Acessibilidade / Reportar erro

Do Folclorismo à História da Cultura na Amazônia: o percurso construído por Vicente Salles

From folklore to the cultural history of the Amazon: Vicente Salles’ path

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar parte da trajetória intelectual do pesquisador e folclorista paraense Vicente Salles (1931-2013), nos estudos sobre o folclore. Examina-se como surgiu e se intensificou o interesse de Salles pelo folclore amazônico (em especial, o paraense), as suas primeiras pesquisas de campo, como o autor interpretou os conceitos de folclore e de cultura popular e a presença do folclore em algumas de suas principais obras.

Palavras-chave
Vicente Salles; Amazônia; Folclore; História da Cultura; História intelectual

Abstract

This articles aims at analyzing the intellectual path of the paraense researcher and folklorist Vicente Salles in the studies about the Amazonian folklore. We analyze the beginning of his interest on folklore, his first fieldworks, the differences between the concepts of popular culture and folklores in Salles’s interpretation and the presence of the folklore in his mainstream works.

Keywords
Vicente Salles; Amazon; Folklore; History of the Culture; Intellectual History

INTRODUÇÃO

O pesquisador e folclorista paraense Vicente Salles é referência nos estudos sobre a cultura popular na Amazônia, especialmente no estado do Pará. Podemos reiterar que alguns temas marcaram a vida profissional deste pesquisador com mais proeminência: a música, o folclore e o negro, assuntos tratados e discutidos intensamente por Vicente Salles. A inclinação e o interesse por esses temas se deram, em grande medida, pela sua aproximação com intelectuais do porte do folclorista e poeta paraense Bruno de Menezes e do antropólogo baiano Edison Carneiro. Nesses termos, devemos mencionar ainda o contato com as fontes orais, que caracterizou seu trabalho como pesquisador e o interesse pelo folclore desde o início de sua carreira (Mafra, 2014MAFRA, Alessandra. Construindo um acervo: história, intelectualidade e colecionismo em Vicente Salles. In: MENEZES, Lená Medeiros de; TRONCOSO, Hugo Cancino; MORA, Rogelio de la. (Org.). Intelectuais na América Latina: pensamento, contextos e instituições. Dos processos de Independência à Globalização. Rio de Janeiro: LABIME/UERJ, 2014. v. 1, p. 62-77., p. 66).

Alguns aspectos da obra de Vicente Salles foram objeto de análise de outros autores. No que diz respeito aos estudos sobre a presença negra na Amazônia, José Maia Bezerra Neto (2008)BEZERRA NETO, José Maia. A presença Negra no Pará: resenha de um trabalho pioneiro. Revista Estudos Amazônicos, v. 3, n. 1, p. 167-172, 2008. destacou o pioneirismo da obra mais proeminente de Salles – “O negro no Pará: sob o regime da escravidão” (Salles, 2005 [1971]SALLES, Vicente. O negro no Pará, sob o regime da escravidão. Belém: IAP; Programa Raízes, 2005 [1971].) –, ressaltando que as influências sociológicas mais importantes que Salles incorporou neste estudo foram as da antropologia cultural brasileira, assim como as do folclore. Karla Oliveto (2007)OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em Música. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007., por sua vez, tratou da trajetória de Vicente Salles pelo viés da música, focando nos procedimentos de pesquisas e na grande contribuição para essa área, representada por um número expressivo de obras publicadas.

Tanto Bezerra Neto quanto Oliveto destacaram a obra de Vicente Salles como divisor de águas na compreensão da presença africana e na história da música e dos músicos no Pará. Embora ambos destaquem a presença do folclore como elemento central para se explicar as manifestações da cultura negra e da música na Amazônia, ainda não há um estudo dedicado a analisar, especificamente, a compreensão e a produção de Salles no campo do folclore.

