual e político sobre os rumos do país, tão bem sintetizadas na metáfora do 'Brasil- hospital', criada por Miguel Pereira (Sá, 2009). Tal retórica esteve presente no processo de centralização das políticas de saúde em nível federal, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920, e persistiu na criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1931, e do Ministério da Saúde, em 1953 (Hochman, 1998; Hamilton e Fonseca, 2003; Lima et al., 2005a).

A análise das políticas de saúde para as populações indígenas requer uma discussão mais geral. Criou-se, no início da República, uma agência estatal específica para estas populações - o SPI - e conformou-se, em 1920, uma maior centralização das ações de saúde com a criação do DNSP. Uma hipótese para explicar a ausência da questão indígena nas políticas nacionais de saúde até, pelo menos, a década de 1950, poderia ser encontrada nesta segmentação institucional. Contudo, tal explicação não nos parece suficiente, pois consideramos que um dos pressupostos da saúde pública consistiu na tentativa de mudança das condições de saúde e de vida das populações sertanejas, ou, se quisermos reproduzir expressão corrente nas décadas de 1910 e 1920, na 'redenção do homem sertanejo'. Desse modo, mais do que resultado de uma segmentação institucional, a relativa invisibilidade da saúde indígena deve ser encontrada na relação complexa entre Estado, populações indígenas e concepções sobre nacionalidade. Tratava-se de construir o ideal de 'homem brasileiro', tendo por base o caboclo, resultado da miscigenação entre o branco europeu e o indígena. A campanha pelo saneamento rural deixara na sombra as populações nativas.

A CRIAÇÃO DA SEÇÃO DE ESTUDOS E A PROPOSTA DE UM SERVIÇO MÉDICO-SANITÁRIO DO SPI

Parte integrante do regulamento e dos objetivos primeiros do SPI, a questão da assistência sanitária ao índio não foi, ao longo de sua atuação, estruturada de forma regular e eficiente (Brito, 2011; Paz, 1994; Oliveira, 2008; Figueiredo, 2009). Entretanto, denúncias e registros sobre epidemias, sobre a falta de assistência às populações e a fragilidade do SPI constam nos relatórios e inquéritos realizados pelo Serviço desde suas origens até, pelo menos, a década de 1950. Os problemas apontados consistiam na falta de material médico e de profissionais da saúde, além da constatação de prejuízos advindos do processo de contato entre índios e brancos, dado o impacto do convívio entre ambos.

Desde a década de 1920, registrava-se naqueles documentos que a notável dificuldade sanitária enfrentada pelos grupos indígenas assistidos pelo SPI contribuiu largamente para o agravamento da diminuição demográfica indígena. No início daquela década, o registro da mortalidade de crianças indígenas era feito no relato dos chefes de inspetorias do SPI, como é o caso de Bento M. Pereira de Lemos, chefe da IR1 (inspetoria do Amazonas e território do Acre). Em 1921, ao acompanhar os índices de mortalidade indígena na região, ele afirmou: "Era péssimo o estado sanitário de muitas regiões da Amazônia, onde faleciam muitas crianças" (Lemos apud Freire, 2007, p. 42).

As epidemias também eram apontadas como responsáveis por inúmeras mortes entre os indígenas, como atesta o relatório do Posto de São Jerônimo:

Em 1923, terrível surto de gripe epidêmica prostrou a todos os índios e exterminou não pequeno número dentre eles. (...) A causa da grande mortandade de índios, por ocasião da epidemia, foi principalmente pela desatenção que estes votam ao regime médico e dietético. Durante todo o ano de 1923, morreram na povoação indígena S. Jerônimo 39 índios, sendo 13 homens, 11 crianças e 6 mulheres. Em consequência da tuberculose, 2, e outras doenças, 7

3 3 Relatório do Posto São Jerônimo, 1923. Microfilme 380, fotograma 0002. Museu do Índio, Fundação Nacional do Índio (doravante FUNAI), Rio de Janeiro.

.

O trecho acima traz à cena perspectivas sanitárias que vão além da contaminação e da falta de assistência médica. A transmissão de doenças infecciosas e parasitárias figura como parte das razões que levaram à morte grande número dos índios atingidos pela gripe. As dificuldades para a introdução da medicina 'científica' constituem outro tema importante nos registros do SPI. Destaca-se, ainda, que o discurso expresso no trecho citado aponta para uma visão recorrente entre os agentes da biomedicina da época, onde se tenta culpabilizar os índios.

Quase duas décadas mais tarde, o inspetor Francisco Meireles, chefe das turmas de atração dos índios Xavante, em relatório sobre as atividades no rio das Mortes durante o ano de 1945, apresentado ao diretor do SPI, José Maria de Paulo, afirmou:

Não posso deixar de lavrar meu protesto e manifestar minha indignação ante o estado de abandono em que fui encontrar estes índios que arrastam hoje uma existência infeliz. Frente ao que vi e descrevo nestas ligeiras linhas é que sugiro o envio de um médico e uma pequena farmácia de urgência a fim de examiná-los e providenciar hospitalização daqueles que sejam portadores de moléstias infecto-contagiosas, tais como lepra, tuberculose, doenças venéreas e etc., bem como prescrever tratamento e cuidados a serem executados, com o fim de prevenir contágios e consequente propagação desses males

4 4 Relatório do Inspetor Francisco Meireles, 1945. Microfilme 381, fotograma 0306. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

.

