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A dinâmica política da criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, 1956-1960

Political dynamics of the creation of the Brazilian National Commission for Nuclear Energy, 1956-1960

Resumos

O artigo analisa a dinâmica política do processo de criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), encerrado em outubro de 1956, durante o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Argumenta que o presidente da República se submeteu aos interesses de militares, notadamente do Exército e da Marinha, ignorando o projeto de lei que tramitava no Congresso Nacional e que tinha a mesma finalidade. A estratégia contribuiu para por fim às divergências existentes entre o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e o Ministério das Relações Exteriores, para alijar os cientistas desse processo de decisão e, especialmente, para enfraquecer o debate sobre a política nuclear na sociedade brasileira.

Juscelino Kubitschek (1956-1961); Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq); Energia nuclear; Política nuclear; Relações internacionais


The article analyzes the political dynamics of the process that founded the Brazilian National Nuclear Energy Commission (CNEN), concluded in October 1956, during Juscelino Kubitschek's government. It argues that the President Kubitschek yielded to military interests, especially from the Army and Navy, ignoring the bill on the same matter that was in discussion at Brazil's House of Representatives. This strategy helped to reduce the disagreement between the Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) and the Ministry of Foreign Affairs, as well as to remove scientists of this decision process and to weaken the debate about nuclear policy in the Brazilian society.

Juscelino Kubitschek (1956-1961); Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq); Nuclear energy; Nuclear policy; International affairs


ARTIGOS

A dinâmica política da criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, 1956-1960

Political dynamics of the creation of the Brazilian National Commission for Nuclear Energy, 1956-1960

Ana Maria Ribeiro de AndradeI; Tatiane Lopes dos SantosI

IMuseu de Astronomia e Ciências Afins/MCTI. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Ana Maria Ribeiro de Andrade Museu de Astronomia e Ciências Afins. Coordenação de História da Ciência Rua General Bruce, 586 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 20921-030 ( anaribeiro@mast.br)

RESUMO

O artigo analisa a dinâmica política do processo de criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), encerrado em outubro de 1956, durante o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Argumenta que o presidente da República se submeteu aos interesses de militares, notadamente do Exército e da Marinha, ignorando o projeto de lei que tramitava no Congresso Nacional e que tinha a mesma finalidade. A estratégia contribuiu para por fim às divergências existentes entre o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e o Ministério das Relações Exteriores, para alijar os cientistas desse processo de decisão e, especialmente, para enfraquecer o debate sobre a política nuclear na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Juscelino Kubitschek (1956-1961). Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Energia nuclear. Política nuclear. Relações internacionais.

ABSTRACT

The article analyzes the political dynamics of the process that founded the Brazilian National Nuclear Energy Commission (CNEN), concluded in October 1956, during Juscelino Kubitschek's government. It argues that the President Kubitschek yielded to military interests, especially from the Army and Navy, ignoring the bill on the same matter that was in discussion at Brazil's House of Representatives. This strategy helped to reduce the disagreement between the Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) and the Ministry of Foreign Affairs, as well as to remove scientists of this decision process and to weaken the debate about nuclear policy in the Brazilian society.

Keywords: Juscelino Kubitschek (1956-1961). Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Nuclear energy. Nuclear policy. International affairs.

INTRODUÇÃO

Depois que questões estruturais e restrições históricas passaram a ser consideradas como entraves ao desenvolvimento econômico e social do Brasil, a ação coordenada do Estado também passou a ser vista como indispensável para a superação dos problemas crônicos do país. Incompreensão e resistência, todavia, condicionavam o processo de mudança. De um lado, uma enorme parcela da sociedade não conseguia associar esses condicionantes ao subdesenvolvimento, especialmente por falta de informação e de educação formal. Do outro, a diminuta parcela da sociedade que detinha o poder político - muito conservadora e sem visão de longo prazo - preferia manter o velho e ainda lucrativo modelo agroexportador, baseado na expansão das fronteiras agrícolas, no lugar de introduzir o uso de tecnologias inovadoras.

Na primeira gestão de Getúlio Vargas (1930-1945), foram adotadas algumas medidas para superar essas barreiras, por meio da reorganização da estrutura de administração do Estado. Impulsionou esse processo o impacto causado pelas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que modificou a forma de organização e o caráter das pesquisas científicas e tecnológicas nos Estados Unidos, no Canadá e nos países industrializados da Europa. A exemplo desses países, que redirecionaram a pesquisa científica e tecnológica para acelerar o desenvolvimento econômico e aumentar o poderio político-militar por meio do desenvolvimento da tecnologia nuclear, a mobilização no Brasil para impulsionar a ciência e a tecnologia, inclusive a nuclear, começou a apresentar os primeiros resultados na década de 1950. Com o objetivo de profissionalizar a carreira de ciência e tecnologia, bem como para desenvolver e financiar as atividades de pesquisa, em janeiro de 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e, em julho, a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (hoje, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES), para formar pessoal especializado a fim de atender às demandas dos empreendimentos públicos e privados.

A articulação vitoriosa para criar o CNPq ocorreu no governo do general Eurico Dutra (1946-1951) devido à obstinação do almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, porta-voz dos interesses de significativo grupo de militares e dos cientistas e professores de ciência associados à Academia Brasileira de Ciências (Andrade, 2001). O apoio do industrial e deputado Euvaldo Lodi, do Partido Social Democrata (PSD/MG), que representava um segmento progressista do meio empresarial e político, concorreu para a aprovação do projeto encaminhado pelo presidente da República ao Congresso Nacional. Além dos cientistas estarem empenhados em contribuir para superar o atraso crônico do país, os militares sempre atribuíram um papel estratégico à energia nuclear na guerra e para a segurança nacional. Na gestão do almirante Álvaro Alberto, o primeiro presidente do CNPq, os investimentos se concentraram na infraestrutura do setor nuclear, então estreitamente mesclado ao campo da física, visto que sua "(...) função mais relevante é a de promover o desenvolvimento dos problemas pertinentes à energia atômica no País (...)" (CNPq, 1956, p. 5). A opção relegou o financiamento da ciência ao segundo plano, gerando descontentamento entre os cientistas e acirrando as disputas entre os grupos representados no Conselho Deliberativo ou entre as áreas hegemônicas do incipiente campo científico brasileiro.

Desde a origem do CNPq, era nítida a tensão gerada pelo fato de uma mesma agência se dedicar ao fomento da ciência e de todas as atividades relativas ao setor nuclear. A situação se agravou devido à divisão desigual dos recursos para o financiamento da pesquisa científica e para a produção de energia nuclear, visto que o CNPq era uma espécie de parlamento dos cientistas ou onde os representantes das disciplinas tradicionais tinham poder para distribuir os recursos financeiros até mesmo entre grupos e colegas concorrentes (Andrade, 1999, p. 118-140). Não por acaso, desde o início da história dessa instituição, havia propostas para separar a gestão da ciência e a gestão da energia nuclear, isto é, coexistir duas instituições independentes (Andrade, 2001, p. 232)1 1 Ver também "Comissão incumbida de elaborar o anteprojeto de estruturação do Conselho Nacional de Pesquisas", na Ata da reunião realizada em 20 abr. 1949, p. 30-31. Arquivo Álvaro Alberto. Centro Interunidade de História da Ciência, Universidade de São Paulo, São Paulo. .

Este trabalho se concentra na análise do processo de criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), encerrado em 10 de outubro de 1956, por meio do Decreto n. 40.110, do presidente da República Juscelino Kubitschek (1956-1961). Considera-se que a criação da CNEN decorreu de uma estratégia bem sucedida, que envolveu Kubitschek e um grupo de militares interessados em controlar o setor nuclear, aproveitando-se da crise que minava relações interinstitucionais e pessoais. Os conflitos de interesse polarizados entre o CNPq e o Ministério das Relações Exteriores, como entre as correntes do pensamento econômico simplificadamente denominadas "desenvolvimentista nacionalista" e "desenvolvimentista não nacionalista" (Bielschowsky, 1988), deram origem a denúncias na imprensa e a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que culminou com o episódio dos documentos apócrifos. Nesses documentos, acusavam-se os gestores públicos de irregularidades administrativas, de favorecimento de empresas privadas e dos Estados Unidos na exportação de monazita (um fosfato de cério, contendo elementos de terras raras, tório e urânio), de dilapidação dos recursos minerais estratégicos do país, além de defensores de uma política nuclear equivocada.

