Acessibilidade / Reportar erro

CARTA DO EDITOR

Em 2014, celebramos os 120 anos do primeiro fascículo do Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnografia, publicado por Emílio Goeldi em setembro de 1894. Desde então, a revista atravessou seis fases, com título, periodicidade e ISSN distintos. A última reformulação ocorreu entre 2006 e 2008, dando origem aos atuais Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas e Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais. Essa recente reestruturação foi coordenada por Andréa Sanjad, que, após sete anos de trabalho, encerrou definitivamente sua colaboração com o Museu Goeldi em março de 2014. Como a complexidade do que foi realizado nesses últimos anos é grande, descreverei em linhas gerais as ações que considero importantes por terem resultado em evidentes ganhos científicos, editoriais e gráficos para as revistas.

Cabe fazer, de antemão, um breve parêntese. Uma decisão institucional precedeu a última reorganização das revistas: a reunião das antigas séries (Zoologia, Botânica, Ciências da Terra e Antropologia), que estavam com a circulação paralisada desde 2002, em apenas duas publicações, dedicadas às ciências naturais e humanas, em geral. Essa decisão foi tomada em 2004 e deu origem a uma tentativa malograda de lançar, em 2005, as novas revistas. Nessa ocasião, a falta de clareza quanto ao novo projeto editorial resultou em problemas de difícil solução sem uma nova reestruturação, efetivada a partir de 2006. Foi quando os atuais títulos e ISSN foram definidos, mantendo-se a ideia de publicar apenas dois periódicos, em vez de quatro.

Essa nova fase contou com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional e da Biblioteca Virtual em Saúde do Instituto Evandro Chagas/Ministério da Saúde (BVS-IEC). A primeira tarefa foi a mudança e ampliação dos Editores Científicos e Associados, inclusive com a inclusão de pesquisadores de outras instituições. O Conselho Científico também foi renovado com cientistas brasileiros e estrangeiros. O escopo editorial foi revisto, assim como os documentos básicos do periódico, como a política editorial, as instruções para submissão de artigos e o formulário de avaliação por pares. Em seguida, todo o processo editorial foi reorganizado, desde a submissão até a publicação, incluindo a adoção de regras claras para a normalização e o projeto gráfico, bem como a definição de prazos, direitos e responsabilidades em cada etapa. Simultaneamente, as revistas foram submetidas à avaliação de indexadores, ganhando, pouco a pouco, mais visibilidade. Por fim, uma estratégia de distribuição e divulgação foi estabelecida, a qual incluiu: a) seleção de um grupo de bibliotecas brasileiras para receber a revista regularmente; b) identificação dos programas de pós-graduação afins ao escopo editorial; c) revisão do sistema de permuta, sob o encargo da Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, do Museu Goeldi; d) elaboração de um site para cada periódico, com disponibilização integral e gratuita do conteúdo; e) divulgação e distribuição gratuita em eventos científicos; f) organização de seminários por ocasião do lançamento de números especiais; e, mais recentemente, g) divulgação em redes sociais.

Alguns pontos foram essenciais nesse longo, silencioso e (quase) invisível processo, verificáveis, contudo, nos 50 fascículos já publicados das duas revistas desde 2006. São eles: a) estruturação e formalização de um Núcleo Editorial especializado e exclusivo para a produção dos periódicos científicos; b) contratação e formação de uma equipe capaz, ainda que diminuta, e sua contínua atualização por meio da participação nos cursos, seminários e encontros promovidos pela Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e pela Scientific Electronic Library Online (SciELO); c) manutenção dos prazos para a publicação das revistas, conforme a periodicidade declarada, evitando atrasos e superando os problemas crônicos deles advindos; d) diversificação geográfica e institucional dos autores, evitando a endogenia institucional e regional; e, na base de tudo isso, como condição fundamental, e) o compromisso inerente da direção e administração do Museu Goeldi com as revistas, valorizando um importante patrimônio da ciência brasileira.

Embora a complexidade do trabalho realizado não possa ser aqui descrita em sua totalidade, os resultados apresentados acima são consistentes, viabilizaram a indexação em importantes bases de dados, como Scopus, DOAJ e SciELO, e deram uma visibilidade inquestionável para ambas as revistas. Apesar do muito já percorrido e das evidências de que estamos no caminho certo, entre elas a boa avaliação do Qualis Periódicos, temos claro o muito que há por fazer em médio e longo prazos, sobretudo em vista da atual agenda de discussões no âmbito da comunicação científica brasileira, como a internacionalização e profissionalização dos periódicos. Como qualquer outra publicação do mesmo segmento, esses desafios requerem um compromisso permanentemente renovado de todos os envolvidos. Em nome do corpo editorial e da equipe do Núcleo, agradeço a Andréa Sanjad por nos mostrar que o salto de qualidade é possível.