Durante a década de 1940, iniciativas importantes indicaram novas abordagens para a questão indígena. Em 1939, foi criado o Conselho Nacional de Proteção ao Índio (CNPI), diretamente vinculado ao Ministério da Agricultura, por meio do Decreto-Lei 1.794, de 22 de novembro de 1939 (Freire, 1990, 1996). O CNPI configurou-se como órgão normativo em relação ao SPI. Os objetivos expressos em seu primeiro regulamento referiam-se a: "I- Promover e orientar estudos e investigações sobre as origens, línguas, ritos, tradições, hábitos e costumes dos índios (...); IV- Dar ao SPI cooperação na realização da finalidade deste"5 5 Regulamento do Conselho Nacional de Proteção ao Índio, 1953. Microfilme 2B, fotogramas 2145-2201. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. . Entre as propostas apresentadas àquele órgão, encontrava-se a sugestão de Roquette-Pinto para a criação de um serviço médico volante no sertão, destinado à assistência aos indígenas e a trabalhadores rurais6 6 Carta de Cândido Rondon a Edgar Roquette-Pinto, 28 de julho de 1941. Arquivo do Acadêmico Edgard Roquette-Pinto, Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro. .

A criação do CNPI ocorreu em um contexto marcado por conflitos relacionados à expansão das atividades econômicas, sobretudo na região Centro-Oeste. Ainda que os textos constitucionais garantissem aos indígenas a posse das terras por eles ocupadas, a própria expansão de atividades agrícolas e pecuárias não poderia ocorrer sem que tais direitos fossem colocados em questão e se verificassem graves problemas em diversas localidades.

No âmbito das políticas do governo federal, outra importante iniciativa com forte impacto na abordagem da questão indígena consistiu na criação da Fundação Brasil Central, vinculada ao Ministério da Agricultura, que promoveu expedições voltadas ao conhecimento e à integração do território (Maia, 2012; Paiva, 2003; Paz, 1994). Em 1943, foi realizada a expedição Roncador-Xingu, sob o comando do médico Noel Nutels e dos irmãos Villas-Boas, e que teve como um dos principais resultados o estabelecimento, em 1946, do Parque Indígena do Xingu. Essa experiência foi importante para a criação, dez anos mais tarde, também sob a liderança de Nutels, do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), vinculado ao Ministério da Saúde (Paz, 1994; Costa, 1987; Paiva, 2003).

No mesmo período, a abordagem da saúde indígena em tom de forte denúncia e solicitação de providências constava do relatório encaminhado ao Ministério da Agricultura por Modesto Dias da Cruz, diretor do SPI de 1947 a 1951:

(...) já salientei que a assistência médica do SPI tem sido nula, considerando, portanto, essa minha ponderação como parecer supra. (...) Se a assistência médica aos índios não tem sido, até então, cuidada como medida essencial, não poderemos permanecer neste erro incompreensível que não paga a pena discuti-lo e sim resolvê-lo

7 7 Relatório de gestão de Modesto Dias da Cruz, 1947. Microfilme 1A, fotograma 4219. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

.

Denúncias semelhantes à apresentada por Cruz eram constantes nos documentos dos dirigentes do SPI, quase sempre acompanhadas de demandas ao Ministério da Agricultura, no sentido de estabelecer ações sanitárias e assistenciais regulares. É o caso do relatório de Vicente Vasconcelos, datado de 1930 (Souza Lima, 1995, p. 291). As constantes demandas dessa natureza indicam a fragilidade do SPI no âmbito do aparelho de Estado e também permitem breve digressão sobre as possibilidades de reconstituir sua história. É interessante notar que exatamente nestas fontes - de caráter oficial - encontremos fortes evidências dos problemas constatados no contato entre os agentes do Estado e as populações indígenas, ao contrário do que se verifica com frequência em outras fontes provenientes de agências estatais, que tendem a neutralizar os aspectos negativos e as críticas.

No período em exame, podem-se verificar ações e propostas que foram além da denúncia e de demandas formuladas para um SPI fragilmente estruturado. Autores que o tomam como objeto de estudo são unânimes em afirmar que a década de 1940 apresenta-se como uma nova fase do órgão, notadamente após a criação, em 1942, da Seção de Estudos (SE). Com ela, intensificou-se o registro cinematográfico e documental das sociedades indígenas, além dos estudos etnológicos (Figueiredo, 2009; Oliveira, 2008; Souza Lima, 1995; Oliveira, 1978). Como disposto em seu regulamento, tratava-se de: "documentar, através de pesquisas etnológicas e linguísticas, de registros cinematográficos e sonográficos, todos os aspectos das culturas indígenas, orientando suas atividades de modo a proporcionar diretrizes científicas à ação assistencial do SPI"8 8 Regimento do SPI, art. 8º, alínea h, 1942. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. .

A partir de 1944, sob a direção de Herbert Serpa (1944-1951), a SE assumiu uma nova orientação, que, além de preconizar a realização de estudos de cunho etnológico, postulava a necessidade de enfrentar as questões sanitárias relativas ao contato entre 'civilizados' e indígenas9 9 A contratação de Serpa se deu sob forma de cargo comissionado e não como funcionário do Ministério da Agricultura. Sua contratação efetiva ocorreu em março de 1947. Sobre o assunto, ver Couto (2005) e o Microfilme 374, fotograma 0024, do Serviço de Arquivo do Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. . No final de 1946, Serpa propôs a criação de um Serviço Médico-Sanitário no âmbito do SPI10 10 Plano do Serviço Médico para 1947. Microfilme 1A, fotogramas 4207 a 4224. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. , iniciativa apontada por Souza Lima (1995, p. 291) como resultante de uma tentativa de ampliação do espectro da assistência prestada pelo órgão. O Serviço Médico tinha como ponto de partida algumas considerações acerca da ausência de dispositivos específicos que dessem conta da saúde indígena no Departamento Nacional de Saúde (DNS). Segundo Serpa, o regimento do DNS, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde e formalizado pelo Decreto 8.674, de 4 de fevereiro de 1942, apresentava apenas implicitamente a questão sanitária das sociedades indígenas, privilegiando o saneamento rural. Herbert Serpa aponta as deficiências desse regulamento no tocante às especificidades culturais dos indígenas, os quais, segundo ele, não poderiam ser assistidos nos mesmos moldes dos 'civilizados'.