Embora o CNPq fosse o órgão gestor das atividades voltadas para a pesquisa, utilização e produção de energia nuclear, o setor nuclear estava sujeito aos ditames do Conselho de Segurança Nacional (CSN), do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Os atritos entre representantes dessas alçadas de poder do Estado, assim como entre parlamentares, cientistas e militares, eram antigos e ilustrativos das estratégias conflitantes da política de ciência e tecnologia, na qual se incluía a política nuclear, e da política externa brasileira. As divergências se concentravam na orientação imposta pelo MRE, desde o governo de Getúlio Vargas, de exportar para os Estados Unidos minerais estratégicos para a produção de energia nuclear (Salles, 1959, p. 85-98; Guilherme, 1957). Independentemente dos motivos que justificaram essa política, os resultados desagradavam os conselheiros 'desenvolvimentistas nacionalistas' do CNPq e do CSN. Estes eram contrários, por exemplo, à exportação da monazita, da qual se extrai óxido de tório. Mesmo não sendo fissionável, o tório era imprescindível para a construção de futuros reatores super-regeneradores, razão pela qual os Estados Unidos tanto se empenharam pela importação da monazita do Brasil. Assim, como o tamanho das reservas brasileiras de minerais radioativos não era conhecido, mais precisamente dos minerais físseis (fissionáveis) e dos minerais férteis naturais (U238 e Th232, que podem ser convertidos em nuclídios físseis, Pu239 e U233, respectivamente, dentro de um reator), um grupo de conselheiros era intransigente na defesa dos minerais estratégicos. Também alegavam que não se podia prever a tecnologia de reator de potência e o combustível nuclear que seria escolhido para os reatores a serem construídos no Brasil, uma vez que havia várias alternativas: urânio enriquecido (com total dependência dos Estados Unidos); urânio natural (opção do Canadá e, mais tarde, da Argentina); e, ainda, o aproveitamento do plutônio produzido em reator em uma segunda linha de reatores funcionando no ciclo tório-plutônio e tório-urânio233 (Andrade, 2010, p. 132-135, 139).

Para retirar o poder do CNPq sobre o comércio dos minerais radioativos, aproveitou-se uma lacuna na Lei n. 1.310, que o criara em 1951, e instituiu-se a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME), em fevereiro de 1952, órgão colegiado subordinado ao MRE, com participação de representantes dos ministérios da Fazenda, da Agricultura, das Forças Armadas, da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX) e também do CNPq.

O quadro político no qual se inserem os acordos de exportação de monazita para os Estados Unidos durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) pode ser examinado em duas perspectivas não excludentes. Na primeira, considera-se que o antagonismo é o reflexo das divergências entre as duas correntes do pensamento econômico citadas, notadamente entre a corrente 'desenvolvimentista nacionalista', identificada entre cientistas atuantes no CNPq, e a corrente 'desenvolvimentista não nacionalista', com representantes inclusive no MRE. Na outra perspectiva, considera-se que as facilidades concedidas no marco dos chamados Acordos Atômicos podem ser interpretadas como resultado de calculadas concessões do governo Vargas no frágil jogo de equilíbrio das relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos. Cedia-se na liberação da exportação desses minérios a fim de reduzir as pressões contrárias ao modelo estatizante de Vargas. Num viés ou noutro, sobressaiu o grau de autonomia e a superior capacidade de articulação do Itamaraty, o palácio símbolo das relações internacionais brasileiras. Ao todo, foram firmados quatro acordos bilaterais Brasil-Estados Unidos entre 1945 e 1955, com cláusula garantidora da exclusividade de exportação de milhares de toneladas de monazita para aquele país, cujo interesse, de fato, era constituir uma reserva estratégica de tório, mineral radioativo inexistente em seu território, para possíveis necessidades futuras do setor nuclear: os reatores super-regeneradores.

Para contrabalançar as disputas no interior da administração do Estado, as pressões político-partidárias que assinalaram o último governo de Getúlio Vargas e as disputas acirradas entre os conselheiros do CNPq, o almirante Álvaro Alberto - porta-voz da rede da energia atômica2 2 A expressão 'rede da energia atômica' foi cunhada pela primeira autora do artigo para designar o processo de aglutinação de atores em torno do desenvolvimento da energia nuclear no país, embora esses atores representassem distintos grupos com objetivos específicos e onde cada um buscava ganhos relativos (Andrade, 1999, p. 107-142). - recorreu a um estratagema: criou a Comissão de Energia Atômica (CEA), órgão consultivo do CNPq. Embora sem o estatuto de uma comissão deliberativa, a CEA opinava sobre processos e despesas que correspondiam, em 1954, a cerca de 51,4% do orçamento anual do CNPq. Entre os participantes, encontravam-se atuantes membros do Conselho Deliberativo do CNPq que acumulavam função3 3 Membros do Conselho Deliberativo do CNPq que também faziam parte da CEA: Arthur Moses, Bernardino de Mattos Netto, Bernardo Geisel, Carlos Chagas Filho, Elysiário Távora, Francisco Maffei, Joaquim da Costa Ribeiro, Luiz Cintra do Prado e Marcello Damy de Souza Santos (Andrade, 1999, p. 116-117; 2010, p. 137). e pesquisadores com carreira acadêmica consolidada, fato que lhes conferia respeitabilidade no plano científico do CNPq e da política de mais alto nível. Muitos podiam ser identificados como partidários da vertente 'desenvolvimentista nacionalista'4 4 Os físicos José Leite Lopes e Francisco Magalhães Gomes e o professor de físico-química Luiz Pilla também eram membros da CEA. Como Leite Lopes, Damy e Chagas Filho, outros conselheiros da CEA igualmente podem ser enquadrados na corrente de pensamento 'desenvolvimentista nacionalista' (Andrade, 1999, p. 116-117; 2010, p. 137). . A confluência de interesses no Conselho Deliberativo do CNPq (entre militares e cientistas), dada a relevância da energia nuclear naquela conjuntura, viabilizou a criação do Instituto de Energia Atômica (IEA) - hoje rebatizado de Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) -, por meio de um convênio entre o CNPq e a Universidade de São Paulo (USP) para viabilizar a compra de um reator de pesquisa pelo Programa Átomos para a Paz; avalizar acordos de cooperação científica internacional; facilitar a importação de radioisótopos; e radicalizar a luta contra os cavilosos argumentos para a exportação de monazita e óxido de tório (que chegaram a ser trocados por trigo americano, o inverso da demanda por tecnologia nuclear, advogado sob a denominação das chamadas 'compensações específicas'5 5 A expressão 'compensações específicas' sintetiza os argumentos de Álvaro Alberto em reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) no final da década de 1940, quando os Estados Unidos pretendiam estabelecer uma política de controle das reservas de minerais estratégicos para a produção de energia nuclear, e ele defendia, em nome do Brasil, a liberação de tecnologia para o setor nuclear. ). A polarização da questão e o confronto entre as prioridades do CNPq versus a estratégia do Itamaraty certamente contribuíram para pavimentar os alicerces da futura Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em 1956.

A proposta de criação de uma comissão de energia atômica no Brasil entrou na agenda política dez anos antes, em 1946, por iniciativa de diplomatas e militares que participaram dos debates na ONU para a implantação de um fórum especial para a energia nuclear no âmbito do Conselho de Segurança. A proposta de 1946 foi elaborada pelos chamados 'homens de ciência', na expressão da época: o diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral, J. A. Alves de Souza; os professores e pesquisadores José Carneiro Felipe e Joaquim da Costa Ribeiro, da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro); e o professor de física Luiz Cintra do Prado6 6 Décadas depois, entre 1964 e 1966, Luiz Cintra do Prado foi presidente da CNEN. , da Escola Politécnica de São Paulo, coordenados pelo almirante Álvaro Alberto.

Não faltou à proposta a menção aos exemplos da França, onde o Commissariat à l'Énergie Atomique (CEA) foi criado em 1945, e ao processo de organização da poderosa United States Atomic Energy Commission (AEC), encerrado no ano seguinte. No entanto, a principal justificativa para criar uma agência similar no Brasil era a necessidade de proteger as reservas de urânio e tório, para o que não faltavam bons argumentos. A proposta, todavia, não chegou a ser discutida no Congresso Nacional nem no MRE. A articulação não resistiu à troca do chanceler naquele mesmo ano, quando João Neves da Fontoura foi substituído por Raul Fernandes. Isto é, a proposta sucumbiu no âmbito do Itamaraty7 7 Anais da 564ª sessão do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisas, 17 abr. 1961, p. 16. Arquivo CNPq. Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCTI (doravante MAST), Rio de Janeiro, Brasil. .

A mentalidade conservadora predominante na sociedade brasileira estava associada aos valores das oligarquias rurais, refratária ao desenvolvimento local da ciência e da tecnologia, haja vista as infrutíferas tentativas para se criar um conselho de ciências desde os anos 1930 e um conselho de pesquisas agrícolas. Era ainda mais difícil obter apoio para estabelecer uma comissão de energia atômica em 19468 8 Observa-se que, em duas pesquisas realizadas anteriormente (Andrade, 1994; Andrade e Cardoso, 2001), não se identificou oposição ao uso da energia nuclear no Brasil entre as décadas de 1940-1960. O 'inimigo' da época era o comunismo. . Quando Álvaro Alberto estava à frente do CNPq, na década de 1950, entretanto, ele salientou: o grande appeal do Conselho era o problema atômico, pois facilitava a obtenção de recursos que iriam fecundar o desenvolvimento da pesquisa em outros setores.

