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Caçar, preparar e comer o ‘bicho do mato’: práticas alimentares entre os quilombolas na Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho (Pará)

Hunting, preparing, and eating the ‘bicho do mato’: feeding practices among quilombolas in the Ipaú-Anilzinho Extractive Reserve (Pará State)

Resumo

A caça de animais silvestres tem desempenhado um papel importante para a reprodução física e simbólica de famílias rurais que vivem em diferentes regiões tropicais do planeta. Com efeito, muitas dimensões do uso de recursos cinegéticos como fonte de alimentação ainda não foram suficientemente estudadas, sobretudo dos pontos de vista da Antropologia e da Etnoecologia. Tais dimensões, com frequência, são ignoradas nas intervenções de conservação da biodiversidade. Este artigo tem por objetivo analisar o uso da fauna silvestre em práticas alimentares por famílias da comunidade quilombola de Joana Peres, localizada na Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho, uma unidade de conservação situada no município de Baião, Pará, Amazônia brasileira. Conduzimos o estudo a partir dos pressupostos da Etnoecologia. Destacamos os elementos de ordem social e cultural que norteiam os processos de obtenção, preparo e consumo de alimentos a partir da atividade cinegética. Empregamos os métodos da observação participante e entrevistas abertas e semiestruturadas. Interpretamos os dados tanto de modo qualitativo como quantitativo. Particularmente, para cada uma das espécies citadas procuramos calcular o índice de Valor de Uso (VU), que possibilita demonstrar o grau de importância relativa das espécies conhecidas localmente. O estudo evidenciou que a atividade cinegética envolve tanto aspectos nutricionais como socioculturais, uma vez que os recursos faunísticos fornecem proteína e as práticas alimentares são permeadas por diferentes processos que incluem costumes, imaginários, sociabilidades, tabus e modos de preparo.

Palavras-chave
Caça; Antropologia da alimentação; Etnoecologia; Conhecimento tradicional; Quilombolas; Amazônia

Abstract

Hunting of wild animals has played a significant role in the physical and symbolic reproduction of rural families living in various tropical regions of the planet. Indeed, many dimensions of using cynegetic resources as a source of human food have not been sufficiently studied, yet, above all from the viewpoints of Anthropology and Ethnoecology. Such dimensions are often overlooked in biodiversity conservation interventions. This article aims to analyze the use of wild animals in feeding practices among families in the quilombola community of Joana Peres, located in the Extractive Reserve Ipaú-Anilzinho, a conservation unit within the municipality of Baião, Pará, Brazilian Amazon. We conducted the study by using Ethnoecology postulates. We highlight elements having a social and cultural nature that guide the procedures for obtaining, preparing, and eating food through the cynegetic activity. We employed the methods of participant observation and semi-structured and open interviews. We interpret data both qualitatively and quantitatively. Particularly, for each of the species mentioned we seek to calculate the index of Use Value (UV), which allows to demonstrate the degree of relative importance of locally known species. The study has shown that the cynegetic activity involves both nutritional and socio-cultural aspects, since wildlife resources provide protein and the dietary practices are permeated by various processes including habits, imaginary, sociability, taboos, and preparation modes.

Keywords
Hunting; Anthropology of food; Ethnoecology; Traditional knowledge; Quilombolas; Amazonia

INTRODUÇÃO

Os animais silvestres têm constituído uma fonte de proteína importante na história evolutiva humana e nas mais diferentes culturas. Estudos nesse sentido têm observado e descrito a caça como uma prática cotidiana em várias partes do mundo (Beltrán, 1966BELTRÁN, Enrique. La administración de la fauna silvestre. In: INSTITUTO MEXICANO DE RECURSOS NATURALES RENOVABLES. Mesas redondas sobre Problemas de Caza y Pesca Deportivas en México. México: Ediciones del Instituto Mexicano de Recursos Naturales Renovables, 1966. p. 225-259.; Linares, 1976LINARES, Olga F. “Garden hunting” in the American tropics. Human Ecology, v. 4, n. 4, p. 331-349, Oct. 1976.; Cooke, 1981COOKE, Richard. G. Los habitos alimentarios de los indigenas precolombinos de Panama. Revista Médica de Panamá, Panamá, v. 6, n. 1, p. 65-89, 1981.; Godelier, 1992GODELIER, Maurice. L’idéel et le matériel: pensée, économies, sociétés. Paris: Fayard, 1992. 350 p.; Shepard Jr., 2014SHEPARD JR., Glenn Harvey. Hunting in Amazonia. In: SELIN, Helaine (Ed.). Encyclopaedia of the History of Science, Technology, and Medicine in Non-Western Cultures. Springer, p. 1-7, July 2014.). Um dos aspectos que têm aflorado a partir desses estudos é a grande diversidade de usos da fauna silvestre, ligados à evolução cultural na relação homem/fauna, embora a alimentação de subsistência continue sendo o mais representativo.

Na África, por exemplo, os recursos faunísticos servem como a maior fonte de alimento para muitas famílias rurais que vivem no Sul do Sahara (Asibey, 1974ASIBEY, Emanuel O. A. Wildlife as a source of protein in Africa south of the Sahara. Biological Conservation, Boston, v. 6, n. 1, p. 32-39, jan. 1974.) e na República do Congo (De Merode et al., 2004DE MERODE, Emmanuel; HOMEWOOD, Katherine; COWLISHAW, Guy. The value of bushmeat and other wild foods to rural households living in extreme poverty in Democratic Republic of Congo. Biological Conservation, Boston, v. 118, n. 5, p. 573-581, Aug. 2004.). Não obstante, estudos feitos no México identificaram que o consumo de diversas espécies de caça tem considerável relevância para subsistência e reprodução de comunidades rurais localizadas na região de Quintana Roo (Jorgenson, 1993JORGENSON, Jeffrey Paul. Gardens, wildlife densities, and subsistence hunting by Maya Indians in Quintana Roo, Mexico. 1993. 338 f. Thesis (Doctorate in Philosophy) University of Florida, Florida, 1993.) e na Península de Yucatán (Santos-Fita et al., 2012SANTOS-FITA, Dídac; NARANJO, Eduardo. J.; RANGEL-SALAZAR, José Luis. Wildlife uses and hunting patterns in rural communities of the Yucatan Peninsula, Mexico. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine. Londres v. 8, n. 1, p. 1-38, 2012.). Na América do Sul, muitos grupos étnicos, tais como os povos indígenas, também dependem inteiramente da fauna silvestre para adquirir a energia necessária à sua sobrevivência (Esser, 1979ESSER, J. The importance of wild animals for utilization of marginal regions in the tropics and subtropics. Animal Research and Development, p. 121-127, 1979.; Ojasti, 2000OJASTI, Juhani. Manejo de fauna silvestre neotropical. Francisco Dallmeier (Ed.). Estados Unidos: Smithsonian Institution/MAB Program, 2000. 290 p.).

Neste ponto, é de se destacar que a caça está inserida numa rede de escolha e utilização de alimentos altamente influenciada pelos padrões ecológicos, econômicos e culturais que regem seu contexto social. No entanto, temse pouco conhecimento sobre os diferentes aspectos que estruturam e regulam o uso da fauna silvestre em práticas alimentares, especialmente entre os povos tradicionais do Brasil. Tem-se uma grande carência de estudos que incorporem melhor a compreensão da caça como uma atividade que estabelece conexões entre a ordem material e imaterial nos modos de apropriação da natureza, tendo em conta que as relações dos seres humanos com seus ambientes abrangem questões de ordem perceptiva, cognitiva e prática sobre o território (Descola, 1998DESCOLA, Philippe. Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 23-45, abr. 1998.; Viveiros de Castro, 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 552 p.).

Estudos antropológicos sobre a alimentação como parte da cultura de um grupo humano têm revelado importantes descobertas e observações sobre a forma de produção, preparo e consumo de alimentos, demonstrando que o ato de se alimentar não responde apenas à satisfação de uma necessidade biológica (Richards, 1939RICHARDS, Audrey Isabel. Land, labour and diet in Northern Rhodesia: An Economic Study of the Bemba Tribe. London: International Institute of African Languages & Culture by Oxford University Press, 1939. 415 p.; Firth, 1961FIRTH, Raymond. We, the Tikopia: a sociological study of Kinship in Primitive Polynesia. 2nd. ed. London: Allen & Unwin, 1961.; De Garine, 1995DE GARINE, Igor. Los aspectos socioculturales de la alimentación. In: CONTRERAS, Jesús (Comp.). Alimentación y cultura: necesidades, gustos y costumbres. Barcelona: Universitat de Barcelona, 1995. p. 129-170.). Essa ideia coloca em discussão o estudo da alimentação como uma maneira de analisar o sistema de subsistência e a relação entre o ambiente e o desenvolvimento cultural (Vila, 2012VILÀ, Miriam Bertran. Reflexões sobre a análise antropológica da alimentação no México. In: MENASCHE, Renata; ALVAREZ, Marcelo; COLLAÇO, Janine (Org.). Dimensões socioculturais da alimentação: diálogos latino-americanos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 29-44.). Cada grupo humano, ao longo de sua evolução, adaptou-se aos mais diversos tipos de ambientes e sua alimentação, consequentemente, sofreu influências das limitações ambientais e econômicas, mas também da estruturação de regras e interdições próprias, relacionadas com o que é considerado comestível ou não (Costa-Neto, 2011COSTA NETO, Eraldo Medeiros. Antropoentomofagia: sobre o consumo de insetos. In: COSTA NETO, Eraldo Medeiros (Org.). Antropoentomofagia: insetos na alimentação humana. Feira de Santana: UEFS Editora, 2011. p. 17-37.). Depreende-se daí, por exemplo, as interdições alimentares de cunho religioso e cosmológico que pairam sobre o universo dos povos tradicionais e atuam como um elemento de identidade cultural, ainda que reconheçamos toda a complexidade que permeia essa noção.