O chefe da SE destacou também a falta de atenção dada à saúde no âmbito do SPI. Em suas palavras: "O espírito que tem predominado nos trabalhos do SPI, de modo geral, é mais de ordem econômico-administrativo que de qualquer outra espécie". Em conclusão à primeira parte do documento, Serpa afirmou que, "embora os problemas de ordem médico-sanitária dentro das atividades do SPI tenham sido cuidados, não o foram sob as determinações de um regimento sanitário, nos moldes básicos do DNS". A proposta de organização de um Serviço Médico do SPI foi considerada, então, inédita na história administrativa do órgão: "Segundo crê esta SE, os problemas deste gênero (médico-sanitário) têm sido resolvidos segundo a eventualidade. Nem esta chefia já teve conhecimento de qualquer plano geral para a solução do assunto"11 11 Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4212. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. .

Quanto à organização do Serviço Médico-Sanitário, destaca-se a localização da sede, no Rio de Janeiro, sede também do SPI. Para Serpa, a proximidade entre as chefias ajudaria na comunicação e na administração. No Rio de Janeiro ficaria a superintendência do serviço, sob responsabilidade de um 'médico chefe geral'. E cada inspetoria regional, com sedes em Manaus (IR1), Belém (IR2), São Luiz (IR3), Recife (IR4), Campo Grande (IR5), Cuiabá (IR6), Curitiba (IR7), Goiânia (IR8) e Porto Velho (IR9), teria como responsável um 'médico chefe regional', além de um corpo técnico auxiliar, que contaria com enfermeiros homens e mulheres, "de acordo com a necessidade do posto".

É importante observar que o documento é um esboço para a organização de um Serviço Médico do SPI, um esforço dirigido por uma equipe formada por médicos, com especialização em medicina indígena - para o que seriam necessários conhecimentos antropológicos. Com efeito, o Serviço Médico que viria a ser organizado na década de 1950, no âmbito da Seção de Orientação e Assistência, revelou-se bem mais limitado do que preconizava a proposta de Serpa. De sua criação decorreu o estabelecimento de pequenas farmácias nos postos indígenas e, em alguns deles, a assistência de uma enfermeira (Figueiredo, 2009, p. 183).

No plano elaborado por Serpa, a assistência médica deveria estar de acordo com a Divisão de Organização Sanitária do DNS, apresentando, entretanto, formulação de práticas sanitárias específicas para os indígenas, segundo a orientação da SE do SPI. Tais especificidades não caracterizavam questionamento à medicina ocidental, como afirma o próprio documento:

A medicina preventiva e curativa que convém aos índios deve ser considerada em geral como uma especialidade. É naturalmente coparticipante da medicina civilizada, em todos os processos e técnicas de identificação ou diagnose e da arte da terapêutica, uma vez que o espírito do Serviço Médico do SPI que incide nos conflitos culturais eventuais, nesse campo, tende a firmar-se em favor da medicina civilizada, como é natural

12 12 Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4215. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

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Sob o tópico "Sugestões", Serpa fez menção a dois temas importantes para nossos propósitos:

III - Dada a existência de grupos indígenas nos mais diversos pontos do território nacional brasileiro, em contato ou não com as populações civilizadas das zonas rurais, sertanejas desertas, nestas últimas através de contatos eventuais com trabalhadores da agricultura extrativa, ou com os componentes das missões científicas, seria errôneo dizer-se que os problemas médicos dos Índios se enquadram apenas no grupo das doenças tropicais

13 13 Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4213. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

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O segundo tema refere-se à preparação dos médicos que participariam do Serviço, o que deveria incluir uma especialização em etnologia, a fim de melhor compreenderem os problemas médico-sanitários das sociedades indígenas, além de resolver conflitos possíveis entre doentes e o médico:

IV - Nas áreas indígenas sob o controle dos Postos Indígenas do SPI os problemas médico-sanitários devem ser estudados à luz dos padrões sanitários brasileiros, não obstante exigirem médicos que para isto se especializam no trato dos problemas etnográficos, ou melhor, da nova antropologia cultural

14 14 Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4213. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

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Tratava-se, sobretudo, de levar em conta a concepção que o silvícola tinha de 'doença', para que o médico pudesse empreender uma "prática persuasiva". No referido documento, encontra-se a seguinte afirmativa:

São inegáveis as profundas diferenças e divergências existentes entre a "Medicina" Indígena e a dos civilizados; enquanto aquela se baseia em falso e primitivo conceito de vida, e se exerce empiricamente através de práticas supersticiosas e mágicas, a dos civilizados se baseia em técnicas e métodos científicos experimentais sob a condição da moral civilizada cujos valores se tornam incomparáveis àqueles dos primitivos silvícolas

15 15 Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4215. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

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Tal concepção sobre a instrumentalidade do conhecimento antropológico na afirmação da medicina científica e no suporte a ações sanitárias encontra paralelo em programas de saúde pública, orientados pelo que se denominava, à época, mudança social provocada ou dirigida, nos contextos da Segunda Guerra Mundial, do pós-guerra, da Guerra Fria e do processo de descolonização. Entre tais programas e iniciativas, os quais não se restringiram à experiência brasileira, encontra-se o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criado em 1942 por um acordo de cooperação entre os governos brasileiro e norte-americano, e que teve no envolvimento de cientistas sociais em ações de educação sanitária de populações rurais uma de suas mais marcantes características (Campos, 2006; Maio e Lima, 2009; Figueiredo, 2009; Cardoso, 2009; Lima e Maio, 2010). Nas palavras de José Arthur Rios16 16 RIOS, José Arthur. Entrevista realizada por Nísia Trindade de Lima, Marcos Chor Maio e José Leandro Cardoso. Acervo História Oral. Casa de Oswaldo Cruz, 2006. , que na década de 1950 dirigiu a seção de pesquisa social do SESP, ao cientista social cabia atuar como um tradutor da cultura do assistido nos termos do grupo cultural que o administrador representava. Guardadas as diferenças entre as representações então predominantes sobre as populações rurais e as indígenas, verificava-se a mesma tendência de pensar a saúde como um valor externo às populações que eram objeto das políticas de Estado.