Eram novos tempos: as informações sobre as aplicações pacíficas da energia nuclear se disseminavam nas grandes capitais entre as pessoas alfabetizadas, os riscos e as consequências de acidentes eram desconhecidos e a oposição ao uso militar era pouco articulada. Também não se pode esquecer que a conjuntura política internacional se alterou profundamente com o desfecho da Segunda Guerra Mundial e que as repercussões da destruição de Hiroshima e Nagasaki pelas bombas norte-americanas reforçaram a imagem desse país. Também a Guerra Fria, que começara com a propaganda maciça contra o comunismo, acirrou a corrida armamentista e serviu para justificar os grandes investimentos em ciência e tecnologia, cuja almejada finalidade era a autonomia tecnológica do ciclo do combustível nuclear. O domínio da tecnologia para produzir a bomba se tornou a meta acalentada por todos os Estados, inclusive pelo Brasil.

Em meados da década de 1950, o cenário da política interna brasileira foi marcado pelas tentativas golpistas dos filiados à União Democrática Nacional (UDN), genuíno partido da ascendente e conservadora classe média urbana, que se imiscuía nas conflagrações nos meios militar, científico e político-partidário. Entre os militares, sobressaía a oposição de oficiais golpistas e udenistas da Aeronáutica, contrários à eleição e posse de Kubitschek (PSD/MG). No âmbito do CNPq, os influentes físicos, membros do Conselho Deliberativo e da CEA9 9 Anais da 303ª sessão do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisas, 12 jan. 1956, p. 10-11. Arquivo CNPq. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. , que se mostravam incansáveis defensores da instituição e das riquezas minerais do país, estavam divididos quanto ao apoio ao Projeto de Lei 944 para a criação da Comissão de Energia Atômica, apresentado pelo deputado Dagoberto Salles (PSD/SP) em janeiro de 195610 10 O Projeto de Lei n. 944/1956 tramitou, entre 1956 e 1962, na Comissão de Economia e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (Brasil, 12 jan. 1956). O físico Joaquim da Costa Ribeiro fez duras críticas ao projeto, mas José Leite Lopes manifestou em entrevista que teve alguma esperança na aprovação (comunicação pessoal à primeira autora, 1993-1996). . Na Câmara dos Deputados, as disputas político-partidárias eram evidentes na Comissão Parlamentar de Inquérito para Proceder as Investigações sobre o Problema da Energia Atômica no Brasil, popularizada como a 'CPI da Energia Atômica' (Brasil, 19 fev. 1956).

Valendo-se dos resultados positivos da campanha pelo petróleo, a mobilização dos setores nacionalistas contra os acordos de exportação dos minerais estratégicos fez com que o debate político ganhasse as manchetes da imprensa de circulação nacional (os grandes jornais da cidade do Rio de Janeiro). No noticiário, destacavam-se as acusações de envolvimento do general Juarez Távora (chefe da Casa Civil no governo de João Fernandes Campos Café Filho e opositor de Kubitschek, para quem perdeu as eleições) nas negociações com os Estados Unidos. Com isso, a 'CPI da Energia Atômica' ocupou-se em averiguar os documentos secretos (ou melhor, apócrifos) atribuídos a Juarez Távora, Hervásio de Carvalho, Elysiário Távora, Max White e Robert Terryl (Salles, 1959, p. 108-124; Rocha Filho e Garcia, 2006, p. 99, 123); os acordos de colaboração técnica de 1955, celebrados com os Estados Unidos para a venda de reatores de pesquisa e prospecção de urânio; e as exportações de óxido de tório, monazita e outros minerais estratégicos brasileiros aos Estados Unidos.

A dissensão se agravou no Conselho Deliberativo do CNPq e atingiu o ápice durante a breve passagem do tenente-coronel aviador Aldo Vieira da Rosa pela presidência do órgão, a partir de abril de 1956, e com a aprovação de novos acordos de exportação de monazita aos Estados Unidos, também a contragosto do EMFA. Vieira da Rosa era egresso do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), desconhecido no meio científico e político. Formado em universidades norte-americanas, definiu-se como conservador e simpático às ideias da UDN tradicional11 11 Conforme entrevista concedida à primeira autora por Aldo Vieira da Rosa, em set. 1996, Rio de Janeiro. . Foi apresentado a Kubitschek pelo poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt, sócio-proprietário das Indústrias Químicas Reunidas S/A (Orquima)12 12 Há controvérsias sobre os reais proprietários da Orquima. Augusto F. Schmidt, que sempre esteve à frente da empresa, recusou-se a mencionar os nomes dos acionistas em seu depoimento à 'CPI da Energia Atômica', alegando que a mesma era uma sociedade anônima (Salles, 1959, p. 142-144). e assessor especial da presidência da República (Andrade, 1999, p. 223).

Antecipando-se aos debates no plenário da Câmara dos Deputados, que prometiam elevar ainda mais a temperatura política no desenrolar dos trabalhos da 'CPI da Energia Atômica', Juscelino Kubitschek nomeou uma Comissão Especial para Estudo da Energia Atômica no Brasil, destinada a avaliar o setor e, consequentemente, apresentar sugestões13 13 Uma ótima cronologia dos acontecimentos ligados à história da energia nuclear foi organizada por Guilherme (1957, p. 263-269). . A manobra resultou na formulação do documento denominado "Diretrizes para a Política Nuclear" (Brasil, 1957, anexo I) e na criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Parte-se da premissa de que a criação da CNEN visava atender aos interesses dos militares fiéis a Kubitschek, chegando inclusive a atropelar o poder Legislativo, e amenizar os confrontos gerados em torno da questão nuclear. Para isso, tentou-se enfraquecer a 'CPI da Energia Atômica', cuja repercussão aumentava a cada dia e fortalecia a oposição, dado que as acusações atingiam amigos e aliados do presidente da República; e separar o fomento à ciência das atividades relacionadas com a energia nuclear, com vistas a restringir a ação do CNPq e atender as demandas de militares. Em outras palavras, no processo de criação da CNEN, Kubitschek se escudou nas recomendações de um seleto grupo de trabalho dominado por militares, ignorando o projeto de lei de Dagoberto Salles, que tramitava na Câmara dos Deputados, e a opinião de físicos e outros especialistas. A estratégia esvaziava o Legislativo e fortalecia o Executivo, bem como redefinia a missão do CNPq.

A CPI DA ENERGIA ATÔMICA

A vitória nas urnas dos candidatos da aliança PSD-PTB nas eleições presidenciais de 1955, tendo à frente Juscelino Kubitschek de Oliveira e o líder trabalhista João Goulart, não diminuiu as tentativas de obstrução da ordem democrática. O marechal nacionalista Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra, foi responsável pela mobilização de tropas para impedir um golpe de forças udenistas, civis e militares, apoiadas por Café Filho e Carlos Luz. Nereu Ramos, presidente do Senado, assumiu a Presidência com a saída forçada de Carlos Luz, e o estado de sítio permaneceu até a posse dos eleitos. O chamado contragolpe, todavia, promoveu uma nítida cisão no interior das Forças Armadas ou entre as três armas. Desse modo, apesar de Kubitschek ter assegurado uma ampla maioria no Congresso Nacional e de seu governo ter sido pautado pela conciliação dos interesses políticos, a falta de coesão dos militares e o surgimento de novas lideranças corroboraram a instabilidade política durante todo o período de seu governo.

A crise no setor nuclear deflagrada no segundo governo de Getúlio Vargas, e que prosseguiu na gestão do presidente Café Filho, atingiu o seu ápice no início do governo Kubitschek e dos trabalhos da 'CPI da Energia Atômica'. A CPI foi instituída por iniciativa do deputado Armando Falcão (PSD/CE), do mesmo partido do presidente (Brasil, 11 fev. 1956). Na realidade, tratava-se de uma manobra para controlar a inevitável investigação parlamentar, uma vez que Falcão era advogado da Monazita Ilmenita do Brasil S.A. (MIBRA) e da Orquima S/A, empresas especializadas no beneficiamento de areia monazítica para a extração de sais de terras raras e óxido de tório. O exame das atividades de ambas as empresas era central no debate e nas averiguações da CPI, visto que minerais estratégicos para produção de energia nuclear deveriam ser compulsoriamente adquiridos pelo CNPq (Brasil, 16 jan. 1951) e, depois, exportados aos Estados Unidos por meio dos controversos acordos bilaterais defendidos pelo MRE.

