Acessibilidade / Reportar erro

CARTA DA EDITORA

Belém, na condição de quatrocentona neste 2016, tem lugar de destaque dentre os trabalhos publicados nesta edição. O número trata de hábitos e estratégias de sobrevivências inerentes a seres humanos, sejam alimentares, mercadológicos ou religiosos, da ordem do simbólico. Assim, costumes correntes e ancestrais se entrecruzam nesta edição do Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Ciências Humanas que encerra o ano de 2016, tempo de comemoração do Sesquicentenário da Casa.

As investigações se debruçam sobre formas de cultivo agrícola entre populações tradicionais, sobre práticas de caça e sobre hábitos alimentares em ambiente rural e urbano. O trajeto de leitura proposto nesta edição inicia por Belém (PA), locus de dois artigos que estudam as redes estabelecidas no mercado urbano, tendo por foco o Ver-o-Peso: “Pedra do Peixe: redes sociais na circulação do pescado do Ver-o-Peso para a cidade de Belém do Pará”, de Luiz de Jesus Dias da Silva e Carmem Izabel Rodrigues, e “Segregação Racial na Orla de Belém: os portos públicos da Estrada Nova e o Ver-o-Peso”, de Rodrigo Corrêa Diniz Peixoto e Jakson Silva da Silva. Do tema da segregação racial não pautada pelos movimentos sociais de Belém até as diversas formas de travar o comércio, esses trabalhos trazem à tona discussões do campo da Antropologia.

Já a caminho do nordeste paraense, sobre a produção que chega aos mercados e aos pratos de pescadores graças ao conhecimento e ao trabalho feminino diante da escassez dos pescados mais apreciados, trata o artigo “Mulher e Mercado: participação e conhecimento femininos na inserção de novas espécies de pescado no mercado e na dieta alimentar dos pescadores da RESEX Mãe Grande em Curuçá (PA)”, de autoria de Marllen Karine da Silva Palheta, Voyner Ravena Cañete e Denise Machado Cardoso.

Belém permanece como locus da discussão no trabalho “De Senhora de Nazaré a ‘Nazinha’: singularidades na expressão do afeto à padroeira do Pará”, de Maria do Socorro Furtado Veloso e Maria Angela Pavan, que analisa as maneiras como a população passou a se referir à Nossa Senhora de Nazaré, em formas demonstrativas de afeto e de cumplicidade, oriundas da religiosidade ao tempo em que são reveladoras de identidade e pertencimento pelos que se apropriam da entidade. Helena Lucia Zagury Tourinho e Maria Goreti Costa Arapiraca da Silva, por sua vez, falam em “Quintais urbanos: funções e papéis na casa brasileira e amazônica” do significado desses espaços para as cidades amazônicas e o que a perda deles representa. Para isso, as autoras recorrem à literatura, em autores como Dalcídio Jurandir.

Em “Aspectos etnoecológicos da agricultura Pumé”, Silvana Saturno e Stanford Zent se dedicam às práticas de cultivo de etnia indígena habitante da região do lhano venezuelano, de caçadores e coletores, mas conhecida também por práticas agrícolas características de uma economia mista, distintas de outras formas de significá-los. Do Brasil, “Conservação ex situ e on farm de recursos genéticos: desafios para promover sinergias e complementaridades”, de Laura Santonieri e Patricia Goulart Bustamante, discute as interações entre modelos de conservação em que se considerem tanto o germoplasma com os processos geradores de agrobiodiversidade, agregando agricultores e instituições de pesquisa.

Ainda dentre as populações tradicionais, em “Caçar, Preparar e Comer o ‘bicho do mato’: práticas alimentares entre os quilombolas na Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho (Pará)” Rodrigo Augusto Alves de Figueiredo e Flávio Bezerra Barros indicam que a atividade cinegética envolve aspectos nutricionais e socioculturais, já que o produto da caça fornece proteína, ao tempo em que práticas alimentares são permeadas por costumes, imaginários, sociabilidades, tabus e modos de preparo.

A edição traz, também, a trajetória de Kiju Sakai, antropólogo japonês que viveu em São Paulo, nas décadas de 1930 e 1940 e, em sua prática de para-arqueólogo, escavou diversos sítios no estado, formando coleção amadora e hoje institucionalizada no Museu Histórico e Arqueológico de Lins (SP). O relato é feito por Márcia Lika Hattori e André Strauss no artigo “Kiju Sakai: o antropólogo japonês que dedicou sua vida a estudar o Brasil na primeira metade do século XX”. Ainda da Arqueologia, “Arqueobotânica de um sambaqui sul-brasileiro: integrando indícios sobre o paleoambiente e o uso de recursos florestais”, de João Carlos Ferreira de Melo Júnior, Eloiza Regina da Silveira e Dione da Rocha Bandeira, trata de investigação sobre madeiras como testemunho de sítio arqueológico em Joinville (SC), cujo achado evidencia o uso desse recurso para a construção de plataforma de sustentação desse sítio, localizado em área de mangue.

Para “‘Culturas de Chimpanzés’: uma revisão contemporânea das definições em uso”, Eliane Sebeika Rapchan e Walter Alves Neves apontam que o conceito de “cultura de chimpanzés” em muito se distancia do conceito de cultura ligado à capacidade de manipulação de símbolos. Assim, sugerem reavaliação da proximidade genética e comportamental entre humanos e chimpanzés, redefinindo a fronteira do humano e não humano.

“A agricultura moderna no Planalto Central: a experiência da Colônia Blasiana (1881-1895), na atual Luziânia, Goiás, Brasil”, de Mário Roberto Ferraro, é estudo sobre escola agrícola para órfãos negros beneficiários da Lei do Ventre Livre. O texto apresenta o que se constituiu como significativa contribuição para modernização da agropecuária do final do século XIX, em Goiás, iniciativa individual que se destacou, também, no campo científico.

A seção que encerra esta edição, “Memória”, apresenta The first list of Malayalam words at the end of 15th century by a Portuguese seaman (“A primeira lista de palavras do malaiala escrito por um marinheiro português no final do século XV”), uma nova edição com correções, acréscimos e versões para o inglês de 122 palavras de uso corrente no português com versões para o Malaiala ou Malabar, língua do sudeste da Índia, feitas no século XV. Esses vocábulos constam do relato da primeira viagem de Vasco da Gama (ca. 1460–1524) à Índia, disponível na Biblioteca Pública Municipal do Porto, Portugal.

Jimena Felipe Beltrão
Editora Científica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br