Entretanto, a vinculação entre os conhecimentos antropológicos e as ações de saúde verificada no SPI, após a criação da SE, não ocorreu sem tensões e vozes dissonantes no que concerne às visões sobre saúde indígena e aos efeitos do contato interétnico, conforme abordaremos mais à frente.

Foram preocupações dessa natureza, e não apenas o registro etnográfico das manifestações culturais das sociedades indígenas, que estiveram na origem da contratação dos primeiros antropólogos pelo SPI. Um dado importante no contexto intelectual da década de 1940 consistiu na formação especializada de antropólogos pela Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), criada em 1933 (Limongi, 1989; Figueiredo, 2009; Oliveira, 2010). No campo da etnologia lecionada nessa instituição, Herbert Baldus despontou como importante referência e se caracterizou, conforme observaram Passador (2002) e Figueiredo (2009), por um viés político que associou estudos culturais e ação indigenista voltada para a solução de problemas verificados no contato. Entre os jovens que concluíram o mestrado na ELSP, sob a orientação de Baldus, Darcy Ribeiro viria a desempenhar papel relevante no SPI durante a década de 1950.

DARCY RIBEIRO E O TEMA DA REDUÇÃO DEMOGRÁFICA

Em 1947, a Seção de Estudos contratou no cargo de naturalista, o único então existente, uma vez que não havia carreira específica para cientistas sociais no Estado, o linguista Max Boudin e o antropólogo Darcy Ribeiro (Figueiredo, 2009). Foi assim que o último passou a realizar inúmeros trabalhos de cunho etnológico acerca das populações assistidas pelo SPI. Na dupla condição de autor e ator do processo de reconhecimento do indígena brasileiro, Ribeiro nos oferece importantes referências sobre essas populações e suas relações com a política e a sociedade brasileira do período, sobretudo no que tange à criação e ao funcionamento do SPI. A contribuição de Darcy Ribeiro, enquanto funcionário do órgão, ultrapassou os limites institucionais com a ampla divulgação dos problemas decorrentes da relação entre indígenas e sociedade nacional, especialmente no que concerne à questão da redução demográfica, denunciada em artigos e documentos oficiais do SPI.

Um dos textos emblemáticos sobre essa questão foi publicado em 1956 e, posteriormente, como capítulo do livro "Os índios e a civilização", de 1970, sob o título "Convívio e contaminação". Nele, Ribeiro apresenta diversos fatores que estariam levando à crescente 'depopulação' de grupos inteiros. Um dos aspectos centrais do texto refere-se ao efeito nocivo do contato entre índios e brancos, considerando que os indígenas que se encontravam em melhores condições de vida eram exatamente os que menos se aproximavam dos 'civilizados'.

A análise ultrapassa as questões vinculadas a uma possível fragilidade biológica dessas populações e lança mão de assuntos caros à antropologia, como, por exemplo, a cultura e o sistema de parentesco concernente a cada sociedade. Ou seja, para Ribeiro, além das moléstias trazidas pelos civilizados, as novas formas de organização social e econômica, muitas vezes impostas às sociedades indígenas, provocariam a sua desestruturação, podendo levá-las à extinção. Importante destacar que os estudos do antropólogo não se limitaram ao registro de epidemias ou à produção de dados estatísticos acerca das populações indígenas visitadas. Sua preocupação residia nos efeitos que a crescente redução demográfica provocaria nesses grupos. O autor destacou que os efeitos dissociativos da depopulação poderiam ser verificados mesmo depois de passadas as primeiras epidemias que a ocasionaram, tão profundas as transformações que provocava, tais como alterações na distribuição e nas inter-relações dos vários grupos locais, na organização familiar, no casamento, enfim, em todas as instituições sociais (Ribeiro, 1970, p. 310).

Ribeiro cita, ao longo do artigo, alguns exemplos de sociedades desestruturadas por conta da diminuição da população. Foi o caso dos Kaingang paulistas, que, na década de 1910, durante a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, viveram inúmeras situações de conflito. Além disso, devido à enorme mortalidade provocada pelas epidemias, se viram impossibilitados de obter cônjuges, ocasionando a prática do incesto. Isto feria a estrutura familiar e simbólica da sociedade indígena e também as determinações morais da equipe do SPI, que procurou manter severa vigilância sobre os índios, como determinara Horta Barbosa, chefe do Posto onde viviam os Kaingang. Outros problemas ocasionados pela redução demográfica são apresentados pelo autor, como os prejuízos relativos à prática da agricultura ou a quaisquer formas de economia de subsistência, o que, segundo Ribeiro, ampliava nos índios o sentimento de dependência em relação ao SPI.

Diante do quadro calamitoso descrito, as conclusões eram fatalistas. O autor previu uma redução progressiva da população indígena, à medida que ela se tornasse mais integrada à sociedade nacional. Apontou também para a progressiva modificação das línguas e da estrutura cultural, e afirmou que a sobrevivência das sociedades indígenas "somente se fará possível através de um esforço de assimilação como etnias minoritárias dentro de um novo contexto étnico nacional multiétnico, mais capacitado a assegurar liberdade e bem estar a seus componentes" (Ribeiro, 1970, p. 445-446).