Como de praxe, o propositor da CPI ocupou sua presidência; Gabriel Passos (UDN/MG) a vice-presidência; e Dagoberto Salles (PSD/SP), autor do Projeto de Lei n. 944/1956, para a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, desempenhou a função de relator. Também fizeram parte da CPI os deputados Arino de Matos (PDS/RJ), José Arthur da Frota Moreira (PTB/SP), Marcos Parente (UDN/PI), Colombo Souza (PSP/CE) e André Broca Filho (PSP/SP), substituído por Renato Archer (PSD/MA). Conquanto o último estivesse diretamente vinculado ao setor nuclear, uma vez que era coproprietário da PROSPEC S.A. - empresa de prospecção mineral e aerofotogrametria contratada pelo CNPq -, Archer permaneceu até o final dos trabalhos. Já Armando Falcão perdeu a função de presidente para o deputado mineiro Gabriel Passos14 14 Mais tarde, Gabriel Passos (UDN/MG) fundou a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), movimento pluripartidário cujos objetivos eram apresentar projetos e defender no Congresso Nacional uma política de desenvolvimento nacional autônomo. Ver verbete sobre Gabriel Passos em Fundação Getúlio Vargas (s.d.). , depois de o jornalista Carlos Lacerda denunciar na "Tribuna da Imprensa", em 3 de março de 1956, a existência de conflito de interesses, isto é, os vínculos dele com as empresas de extração e beneficiamento da monazita15 15 Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 mar. 1956. Arquivo Academia Brasileira de Ciências, Coleção Energia Nuclear. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. . O PSD perdeu, então, o controle da situação.

Os trabalhos da 'CPI da Energia Atômica' se dividiram em duas etapas. A primeira foi dedicada à introdução e ao esclarecimento dos aspectos científicos e tecnológicos da questão, servindo para o partido do governo ganhar tempo. A segunda fase concentrou o debate sobre a política brasileira de energia atômica. Membros do CNPq, em especial integrantes da Comissão de Energia Atômica (CEA), diplomatas, cientistas, militares, entre outros, foram convocados a prestar depoimentos. Em 12 de abril de 1956, foi inaugurada a primeira sessão da CPI com o depoimento do almirante Álvaro Alberto, ex-presidente do CNPq (Santos, 2009, p. 71-95)16 16 O depoimento foi publicado no Diário do Congresso Nacional em 10 de novembro de 1956. Ver também: Arquivo Gabriel Passos. 1955.12.05. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (doravante CPDOC), Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil. .

Diversos pesquisadores, ex-presidentes e conselheiros do CNPq também foram convocados: Marcello Damy de Souza Santos, Joaquim da Costa Ribeiro, Elysiário Távora Filho, Francisco Maffei e José Leite Lopes, membros da Comissão de Energia Atômica; José Batista Pereira e Aldo Vieira da Rosa, presidentes em 1956; Mário da Silva Pinto e Djalma Guimarães, membros do Conselho Deliberativo. Também depuseram na CPI: o físico Hervásio de Carvalho; os geólogos Avelino Ignácio de Oliveira e Ernesto de Barros Pouchain; o químico Pawel Krumholtz (Orquima S/A); o engenheiro de minas Heitor Façanha da Costa; o coronel Edgard Álvares Lopes; o major Werner Hijalmar Gross; os generais Anapio Gomes, Juarez do Nascimento Távora, José Luiz Bettamio Guimarães; o tenente-coronel Antonio Carlos de Andrade Serpa; os diplomatas João Neves da Fontoura, Raul Fernandes e Edmundo Barbosa da Silva; os empresários Horácio Lafer, Boris Davidovitch e Augusto Frederico Schmidt, os dois últimos ligados à indústria de extração e beneficiamento da monazita e Schmidt, prestigiado assessor de JK; os políticos João Cleofas e Renato Archer, além de Afonso da Silveira Fragoso e Ignácio Tosta Filho, diretor da CACEX.

O depoimento de Boris Davidovitch, diretor da MIBRA, mobilizou a oposição. A empresa era investigada na CPI por três irregularidades: suposta corrupção de um magistrado em Cachoeira de Itapemirim; por ordens para adulterar peso e teor torífero da monazita que deveria ser exportada para os Estados Unidos; e por ter interferido nas emendas a um projeto que tramitava na Câmara Federal, regulando o comércio de monazita17 17 Ver Mário Franqueira, "A realidade atômica brasileira: suborno, corrupção e incúria", Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 13 jun. 1956. Arquivo da Academia Brasileira de Ciências, Coleção Energia Nuclear. ENT 021. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. .

Alguns depoimentos foram tomados em sessões secretas, enquanto outros tiveram por fim examinar apenas as seguintes questões: a demissão de Álvaro Alberto do CNPq; a exportação dos minérios extraídos pelas empresas Orquima e MIBRA; os quatro documentos apócrifos atribuídos a Juarez Távora sobre a pressão americana na política nuclear brasileira; e o "Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil", firmado com os Estados Unidos. Além de consultarem os arquivos do CNPq, do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e as atas da Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME), os membros da CPI foram a Guarapari, no Espírito Santo, e ao litoral dos estados do Maranhão e Piauí, locais onde havia grande incidência de areias monazíticas (Salles, 1959, p. 93).

Os trabalhos da CPI se arrastaram por mais de dois anos. No relatório final de Dagoberto Salles, publicado no Diário do Congresso Nacional em 27 de março de 1958, foram feitas recomendações visando orientar a formulação da política nuclear (Salles, 1959, p. 21-154). Aconselhava-se, por exemplo, a prospecção e preservação das reservas de minerais físseis e férteis; a criação de uma comissão de energia atômica dotada de autonomia política e financeira; o estímulo à formação de técnicos; a divulgação dos resultados obtidos nas pesquisas minerais; e a suspensão das atividades da Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (Salles, 1959, p. 151-154). Kubitschek se antecipou ao adotar algumas dessas medidas, enquanto a CPI remeteu os autos de inquérito para outras investigações no âmbito das atribuições dos ministérios da Justiça e Fazenda, e da Procuradoria Geral da República.

Ao final das investigações, só restou ao general Juarez Távora passar para a reserva, justificando falta de condições morais para continuar na ativa (Rocha Filho e Garcia, 2006, p. 125). Já Archer, foi premiado com a indicação de representante brasileiro na recém-criada Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com sede em Viena.

A POLÍTICA DE JK PARA O SETOR NUCLEAR

O presidente da República Juscelino Kubitschek estruturou seu governo com base no ambicioso Plano de Metas, que visava ao desenvolvimento econômico do país por meio de medidas para acelerar o processo de industrialização. Respaldou-se nos estudos prospectivos realizados pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico (CMBEU)18 18 A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, estabelecida em dezembro de 1949, funcionou entre 1951 e 1953. Uma contribuição da CMBEU, ao formular o conceito de pontos de estrangulamento, foi identificar as principais áreas: energia, transporte e alimentação. Ver Lafer (2002, p. 57). , entre 1951 e 1953. O programa contemplava trinta metas, ou prioridades, concentradas nos seguintes setores: energia (metas 1-5), transporte (metas 6-12), alimentação (metas 13-18), indústria de base (metas 19-29), educação (meta 30), às quais foi acrescentada a meta-síntese, a construção de Brasília (Kubitschek, 1975, p. 230). O setor nuclear foi contemplado na Meta 2, cujos objetivos deveriam nortear as seguintes ações: fabricação nacional de combustível nuclear, seja de urânio natural ou enriquecido, de tório e seus óxidos; formação de pessoal especializado; planejamento e realização de um programa de instalação de usinas termonucleares; e elaboração de um corpo de normas jurídicas afins de direito público e internacional (Brasil, 1958, p. 29).

Pressupunha-se que o financiamento para promover cada uma das metas poderia aumentar vertiginosamente a dívida externa e que a operacionalização do Plano caberia aos grupos de trabalho constituídos com essa finalidade. O Estado desenvolvimentista assumiria, a partir de então, um papel fundamental na promoção e na coordenação da política econômica, início de um novo ciclo de acumulação capitalista com base no capital estrangeiro.

O Plano de Metas não obteve apoio unânime das forças político-partidárias e de grupos atuantes na sociedade. Enfrentou tanto a oposição dos setores ligados à exportação de bens primários como dos segmentos da sociedade contrários à entrada de capital estrangeiro, considerado um obstáculo ao desenvolvimento nacional. Entre os críticos, estavam os defensores do monopólio estatal da energia nuclear, inclusive na esfera da produção e distribuição de energia elétrica gerada em usinas nucleares. Consideravam que o capital estrangeiro se interessava mais pelo significado político do controle da energia elétrica do que pelos aspectos financeiros da atividade. Usavam como exemplo o que ocorria no setor hidrelétrico, no qual 82% das atividades estavam sob o controle de empresas canadense e americana. Também atribuíam ao capital estrangeiro a responsabilidade pelo atraso de diversos setores da economia, como na exploração do petróleo. Entre os defensores, inversamente, o Estado deveria ser responsável apenas pelas atividades de pesquisa científica e tecnológica da área, delegando as tarefas empresariais ao capital estrangeiro. Os adeptos dessa corrente, os 'desenvolvimentistas não nacionalistas', justificavam que o país não tinha pessoal especializado suficiente e recursos para investimentos de tal vulto em infraestrutura. O confronto era acirrado nas altas esferas da política (Guilherme, 1957, p. 220-222).