Nessa perspectiva, este artigo apresenta e analisa os resultados de um estudo sobre o uso da fauna silvestre em práticas alimentares por famílias de uma comunidade quilombola da Amazônia brasileira. Do ponto de vista metodológico, utilizamos a abordagem da Etnoecologia, uma ciência interdisciplinar que opera na interface entre as Ciências Sociais e as Ciências Naturais, tendo como objetivo central compreender como as sociedades humanas se interrelacionam com o ambiente natural que está em sua volta (Toledo, 1992TOLEDO, Victor M. What is ethnoecology? Origins, scope and implications of a rising discipline. Etnoecológica, v. 1, n. 1, p. 5-21, abr. 1992.; Toledo; Barrera-Bassols, 2009TOLEDO, Victor Manuel; BARRERA-BASSOLS, Narciso. A etnoecologia: uma ciência pós-normal que estuda as sabedorias tradicionais. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, n. 20, p. 31-45, jul.-dez. 2009.; Nazarea, 1999NAZAREA, Virginia D. Ethnoecology: situated knowledge/located lives. Arizona: University of Arizona Press, 1999. 299 p.). A vantagem desta abordagem teórica é a possibilidade de dialogar com o conhecimento local sobre os recursos naturais numa perspectiva que converge com a diversidade de interações homem/animais.

Levando em conta os apontamentos acima, as principais questões que procuramos responder com esta pesquisa foram: i) Que características socioculturais estão presentes na atividade de caça e no ato de se alimentar entre os quilombolas da região estudada? ii) Que animais são caçados para uso alimentar nesta parte da Amazônia? iii) Que preferências e restrições (tabus) estão incorporados no consumo da caça na região? iv) Como se organiza o trabalho familiar em torno da caça e quais formas de sociabilidade marcam a prática?

ÁREA DE ESTUDO E A COMUNIDADE: OS DESAFIOS DO CAMPO

A área deste estudo compreende a comunidade quilombola de Joana Peres (49º 44’ 55” O, 03º 00’ 57” S), localizada na Reserva Extrativista (RESEX) Ipaú-Anilzinho, uma Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável, município de Baião, Pará, Amazônia brasileira (Figura 1). As RESEX’s constituem uma das categorias de áreas protegidas do Brasil, originalmente concebida como parte de uma luta empreendida por seringueiros da Floresta Amazônica na década de 1980. Essa luta foi liderada pelo seringueiro e sindicalista Chico Mendes para a garantia de acesso aos recursos naturais e proteção das territorialidades e modos de vida dos povos da floresta. Nas RESEX’s, pelo seu status de UC de uso sustentável, a utilização dos recursos naturais deve se dar de maneira a conciliar tanto as necessidades humanas como os objetivos de conservação e desenvolvimento (Allegretti, 1989ALLEGRETTI, M. H. Reservas extrativistas: uma proposta de desenvolvimento da floresta Amazônica. Pará Desenvolvimento, Belém, v. 25, p. 3-29, 1989.).

Figura 1
Mapa de localização da área de estudo na Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho, estado do Pará, Brasil. Fonte: IBGE, 2009/ IBAMA, 2009. Elaboração: Roberta Fortes.

A RESEX Ipaú-Anilzinho foi criada pelo decreto presidencial s/nº de 14 de junho de 2005 como resposta à mobilização empreendida pelos moradores da região de Anilzinho1 para manter a sua organização social em meio aos conflitos fundiários que se potencializaram nas terras de uso comum do grupo na década de 1980.

Com uma área de 5.816,10 hectares, Ipaú-Anilzinho é delimitada pela margem esquerda do rio Tocantins (sentido Leste) e margem direita do rio Jacundá (sentido Oeste), apresentando uma paisagem típica da floresta amazônica brasileira, com vegetação composta por trechos de florestas de terra-firme, florestas sazonalmente inundadas (várzea) e florestas de campinarana. O clima é quente e úmido com temperatura média anual de 26,3°C e com a maioria das chuvas (2.202-3.000 mm anuais) caindo no período compreendido entre dezembro e maio (inverno). O período de menor incidência de chuvas vai de junho a novembro (verão) (IBAMA; CNPT, 2008INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA); CENTRONACIONAL DE POPULAÇÕES TRADICIONAIS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CNPT). Laudo biológico da área de Ipaú e Anilzinho. In: Plano de manejo participativo da Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho. MMA/ICMBio/DIUSP, 2008. Não publicado.).

Esta UC da Amazônia brasileira abriga cerca de 600 famílias distribuídas em seis comunidades: Joana Peres, Anilzinho, Xininga, Lucas, Espírito Santo e Fé em Deus. Dentre elas, Joana Peres foi escolhida como campo de estudo para este trabalho por apresentar o maior núcleo populacional, somando 280 famílias que se autorreconhecem como quilombolas, categoria social utilizada para designar povos remanescentes de quilombos que resistiram (e resistem) e lutaram (e lutam) por suas territorialidades desde a época da escravidão no Brasil (Almeida, 2004ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização e movimentos sociais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Pernambuco, v. 6, n. 1, p. 9-32, 2004.; Acevedo Marin; Castro, 2009ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth; CASTRO, Edna Ramos. Mobilização política de comunidades negras rurais: domínio de um conhecimento praxiológico. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 2, n. 2, p. 73-106, 2009.). A comunidade está localizada mais especificamente às margens do rio de mesmo nome, afluente do rio Tocantins, onde as famílias que ali residem desenvolvem diversas atividades que incluem a pesca artesanal, a coleta de Bertholletia excelsa (castanha-do-Brasil), a caça e agricultura de subsistência. O acesso à área pode ser realizado via rodoviária pela BR-422, a partir da cidade de Tucuruí, e via fluvial pelo rio Tocantins, a partir da sede municipal de Baião.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Realizamos o trabalho de campo entre janeiro e junho de 2014, sendo que entre os meses de setembro e dezembro de 2013 já haviam sido empreendidos alguns estudos exploratórios (survey) na área. Como a pesquisa envolveu acesso ao Conhecimento Tradicional Associado (CTA), houve necessidade de elaborarmos um Termo de Anuência Prévia (TAP) para obtenção de autorização da pesquisa junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – autorização Nº 10/2014 – Processo 01450.004703/2014-85. Uma vez que o estudo foi conduzido no interior de uma unidade de conservação, um pedido de autorização foi solicitado junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que concedeu permissão para a consecução da pesquisa, conforme autorização Nº 41866-1.

Acessamos as informações a partir da técnica da observação participante (Spradley, 1980SPRADLEY, James P. Participant observation. New York: Holt, Rinehart and Winston Ed., 1980.), que consistiu na experiência de observar a rotina de oito grupos domésticos, cada um composto basicamente por pai, mãe e filhos solteiros. Dessa forma, foi possível acompanhar o trabalho diário de homens e mulheres nos processos de obtenção e preparação de alimentos provenientes da fauna silvestre. Os critérios para a seleção dos grupos estudados foram se as pessoas caçam com finalidade alimentar e a disposição dos seus respectivos membros em participar do trabalho, tendo em conta que no grupo doméstico se reproduzem papéis de parentesco, socialização e cooperação econômica entre os indivíduos que vivem numa mesma unidade (Netting, 1993NETTING, Robert McC. Smallholders, householders: Farm families and the ecology of intensive, sustainable agriculture. Stanford: Stanford Universty Press, 1993. 416 p.).

Realizamos entrevistas semiestruturadas (Huntington, 2000HUNTINGTON, Henry P. Using traditional ecological knowledge in science: methods and applications. Ecological Applications, Washington, v. 10, n. 5, p. 1270-1274, Oct. 2000.) com a utilização de questionários. Efetuamos 84 entrevistas junto aos interlocutores, sendo 43 homens e 41 mulheres com idades entre 14 e mais que 60 anos. Cada questionário aplicado priorizou um interlocutor por grupo doméstico, totalizando uma amostragem de 30% do universo das famílias da comunidade estudada. Esta metodologia nos auxiliou a compor uma lista dos animais silvestres utilizados na alimentação pelas famílias quilombolas, bem como a registrar informações gerais acerca da atividade de caça, hábitos, preferências e aversões alimentares. Para o registro das entrevistas, utilizamos gravador digital e diário de campo. As conversas informais durante o trabalho de campo também foram consideradas fundamentais.

Interpretamos os dados tanto de modo qualitativo como quantitativo. Particularmente, para cada uma das espécies citadas procuramos calcular o índice de Valor de Uso (VU), que possibilita demonstrar o grau de importância relativa das espécies conhecidas localmente. De maneira simplificada, podemos dizer que o VU de uma espécie é calculado através da fórmula: VU = ∑U/n, onde VU: valor de uso da espécie, U: número total de citações por espécie, e n: número de interlocutores, atribuindo-lhe, portanto, um valor que varia de 0 a 1 (Phillips; Gentry, 1993PHILLIPS, Oliver; GENTRY, Alwyn H. The useful plants of Tambopata, Peru: II. Additional hypothesis testing in quantitative ethnobotany. Economic Botany, Botanical garden v. 47, n. 1, p. 33-43, Jan. 1993.; Rossato et al., 1999ROSSATO, Silvia C.; LEITÃO-FILHO, Hermógenes F. de; BEGOSSI, Alpina. Ethnobotany of caiçaras of the Atlantic Forest coast (Brazil). Economic Botany, Botanical garden, v. 53, n. 4, p. 387-395, Oct.-Dec. 1999.). Quanto mais baixo ou próximo de zero, significa que o conhecimento sobre a espécie é pouco difundido entre a comunidade estudada. E quanto mais alto ou próximo de 1, significa que a espécie é conhecida por quase todos os interlocutores. Para a identificação dos animais em termos científicos, consultamos especialistas e guias de biodiversidade. Contamos também com o registro fotográfico, recurso que nos auxiliou na hora da identificação taxonômica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O LUGAR DA CAÇA NA ALIMENTAÇÃO

As famílias de Joana Peres desenvolvem diversas atividades produtivas ao longo do ano, sendo estas superpostas e influenciadas por uma combinação de fatores ambientais, econômicos e culturais. Nesse contexto, o regime de alternância de cheias e secas do rio Tocantins, e seu afluente Joana Peres, exerce influência direta na reprodução do calendário da produção rural familiar. Assim, atividades como a colheita da roça, a coleta de frutas, a caça e a pesca assumem, em períodos distintos, um papel mais central ou coadjuvante no âmbito do processo de produção e consumo de alimentos, complementando-se entre si.