As fontes analisadas por Ribeiro para a composição do livro "Os índios e a civilização" (1970) são diversas e divididas por ele em fontes teóricas, ensaios temáticos, monografias, estudos etnológicos, levantamentos regionais e estudos de indigenistas, os dois últimos, em sua maioria, advindos de expedições patrocinadas ou vinculadas ao SPI. Entre os estudos de indigenistas, destaca-se o inquérito promovido pelo SPI sobre o estado de nutrição dos Xavantes, realizado pelo médico sanitarista, vinculado à Prefeitura do Distrito Federal, Amaury Sadock no ano de 1954, no qual se encontram importantes observações:

De fato, a civilização com todos os seus problemas alimentares de colheita, transporte, estocagem, preparo e etc., faz com que haja diminuição do valor nutritivo do alimento, ocasionando uma série de doenças por carência (...). Vamos, portanto, apelar junto às autoridades encarregadas da Proteção ao Índio, para que não introduzam no meio aborígene este mal da civilização: o uso abusivo das balas, doces etc. a fim de que não se repita aqui o que tem sucedido com todas as outras tribos de hábitos primitivos, onde a alimentação dos civilizados foi introduzida com o aumento crescente de cáries dentárias e deficiências nutricionais (...). Estas são as conclusões que chegamos de acordo com a opinião do Dr. Newton Braga de Oliveira, médico e nutrólogo da Prefeitura do Distrito Federal

17 17 Inquérito sanitário realizado por Amaury Sadock Filho, 1954. Microfilme 381, fotogramas 00000-00331. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

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Merece destaque ainda o relatório do médico Leão da Mota, de 1955, também sobre os Xavantes:

Mais de uma vez tivemos a dolorosa oportunidade de verificar a tribo indígena sendo dizimada pela nossa civilização com as armas mais ofensivas e de maior poder de destruição para ela - vírus e bacilos, acompanhados do aliado natural, a fome. O índio Xavante está em fase de economia de coleta e não possui armazenamento em proporções satisfatórias de artigos de consumo alimentar. A atividade muscular que a coleta exige (...) fica interrompida desde que os indivíduos são atingidos por processos infecciosos, como é natural. Qualquer epidemia, mesmo a de simples gripe, (...) assume caráter catastrófico pela impossibilidade de atingir os alimentos para si e os seus. A subalimentação diminui a resistência orgânica para a luta contra os germes

18 18 Relatório de Leão da Mota, 1955. Microfilme 380, fotograma 0164. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.

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Como já observaram outros autores, Darcy Ribeiro teria politizado a problemática do contato entre índios e brancos, chamando atenção para o etnocídio escondido sob esse termo aparentemente neutro. Seus trabalhos relacionaram o contato à expansão da fronteira interna do Estado nacional (Ramos, 1990; Viveiros, 1958). Durante a gestão de José Maria da Gama Malcher no SPI (1950-1954), o antropólogo assumiu a direção da Seção de Estudos, na qual ingressaram Roberto Cardoso de Oliveira e Mário Ferreira Simões. No mesmo período, Eduardo Galvão foi integrado à Seção de Orientação e Assistência (Figueiredo, 2009, p. 179).

Conforme assinalou Almeida (2004), Ribeiro, Galvão e Cardoso de Oliveira desempenharam papel central na constituição de uma linha de estudos sobre contato interétnico, desenvolvendo uma etnografia que acentuou os conflitos da sociedade nacional diante das frentes de expansão do capitalismo (Almeida, 2004, p. 73). No caso de Cardoso de Oliveira, o conceito de 'fricção interétnica' veio a exercer notável influência nos estudos antropológicos que privilegiaram o tema do contato na abordagem das sociedades indígenas (Peirano, 1995). A experiência vivida nos anos 1950 na Seção de Estudos do SPI, ao lado da formação especializada nas instituições universitárias criadas na década de 1930, constituiu, assim, base importante para a consolidação do campo de estudos etnográficos no país.

Nessa perspectiva, a criação do Museu do Índio, em 1953, e a experiência do Curso de Aperfeiçoamento em Antropologia Cultural, nos anos de 1955 e 1956, são também indicadores expressivos desse momento de forte relação entre o SPI e a constituição do campo da antropologia. Note-se que, entre os objetivos do curso, constava a formação de quadros técnicos para instituições de desenvolvimento regional, o Centro de Pesquisas Educacionais e o Serviço Especial de Saúde Pública. Coordenado por Darcy Ribeiro, dele participaram, como professores, Roberto Cardoso de Oliveira, Eduardo Galvão, José Bonifácio Rodrigues, Kalervo Oberg, Luiz de Castro Faria, Luiz Aguiar da Costa Pinto e Joaquim Mattoso Câmara Jr. (Mattos, 2007, p. 117-118). O curso era dividido em duas partes, com um primeiro período de trabalhos e estudos no Museu do Índio e um segundo no campo, para a realização da pesquisa, com duração de três meses. A questão da saúde indígena integrou a agenda de ensino e pesquisa, constituindo o principal assunto do trabalho de final de curso de José Moretsohn de Andrade. Ele realizou um estudo acerca da assistência sanitária prestada aos índios pelo SPI, acentuando o grave quadro sanitário das populações envolvidas e propondo medidas para solucionar o problema19 19 Relatório do SPI, 1956. Microfilme 381, fotogramas 2089-2102. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. .

Nessa reflexão em torno da saúde indígena, o tema do "convívio e contaminação" sugerido por Ribeiro nos leva ainda a um interessante problema. As ciências sociais, durante as décadas de 1940 a 1960, lidavam com a questão da modernização e o desenvolvimento, mas, sobretudo, com o tema da resistência cultural à mudança (Villas-Bôas, 2006). Expressivo de tal concepção foi o Seminário "Resistências à mudança: fatores que impedem ou dificultam o desenvolvimento", promovido pelo Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais em outubro de 1959. Na introdução aos anais do evento, seu diretor, o sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto, observou:

O primeiro fator que impede ou dificulta o desenvolvimento que se tomou para estudo refere-se aos problemas de integração de populações atrasadas à economia e à sociedade que se desenvolve. Na América Latina, foco do nosso interesse, populações indígenas, migrantes rurais-urbanos, imigrantes vindos de outras partes do mundo, gerações que envelhecem, força de trabalho não qualificada, são fatores que dificultam a integração social e a formação da mão de obra de que o desenvolvimento essencialmente depende (Costa Pinto, 1960, p. 10).