Em sua primeira mensagem ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1956, o presidente da República salientou que o país deveria incluir no programa de expansão da indústria da eletricidade algumas usinas atômicas. Em seguida, nomeou uma Comissão Especial para Estudo da Energia Atômica no Brasil, com a finalidade de analisar o assunto com base na seguinte recomendação do EMFA: atribuir a um órgão central e autônomo, subordinado diretamente à Presidência da República, o trato único e exclusivo de todos os problemas relativos à prospecção, lavra, industrialização e comércio de materiais atômicos, e, bem assim, o aproveitamento da energia atômica (Guilherme, 1957, p. 195-197)19 19 O EMFA encaminhou a recomendação em 27 de fevereiro de 1956 e a Comissão Especial para Estudo da Energia Atômica no Brasil foi nomeada em 24 de abril (Guilherme, 1957, p. 269). .

A Comissão Especial foi integrada pelos ministros das Relações Exteriores, da Guerra, da Marinha, da Aeronáutica e da Agricultura; pelos respectivos presidentes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e do CNPq, e pelo chefe do EMFA, bem como pelo chefe do gabinete militar e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional20 20 Respectivamente, José Carlos de Macedo Soares (MRE); marechal Henrique Teixeira Lott; Antônio Alves Câmara; Henrique Fleuiss; general Ernesto Dornelles (MA); general Anor Teixeira dos Santos (EMFA); Lucas Lopes (CDE); João Christovão Cardoso (vice-presidente do CNPq); e general Nelson de Mello (CSN). . A presença de militares chama a atenção - 60% do total - e se explica pela preocupação de Kubitschek em diluir os conflitos que marcaram o setor nos governos de Vargas a Café Filho, mas principalmente em neutralizar as divergências existentes entre os militares de alta patente. Kubitschek compunha com o EMFA, que se opunha à exportação de tório extraído da monazita aos Estados Unidos e denunciara as transgressões das normas pelo Itamaraty. Igualmente, se antecipava ao Projeto de Lei n. 944, do deputado Dagoberto Salles, propondo a criação e a regulamentação da Comissão Nacional de Energia Atômica, e aos debates no plenário da Câmara dos Deputados, que prometiam elevar a temperatura política no desenrolar dos trabalhos da 'CPI da Energia Atômica'.

O jornal "O Globo", em 3 de maio de 1956, destacou as opiniões favoráveis do físico Joaquim da Costa Ribeiro (presidente da CEA-CNPq), de Heitor Grillo (ex-presidente do CNPq) e do professor Francisco Sá Lessa, da Escola Nacional de Engenharia (RJ), sobre a decisão presidencial. Opondo-se à iniciativa e no seu conhecido estilo, o deputado Bilac Pinto (UDN/MG) fez contundentes críticas à criação da nova Comissão e ao predomínio de militares em sua composição:

Os termos do ofício do senhor Juscelino Kubitschek ao Conselho de Segurança, pedindo sugestões para a fixação da política do governo no setor da energia nuclear, nos autorizam a extrair desse documento as seguintes conclusões: 1) O senhor Juscelino Kubitschek revelou completa ignorância a respeito do mais importante problema do nosso tempo no setor de energia; 2) O senhor Juscelino Kubitschek desconhece as repercussões econômicas, sociais e políticas do uso pacífico da energia atômica, acentuadas na Conferência de Genebra de 1955 e em numerosos estudos divulgados em livros e revistas, pois, do contrário, teria incluído na Comissão por ele designada os ministros do Trabalho, Fazenda e Justiça e da Saúde; 3) Predominância de elementos militares na Comissão nomeada revela a errônea tendência do governo de atribuir maior importância à utilização da energia nuclear para fins de guerra, quando os interesses superiores do Brasil, como um país subdesenvolvido, reclamam sua aplicação no desenvolvimento das nossas indústrias e da nossa agricultura, o que abrirá possibilidades inimagináveis para a rápida melhoria das condições de vida do povo brasileiro

21 21 "Acertado para uns, errado para outros: o rumo da política atômica do governo", O Globo, 3 maio 1956. Arquivo Academia Brasileira de Ciências, Coleção Energia Nuclear. ENT. 010. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.

.

No final de agosto, o general Nelson de Melo, do Conselho de Segurança Nacional (CSN), apresentou ao presidente da República as "Diretrizes Governamentais para a Política Nacional de Energia Atômica" (Brasil, 1957, anexo I). O documento recomendava a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN); a formulação de um amplo programa de formação de cientistas, técnicos e especialistas para atender às especificidades das diversas áreas envolvidas com a produção de energia nuclear; a produção de combustíveis nucleares; a suspensão das exportações de urânio, de tório e de outros minérios indicados pela futura Comissão Nacional de Energia Nuclear; e o cancelamento da exportação das 300 t de óxido de tório aos Estados Unidos, que haviam sido contratadas naquele mesmo ano. Afora outros pontos, o governo poderia interromper o Programa Conjunto para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil22 22 O item 'b', Artigo XVI, do Programa Conjunto para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, assinado em 3 de agosto de 1955, expressa: "qualquer dos dois governos poderá pôr termo ao presente programa, mediante aviso prévio de 6 (seis) meses ao outro governo" (Guilherme, 1957, p. 200). - o que não ocorreu - e qualquer negociação com outros países, envolvendo matéria-prima de aplicação na área da energia nuclear, precisaria da aprovação do Congresso Nacional. Se o documento propôs a criação da CNEN e de um Fundo Nacional de Energia Nuclear, atribuiu ao Conselho de Segurança Nacional a estratégica competência de formular a política nacional de energia nuclear23 23 Ver "Política Nacional da Energia Nuclear, apreciada pelo Conselho de Segurança Nacional e adotada pelo governo em 30 de agosto de 1956", p. 19 [mss]. Arquivo Hervásio de Carvalho. HCT. 3.6.004. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. . Pode-se concluir que, com poderes para planejar, eleger as prioridades, controlar e fiscalizar a produção de energia nuclear, os militares asseguraram o seu uso inclusive para fins bélicos ou para a defesa nacional.

O presidente da República aprovou as novas "Diretrizes Governamentais para a Política Nacional de Energia Nuclear" em 30 de agosto de 1956, e recebeu o apoio dos deputados aliados Renato Archer e Dagoberto Salles. Este último ressaltou em discurso a importância da implementação da proposta para o progresso do país, considerando-a afinada com o Projeto de Lei n. 944/1956, ainda em tramitação. O deputado da oposição Seixas Dória (UDN/SE) também a apoiou.

Na sequência, criou-se a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), pelo Decreto n. 40.110, de 10 de outubro de 1956. A instituição era subordinada diretamente à presidência da República e encarregada do planejamento e da execução da política nuclear brasileira. O artigo 5º, § 1º, da Lei n. 1.310, que criara o CNPq em 15 de janeiro de 1951, garantia essas atribuições ao presidente do órgão (Brasil, 16 jan. 1951). O fato do Decreto n. 40.110 não ter sido submetido à aprovação do Legislativo, e não ter sido efetivamente um órgão da 'administração paralela', fez com que a CNEN só pudesse receber verbas por meio da abertura de crédito especial.

A COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR

O almirante Octacílio Cunha, ex-assessor de Álvaro Alberto no CNPq, foi nomeado o primeiro presidente da CNEN, enquanto o diplomata Octávio Augusto Dias Carneiro, os engenheiros químicos Francisco Humberto Maffei e Bernardo Geisel, e o físico Joaquim da Costa Ribeiro foram designados para integrar o Conselho Deliberativo, a instância máxima da direção do órgão. Os três últimos tinham passagem pela Comissão de Energia Atômica do CNPq.

Já Octacílio Cunha não tinha experiência na área nuclear. Engenheiro naval, ele foi professor da Escola Naval e da Escola Técnica do Exército, e ocupou cargos de destaque no Ministério da Marinha, como Diretor-Geral do Armamento (1932-1933) e da Fábrica de Artilharia (1949-1955) (Centenário..., 2000, p. 283-289; Caulliraux, s.d., p. 1-8)24 24 Ver Fundo Octacílio Cunha, 01/0432, Personalidade n. 416, caixa 016/08. Departamento de História, Diretoria do Patrimônio Histórico da Marinha, Arquivo Ilha das Cobras, Rio de Janeiro, Brasil. .