O cardápio alimentar das famílias em geral é, em termos de proteína, constituído por peixe, padrão observado em vários estudos com populações tradicionais na Amazônia (Murrieta; Dufour, 2004MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; DUFOUR, Darna L. “Fish and Farinha: protein and energy consumption in Amazonian Rural Communities on Ituqui Island, Brazil”. Ecology of Food and Nutrition, v. 43, p. 231-55, 2004.; Murrieta et al., 2004MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; BATISTONI, Maíra; PEDROSO-JUNIOR., Nelson. Consumo alimentar e ecologia em populações ribeirinhas na Região da Floresta Nacional de Caxiuanã (PA). Boletim Rede Amazônia, v. 3, n.1, p. 85-94, 2004.; Adams et al., 2005ADAMS, Cristina; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; SANCHES, Rosely Alvim. Agricultura e Alimentação em Populações Ribeirinhas das Várzeas do Amazonas: Novas Perspectivas. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 1-22, jan.-jun. 2005.; Silva, 2007SILVA, Andréa Leme da. Comida de gente: preferências e tabus alimentares entre os ribeirinhos do Médio Rio Negro (Amazonas, Brasil). Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 1, p. 125-179, jan.-jun. 2007.). Com efeito, a atividade de caça apresenta grande importância no período chuvoso (inverno), quando o nível do rio aumenta, dificultando assim o acesso ao pescado devido a sua maior dispersão nas áreas alagadas. Com isso, a carne de caça se faz mais presente na alimentação das famílias, desempenhando papel relevante para subsistência das mesmas. Na percepção dos entrevistados, a submersão da floresta contribui para o abate de muitas espécies que acabam ficando isoladas nas porções de terras remanescentes (‘torrões’). Também, é no período do inverno, que amadurece e cai grande parte dos frutos que servem de alimentação aos animais, fazendo com que eles caminhem com maior frequência pela floresta e deixem seus rastros no chão úmido por onde passam.

Os fatores econômicos certamente exercem influências sobre os processos de escolha e uso dos recursos cinegéticos como fonte de alimentação, tendo em conta o baixo poder aquisitivo da população estudada. No entanto, é necessário salientar que, em diversas situações, os moradores declararam preferir comer carne de caça à carne de boi ou à de frango na carência do pescado, por influência de fatores simbólicos que estão intimamente conectados a tradições religiosas, momentos de sociabilidade e/ou preferências individuais e sociais (tabus alimentares). As espécies Chelonoidis denticulata (jabuti-amarelo) e Chelonoidis carbonaria (jabuti-vermelho), por exemplo, estão carregadas de valores religiosos, sendo consumidas com maior frequência no período da Semana Santa por influência da tradição judaico-cristã local, o que as destaca entre as espécies mais importantes no consumo alimentar durante o inverno.

Inclusive, nesse contexto, pudemos observar que muitas famílias costumam manter criações de jabutis nos fundos dos quintais, alimentando-os com carne, frutas doces, verduras e legumes para que então fiquem gordos para consumo. A carne de jabuti preparada cozida ao leite da castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) está entre as mais preferidas para consumo e é considerada uma iguaria na culinária local, tratando-se de uma prática característica dos costumes e da cultura da região. Deste modo, a carne de caça revelou-se um elemento de destaque na representação simbólica dos alimentos na comunidade quilombola de Joana Peres, como veremos mais à frente.

DIVERSIDADE DE ANIMAIS CONSUMIDOS

Os entrevistados citaram 44 espécies cinegéticas de uso alimentar (Tabela 1). Essa diversidade pode ser considerada um fator importante para a diversificação e ruptura da monotonia alimentar do cardápio diário das famílias, em geral constituído por peixe. As espécies citadas pertencem a 28 famílias e três classes distintas: répteis, aves e mamíferos. Os mamíferos constituem o principal grupo mencionado, representando 63% das citações. O consumo de caça concentrado entre os mamíferos tem sido observado em vários estudos na Amazônia (Pezzuti et al., 2004PEZZUTI, Juarez Carlos Brito; REBÊLO, George Henrique; SILVA, Daniely Félix da; LIMA, Jackson Pantoja; RIBEIRO, Marcel Correia. A caça e a pesca no Parque Nacional do Jaú, Amazonas. In: BORGES, Sérgio Henrique (Ed.). Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma estratégia para o estudo da biodiversidade na Amazônia. Prefácio por Muriel Saragoussi; José Antonio Alves Gomes. Manaus: Fundação Vitória Amazônica, 2004. p. 213-230.; Terra; Rebelo, 2005TERRA, Adriana Kulaif; REBÊLO, George Henrique. O uso da fauna pelos moradores da Comunidade São João e Colônia Central. In: SANTO-SILVA, Edinaldo Nelson; APRILE, Fábio Marques; SCUDELLER, Veridiana Vizoni; MELO, Sérgio (Org.). Biotupé: meio físico, diversidade biológica e sociocultural do Baixo Rio Negro. Manaus: INPA, 2005. p. 141-154. (Amazônia Central, v. 1).; Zapata-Ríos et al., 2009ZAPATA-RÍOS, Galo; URGILÉS, Carlos; SUARÉZ, Esteban. Mammal hunting by the Shuar of the Ecuadorian Amazon: is it sustainable? Oryx, v. 43, n. 3, p. 375-385, July 2009.; Van Holt et al., 2010VAN HOLT, Tracy; TOWNSEND, Wendy R.; CRONKLETON, Peter. Assessing local knowledge of game abundance and persistence of hunting livelihoods in the Bolivian Amazon using consensus analysis. Human Ecology, v. 38, n. 6, p. 791-801, 2010.; Figueiredo; Barros, 2016FIGUEIREDO, Rodrigo Augusto Alves de; BARROS, Flávio Bezerra. Sabedorias, cosmologias e estratégias de caçadores numa unidade de conservação da Amazônia. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 36, p. 223-237, 2016.). As espécies que obtiveram o maior número de citações e valor de uso foram: Cuniculus paca (paca; VU = 0,91), Mazama americana (veado-mateiro; VU = 0,82), Euphractus sexcenctus (tatupeba; VU = 0,79), Tayassu pecari (queixada; VU = 0,58), Dasyprocta leporina (cutia; VU = 0,55) e Hydrochaerus hydrochaeris (capivara; VU = 0,50), todas pertencentes ao grupo de mamíferos.

Tabela 1
Espécies cinegéticas de importância alimentar para as famílias quilombolas da comunidade de Joana Peres, Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho (Pará, Brasil). Legendas: VU (Valor de uso) e IUCN (União Internacional de Conservação da Natureza, sigla em Inglês). Categorias de conservação: CR - Criticamente em perigo/DD - Dados insuficientes/LC - Pouco conhecida/NT - Próximo de ameaçada/ SI - Sem informações/VU - Vulnerável. Fonte: IUCN (2014)INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE (IUCN). The IUCN Red List of Threatened Species. 2014. Available in: <http://www.iucnredlist.org/>. Access in: 12 Aug. 2014.
http://www.iucnredlist.org/...
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Durante o trabalho de campo efetuamos 184 registros de animais caçados, sendo 125 répteis, 52 mamíferos e 7 aves (Tabela 1). Aqui é necessário destacar que os répteis revelaram-se o principal grupo caçado, principalmente em função das espécies Chelonoidis denticulata (jabuti-amarelo; n = 74) e Chelonoidis carbonaria (jabuti-vermelho; n = 39), que somaram 61,41% do total de indivíduos abatidos. Duas razões podem explicar este resultado: a tradição religiosa e uma maior facilidade de encontrar e capturar jabutis.

Entre os mamíferos, merecem destaque: Tayassu pecari (queixada; n = 9), Cuniculus paca (paca; n = 7), Pecari tajacu (caititu; n = 6), Dasyprocta leporina (cutia; n = 6) e Euphractus sexcenctus (tatupeba; n = 5), que para os caçadores são consideradas espécies de bastante importância na composição da caça na comunidade ao longo do ano. Com relação às aves, destacamos o pequeno número de indivíduos abatidos. Apenas duas espécies apresentaram mais de um registro de caça, sendo elas: Tinamus guttatus (nambu-galinha; n = 02) e Cairina moschata (pato-do-mato; n = 02). Isso pode estar relacionado à maior oferta de outras espécies preferidas e de maior importância para consumo.

O declínio da fauna cinegética, após a implantação da UC, foi percebido por 78% dos caçadores entrevistados, com destaque para mamíferos terrestres como Mazama americana (veado-mateiro), Cuniculus paca (paca) e Hydrochaerus hydrochaeris (capivara). Outros caçadores declararam que: i) perceberam o aumento de animais (6%) e; ii) não perceberam diferenças (15%). Dentre as espécies registradas nos eventos de caça, oito estão listadas como vulneráveis de acordo com a Lista Vermelha da IUCN (2014): Tapirus terrestres (anta), Alouatta belzebul (macaco-guariba), Tayassu pecari (queixada), Priodontes maximus (tatu-canastra), Crax fasciolata pinima (mutum-pinima), Chelonoidis denticulata (jabuti-amarelo) e Podocnemis unifilis (tracajá). No entanto, são necessários estudos específicos para podermos afirmar qual o real status de conservação das populações destas espécies na região estudada.

PREFERÊNCIAS E AVERSÕES ALIMENTARES: PODE OU NÃO PODE COMER?

As preferências e aversões (restrições) alimentares são geralmente determinadas por fatores de origem social ou cultural e atuam como elementos fundamentais para limitar ou ampliar o consumo dos alimentos disponíveis (Macbeth; Lawry, 1997MACBETH, Helen; LAWRY, Sue. Food Preferences and Taste: an introduction. In: MACBETH, Helen (Ed.). Food Preferences and Taste: continuity and change. Oxford: Berghahn Books, 1997. p. 5-13.). Muitas vezes, tais restrições podem constituir tabus alimentares, permanentes ou temporários, quando compartilhadas entre membros de um grupo por razões associadas à estrutura de comportamento, costumes e crenças que definem sua própria cultura. Segundo De Garine (1994)DE GARINE, Igor. The diet and nutrition of human populations. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1994. p. 226-264., os tabus alimentares reproduzem-se como marcadores sociais na medida em que a variabilidade das escolhas individuais desvela diferenças entre indivíduos e grupos, influenciando atitudes e comportamentos e facilitando o funcionamento dos sistemas sociais.