No que concerne à saúde nas discussões sobre as resistências culturais à mudança, ganhou relevo o tema de uma medicina rústica, atualizando as discussões em torno do isolamento das populações caboclas ou sertanejas, que, como brevemente mencionamos neste texto, remontam ao início do século XX. Se o isolamento era apontado como o principal problema das populações caboclas ou sertanejas - doentes porque abandonadas à própria sorte -, no caso das populações indígenas, era exatamente o contato que começou a ser enfatizado como explicação para os problemas médico-sanitários. Por outro lado, indígenas e populações sertanejas compartilhavam o mesmo problema da ausência ou incipiência de atenção pública à saúde, conforme evidenciam diferentes fontes, inclusive a documentação do SPI e a pesquisa sobre medicina popular no vale do São Francisco, realizada pelo antropólogo Alceu Maynard em fins da década de 1940 (Araújo, 1979; Oliveira, 2010).

No caso dos indígenas, os principais problemas abordados referiam-se à falta de material médico e de profissionais qualificados para o exercício da assistência, como também demonstrou o inquérito médico-sanitário entre os Xavantes realizado, em 1954, por Amaury Sadock Filho, do Posto Indígena de Atração (PIA) Pimentel Barbosa: "Serviços médicos e farmacêuticos: limitam-se à assistência de uma enfermeira e uma pequena farmácia". Ainda neste inquérito, agora acerca da aldeia Apoena: "Não possui a aldeia nenhum serviço médico. Segundo observamos, aceitam os indígenas facilmente qualquer espécie de medicamentos, inclusive injeções. Eles mesmos solicitam tais serviços, principalmente quando visitam o PIA"20 20 Inquérito sanitário realizado por Amaury Sadock Filho, 1954. Microfilme 381, fotogramas 00000-00331. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. .

Observações similares às de Sadock Filho são frequentes em outras fontes, inclusive em muitas referidas às populações sertanejas, e parecem indicar que o acesso à medicina e à terapêutica científicas levaria à substituição das práticas de cura tradicionais. Contudo, conforme observaram Oliveira (2008) e Figueiredo (2009), o processo era bem mais complexo e muitas vezes se verificou resistência à medicalização e às orientações dietéticas21 21 Nas últimas décadas, a literatura vem se dedicando à questão dos sistemas biomédicos em contraponto aos sistemas tradicionais. Sobre o tema, ver Langdon e Garnelo (2004). .

As reiteradas referências à precariedade da assistência prestada aos indígenas têm continuidade mesmo com o estabelecimento de convênios firmados com diversas agências, como a Divisão de Organização Sanitária do Ministério da Saúde, o SESP, o Serviço Nacional de Tuberculose, o IOC e o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) (Figueiredo, 2009, p. 183). No caso desta última agência, o convênio assinado em 1958 foi precedido de uma proposta elaborada por João Leão da Motta um ano antes, na qual ele apontava diretrizes para a assistência médica entre os silvícolas assistidos pelo SPI. Caberia ao DNERu:

a) Assistência às endemias em que o DNERu já possui postos instalados;

b) Endemias de responsabilidade de outros serviços nacionais e que instituem problemas clínicos importantes de patologia indígena;

c) Assistência clínica não especificada;

d) Assistência hospitalar domiciliar;

e) Assistência médico-sanitária em epidemias;

f) Vacinação preventiva e assistência medicamentosa22 22 Planejamento para a execução do convênio realizado entre o Departamento Nacional de Endemias Rurais e o SPI, 1957. Microfilme 381, fotograma 0467. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro. .

É interessante observar que Leão da Motta era chefe da circunscrição do DNERu na região onde estava sendo construída a nova capital e tinha como uma das principais preocupações o controle e o tratamento da malária nas áreas que seriam cortadas pela rodovia Belém-Brasília (Hochman e Silva, no prelo). Conforme já havia ocorrido em outros momentos de ocupação do interior do país, a questão indígena, com os problemas de epidemias e desestruturação social, ganhava proeminência à medida que se acentuavam os fluxos migratórios para o Centro-Oeste e o Norte. Esse foi um dos temas, nem sempre visível na literatura, presentes na construção da moderna capital no sertão.

Outra ação realizada pelo governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) é apontada por historiadores e cientistas sociais como a primeira iniciativa estruturada de organizar um serviço regular de assistência à saúde indígena: a criação do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA) em 1956 (Paz, 1994; Costa, 1987; Paiva, 2003). Considerado como resultado dos esforços de Noel Nutels, não se restringiu às ações de combate à tuberculose e foi avaliado pelos analistas que sobre ele escreveram na década de 1950 como a iniciativa de impacto mais positivo, sobretudo no combate a epidemias. Na época, chamava-se atenção para a dispersão dos núcleos indígenas, a dificuldade de acesso e os benefícios do transporte aéreo (Ribeiro, 1970). Nutels, de 1963 a 1964, viria a dirigir o SPI por indicação de Darcy Ribeiro, enquanto este último ocupava o cargo de chefe da Casa Civil do governo João Goulart (1961-1964)23 23 Em fins da década de 1950, Darcy Ribeiro deixou o SPI e deu início a uma atuação política na área de educação, cujo marco foi a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais em 1955. Sobre a trajetória do antropólogo, ver Bomeny (2001). .