Neste número, doze artigos integram o sumário. Os dois primeiros nos remetem ao Peru. Mercedes Okumura (USP/MAE) analisou 78 crânios pré-colombianos com deformação intencional, encontrados em Pasamayo, relacionando três diferentes tipos de deformação com cinco marcadores de saúde humana. Um dos tipos de deformação, denominado 'fronto-lambdoide', foi aqui descrito pela primeira vez. Outro artigo, de Cristiana Bertazoni Martins (USP), analisa a obra de dramaturgia Quechua "Apu Ollantay", interpretando-a como um instrumento social e político destinado a projetar a magnitude imperial Inca na parte amazônica de seu território, o Antisuyu.

Segue-se um conjunto de quatro artigos, que transitam entre a ecologia histórica e a etnobotânica. O primeiro deles, de Henrique Silva (SEDUC-SP) e Rui Murrieta (USP), analisa o declínio, por meio de extensa revisão bibliográfica, do cultivo de mandioca na agricultura de pequena escala do estado de São Paulo, entre o século XVI e meados do XX, avançando em uma interpretação sobre os fatores socioeconômicos, culturais e ambientais associados a esse processo. Em seguida, Flora Piasentin (UFRB) e Carlos Saito (UnB) descrevem os seis métodos de cultivo de cacau adotados na região sudeste da Bahia, ao longo do tempo, ressaltando o contexto histórico, as práticas de manejo e as percepções atuais de alguns agentes sociais. Ana Carolina Barbosa de Lima (Indiana University, USA) analisa o efeito da urbanização sobre a disponibilidade de mercado e o consumo de frutas regionais no Acre, comparando as porções leste e oeste do estado, com cidades de diferentes tamanhos. Por fim, Mariane Nardi Santos (UNIFAP) e colegas analisam o conhecimento ecológico local sobre andirobeiras e extração do óleo de andiroba entre os moradores da Área de Proteção Ambiental da Fazendinha, Amapá, constatando uma perda de conhecimento entre as gerações como consequência da urbanização da área e do uso limitado desse recurso florestal.

Outros quatro artigos dão visibilidade para transformações socioeconômicas contemporâneas entre povos tradicionais e indígenas na Amazônia. Felipe Rossoni Cardoso (Instituto Piagaçu, Manaus) e colegas caracterizam a pesca de pequena escala de um peixe ornamental, o acará-disco, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, Amazonas, com base no conhecimento ecológico local dos moradores. Marcelo Oliveira (UFPA) e Maria Cristina Maneschy (ITV-DS) analisam as formas de apropriação dos manguezais por catadores de caranguejo na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Pará, ressaltando os conflitos e as territorialidades socialmente construídas. José Olenilson Pinheiro (Embrapa Amazônia Ocidental) e Laura Ferreira Darnet (UFPA) analisam a dimensão socioeconômica de uma comunidade pesqueira situada na Reserva Extrativista Marinha de Maracanã, Pará, com base em indicadores de desenvolvimento local. Finalmente, Nathália Silva e José Ambrósio Ferreira Neto (UFV) analisam o processo de monetarização da vida social dos Paiter Suruí, cujo território se localiza entre Rondônia e Mato Grosso, ressaltando a convivência de práticas mercadológicas atuais com atividades tradicionais ressignificadas.

Os dois artigos restantes abordam temas distintos. No âmbito da linguística indígena, Ivan Rocha (USP) descreve os processos de causativização em Karitiana, língua do tronco Tupi, localizada em Rondônia; e Priscila Faulhaber e Fernanda Tibau (MAST/MCTI) analisam um conjunto de filmes produzidos sobre o Brasil com o apoio do Escritório de Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos e do governo brasileiro durante a década de 1940, procurando identificar os significados de uma imagem deliberadamente construída conforme a estratégia política entre ambos os países.

Na seção Debate, publicamos um ensaio de João Meirelles Filho (Instituto Peabiru, Belém), instado a responder a seguinte pergunta: é possível superar a herança da ditadura brasileira (1964-1985) e controlar o desmatamento na Amazônia? Após analisar o crescimento exponencial do desmatamento nos últimos 50 anos, Meirelles Filho apresenta uma visão crítica sobre esse processo, uma vez que o consumo de carne bovina cresce permanentemente no Brasil e não existem políticas públicas e nem fiscalização capazes de evitar que a fronteira agropecuária, estimulada pelo mercado, avance sobre a floresta. Meirelles Filho é um dos pioneiros no estudo da relação entre a pecuária e a devastação da Mata Atlântica e da Amazônia. Com grande experiência na militância ambiental e social, que já soma mais de 30 anos, toca em problemas crônicos, como a baixa produtividade da pecuária brasileira, e recomenda, por fim, diretrizes para as políticas públicas, com especial atenção ao ordenamento fundiário, à extensão rural e à política tributária.

Encerramos o número com três resenhas, de autoria de Peter Schröder (UFPE), Rafael Milheira (UFPel) e María Macarena Ossola (Universidad Nacional de Salta, Argentina) - a quem agradecemos pela colaboração. À equipe do Núcleo Editorial, os meus agradecimentos pela atenção e zelo dedicados à produção da revista.

Boa leitura!

Nelson Sanjad

Editor Científico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2014
  • Data do Fascículo
    Abr 2014
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br