Neste sentido, importa destacar que as escolhas alimentares, dentro das suas possibilidades, estão associadas aos hábitos que são peculiares a cada região, tendo cada grupo humano sua dieta básica característica. A escolha do que comer está íntima e funcionalmente ligada a um conjunto de apreciações como matriz de experiências passadas, abarcando diferentes repertórios socioculturais na natureza das suas ações (Bourdieu, 1983aBOURDIEU, Pierre. Distinctions: a social critique of the judgment of taste. Translated by Richard Nice. Cambridge: Harvard University Press, 1983a.). No interior de uma norma aceita, por exemplo, crenças transmitidas oralmente através de gerações expressam a classificação simbólica de determinados alimentos e ao mesmo tempo ocupam um lugar de destaque na afirmação da identidade de grupos. Péclat (2005, p. 3)PÉCLAT, Gláucia. O jeito da comida goiana: hábitos alimentares e a noção simbólica de comer em Goiás. Guanicuns. Revista da Faculdade de Educação e Ciências Humanas de Anicuns, Goiás, n. 2, p. 211-223, 2005. afirma que:

Como se sabe, o homem está longe de “comer de tudo”. Ele é por ação cultural, um ser seletivo. Comer transcende em muito a simples satisfação de necessidades orgânicas. Assim, temos “comida para nós” e “comida para os outros”. A classificação alimentar serve para distinguir o “nós” de “outros”, isto é, constitui um elemento simbólico da afirmação. A comida desempenha um papel diferenciador. Assim sendo, “somos o que comemos”. Somos aquilo que escolhemos comer. E comemos aquilo que está relacionado ao nosso universo simbólico.

Isto nos permite refletir que os hábitos e escolhas alimentares estão conectados com a sobrevivência básica, mas também são guiados por elementos simbolicamente construídos. Apesar de ser um imperativo biológico, a alimentação é uma atividade que está regulada socioculturalmente, por meio da qual cada sociedade define seus modos de produzir, preparar e consumir os alimentos. É exatamente nessa perspectiva que pudemos observar uma seleção de critérios no que se refere às escolhas relacionadas aos animais de caça para consumo na comunidade quilombola de Joana Peres, desvelando preferências, aversões e tabus alimentares.

OS BICHOS PREFERIDOS PARA CONSUMO

A variedade de espécies cinegéticas destinada ao consumo oferece certa diversidade de escolhas e, consequentemente, de preferências. As espécies mais citadas como preferidas foram: Mazama americana (veado-mateiro; n = 23), Cuniculus paca (paca; n = 19), Euphractus sexcenctus (tatupeba; n = 14), Tayassu pecari (queixada; n = 9) e Chelonoidis denticulata (jabuti-amarelo; n = 8), em função de aspectos relacionados à consistência, cheiro, sabor, aparência e densidade (quantidade de gordura) da carne. Dois dos interlocutores declararam não possuir preferências alimentares com relação aos animais de caça.

A carne do veado-mateiro (M. americana) foi a mais citada como preferida, sendo considerada de qualidade superior entre todas devido à sua consistência ‘macia’ e sabor mais suave, como ainda pela sua comparação à carne de gado, que é percebida em certas ocasiões como um elemento de prestígio ou, simplesmente, do desejo de ascensão social (Bourdieu, 1983aBOURDIEU, Pierre. Distinctions: a social critique of the judgment of taste. Translated by Richard Nice. Cambridge: Harvard University Press, 1983a.; Murrieta, 1998MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. O dilema do papa-chibé: consumo alimentar, nutrição e práticas de intervenção na Ilha de Ituqui, baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 97-150, 1998.). A paca (C. paca) revelou-se a segunda espécie mais citada como preferida em função do sabor naturalmente adocicado e pela baixa quantidade de gordura da sua carne. O tatupeba (E. sexcenctus) e a queixada (T. pecari) são espécies apreciadas particularmente pelo sabor acentuado da carne. Já o jabuti-amarelo (C. denticulata) é apreciado por ter a ‘carne mole’ e não ter ‘cheiro ruim’.

É interessante observar que as preferências alimentares denotam uma correlação com as espécies mais cobiçadas para o abate. Por exemplo, em diversas situações os moradores expressaram o desejo de abater o veado-mateiro (M. americana) por se tratar da caça mais apreciada para consumo em relação a outras, como já referido. Porém, isso não está diretamente relacionado com a capacidade de o caçador encontrar e abater o animal desejado, nem com a capacidade das espécies em lidar com a pressão de caça, servindo apenas como um indicativo de escolha a qual cada uma está exposta nas práticas de caçada.

‘ESTE EU NÃO COMO’: ESPÉCIES REJEITADAS PARA O CONSUMO

Diversas espécies de caça foram citadas como rejeitadas (evitadas) para consumo por critérios associados a paladar, aparência e/ou cheiro desagradável. Entre as espécies mais mencionadas, estão: Tapirus terrestres (anta; n = 15), Alouatta seniculus (macaco-guariba; n = 9), Tayassu tajacu (caititu; n = 8), Dasyprocta leporina (cutia; n = 5) e Myrmecophaga tridactyla (tamanduá-bandeira; n = 5). Os critérios atribuídos a cada uma dessas espécies podem ser constatados nos relatos a seguir:

A anta é um animal muito catinguento. Já provei a carne, não adianta, não vai mesmo. (Josué2 2 Optamos por utilizar nomes fictícios para preservar a identidade dos interlocutores. , 42 anos).

Pra mim macaco é igual gente. Guariba tem jeito de gente e o bicho fede que só. Não tenho vontade de comer. (Francisco, 28 anos).

O caititu tem um cheiro ruim e a carne é dura, então não dá pra comer. (Maria Raimunda, 57 anos).

Não gosto da carne de cutia, parece não ter sabor. Eu já comi e não deu certo. É sem gosto. (Zuleide, 32 anos).

Tamanduá? Já provei, não dá. A carne é dura e tem um pichézinho3 3 Mau cheiro. , um gosto ruim, não me agrada. (Zé Maria, 23 anos).

A anta (T. terrestris) é evitada para consumo pela associação ao ‘cheiro ruim’, termo localmente designado de ‘pitiú’, e pelo sabor desagradável da carne. Com efeito, o consumo da carne de anta não foi observado durante o trabalho de campo em Joana Peres. O macaco-guariba (A. seniculus) (n = 9) representa a segunda espécie de caça mais citada como rejeitada para consumo devido à sua semelhança com humanos e cheiro desagradável. O caititu (T. tajacu) e o tamanduá-bandeira (M. tridactyla) são evitados para consumo devido ao ‘cheiro ruim’ e à consistência ‘dura’ da carne (“caititu tem um cheiro ruim”; “tamanduá tem a carne dura”), sendo que o tamanduá foi citado como tabu alimentar permanente. Já a cutia é evitada porque tem a carne avaliada como sem sabor (“não gosto da carne, é sem sabor”; “a carne parece não ter sabor”). Cerca de 17% dos interlocutores disseram não fazer qualquer rejeição com relação aos animais de caça, enfatizando que comem ‘de tudo’.

Nesse contexto, deve-se considerar que a ingestão ou não de certos animais silvestres ainda é altamente influenciada pelo sistema local de restrições e proibições alimentares: o sistema simbólico dos tabus alimentares ou reima. De acordo com Murrieta (2001, p. 69)MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. Dialética do sabor: alimentação, ecologia e vida cotidiana em comunidades ribeirinhas da Ilha de Ituqui, Baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 2, p. 39-88, 2001.,“a reima é caracterizada por oposições binárias entre alimentos perigosos (reimosos) ou não perigosos (não reimosos)”. Ela se aplica a pessoas em estados físicos e sociais de liminaridade, aqui entendidos como estados de representação ritual e simbólica de transição ou passagem. Dentre os principais estados considerados de liminaridade estão as enfermidades (feridas, erupções cutâneas e doenças inflamatórias), a menstruação, a gravidez e o pós-parto. O equilíbrio do corpo e da mente é a principal finalidade de proibições da reima e tem como consequência a proteção social dos indivíduos nas situações em que é preciso resguardar o organismo de agressões externas (Murrieta, 2001MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. Dialética do sabor: alimentação, ecologia e vida cotidiana em comunidades ribeirinhas da Ilha de Ituqui, Baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 2, p. 39-88, 2001.). Na percepção local, algumas espécies de caça são consideradas reimosas e representam categorias liminares em função de suas particularidades cosmológicas, morfológicas e/ou comportamentais, sendo, por isso, evitadas para consumo. As espécies mais citadas como reimosas foram: T. terrestris (anta; n = 20), T. tajacu (caititu; n = 18), C. paca (paca; n = 17), E. sexcenctus (tatupeba; n = 17), M. americana (veado-mateiro; n = 12).

A anta está carregada de significado simbólico, estando sujeita a tabu alimentar permanente devido à sua representação mítica entre os habitantes da localidade estudada. Um caçador relatou que a anta é reimosa porque é um animal perigoso e tem poder sobrenatural de se transfigurar em vários outros bichos da floresta (por exemplo: queixada e onça), sendo capaz de castigar as pessoas que agem em desacordo com as leis da natureza (“a crença diz que a anta é muito reimosa, não se pode comer”). Isso torna o consumo da sua carne potencialmente ofensivo, podendo ocasionar dor de cabeça, inchaço dos olhos e tontura. É importante observar que esse tabu alimentar em torno da anta pode atuar como uma forma de controle do recurso, uma vez que ela é um animal que está em risco de extinção e tem uma reprodução mais longa, com período de gestação maior em comparação a outras espécies de mamíferos, além de a fêmea ter somente um filhote por gestação.

A paca também é uma espécie de caça cercada de valores simbólicos, sendo relatada como reimosa porque tem dentes conspícuos e mora no mesmo hábitat da cobra surucucu (Eunectes murinus), podendo, até mesmo, transformar-se nessa espécie de serpente, o que representa um fator de risco em situações liminares, uma vez que terão de volta a vingança da cobra morta. Na cosmologia amazônica, as cobras são animais envoltos em significados mitológicos, sofrendo restrições de consumo determinadas por forte influência dos povos indígenas (Azevedo, M.; Azevedo, A., 2003AZEVEDO, Miguel; AZEVEDO, Antenor Nascimento. Dahsea Hausirõ Porã ukushe wiophesase merã bueri turi: mitologia sagrada dos Tukano Hausirõ Porã. São Gabriel da Cachoeira: UNIRT/ FOIRN, 2003. (Coleção Narradores indígenas do Rio Negro, 5). Narradores: Ñahuri (Miguel Azevedo); Kumarõ (Antenor Nascimento Azevedo).; Lima, 2008LIMA, Edilene Coffaci de. Cobras, xamãs e caçadores entre os Katukina (pano). Tellus, Campo Grande, v. 15, p. 35-57, jul.-dez. 2008.). Assim, o sistema simbólico da reima revela as relações entre o mundo humano e o animal sob diferentes princípios culturais, atuando como um marcador de identidade por meio da experiência e socialização.