A atuação de Ribeiro no SPI suscita uma série de discussões, porém o mais importante para os propósitos deste artigo é acentuar um tema ainda pouco explorado na literatura sobre política indigenista: as relações entre território, constituição do Estado Nacional e imaginação social, incluindo sob esse rótulo amplo a produção das ciências sociais. Em linhas gerais, trata-se de discutir as relações entre ideias e práticas estatais, indicando a pertinência de se tomar as agências do Estado como objetos de estudo para a análise da produção e circulação de ideias de longa duração na história social e política do país24 24 Contribuição relevante, ainda que não tenha como foco a gênese e a circulação de ideias, é o já citado estudo de Souza Lima (1995) sobre a política indigenista no Brasil. Para uma discussão mais geral sobre território, Estado e imaginação social, consultar Maia (2012) sobre o caso da Fundação Brasil Central. . Este é, certamente, o caso do SPI, em particular no período delimitado em nossa pesquisa, quando o contato interétnico e a saúde indígena tornaram-se, efetivamente, problemas de pesquisa e de políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As décadas de 1940 e 1950 representaram um importante capítulo na história da questão indígena no Brasil, um ponto de encontro entre concepções médicas e perspectivas antropológicas. Neste artigo, procuramos demonstrar que o SPI, desde fins dos anos 1940, constituiu-se como expressão de forças sociais presentes naquele contexto e também como 'agência', com papel ativo na produção de ideias e matrizes de interpretação. Nessa perspectiva, foi fundamental apresentar o plano concebido por Herbert Serpa para a criação de um serviço médico-sanitário do SPI, em 1947, e as discussões posteriormente levadas por Darcy Ribeiro em torno do problema por ele denominado 'redução demográfica'.

Para a análise das ideias e das propostas de políticas públicas referidas à saúde indígena, elaboradas no período em pauta, consideramos necessário situá-las inicialmente em um processo histórico de mais longa duração e entendê-las como expressão de dois fenômenos interligados: a criação do Serviço de Proteção aos Índios e de Localização dos Trabalhadores Nacionais, em 1910, transformado oito anos mais tarde em Serviço de Proteção ao Índio, e do Departamento Nacional de Saúde, em 1920, com sua ênfase no saneamento rural e na saúde das populações sertanejas. De fato, constata-se a invisibilidade da questão indígena nas políticas nacionais de saúde até, pelo menos, a década de 1950, o que decorreu de um projeto de construção nacional que tinha como um de seus pilares a ideia do sertanejo ou caboclo como personagem chave. Nesse projeto, médicos e intelectuais perceberam os habitantes dos sertões, ao mesmo tempo, como vítimas de abandono por parte do Estado e força motriz do futuro da nação, trazendo uma nova interpretação para o tema do isolamento do sertanejo, proposto originalmente por Euclides da Cunha em seu livro clássico. Às ações de saúde caberia, então, um papel central para romper com a situação de abandono. Esta foi uma das ideias mais recorrentes nas interpretações de natureza geral sobre o Brasil e nas discussões específicas do campo da saúde ao longo do século XX, e mereceu a crítica arguta de Queiroz (1973), que indicou a construção de um mito - o do isolamento do sertanejo. Ela teve ainda, como uma de suas implicações, a pouca atenção dispensada aos problemas relacionados à saúde dos povos indígenas.

É em relação a tal matriz de pensamento sobre a construção da nacionalidade que situamos nossa análise sobre as propostas de assistência à saúde no SPI e a dificuldade para torná-la efetivamente um tema de política pública. Conforme demonstramos, os documentos dessa agência estatal, principalmente os relatórios dos postos indígenas, revelam a grave condição sanitária e as fragilidades do SPI para lidar com os problemas encontrados. Referências a epidemias, a exemplo de surtos de sarampo e gripe, eram constantes nesses documentos. Sem dúvida, as grandes distâncias geográficas e a dificuldade de acesso às áreas de população indígena, dispersa pelo interior do país, ofereciam às equipes do SPI um obstáculo real e, por vezes, intransponível. A falta de estrutura para a assistência sanitária nos postos, associada à ausência de pessoal qualificado para o atendimento aos indígenas, tornavam ainda mais calamitosa a atenção à saúde dessas populações.

As necessidades verificadas desde os primeiros anos de atuação do SPI foram sistematizadas por Herbert Serpa, diretor da SE de 1944 a 1951, quando da estruturação de um plano para a criação de um serviço médico-sanitário, e continuaram a ser mencionadas nas décadas seguintes. A literatura vem apontando o papel da SE no registro documental e estudo etnográfico referido à população indígena, mas a abordagem da saúde ainda requer análise mais acurada, lacuna que procuramos, em parte, completar com este trabalho. Procuramos ainda demonstrar o quanto os aspectos médicos e os culturais estiveram intimamente relacionados na proposição de políticas no âmbito do SPI e, em particular, no Plano do Serviço Médico Sanitário elaborado durante a gestão de Serpa na SE. Destacamos, no que tange a esse documento, a visão utilitária do estudo das culturas indígenas, concebido como necessário ao estabelecimento de diretrizes científicas para a ação assistencial.

O papel da SE em problematizar, dar visibilidade e formular políticas públicas relacionadas à saúde indígena acentuou-se após a contratação de Darcy Ribeiro pelo SPI. As denúncias presentes nos documentos oficiais dessa agência, o quadro dramático esboçado pelos inquéritos sanitários dos chefes de postos, ao lado de suas pesquisas de campo, constituíram fontes importantes para a análise realizada pelo antropólogo durante a década de 1950. Ao apontar para os efeitos não antecipados da diminuição populacional, motivada pela contaminação por doenças transmissíveis, entre eles o impacto na estrutura familiar e no sistema de parentesco, Ribeiro indicou uma forte afinidade entre a saúde e as questões mais amplas relacionadas à organização social dos povos indígenas. O efeito de maior relevância se fez sentir na proposta teórica de se pensar o contato interétnico como problema. Dela decorreu uma linha de estudos antropológicos que acentuou os conflitos da sociedade nacional diante das frentes de expansão do capitalismo e da fronteira interna do Estado Nacional, e que teve como expoentes, além de Ribeiro, Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira.