A CNEN deveria "atender às necessidades brasileiras no âmbito das aplicações da energia nuclear; de outro é imprescindível que científica e tecnologicamente procuremos acompanhar os progressos que se realizam nesse mesmo campo em outros países"25 25 Palestra pronunciada pelo presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, contra-almirante Octacílio Cunha, na sessão inaugural do seminário de energia nuclear em Belo Horizonte, em 28 mar. 1958. Arquivo Mario Donato, caixa 3. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. . Não se tratava apenas de promover a formação de técnicos e cientistas, de obter matéria-prima e de estimular o progresso de tecnologias apropriadas para a aplicação da energia nuclear na produção de energia termoelétrica. O desenvolvimento da energia nuclear no Brasil envolvia vários segmentos do governo, principalmente as Forças Armadas. Como em outros países, os oficiais da Marinha eram os mais mobilizados.

A CNEN absorveu as funções da Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME/MRE) e da Comissão de Energia Atômica do CNPq, onde provisoriamente se instalou. Também foram transferidos para a responsabilidade da CNEN o Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, firmado com os Estados Unidos, e numerosos processos administrativos, como os incontáveis pedidos de autorização de lavra de minerais radioativos.

O debate suscitado em torno de programas de cooperação técnica, firmado na imprensa ou entre os grupos vinculados ao setor nuclear, esmaeceu depois que a CNEN assumiu o controle do setor. O programa de prospecção assinado entre o CNPq e o United States Geological Survey (USGS), que foi muito criticado no desenrolar das sessões da 'CPI da Energia Atômica' e nas reuniões da Comissão Especial para o Estudo da Energia Atômica no Brasil, nomeada por Kubitschek, não foi sequer denunciado. Ao contrário, em 3 de agosto de 1957, firmou-se um substitutivo entre a CNEN e o USGS. No lugar do CNPq, as atividades passariam a ser desenvolvidas em colaboração com o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), responsável pelo apoio logístico às pesquisas de campo e por trabalhos de laboratório; com a Petrobras, que contribuiria com informações e auxílio técnico; com o Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR), de Belo Horizonte; com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo; com o Instituto de Tecnologia do Espírito Santo; com o Instituto de Biologia e Pesquisas do Paraná; com o Instituto Geológico e Geográfico de São Paulo; e com o Instituto de Tecnologia da Bahia. Privilegiou-se a prospecção de áreas mais acessíveis, uma faixa mais próxima ao litoral, para reduzir os custos do trabalho. Essa atividade permaneceu sendo executada por duas empresas: Levantamento Aerofotogramétrico S.A. (LASA) e Prospecção e Fotometria S.A. (PROSPEC). Os esforços foram em vão, uma vez que nenhuma grande jazida de urânio ou tório foi descoberta.

Quando presidente do CNPq, o almirante Álvaro Alberto encomendou da empresa Sertorious Werk AG, de Göttingen, na República Federal da Alemanha, três ultracentrífugas para enriquecimento de urânio. Na época da transação, 1953-1954, como aquele país estava sob forte controle de tropas de ocupação dos Aliados (Estados Unidos, Reino Unido e França), Álvaro Alberto teria tentado concretizar a negociação por meio de um convênio com a Universidade de Göttingen. No entanto, antes que os três protótipos para enriquecimento de urânio fossem embarcados no porto de Hamburgo com destino ao Rio de Janeiro, o Military Board of Security, dos Estados Unidos, apreendeu o carregamento. A epopeia tem várias versões, entre as quais a de que a ordem partiu do professor James Conant, seguindo orientação da United States Atomic Energy Commission, mas devido à denúncia de um conselheiro do próprio CNPq (Andrade, 1999, p. 137).

Durante o governo de Café Filho, não foi feita nenhuma gestão para liberar as ultracentrífugas junto ao governo norte-americano ou alemão, após o país ter recuperado a autonomia diplomática em outubro de 1954. A questão só foi retomada após a criação da CNEN, em decorrência da mobilização de parlamentares ligados a Kubitschek e Álvaro Alberto. Uma delegação, liderada pelo almirante Paulo Telles Bardy, subchefe do Gabinete Militar da presidência da República, e integrada pelo almirante Octacílio Cunha (CNEN), pelo físico Joaquim da Costa Ribeiro e pelos deputados Renato Archer e Dagoberto Salles, foi a Göttingen e obteve sucesso. As ultracentrífugas foram montadas no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)26 26 Processo 506/51. Arquivo CNPq. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. Francisco Maffei planejava instalar no IPT uma usina piloto para a produção de urânio metálico. Ver Carta n. 87, de Álvaro Alberto a Hervásio de Carvalho, 15 mar. 1953. Arquivo CNPq. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. com o auxílio do físico-químico Wilhelm Groth, que esteve diretamente envolvido na fabricação das mesmas. Mas, como em outras pesquisas experimentais que utilizam equipamento de desempenho não comprovado, em poucos anos as atividades para enriquecer urânio no IPT foram interrompidas. As ultracentrífugas eram alvo de críticas de físicos nucleares, chamadas, inclusive, de 'chocolateiras', e a CNEN deixou de financiar o projeto de enriquecimento de urânio conduzido pelo químico Ivo Jordan (Rocha Filho e Garcia, 2006, p. 76)27 27 Na década de 1960, depois de alguns experimentos do químico Ivo Jordan e do fim do financiamento da CNEN ao projeto (Santos, 1994, p. 5), as centrífugas foram emparedadas no IPT, conforme informação de Cesário Praxedes, "25 anos de átomo", Manchete, Rio de Janeiro, 5 jul. 1975, p. 18. Arquivo Alexandre Girotto. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. Informações obtidas também em entrevista da primeira autora com Hervásio de Carvalho, em fevereiro de 1996. .

A história das ultracentrífugas exemplifica a obstinação de Álvaro Alberto para produzir energia nuclear e conserva um significado especial: o domínio da tecnologia de enriquecimento do urânio é o ápice no processo de busca da autonomia nuclear de um país. Entretanto, é ingênuo considerar a possibilidade de tecnologia nuclear de eficácia comprovada ser transferida, cedida ou oficialmente comercializada entre países28 28 Em duas ocasiões, a Alemanha se propôs a ceder a tecnologia de enriquecimento de urânio ao Brasil e não o fez: na década de 1950 e no Acordo Nuclear de 1975, cujo processo era também experimental ( jet nozzle). Essas falsas promessas eram 'moedas simbólicas de troca' nas relações comerciais entre os dois países. . Logo, a liberação das ultracentrífugas, em meados da década de 1950, indica que estavam fadadas ao insucesso ou que não representavam ameaça à quebra do monopólio norte-americano da tecnologia de enriquecimento de urânio29 29 Há informações no depoimento de Archer (Rocha Filho e Garcia, 2006, p. 76-77) conflitantes com outras fontes. Por exemplo, as ultracentrífugas da década de 1950 não guardam relação com a tecnologia das centrífugas desenvolvidas pela Marinha, em Iperó, e em operação industrial na fábrica das Indústrias Nucleares do Brasil, em Rezende, desde 2006 (Andrade, 2006, p. 160-164). Apenas o método de enriquecimento é o mesmo (centrifugação), uma coincidência, uma vez que Álvaro Alberto não tinha elementos para fazer a apreciação técnica e financeira sobre qual o melhor processo (difusão gasosa, centrifugação, jato centrífugo ou ultracentrifugação). .

O projeto para a construção de uma usina de beneficiamento de urânio, desenvolvido pela francesa Société des Produits Chimiques des Terres Rares, também foi transferido do CNPq para a CNEN. O contrato previa implantar um complexo industrial destinado à produção de urânio metálico nuclearmente puro, chegando-se a elaborar a planta de uma usina de beneficiamento de urânio a ser instalada no município de Poços de Caldas, em Minas Gerais. Em 19 de agosto de 1959, Kubitschek lançou a pedra fundamental que marcou o início da construção da usina de Poços de Caldas. Esse projeto foi interrompido e substituído30 30 O projeto demorou a ser implementado e a usina de tratamento do urânio extraído dessa região funcionou da década de 1970 até o início da exploração das jazidas localizadas em Caetité, na Bahia, por volta de 2000 (Andrade, 2006, p. 170). .

Novas atividades foram propostas e outros acordos de cooperação técnica foram assinados pela CNEN, sem que tivesse técnicos especializados em seu quadro funcional para desenvolver os projetos. A formação de especialistas nas áreas da geologia, química, física e engenharia nuclear exige a manutenção de programas de colaboração entre universidades, além da concessão de bolsas de estudo no exterior e da contratação de professores estrangeiros para ministrar cursos de aperfeiçoamento e ciclos de conferência. Frente às dificuldades, Octacílio Cunha recrutou oficiais militares para ocupar postos na CNEN, o que marcou a história da instituição, mas não supriu a falta de especialistas em energia nuclear.