A classificação do caititu como espécie reimosa foi associada ao seu hábito generalista, por comer de tudo, inclusive animais como cobras, rejeitadas para consumo humano (“o caititu come tudo que vem pela frente, inclusive outros animais”; “ele tem a carne carregada”), característica reforçada pela literatura (Emmons, 1997EMMONS, Louise H. Neotropical rainforest mammals: a field guide. Illustrations by François Feer. 2nd ed. Chicago: University of Chicago Press, 1997. 396 p.; Judas, 1999JUDAS, Jacky. Ecologie du pecari a colliers, tayassu tajacu, en foret tropicale humide de guyane francaise. 1999. 235 f. Thèse (Doctorat en Science. Naturel et de la vie) - Université de Tours, França, 1999.). O tatupeba é considerado reimoso por se tratar de uma carne ‘carregada’ (imunda), pelo fato de o animal se alimentar de pequenos insetos (formigas, cupins, besouros) e suas larvas. Já o veado-mateiro deve ser evitado em situações de liminaridade por ocasionar enjoos no estômago.

A ingestão de um alimento reimoso pode prejudicar principalmente as mulheres em períodos de pós-parto e menstruação, pois são considerados momentos de fragilidade e vulnerabilidade feminina, podendo trazer consequências, até mesmo, para o recém-nascido. Nesses períodos, as mulheres só podem alimentar-se de alimentos considerados não reimosos na concepção local. O luto também é tido como um estado de liminaridade em que não se pode comer carne de caça ou qualquer outro alimento considerado reimoso, pois diz a crença que, durante o período de ‘sete dias de cova’, as pessoas estão sujeitas aos perigos relativos da passagem do espírito do morto pelo mundo dos vivos. Embora este período seja bem definido, há quem siga a restrição durante vários meses ou anos.

Aqui é necessário salientar que os animais considerados reimosos e não reimosos não são homogêneos e nem consensuais entre os interlocutores. Isso porque as práticas alimentares subjacentes podem variar de acordo com o gênero, a idade, o estado liminar e a relação do alimento com cada organismo consumidor (Murrieta, 1998MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. O dilema do papa-chibé: consumo alimentar, nutrição e práticas de intervenção na Ilha de Ituqui, baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 97-150, 1998.; Rodrigues, 2001RODRIGUES, Antônio Greco. Buscando raízes. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7, n. 16, p. 131-144, dez. 2001.). Além disso, a condição de reimoso atribuída a uma espécie não é permanente, variando de acordo com o estado liminar, e pode estar relacionada à forma como o alimento é preparado e consumido.

Entre as poucas espécies de caça consideradas não reimosas estão Bradypus variegatus (preguiça-branca), Tinamus guttatus (nambu-galinha), o Myrmecophaga tridactyla (tamanduá-bandeira) e Pauxi tuberosa (mutum-castanha).

No entanto, deve-se mencionar que as restrições da reima estão sujeitas aos riscos de quebra do tabu, tendo em conta que o alimento proibido pode ser a única opção em situações específicas de escassez alimentar. Normas similares têm sido observadas e descritas entre outras populações da Amazônia brasileira por Castro (1957)CASTRO, Josué de. Ensaio de biologia social. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957., Douglas (1966)DOUGLAS, Mary. Purity and danger: an analysis of concepts of pollution and taboo. London: Routledge, 1966., Motta-Maués e Maués (1980)MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica; MAUÉS, Raymundo Heraldo. Hábitos e crenças alimentares numa comunidade de pesca. Belém: Falangola, 1980., dentre outros.

DA MATA PARA A COZINHA: TRABALHO E HIERARQUIA NA LIDA COM A CAÇA

A considerar-se a produção de diferentes estudos em comunidades rurais (Heredia et al.,1984HEREDIA, Beatriz; GARCIA, Marie-France; GARCIA JR., Afrânio. O lugar da mulher em unidades domésticas camponesas. In: AGUIAR, Neuma (Coord.). Mulheres na força de trabalho na América Latina: análises qualitativas. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 29-45.; Woortmann, 1985WOORTMANN, Klass. A comida, a família e a construção do gênero feminino. Brasília: [S. n.], 1985. (Antropologia, 50).; Brumer, 2004BRUMER, Anita. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do Sul. Estudos feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 205-227, jan.-abr. 2004.; Menasche et al., 2008MENASCHE, Renata; MARQUES, Flávia Charão; ZANETTI, Cândida. Self-consumption and food security: family agriculture based on eating knowledge and practices. Revista de Nutrição, Campinas, v. 21, p. 145-158, 2008. Suplemento.; Wedig et al., 2008WEDIG, Josiane Carine; MARTINS, Viviane Santi; MENASCHE, Renata. Plantar, criar, comer: classificações da comida e das pessoasno interior de famílias rurais. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 8: CORPO, VIOLÊNCIA E PODER, [14], 2008, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2008. p. 1-7.; Motta et al., 2011MOTTA, Dalva Maria da; SILVA JUNIOR, Josué Francisco; SCHMITZ, Heribert; RODRIGUES, Raquel Fernandes de Araújo (Ed.). A mangabeira, as catadoras, o extrativismo. Belém: Embrapa Amazônia Oriental; Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2011.), é possível dizer que a organização familiar do trabalho no espaço rural se estabelece mediante laços de parentesco amparados nas noções de gênero, de idade e de geração, considerando que pai, mãe e filhos desempenham atividades diferenciadas, delineando-se, assim, os lugares masculinos e femininos nessa organização.

No universo investigado, tornou-se possível observar que as atividades que possibilitam a obtenção dos recursos alimentícios para o consumo familiar correspondem ao trabalho dos homens (caçadores) por influência de diferentes condicionantes, dentre as quais: i) condições físicas; ii) formas de acesso e pertencimento a um dado território; iii) conhecimentos relacionados aos hábitos e comportamentos dos animais; iv) estratégias de caça. Por isso mesmo, na rotina do cotidiano, o lugar do caçador é na mata. Compete a ele articular os meios necessários para prover o alimento que será consumido coletivamente pelos membros do grupo doméstico.

Em geral, os homens caçam sozinhos, tendo o horário certo para ir, mas não para voltar da floresta. O caçador bem-sucedido, que tem a sorte de abater uma presa de imediato, não demora a voltar para casa e, quando lhe falta sorte, se vê moralmente obrigado a mudar sua estratégia de ação. Com efeito, um caçador dificilmente retorna da mata de mãos vazias, mesmo quando se está sem sorte (condição localmente conhecida como ‘panema’), pois procura trazer consigo frutas silvestres que de alguma maneira servirão de alimentação ao grupo, como a castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa).

Por conseguinte, as atividades relacionadas à preparação dos alimentos correspondem ao trabalho das mulheres, reafirmando a concepção da cozinha como espaço feminino e da sociabilidade entre elas. Elas detêm os saberes e domínios culinários, sendo totalmente responsáveis pelos afazeres que estejam ligados à cozinha, o que inclui as técnicas e formas de aprovisionamento e de transformação de alimentos em comida. Aqui é necessário estabelecer uma distinção entre comida e alimento para uma melhor compreensão dos processos de consumo alimentar no contexto estudado. Seguindo a visão de DaMatta (1986, p. 56)DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986., entende-se que “a comida não é apenas uma substância alimentar, mas é também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se. E o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido, como também aquele que o ingere”.

É justamente nessa perspectiva que se torna possível apreender que na cozinha se estabelece a organização e o controle das atividades vinculadas à materialização do consumo alimentício, isto é, às maneiras de fazer o alimento transformando-o em comida. A mãe de família é quem tem o papel preponderante na coordenação das atividades desse espaço com o auxílio das filhas. Neste sentido, conforme pôde ser observado, tem-se uma divisão de tarefas geracional, sendo que as mais idosas, as doentes e as crianças até uma determinada idade não participam dessa divisão.

A COZINHA JOANAPERENSE DO DIA A DIA

Ao refletir sobre os alimentos e as práticas alimentares de tribos indígenas brasileiras, Lévi-Strauss (1968)LÉVI-STRAUSS, Claude. L’origine des manieres de table. Paris: Plon, 1968. destacou a cozinha como uma forma de atividade humana universal, levando em consideração que todas as sociedades cozinham ao menos alguns de seus alimentos. No entendimento desse antropólogo, a cozinha de uma sociedade é uma linguagem pela qual se traduz inconscientemente sua estrutura. Nela, estabelece-se a articulação entre natureza e cultura nos processos de preparação dos alimentos, que vêm a ser um ato culinário de transformação, pelo qual é possível explicitar outras relações da alimentação com a estrutura da sociedade, seja de natureza sociológica, econômica, estética ou religiosa.

É nesse espaço do sistema alimentar humano que pode ser observado o protagonismo da mãe de família, especialmente na maneira de fazer a comida, por meio da qual ela exerce sua autoridade doméstica. Compete a ela, por exemplo, definir a composição de uma refeição e sua distribuição para todos os membros da família. Conforme salientado por Woortmann (1985, p. 12)WOORTMANN, Klass. A comida, a família e a construção do gênero feminino. Brasília: [S. n.], 1985. (Antropologia, 50).:

Em todos os grupos sociais sobre os quais existem estudos de práticas alimentares, as refeições são preparadas pela mãe de família. Na divisão do trabalho familiar o domínio culinário é feminino. É no âmbito da refeição que a mãe exerce sua autoridade e controle, determinando, dentro das possibilidades geradas pelo trabalho do pai, o que irá compor a refeição e como esta será distribuída entre os membros da família.

Entre as famílias quilombolas observadas, algumas mulheres, apesar de cumprirem com os afazeres culinários, revelaram não gostar ‘de fogão’ ou não saber cozinhar satisfatoriamente. Nesses termos, é de se destacar que existe o reconhecimento entre os membros da família de que, muitas vezes, o trabalho na cozinha é um ‘dom natural’. As mulheres pesquisadas também revelaram que o ato de cozinhar está fortemente associado a valores de natureza religiosa. E, por esse motivo, a cozinha é concebida como uma atividade direcionada para preparar aquilo que é sagrado à sobrevivência humana: ‘o alimento, dádiva de Deus’.