Em síntese, procuramos analisar a SE como um espaço institucional relevante, tanto para a abordagem da saúde indígena como para o encontro de concepções médicas e antropológicas. Ao situar a saúde indígena em perspectiva histórica, foi possível ampliar o conhecimento sobre um período pouco analisado nos estudos que se dedicaram à temática. Conforme observamos, estes ressaltaram, em linhas gerais, ações realizadas durante a década de 1950, com destaque para a criação do SUSA, do Serviço Nacional de Tuberculose, sob a direção de Noel Nutels. Ainda que reconheçamos o maior impacto dessas ações, procuramos demonstrar que coube à SE do SPI, ainda na década de 1940, os primeiros esforços no sentido de esboçar um plano sistemático de assistência à saúde indígena. Entender esse processo é importante tanto para a análise da gênese de políticas públicas como para a compreensão de matrizes de pensamento sobre a questão indígena com implicações de mais largo alcance. Na década seguinte, a abordagem da redução demográfica, por Darcy Ribeiro, trouxe uma contribuição específica para o estudo do tema da assistência à saúde no âmbito do SPI, mas, conforme demonstramos, é possível indicar outros desdobramentos de sua proposta. Em um período no qual a contratação de antropólogos em agências estatais no campo da saúde e em outras áreas de política social foi uma constante, verificaram-se efeitos que extrapolaram um campo específico de atuação. Consideramos que este foi o caso da Seção de Estudos do SPI. Dessa forma, a abordagem da saúde indígena contribuiu para a construção de uma perspectiva de análise que concebeu as relações interétnicas como problema antropológico.

Recebido em 20/03/2012

Aprovado em 08/04/2013

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  • Autor para correspondência:

    Carolina Arouca Gomes de Brito
    Fundação Oswaldo Cruz. Prédio da Expansão. DEPES
    Avenida Brasil, 4036, sala 403. Manguinhos
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 21041-361
    (
  • 1
    O Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), criado pelo Decreto 8.072, de 20 de junho de 1910, vinculado ao Ministério da Agricultura, passou a se chamar Serviço de Proteção aos Índios (SPI) a partir de 1918. O SPI apresentou-se como a primeira instituição governamental brasileira direcionada para a causa indígena.
  • 2
    Referências às populações indígenas, ainda que pontuais, podem ser encontradas no relatório da viagem realizada por Carlos Chagas ao vale do rio Negro em 1913 (Schweikardt e Lima, 2007). Um dos médicos que mais se debruçou sobre as condições de vida de sociedades indígenas foi Julio Paternostro, em "Viagem ao Tocantins" (Lima, 2009). O livro deste médico, publicado pela coleção Brasiliana, foi saudado pelo sociólogo Florestan Fernandes (1979), entre outras razões, por chamar atenção para os problemas das sociedades indígenas, tema que considerava invisível na historiografia brasileira.
  • 3
    Relatório do Posto São Jerônimo, 1923. Microfilme 380, fotograma 0002. Museu do Índio, Fundação Nacional do Índio (doravante FUNAI), Rio de Janeiro.
  • 4
    Relatório do Inspetor Francisco Meireles, 1945. Microfilme 381, fotograma 0306. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 5
    Regulamento do Conselho Nacional de Proteção ao Índio, 1953. Microfilme 2B, fotogramas 2145-2201. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 6
    Carta de Cândido Rondon a Edgar Roquette-Pinto, 28 de julho de 1941. Arquivo do Acadêmico Edgard Roquette-Pinto, Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro.
  • 7
    Relatório de gestão de Modesto Dias da Cruz, 1947. Microfilme 1A, fotograma 4219. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 8
    Regimento do SPI, art. 8º, alínea h, 1942. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 9
    A contratação de Serpa se deu sob forma de cargo comissionado e não como funcionário do Ministério da Agricultura. Sua contratação efetiva ocorreu em março de 1947. Sobre o assunto, ver Couto (2005) e o Microfilme 374, fotograma 0024, do Serviço de Arquivo do Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 10
    Plano do Serviço Médico para 1947. Microfilme 1A, fotogramas 4207 a 4224. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 11
    Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4212. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 12
    Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4215. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 13
    Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4213. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 14
    Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4213. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 15
    Plano do Serviço Médico Sanitário, 1946. Microfilme 1A, fotograma 4215. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 16
    RIOS, José Arthur. Entrevista realizada por Nísia Trindade de Lima, Marcos Chor Maio e José Leandro Cardoso. Acervo História Oral. Casa de Oswaldo Cruz, 2006.
  • 17
    Inquérito sanitário realizado por Amaury Sadock Filho, 1954. Microfilme 381, fotogramas 00000-00331. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 18
    Relatório de Leão da Mota, 1955. Microfilme 380, fotograma 0164. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 19
    Relatório do SPI, 1956. Microfilme 381, fotogramas 2089-2102. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 20
    Inquérito sanitário realizado por Amaury Sadock Filho, 1954. Microfilme 381, fotogramas 00000-00331. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 21
    Nas últimas décadas, a literatura vem se dedicando à questão dos sistemas biomédicos em contraponto aos sistemas tradicionais. Sobre o tema, ver Langdon e Garnelo (2004).
  • 22
    Planejamento para a execução do convênio realizado entre o Departamento Nacional de Endemias Rurais e o SPI, 1957. Microfilme 381, fotograma 0467. Museu do Índio, FUNAI, Rio de Janeiro.
  • 23
    Em fins da década de 1950, Darcy Ribeiro deixou o SPI e deu início a uma atuação política na área de educação, cujo marco foi a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais em 1955. Sobre a trajetória do antropólogo, ver Bomeny (2001).
  • 24
    Contribuição relevante, ainda que não tenha como foco a gênese e a circulação de ideias, é o já citado estudo de Souza Lima (1995) sobre a política indigenista no Brasil. Para uma discussão mais geral sobre território, Estado e imaginação social, consultar Maia (2012) sobre o caso da Fundação Brasil Central.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Mar 2012
    • Aceito
      08 Abr 2013
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