A falta de recursos financeiros e de pessoal técnico-científico comprometeu a agenda desenvolvimentista de Kubitschek para o setor nuclear. O Programa de Metas previa a instalação de centrais nucleares, que foram preteridas diante do custo do kW/hora, da necessidade de importação de equipamentos sujeitos ao rígido controle dos Estados Unidos e dada a abundância de recursos hídricos no país. Mesmo os projetos capitaneados pelas poderosas empresas privadas estrangeiras que atuavam nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo no fornecimento de energia elétrica e equipamentos, respectivamente, a American & Foreign Power (AMFORP) e a General Electric, também não saíram do papel.

Kubitschek (1975, p. 238) registrou, em suas memórias, que a CNEN recebeu substanciais recursos para a formação de pessoal e para o planejamento de centrais elétricas nucleares31 31 A CNEN teve orçamento próprio somente a partir de 1962. No governo de Kubitschek, recebia recursos por meio do CNPq e de créditos especiais repassados pelo Ministério da Fazenda. Em março de 1960, por exemplo, foi autorizado um crédito de Cr$ 976.000.000,00 para a CNEN, dos quais: Cr$ 567.000.000,00 para a "industrialização, incluindo lavra e beneficiamento de minérios, projeto de instalação e operação de conjuntos industriais", Cr$ 30.000.000,00 para a compra de materiais nucleares e Cr$ 212.000.000,00 para a "formação de pessoal técnico e científico". O restante destinava-se à prospecção e administração (Brasil, 4 mar. 1960). . Omitiu que grande parte dos recursos da CNEN era utilizada na compra de subprodutos da monazita obtidos pela Orquima S/A e que autorizou essa Comissão a estudar as bases da negociação para efetivar a compra da empresa (Diário Oficial da União, 1960). Em abril de 1960, a CNEN adquiriu os equipamentos da Orquima destinados à industrialização da monazita, cujo diretor e acionista era assessor e amigo de Kubitschek, Augusto Frederico Schmidt, e comprou integralmente uma subsidiária denominada Sociedade Comercial de Minérios Limitada (SULBA) (Lacerda, 1960)32 32 Ver "Compra da Orquima", de Octacílio Cunha, em 27 jan. 1961. Arquivo Mario Donato, caixa 3. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. . Embora toda a produção de sais de tório e urânio extraídos da monazita fosse compulsoriamente adquirida pelo governo, por meio do CNPq e da CNEN, Schmidt sempre discordou da política que cerceava as exportações de minerais estratégicos (Salles, 1959, p. 144; Brasil, 22 nov. 1965; 25 nov. 1965)33 33 Em 1965, durante o governo do general Humberto de Alencar Castello Branco, os bens da Orquima situados em São Paulo e utilizados na industrialização da monazita foram expropriados em favor da CNEN (Brasil, 22 nov. 1965, 25 nov. 1965), passando a ser chamados de Administração da Produção da Monazita (CNEN, 1966, p. 28-29, 62). Augusto Schmidt era amigo próximo de Castello Branco, como de Juscelino Kubitschek. Ver verbete sobre Augusto Frederico Schmidt em Fundação Getúlio Vargas (s.d.). . Por fim, a CNEN perdeu a autonomia com a criação do Ministério das Minas e Energia, para o qual a entidade foi transferida (Brasil, 22 jul. 1960).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meados do século XX, na maioria dos países industrializados, o fomento da ciência estava a cargo de instituição distinta daquelas encarregadas da produção e fiscalização das atividades do setor nuclear. Por características da sociedade e dos arranjos políticos, no Brasil, a gestão da ciência e a gestão da energia nuclear não tinham autonomia ou reconhecimento suficiente para angariar o apoio necessário à criação de duas ou mais instituições independentes. Pelo contrário, foram necessárias décadas para a criação de um conselho de ciências, que, de fato, mesclou ciência e energia nuclear. Após poucos anos de funcionamento do órgão, entretanto, eram nítidas as tensões entre as duas esferas de atuação. Em particular, porque a representatividade dos militares e dos cientistas era desequilibrada, e os interesses dos últimos se pulverizavam pelo fato de defenderem diferentes áreas de conhecimento. Embora a presença soe inexplicável, os militares tinham um único objetivo ao participar de um conselho de ciências: a busca da tecnologia para fazer a bomba e a consequente autonomia para produzir energia nuclear no país. Se a Guerra Fria, com a justificativa de investimentos em segurança nacional, e o boom tecnológico colaboraram para aumentar o orçamento do CNPq, a distribuição dos recursos entre as áreas era desigual. Ao favorecer o campo da energia nuclear, os militares provocaram a cisão no grupo constituído por antigos aliados.

No governo de Juscelino Kubitschek, o fluxo de recursos financeiros mudou de direção. O projeto desenvolvimentista exigia ampla participação do capital estrangeiro para a instalação de indústrias modernas e relegava ao segundo plano o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país. Os recursos para a montagem de infraestrutura para o setor nuclear, como para a pesquisa científica e formação de pessoal qualificado, não eram mais prioridades, como comprova a redução do orçamento do CNPq. As empresas que se instalaram no Brasil, no final da década de 1950, traziam prontos os seus projetos tecnológicos e só necessitavam de técnicos para trabalhar nas fábricas. Era clara a dicotomia entre as aspirações nacionais e a política.

O crescente antiamericanismo na América Latina, como era o caso de Cuba, possibilitou um contato mais direto entre autoridades norte-americanas e brasileiras. Durante o governo de Kubitschek, Dwight Eisenhower esteve em visita ao Brasil e uma delegação da recém-criada Agência Internacional de Energia Atômica foi recebida pelo presidente da República no Palácio do Catete. Contrariando as próprias "Diretrizes da Política de Energia Atômica", Kubitschek assinou um Acordo de Cooperação para Usos Civis da Energia Atômica com os Estados Unidos, em 1957, com cláusula de sigilo em caso de descoberta de reservas de minerais físseis e férteis. A submissão política do Brasil aos Estados Unidos na área nuclear não se modificou, apesar da criação de agências ou comissões específicas no âmbito das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, mas que historicamente refletem a posição do governo norte-americano (Cervo e Bueno, 2002, p. 287-297; Motoyama, 2004, p. 309-310).

A CNEN concentrou todas as atribuições afeitas à área nuclear, até então de responsabilidade do CNPq, criando a falsa expectativa entre membros da extinta Comissão de Energia Atômica de que a nova autarquia daria continuidade ao programa do CNPq. Na avaliação do físico José Leite Lopes, as atividades desenvolvidas nos primeiros anos da CNEN não corresponderam a esse anseio coletivo, da mesma maneira que a política de exportação de minerais nucleares não foi alterada em sua essência. A CNEN não se tornou a CEA/CNPq revigorada; ao contrário, em seus primeiros anos, não tinha orçamento e nem quadro próprio de pessoal especializado. Por estar excluída do orçamento nacional, as despesas eram cobertas com recursos financeiros repassados pelo CNPq e a equipe era constituída por grande número de militares ligados a Octacílio Cunha. A criação da CNEN selou apenas o compromisso estabelecido entre Kubitschek e os militares que o apoiavam em troca do controle do setor nuclear.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 27/02/2012

Aprovado em 18/01/2013

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  • SALLES, Dagoberto. As raízes do nacionalismo São Paulo: Fulgor, 1959.
  • SANTOS, Marcelo Damy de Souza. Marcello Damy Entrevista concedida a Eduardo Fernandes. São Paulo: IPEN/USP, 1994.
  • SANTOS, Tatiane Lopes. Nos bastidores da criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear: disputas políticas e interesses econômicos. 2009. 185 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
  • Autor para correspondência:

    Ana Maria Ribeiro de Andrade
    Museu de Astronomia e Ciências Afins. Coordenação de História da Ciência
    Rua General Bruce, 586
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 20921-030
    (
  • 1
    Ver também "Comissão incumbida de elaborar o anteprojeto de estruturação do Conselho Nacional de Pesquisas", na Ata da reunião realizada em 20 abr. 1949, p. 30-31. Arquivo Álvaro Alberto. Centro Interunidade de História da Ciência, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • 2
    A expressão 'rede da energia atômica' foi cunhada pela primeira autora do artigo para designar o processo de aglutinação de atores em torno do desenvolvimento da energia nuclear no país, embora esses atores representassem distintos grupos com objetivos específicos e onde cada um buscava ganhos relativos (Andrade, 1999, p. 107-142).
  • 3
    Membros do Conselho Deliberativo do CNPq que também faziam parte da CEA: Arthur Moses, Bernardino de Mattos Netto, Bernardo Geisel, Carlos Chagas Filho, Elysiário Távora, Francisco Maffei, Joaquim da Costa Ribeiro, Luiz Cintra do Prado e Marcello Damy de Souza Santos (Andrade, 1999, p. 116-117; 2010, p. 137).
  • 4
    Os físicos José Leite Lopes e Francisco Magalhães Gomes e o professor de físico-química Luiz Pilla também eram membros da CEA. Como Leite Lopes, Damy e Chagas Filho, outros conselheiros da CEA igualmente podem ser enquadrados na corrente de pensamento 'desenvolvimentista nacionalista' (Andrade, 1999, p. 116-117; 2010, p. 137).
  • 5
    A expressão 'compensações específicas' sintetiza os argumentos de Álvaro Alberto em reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) no final da década de 1940, quando os Estados Unidos pretendiam estabelecer uma política de controle das reservas de minerais estratégicos para a produção de energia nuclear, e ele defendia, em nome do Brasil, a liberação de tecnologia para o setor nuclear.
  • 6
    Décadas depois, entre 1964 e 1966, Luiz Cintra do Prado foi presidente da CNEN.
  • 7
    Anais da 564ª sessão do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisas, 17 abr. 1961, p. 16. Arquivo CNPq. Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCTI (doravante MAST), Rio de Janeiro, Brasil.
  • 8
    Observa-se que, em duas pesquisas realizadas anteriormente (Andrade, 1994; Andrade e Cardoso, 2001), não se identificou oposição ao uso da energia nuclear no Brasil entre as décadas de 1940-1960. O 'inimigo' da época era o comunismo.
  • 9
    Anais da 303ª sessão do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisas, 12 jan. 1956, p. 10-11. Arquivo CNPq. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 10
    O Projeto de Lei n. 944/1956 tramitou, entre 1956 e 1962, na Comissão de Economia e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (Brasil, 12 jan. 1956). O físico Joaquim da Costa Ribeiro fez duras críticas ao projeto, mas José Leite Lopes manifestou em entrevista que teve alguma esperança na aprovação (comunicação pessoal à primeira autora, 1993-1996).
  • 11
    Conforme entrevista concedida à primeira autora por Aldo Vieira da Rosa, em set. 1996, Rio de Janeiro.
  • 12
    Há controvérsias sobre os reais proprietários da Orquima. Augusto F. Schmidt, que sempre esteve à frente da empresa, recusou-se a mencionar os nomes dos acionistas em seu depoimento à 'CPI da Energia Atômica', alegando que a mesma era uma sociedade anônima (Salles, 1959, p. 142-144).
  • 13
    Uma ótima cronologia dos acontecimentos ligados à história da energia nuclear foi organizada por Guilherme (1957, p. 263-269).
  • 14
    Mais tarde, Gabriel Passos (UDN/MG) fundou a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), movimento pluripartidário cujos objetivos eram apresentar projetos e defender no Congresso Nacional uma política de desenvolvimento nacional autônomo. Ver verbete sobre Gabriel Passos em Fundação Getúlio Vargas (s.d.).
  • 15
    Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 3 mar. 1956. Arquivo Academia Brasileira de Ciências, Coleção Energia Nuclear. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 16
    O depoimento foi publicado no Diário do Congresso Nacional em 10 de novembro de 1956. Ver também: Arquivo Gabriel Passos. 1955.12.05. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (doravante CPDOC), Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 17
    Ver Mário Franqueira, "A realidade atômica brasileira: suborno, corrupção e incúria", Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 13 jun. 1956. Arquivo da Academia Brasileira de Ciências, Coleção Energia Nuclear. ENT 021. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 18
    A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, estabelecida em dezembro de 1949, funcionou entre 1951 e 1953. Uma contribuição da CMBEU, ao formular o conceito de pontos de estrangulamento, foi identificar as principais áreas: energia, transporte e alimentação. Ver Lafer (2002, p. 57).
  • 19
    O EMFA encaminhou a recomendação em 27 de fevereiro de 1956 e a Comissão Especial para Estudo da Energia Atômica no Brasil foi nomeada em 24 de abril (Guilherme, 1957, p. 269).
  • 20
    Respectivamente, José Carlos de Macedo Soares (MRE); marechal Henrique Teixeira Lott; Antônio Alves Câmara; Henrique Fleuiss; general Ernesto Dornelles (MA); general Anor Teixeira dos Santos (EMFA); Lucas Lopes (CDE); João Christovão Cardoso (vice-presidente do CNPq); e general Nelson de Mello (CSN).
  • 21
    "Acertado para uns, errado para outros: o rumo da política atômica do governo", O Globo, 3 maio 1956. Arquivo Academia Brasileira de Ciências, Coleção Energia Nuclear. ENT. 010. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 22
    O item 'b', Artigo XVI, do Programa Conjunto para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, assinado em 3 de agosto de 1955, expressa: "qualquer dos dois governos poderá pôr termo ao presente programa, mediante aviso prévio de 6 (seis) meses ao outro governo" (Guilherme, 1957, p. 200).
  • 23
    Ver "Política Nacional da Energia Nuclear, apreciada pelo Conselho de Segurança Nacional e adotada pelo governo em 30 de agosto de 1956", p. 19 [mss]. Arquivo Hervásio de Carvalho. HCT. 3.6.004. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 24
    Ver Fundo Octacílio Cunha, 01/0432, Personalidade n. 416, caixa 016/08. Departamento de História, Diretoria do Patrimônio Histórico da Marinha, Arquivo Ilha das Cobras, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 25
    Palestra pronunciada pelo presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, contra-almirante Octacílio Cunha, na sessão inaugural do seminário de energia nuclear em Belo Horizonte, em 28 mar. 1958. Arquivo Mario Donato, caixa 3. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 26
    Processo 506/51. Arquivo CNPq. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. Francisco Maffei planejava instalar no IPT uma usina piloto para a produção de urânio metálico. Ver Carta n. 87, de Álvaro Alberto a Hervásio de Carvalho, 15 mar. 1953. Arquivo CNPq. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 27
    Na década de 1960, depois de alguns experimentos do químico Ivo Jordan e do fim do financiamento da CNEN ao projeto (Santos, 1994, p. 5), as centrífugas foram emparedadas no IPT, conforme informação de Cesário Praxedes, "25 anos de átomo", Manchete, Rio de Janeiro, 5 jul. 1975, p. 18. Arquivo Alexandre Girotto. MAST, Rio de Janeiro, Brasil. Informações obtidas também em entrevista da primeira autora com Hervásio de Carvalho, em fevereiro de 1996.
  • 28
    Em duas ocasiões, a Alemanha se propôs a ceder a tecnologia de enriquecimento de urânio ao Brasil e não o fez: na década de 1950 e no Acordo Nuclear de 1975, cujo processo era também experimental (
    jet nozzle). Essas falsas promessas eram 'moedas simbólicas de troca' nas relações comerciais entre os dois países.
  • 29
    Há informações no depoimento de Archer (Rocha Filho e Garcia, 2006, p. 76-77) conflitantes com outras fontes. Por exemplo, as ultracentrífugas da década de 1950 não guardam relação com a tecnologia das centrífugas desenvolvidas pela Marinha, em Iperó, e em operação industrial na fábrica das Indústrias Nucleares do Brasil, em Rezende, desde 2006 (Andrade, 2006, p. 160-164). Apenas o método de enriquecimento é o mesmo (centrifugação), uma coincidência, uma vez que Álvaro Alberto não tinha elementos para fazer a apreciação técnica e financeira sobre qual o melhor processo (difusão gasosa, centrifugação, jato centrífugo ou ultracentrifugação).
  • 30
    O projeto demorou a ser implementado e a usina de tratamento do urânio extraído dessa região funcionou da década de 1970 até o início da exploração das jazidas localizadas em Caetité, na Bahia, por volta de 2000 (Andrade, 2006, p. 170).
  • 31
    A CNEN teve orçamento próprio somente a partir de 1962. No governo de Kubitschek, recebia recursos por meio do CNPq e de créditos especiais repassados pelo Ministério da Fazenda. Em março de 1960, por exemplo, foi autorizado um crédito de Cr$ 976.000.000,00 para a CNEN, dos quais: Cr$ 567.000.000,00 para a "industrialização, incluindo lavra e beneficiamento de minérios, projeto de instalação e operação de conjuntos industriais", Cr$ 30.000.000,00 para a compra de materiais nucleares e Cr$ 212.000.000,00 para a "formação de pessoal técnico e científico". O restante destinava-se à prospecção e administração (Brasil, 4 mar. 1960).
  • 32
    Ver "Compra da Orquima", de Octacílio Cunha, em 27 jan. 1961. Arquivo Mario Donato, caixa 3. MAST, Rio de Janeiro, Brasil.
  • 33
    Em 1965, durante o governo do general Humberto de Alencar Castello Branco, os bens da Orquima situados em São Paulo e utilizados na industrialização da monazita foram expropriados em favor da CNEN (Brasil, 22 nov. 1965, 25 nov. 1965), passando a ser chamados de Administração da Produção da Monazita (CNEN, 1966, p. 28-29, 62). Augusto Schmidt era amigo próximo de Castello Branco, como de Juscelino Kubitschek. Ver verbete sobre Augusto Frederico Schmidt em Fundação Getúlio Vargas (s.d.).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Fev 2012
    • Aceito
      18 Jan 2013
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