É na cozinha onde se preparam e realizam, na maioria das vezes, as principais refeições das famílias residentes na Vila de Joana Peres. Essas refeições compreendem basicamente o café da manhã, o almoço e o jantar. Com exceção do domingo, um dia de trabalho na cozinha não se diferencia essencialmente de qualquer outro dia, começando geralmente às seis e meia da manhã, hora em que a maioria dos membros da família se levanta para cumprir suas respectivas tarefas ou compromissos. Nessas primeiras horas do dia, a mulher é responsável pelo preparo do café da manhã. Essa refeição acontece entre sete e oito horas e compõe-se de café, acompanhado por beiju (tapioca), torta de farinha de milho (cuscuz), bolo de macaxeira ou pão caseiro.

Por volta das nove horas da manhã, as tarefas destinadas ao preparativo do almoço são iniciadas no intento de transformar os recursos alimentícios em comida. As filhas não ocupadas com algum trabalho formal ou alguma atividade escolar durante essa parte do dia são orientadas pela mãe a auxiliá-la nas tarefas da cozinha. O almoço ocorre normalmente por volta do meio-dia e tem como prato principal peixe, frango ou carne de caça, sendo que esta última é preparada preferencialmente cozida ao leite da castanha-do-Brasil. O jantar ocorre geralmente por volta das oito horas da noite e é composto pelo mesmo cardápio do almoço.

Os acompanhamentos das refeições são basicamente o arroz, o feijão, a farinha de mandioca e o açaí. Dificilmente se vê o consumo de verduras e legumes na dieta local. Estes se restringem às pequenas quantidades de temperos e ervas que são cultivados em canteiros suspensos (‘jiraus’) e utilizados nos processos de preparo e cozimento dos alimentos, conforme será apresentado no próximo item. No que se refere ao consumo de frutas, é comum ver o uso de espécies como o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), o murici (Byrsonima crassifolia), o taperebá (Spondias mombin) e o bacuri (Platonia insignis) na elaboração de sucos que também servem de acompanhamento às refeições.

O domingo é considerado o dia da semana mais importante por estar associado a um dia de celebração religiosa, lazer e descanso. Nesse dia, o almoço se caracteriza particularmente pelo preparo de uma comida mais refinada, como o peixe desfiado e a carne de caça assada. Também, mais raramente, a carne bovina assada ou cozida costuma ser consumida no domingo e apresenta-se como um elemento de apropriação simbólica de prestígio, que incorpora a representação do poder aquisitivo.

No momento das refeições, a mãe de família ou alguma das filhas é a responsável pela arrumação da mesa e distribuição da comida que será consumida. Desse modo, elas convidam primeiramente os demais membros da família para servirem-se. O pai é o chefe da família, o responsável pela maioria das atividades que promovem o consumo alimentício do grupo, e, por isso, é normalmente o primeiro a sentar-se à mesa para comer, enquanto a mãe é geralmente a última. A comida das crianças é servida separadamente. Ao final de cada refeição, a mãe é quem desarruma a mesa retirando a louça para então ser lavada geralmente por alguma das filhas.

Conforme observado, a participação dos homens na cozinha e em outras atividades domésticas é pequena. Os pais e os filhos sabem cozinhar o que é classificado como ‘o básico’: arroz, feijão e carne. Essa pequena participação dos homens na cozinha está fortemente associada à noção de ‘ajuda’ em algumas situações nas quais as mulheres, por algum motivo, encontram-se impossibilitadas de cuidar sozinhas dos afazeres culinários, tendo em conta que elas também são as responsáveis pela organização e limpeza da casa, entre outras funções. Nesse sentido, a noção de ajuda expressa a hierarquia do trabalho familiar entre quem organiza (mulheres) e se deixa organizar (homens), considerando que a cozinha é um espaço de domínio feminino.

‘BICHO DO MATO, TEM QUE SABER PREPARAR!’

Sabe-se que os alimentos são vitais para a sobrevivência do ser humano. No entanto, os modos como eles são apropriados e preparados para consumo podem ser elencados como de fundamental importância para a aceitação ou não de uma refeição. Nesse sentido, cada sociedade define ao seu modo o que é comida ou aquilo que deve servir de refeição dentro de uma percepção que abrange não somente os valores nutricionais e biológicos humanos. Como observado pelo sociólogo francês Fischler (1995)FISCHLER, Claude. El (h) omnívoro: el gusto, la cocina y el cuerpo. Tradução Mario Merlino. Barcelona: Anagrama, 1995., o homem se alimenta de carne, de vegetais e de imaginário. Para além do simples utilitarismo, os recursos alimentícios possuem lugar no plano das representações sociais e simbólicas de diferentes culturas, que estabelecem os seus modos de comer e organizar o espaço.

Nessa perspectiva, um dos aspectos mais interessantes do uso da fauna em práticas alimentares na Vila de Joana Peres deriva dos saberes e práticas que são empregados no ato culinário no sentido de se alcançar uma comida largamente apreciada pelos membros do grupo doméstico. Isso porque a carne de caça tem, em geral, uma textura firme (dura) e um cheiro forte (catinga) que encobrem o paladar característico de cada espécie e, assim, dificultam sua digestão caso não seja bem preparada. Partindo dessa constatação, entende-se que os conhecimentos locais associados aos processos de preparação dos alimentos desempenham um importante papel na materialização do consumo dos recursos cinegéticos.

No âmbito deste estudo, os conhecimentos associados às práticas culinárias e hábitos alimentares enraizados no cotidiano investigado são considerados conhecimento tradicional. Esse conhecimento pode ter origens diversas e ser explicado, sob a perspectiva do saber-fazer, como sendo um conhecimento empírico oriundo particularmente dos povos tradicionais, construído ao longo do processo histórico-cultural de práticas locais, mediante a interação dos indivíduos com seus ambientes, e transmitido de geração a geração através da oralidade (Siena; Menezes, 2007SIENA, Osmar; MENEZES, Daniel Santos. Gestão do Conhecimento em reservas extrativistas. 2007. Disponível em: <http://sottili.xpg.uol.com.br/publicacoes/pdf/IIseminario/pdf_praticas/praticas_19.pdf> Acesso em: 18 abr. 2014.
http://sottili.xpg.uol.com.br/publicacoe...
; Ferreira; Jankowsky, 2009FERREIRA, Marina Vianna; JANKOWSKY, Mayara. Cozinha caiçara: encontro de histórias e ambientes. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009. 112 p.). Entretanto, tradicionais são os modos de construção dos saberes, que não são estáticos e inabaláveis em si, mas sim dinâmicos e influenciados pela relação direta com os diferentes recursos e sujeitos de um dado território referenciado temporal e espacialmente (Castro, 1997CASTRO, Edna. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais. In: CASTRO, Edna; PINTON, Florence (Org.). Faces do trópico úmido: conceito e questões sobre desenvolvimento e meio-ambiente. Belém: Cejup, 1997. p. 263-283.; Motta et al., 2011MOTTA, Dalva Maria da; SILVA JUNIOR, Josué Francisco; SCHMITZ, Heribert; RODRIGUES, Raquel Fernandes de Araújo (Ed.). A mangabeira, as catadoras, o extrativismo. Belém: Embrapa Amazônia Oriental; Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2011.).

Nesses termos, não se pode deixar de reconhecer que os modos de fazer, conservar e consumir os alimentos passam pelas ‘mãos’ das mulheres. Elas detêm o poder culinário sobre a organização do cardápio, as técnicas, os ingredientes e os temperos que serão utilizados na elaboração da comida, resguardando saberes e práticas tradicionais vinculados ao patrimônio cultural imaterial do grupo étnico pesquisado. Pois, conforme Hernández e Gracia Arnáiz (2005)HERNÁNDEZ, Jesús Contreras; GRACIA ARNÁIZ, Mabel. Alimentação y cultura: perspectivas antropológicas. Barcelona: Arial, 2005. destacaram, os saberes e comportamentos inerentes às práticas alimentares expressam valores relativos a uma culinária peculiar, gerada por cada cultura, com classificações particulares.

É no preparativo da comida que advém a transmissão dos saberes e práticas tradicionais, basicamente, de mãe para filhas, por meio da oralidade. É interessante perceber que nesse movimento de transmissão se evidencia uma relação de poder, porque são as mães que possuem os conhecimentos fundamentais à preparação da ‘boa’ carne de caça, além de conhecerem as preferências individuais e coletivas dos membros da família. Compete a elas, inclusive, dar um caráter mais democrático à alimentação, definindo como os alimentos serão preparados, no intento de atender à preferência de homens, mulheres e crianças.

A partir das observações realizadas nos grupos domésticos estudados, chama atenção a diversidade dos modos de preparação e consumo da carne de caça, tendo em conta que o grande número de espécies possíveis de ser abatidas para alimentação e a diversidade de saberes levam a diferentes práticas. No limite desta diversidade, a morfologia, o comportamento e a maturidade sexual do animal são características que influenciam as maneiras de tratar e de cozinhar os recursos alimentícios. Entende-se, pois, que quanto mais adulto e mais usado for o músculo do animal, mais firme será a sua carne e mais forte será a catinga nela presente.

Seguindo este entendimento, considera-se que as espécies mais jovens geralmente requerem processos de preparação menos longos em contraposição às espécies mais adultas, que demandam maior dispêndio de trabalho e tempo no sentido de harmonizar texturas, cheiros e sabores, entendendo que estes são elementos centrais na classificação de uma comida como ‘boa’ ou ‘ruim para comer’ pelos membros do grupo doméstico. Entretanto, de um modo ou de outro, pode-se dizer, sem hesitação, que o preparo de qualquer carne de caça, pelo exotismo e características peculiares de cada espécie, envolve um alto grau de particularidades na execução de suas receitas.

De todo modo, o processo de preparação da carne de caça, em linhas gerais, envolve as tarefas de ‘descourar ou pelar4 4 Do ponto de vista local, entende-se por descourar o ato de separar o couro/casco da carne a partir de uma primeira incisão. Enquanto despelar é o ato de arrancar as penas ou os pelos do animal, jogando água quente para facilitar. Em ambos os procedimentos é necessário o auxílio de uma faca. , tirar o bucho, cortar, ferventar, temperar e pôr no fogo’ (Quadro 1). Num primeiro momento, quando se trata do caso de descourar o animal, os homens têm uma pequena participação na cozinha que é ritualmente privilegiada pelas mulheres, porque elas consideram que ‘eles sabem aproveitar melhor a carne’. Está embutida nessa participação a ideia de ‘ajuda’, que desvela laços de sociabilidade entre homens e mulheres em torno da preparação da comida.

Quadro 1
Informações sobre algumas espécies de caça utilizadas para alimentação segundo os moradores da comunidade quilombola de Joana Peres, Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho (Pará, Brasil). Fonte: Pesquisa de campo (2014). Ilustrações feitas por Paulo Maia, morador da RESEX.

Tendo sido feito o ‘descouro’ ou o ‘despelo’ da caça, deve-se então prosseguir com a tarefa de corte das partes (peças). Inicialmente, é necessário retirar os órgãos e as vísceras do animal com certo cuidado para não atingir as tripas e a bolsa de fel (bílis) que ficam abaixo do fígado, a fim de evitar qualquer risco de contaminação da carne. Caso a caça tenha sido abatida com espingarda, ainda é necessário retirar todo chumbo nela alojado para que no ato da ingestão da comida não ocorra intoxicação. Posteriormente, deve-se prosseguir com a lavagem das peças e das vísceras selecionadas em água fria corrente, que então ficarão aptas para ser submetidas a processos de conservação5 5 Em se tratando de processos de conservação, é preciso apontar que a maioria das famílias possui unidades de refrigeração, que permitem o congelamento dos alimentos. Aqueles moradores minoritários, ou seja, que não possuem refrigerador ou geladeira, geralmente solicitam a parentes ou vizinhos mais próximos o congelamento da carne. Contudo, em raras ocasiões, como na ausência de energia elétrica por dias seguidos, métodos de conservação dos alimentos através da salga, defumação, da imersão em gordura ou da desidratação pelo sol ou fumaça (moquém) podem ser utilizados, especialmente pelos moradores mais antigos. ou de cozimento.

Antes do cozimento, uma das técnicas locais utilizadas para se retirar o cheiro forte característico da carne de caça é o uso da folha da goiabeira (Psidium guajava). Para tanto, primeiramente põem-se as peças de molho juntamente com as folhas esmagadas em água fria durante cerca de trinta minutos; depois, dá-se uma fervura para que a carne fique no estado considerado como adequado para cozimento. De modo similar, outra técnica que pode ser utilizada para harmonizar cheiros é a lavagem e fervura das peças com o sumo de frutas cítricas, como a laranja da terra (Citrus aurantium) ou o limão (Citrus limonium), e de ervas fortes, como o alecrim (Rosmarinus officinalis). Dependendo da maturidade sexual do animal6 6 O estado de maturação de um animal é analisado pelos moradores, excepcionalmente, pelo cheiro forte (catinga), no sentido de classificá-lo como ‘jovem’ ou ‘adulto’, levando em consideração que é, praticamente impossível, identificar a idade exata de determinado espécime somente pela aparência. Deste modo, entende-se que a catinga é menos forte nos espécimes jovens do que nos adultos. Sendo assim, a idade de maturação do animal é um fator que influencia os processos de tratamento e cozimento da carne. , estes procedimentos devem ser feitos de uma a oito vezes, com a devida renovação da água e dos ingredientes citados.

Somado a isto, diversos temperos são utilizados para apurar o sabor da carne, que deve ser furada em toda sua volta com a ponta de uma faca para poder ‘pegar melhor o tempero’. A cebolinha (Allium fistulosum), a alfavaca (Ocimum basilicum), a chicória (Cichorium endivia), o coentro (Coriandrum sativum) e o urucum (Bixa orellana), geralmente cultivados em pequenas quantidades nos jiraus, são os tipos de temperos mais frequentemente utilizados. Dentre estes, chama atenção o uso do urucum (Bixa orellana) como colorante no sentido de não se preparar uma comida ‘sem cor’. Mais que uma especiaria para dar aroma, o urucum serve mesmo para temperar o apetite dos olhos, transformando uma carne descorada em uma comida atraente. O óleo vegetal de bacaba (Enocarpus bacaba) é um item que costuma ser adicionado para dar uma primeira cozedura nos temperos e diversificar o sabor da comida.

De acordo com as mulheres entrevistadas, assar é a melhor maneira de preparar todas as caças novas (ou mais jovens), sobretudo, as aves, mas sem deixar a carne ficar muito passada. Os animais mais velhos, por terem uma carne mais consistente e rija, ficam melhor quando preparados guisados com base num refogado (molho), que pode ser feito com água ou leite. Neste caso, o cozimento requer processos mais longos e demorados para que a carne fique tenra e saborosa. Uma estratégia importante para dar maciez à carne, mantendo ao mesmo tempo seu sabor, é cozinhá-la em panela de pressão a fogo brando, deixando os ingredientes cozerem e se misturarem lentamente.

Durante o cozimento, o pescoço é uma das partes dos animais que tem maior concentração de gordura e ajuda a carne a ficar úmida. O uso da panela de pressão também minimiza o tempo de cozimento da carne, estimando-o em uma hora e meia. Ademais, destaca-se que a carne de caça ainda pode ser preparada e consumida grelhada, frita, como bife, ou incrementada em outros pratos especiais.

Mas em que pese todas essas possibilidades de cozimento, tornou-se possível constatar que, independente da espécie animal, a carne de caça refogada ao leite da castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) é unânime em termos de gostos e preferências, sendo considerada uma iguaria na culinária local e, por esse motivo, de grande prestígio entre os comensais. O motivo por tal preferência é facilmente compreendido quando se leva em consideração que a castanha representa primariamente um gosto social e culturalmente adquirido pelos habitantes joanaperenses por influência dos seus antepassados. Trata-se, portanto, de um habitus, aqui compreendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis à determinada prática, intimamente conectado com as experiências passadas, percepções, apreciações e ações de grupos sociais, conforme conceituado por Bourdieu (1983aBOURDIEU, Pierre. Distinctions: a social critique of the judgment of taste. Translated by Richard Nice. Cambridge: Harvard University Press, 1983a.; 1983b)BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato. (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. Ática: São Paulo, 1983b. p. 46-81..

É em torno de um ponto de fogo localizado no espaço livre de trás das casas, denominado terreiro, que as mulheres costumam cozinhar a carne de caça. Este ponto nada mais é que uma espécie de fogão artesanal, fabricado geralmente com barro (argila) e alimentado com carvão ou mais raramente lenha, que é utilizado para o cozimento de alimentos com maior tempo de cozedura. Nesse exercício do cotidiano, é de se mencionar a abordagem feita por Lévi-Strauss (1997)LÉVI-STRAUSS, Claude. The culinary triangle. In: COUNIHAN, Carole; VAN ESTERIK, Penny (Ed.). Food and culture: a reader. London: Routledge, 1997. p. 28-35., na qual o fogo é apreendido como uma técnica de preparação de alimentos e, por isso, representa o elemento que liga a natureza à cultura. Essa ligação seria representada pelos alimentos crus que, após serem submetidos à ação do fogo, tornam-se cozidos, passando então de um alimento em estado natural para o estado cultural.

Nessa interseção entre natureza e cultura, note-se que o ato culinário de transformação da carne de caça em comida está embebido de significados no contexto das práticas alimentares, que são as possíveis invenções e reinvenções das maneiras de fazer e consumi-la, baseadas em ações técnicas, operações simbólicas e rituais. O Quadro 1 reúne algumas informações sobre determinadas espécies de caça, no que se refere aos processos habituais de preparação e consumo, de acordo com as observações realizadas nos grupos domésticos estudados. Como já mencionado anteriormente, “comida não é apenas uma substância alimentar, mas é também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se” (DaMatta, 1986DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986., p. 56). E como foi visto, ‘bicho do mato, tem que saber preparar!’.

CAÇA COMPARTILHADA

Na realidade estudada, normas sociais intimamente conectadas com a sobrevivência básica e, ao mesmo tempo, com elementos simbolicamente construídos fazem circular diariamente os alimentos entre as famílias locais. Nesse contexto, é comum observar a carne de caça sendo compartilhada de alguma maneira com parentes e vizinhos, atribuindo a esse alimento certo significado de valor que estimula a retribuição como expressão da “reciprocidade” (Mauss, 2003MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 183-294.). Esta se desvela no cotidiano como uma norma que estabelece a partilha dos animais caçados no sentido de criar e manter laços sociais entre indivíduos nos processos de consumo de alimentos, segundo regras específicas que atuam na definição de grupos.

Um exemplo da noção exposta acima é que um animal de caça costuma ser compartilhado somente com os parentes mais próximos e os chamados ‘bons vizinhos’, como pode ser observado nos trechos de falas de caçadores entrevistados:

Quando a gente mata uma caça, sempre um vizinho dá pro outro, sem pedir. A gente tem sempre um costume aqui, porque tem o bom vizinho e o mau vizinho. O bom vizinho, o que ele come na casa dele, o que ele pega, também divide com o vizinho. Do mesmo modo, quando a gente arruma, também tem que dar pro vizinho. (Luis Henrique, 28 anos).

Aqui na vizinhança, é assim: o bom vizinho compartilha a carne igual, tem aquela união. Já o mau vizinho é aquele que não se conversa e não compartilha o que arruma. Se matou ou pegou alguma coisa, come só pra lá, não dá nada pro vizinho, nada se compartilha. É o vizinho pra lá e a gente pra cá. Não tem aquele entrosamento. (Amarildo Ferreira, 39 anos).

Quando a gente pega alguma caça, a gente divide com os parentes e vizinhos mais próximos, né? Daí, a gente sempre recebe de volta também. (José Luís, 47 anos).

Evidencia-se, assim, que a boa vizinhança é uma regra recíproca segundo a qual se partilha a carne de caça somente com os parentes e vizinhos com os quais o caçador mantém relações de amizade na medida em que há uma retribuição material e simbólica. Essa constatação permite remeter o compartilhamento da caça à condicionalidade da dádiva, como ensina Mauss (2003)MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 183-294.: quem tem, dá, quem não tem, recebe e em outra oportunidade retribui, concretizando uma obrigação moral coletiva como uma espécie de dívida. Nesse círculo, o ato de retribuir revela o ‘comprometimento’ e o ‘engajamento’ individual ou coletivo como elementos imbricados na construção de vínculos comunitários, identitários e hierárquicos, conforme Marques et al. (2007)MARQUES, Flávia Charão; MENASCHE, Renata; TONEZER, Cristiane; GENESSINI, Alex. Circulação de alimentos: dádiva, sociabilidade e identidade. In: MENASCHE, Renata (Org.). A agricultura familiar à mesa: saberes e práticas da alimentação no Vale do Taquari. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 154-176. destacaram.

É importante ter presente que a carne de caça é um alimento valorizado culturalmente pelas famílias rurais da região estudada, principalmente nos dias atuais que sua obtenção é considerada relativamente mais difícil, o que lhe confere um alto valor de uso e, consequentemente, de doação e de retribuição, que são então impregnadas pelo simbólico, “pois a obrigação de dar é que garante a honra e o prestígio; a obrigação de receber mantém e reproduz a hierarquia [...] a obrigação de retribuir garante a permanência do vínculo, o pertencimento: aí se reiteram os laços, constitui-se a aliança” (Menasche et al., 2008MENASCHE, Renata; MARQUES, Flávia Charão; ZANETTI, Cândida. Self-consumption and food security: family agriculture based on eating knowledge and practices. Revista de Nutrição, Campinas, v. 21, p. 145-158, 2008. Suplemento., p. 155).

É nesse contexto de expressão da dádiva que se evidencia a aliança que beneficiará a todos em torno do compartilhamento da fauna silvestre no universo investigado. Caso se trate de uma caça grande, como a capivara, cabe à mulher do caçador decidir que parte do animal será enviada para cada parente e vizinho, sendo ela também a responsável pela entrega da parte dedicada a cada um. O traseiro e o espinhaço são considerados partes nobres da carne e ficam na casa do caçador, enquanto que o dianteiro é destinado para a distribuição. No entanto, se for uma caça pequena demais, como a Tinamus guttatus (nambu-galinha), a carne dificilmente será compartilhada em partes. Nesse caso, é mais comum convidar os amigos caçadores mais próximos para a partilha da refeição.

Entre os próprios caçadores, pode-se dividir a caça ‘de banda’, meio a meio, quando se trata de uma caçada realizada a dois, ou ‘de quarto’, dianteiro ou traseiro, quando a caçada envolve mais de dois caçadores, sendo que o caçador que atirou costuma ter o direito sobre o espinhaço e a cabeça do animal. O planejamento da caçada é uma preocupação diária e quando organizada em grupo ultrapassa a simples necessidade de ordem material, desenvolvendo-se em redes de troca de força de trabalho entre os caçadores. Essas trocas se amparam no princípio da ajuda mútua, reafirmando a dádiva nos processos de obtenção de alimentos.

É interessante notar que a regra recíproca da boa vizinhança não é alterada pelo fato de um caçador não ir pra mata com a mesma frequência ou então não ser bem-sucedido nela em relação a outro caçador. Isso porque a carne de caça está inserida numa rede de compartilhamento que envolve outros produtos alimentícios, como a carne da criação doméstica (galinhas, patos, porcos etc.) e o pescado. É dentro dessa rede abarcada por diferentes grupos de moradores que parentes e vizinhos que não caçam mais, ou não têm um caçador em casa, garantem a carne de animais silvestres como parte da sua alimentação. Entretanto, conforme observado, os laços sociais das redes de troca e reciprocidade podem ser desfeitos com a quebra da permanência do vínculo, isto é, pela ausência da obrigação de retribuir, sob o risco de gerar conflitos entre parentes e vizinhos.

FINALIZANDO...

Os resultados apontam que os processos de escolha e utilização da fauna silvestre em práticas alimentares são permeados por importantes fatores ecológicos, econômicos e socioculturais na Vila de Joana Peres. A atividade de caça apresentou-se como uma referência da cultura e costumes da região e uma prática significativa à subsistência das famílias locais, especialmente na época das enchentes (inverno), considerando a escassez do pescado durante este período. Assim, foi possível constatar que uma relativa diversidade de espécies cinegéticas é utilizada na preparação de alimentos, levando-nos a crer numa resultante quebra na repetitividade da estrutura dietética dos moradores.

Essa diversidade de animais úteis à alimentação das famílias nos revela, igualmente, o papel da floresta tropical enquanto provedora de alimento para os povos que nela habitam. Desse modo, não cabe aqui uma visão estreita do processo, pois a fauna não atua apenas como ‘recurso alimentar’, mas também como marcador de uma cultura, de uma identidade. A invenção desse tipo de Unidade de Conservação, por essa ótica, é uma espécie de motor para a proteção e manutenção dos recursos naturais tão essenciais à reprodução da vida material e simbólica.

No limite dessa diversidade relativa, o que comer, como, com quem, onde e como são decisões que expressam diferentes motivações de natureza simbólica, indo além do simples desejo de satisfazer as necessidades biológicas humanas. Oposições e preferências são articuladas social e culturalmente, criando os desejos por alimentos específicos, os quais estão por sua vez associados às condições contextuais do cotidiano, às experiências degustadoras per se e aos sistemas de representações locais. Aqui podemos utilizar o curioso consumo da carne de jabuti no período da Semana Santa, os tabus alimentares e a reima como ilustração.

Neste ponto, o uso da fauna silvestre desempenha um papel privilegiado, ao mesmo tempo em que quebra a monotonia dietética, incorpora um valor sociocultural no contexto das percepções cognitivas e do domínio do habitus, um gosto adquirido e estruturado (Bourdieu, 1983aBOURDIEU, Pierre. Distinctions: a social critique of the judgment of taste. Translated by Richard Nice. Cambridge: Harvard University Press, 1983a.; 1983bBOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato. (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. Ática: São Paulo, 1983b. p. 46-81.). Os conhecimentos tradicionais que os moradores de Joana Peres têm sobre os recursos cinegéticos são fundamentais para a sua devida apropriação e utilização como fonte de alimento. Assim, textura, cheiro e sabor convergem como elementos centrais para a preparação da ‘boa’ carne de caça, que demanda uma experiência integrada quanto às características dos animais caçados, técnicas e modos de preparo, sendo estes últimos basicamente de domínio feminino. A esse respeito, é preciso salientar que, no processo alimentar (obtenção, preparo e consumo), a noção de gênero é construída a partir das diferenças de gênero e geracionais na organização familiar do trabalho, considerando que pai, mãe, filhos, e filhas desempenham tarefas diferenciadas, como já evidenciado em diversos estudos (Heredia et al., 1984HEREDIA, Beatriz; GARCIA, Marie-France; GARCIA JR., Afrânio. O lugar da mulher em unidades domésticas camponesas. In: AGUIAR, Neuma (Coord.). Mulheres na força de trabalho na América Latina: análises qualitativas. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 29-45.; Menasche; Schmitz, 2007MENASCHE, Renata; SCHMITZ, Leila Claudete. Agricultores de origem alemã, trabalho e vida: saberes e práticas em mudança em uma comunidade rural gaúcha. In: MENASCHE, Renata (Org.). Agricultura familiar à mesa: saberes e práticas da alimentação no Vale do Taquari. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 78-99.; Wedig et al., 2008WEDIG, Josiane Carine; MARTINS, Viviane Santi; MENASCHE, Renata. Plantar, criar, comer: classificações da comida e das pessoasno interior de famílias rurais. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 8: CORPO, VIOLÊNCIA E PODER, [14], 2008, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2008. p. 1-7.).

Ademais, importa ressaltar que a caça está inserida numa rede de troca e reciprocidade intensa na comunidade quilombola de Joana Peres, conectando parentes e vizinhos em sistemas de organização e troca de força de trabalho que visam à obtenção de itens alimentares. Considera-se, assim, que o uso da fauna silvestre para fins alimentares está inserido num contexto sociocultural bem mais complexo do que naqueles destacados na literatura acadêmica até o momento. Isso pode ser facilmente compreendido pela conexão histórica que a caça sempre manteve em diferentes culturas (Beltrán, 1966BELTRÁN, Enrique. La administración de la fauna silvestre. In: INSTITUTO MEXICANO DE RECURSOS NATURALES RENOVABLES. Mesas redondas sobre Problemas de Caza y Pesca Deportivas en México. México: Ediciones del Instituto Mexicano de Recursos Naturales Renovables, 1966. p. 225-259.; Linares, 1976LINARES, Olga F. “Garden hunting” in the American tropics. Human Ecology, v. 4, n. 4, p. 331-349, Oct. 1976.; Cooke, 1981COOKE, Richard. G. Los habitos alimentarios de los indigenas precolombinos de Panama. Revista Médica de Panamá, Panamá, v. 6, n. 1, p. 65-89, 1981.; Godelier, 1992GODELIER, Maurice. L’idéel et le matériel: pensée, économies, sociétés. Paris: Fayard, 1992. 350 p.; Ojasti, 2000OJASTI, Juhani. Manejo de fauna silvestre neotropical. Francisco Dallmeier (Ed.). Estados Unidos: Smithsonian Institution/MAB Program, 2000. 290 p.). Portanto, é necessário considerar as tradições e as especificidades locais que incidem sobre o uso dos recursos cinegéticos nas discussões de intervenção conservacionista e sobre o desenvolvimento na região.

  • 1
    Uma terra herdada do processo de formação de comunidades negras rurais no vale do rio Tocantins, Norte do Brasil, ainda no período colonial.
  • 2
    Optamos por utilizar nomes fictícios para preservar a identidade dos interlocutores.
  • 3
    Mau cheiro.
  • 4
    Do ponto de vista local, entende-se por descourar o ato de separar o couro/casco da carne a partir de uma primeira incisão. Enquanto despelar é o ato de arrancar as penas ou os pelos do animal, jogando água quente para facilitar. Em ambos os procedimentos é necessário o auxílio de uma faca.
  • 5
    Em se tratando de processos de conservação, é preciso apontar que a maioria das famílias possui unidades de refrigeração, que permitem o congelamento dos alimentos. Aqueles moradores minoritários, ou seja, que não possuem refrigerador ou geladeira, geralmente solicitam a parentes ou vizinhos mais próximos o congelamento da carne. Contudo, em raras ocasiões, como na ausência de energia elétrica por dias seguidos, métodos de conservação dos alimentos através da salga, defumação, da imersão em gordura ou da desidratação pelo sol ou fumaça (moquém) podem ser utilizados, especialmente pelos moradores mais antigos.
  • 6
    O estado de maturação de um animal é analisado pelos moradores, excepcionalmente, pelo cheiro forte (catinga), no sentido de classificá-lo como ‘jovem’ ou ‘adulto’, levando em consideração que é, praticamente impossível, identificar a idade exata de determinado espécime somente pela aparência. Deste modo, entende-se que a catinga é menos forte nos espécimes jovens do que nos adultos. Sendo assim, a idade de maturação do animal é um fator que influencia os processos de tratamento e cozimento da carne.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2015
  • Aceito
    25 Jul 2016
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