Vicente Salles é um exemplo clássico de intelectual polígrafo, dono de uma trajetória intelectual bastante movimentada, a exemplo do engajamento político e do compromisso no campo cultural e social. Entre tantos papéis desempenhados por Salles, o de folclorista apresentou-se de forma instigante, exatamente pelo mérito deste intelectual ao buscar equilibrar e aliar as discussões entre o folclore e a história, assim como na atuação na defesa do folclore enquanto ciência1 1 Para compreendermos parte da atuação de Salles na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB) é necessário retomarmos a sua transferência de Belém para o Rio de Janeiro, na década de 1950, uma vez que, em 1954, Salles fez um concurso público, promovido pelo governo federal, para o cargo de datilógrafo. À essa época, Salles já tinha sido apresentado a Edison Carneiro por Bruno de Menezes; Carneiro, então, aconselhou-o a transferir-se de Belém para o Rio de Janeiro, o que fez ainda em 1954. Salles obteve boa classi ficação no concurso e isso o permitiu escolher o Ministério da Educação e Cultura para trabalhar. Em 1958, quando foi criada a CDFB, foi transferido para o novo órgão, por intermédio de Mozart de Araújo. Logo depois, foi trabalhar diretamente com Edison Carneiro, ficando responsável pela organização da biblioteca da CDFB (Mafra, 2014, p. 64). . Então, o que seria ou o que representaria o folclore para ele? Quais seriam as contribuições dele para o folclore da Amazônia? Como ele desenvolveu sua reflexão teórica sobre o folclore? Estas foram algumas questões que serviram de fio condutor para compreendermos o veio folclorístico de Vicente Salles.

Este artigo tem como objetivo analisar a presença do folclore nos estudos e na trajetória de Vicente Salles, desde as primeiras incursões nas pesquisas de campo, ainda na Amazônia, devido à atuação na Campanha de Defesa do Folclore (CDFB) e na Revista Brasileira de Folclore (RBF), no Rio de Janeiro, embora saibamos que o envolvimento de Salles com o assunto foi além desse contexto, e será o intervalo priorizado para este texto.

A discussão neste artigo versa sobre o interesse de Vicente Salles pelo folclore amazônico, especialmente o paraense. Pretendemos investigar o surgimento e, ao mesmo tempo, a intensificação do interesse de Salles pelo tema, averiguando, na medida do possível, o percurso desse pesquisador (caráter empírico) e sua discussão no campo teórico. Assim, buscamos apresentar e explorar o conceito de ‘folclore’ para Vicente Salles e, da mesma forma, a discussão e reflexão sobre as interseções entre os conceitos de folclore e de cultura popular para esse intelectual, a presença de ideias de grandes personalidades nas suas discussões e a maneira como Salles tratou a relação entre história e folclore (Mafra, 2012MAFRA, Alessandra. O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, 2012., p. 49).

É pertinente observarmos que Vicente Salles se autodenominou “folclorista” em essência, e procurou defender a ideia de “identidade social” em seus estudos sobre folclore (Oliveto, 2007OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em Música. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007., p. 59), aspecto diretamente ligado às discussões de classe e que partem de seu engajamento político e cultural de esquerda. Dessa forma, buscamos apresentar a produção sobre folclore em Salles a partir de fontes diversas, como cartas, entrevistas, material de curso de folclore, livros autorais, microedições do autor, entre outros tantos tipos de documentos guardados e organizados por ele e que nos contam a trajetória desse intelectual (Mafra, 2012MAFRA, Alessandra. O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, 2012.).

SALLES, DIÁLOGOS E CONCEITOS SOBRE O FOLCLORE

Para Salles, “os fenômenos ditos folclóricos, podem ser considerados fenômenos de cultura, e nesses termos, ambos podem ser analisados separadamente. Esses fenômenos representam uma realidade concreta e dinâmica, que permanecem em constante readaptação às novas formas assumidas pela sociedade” (Mafra, 2012MAFRA, Alessandra. O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, 2012., p. 50). O folclore tornou-se o que ele chamou de “matéria viva”, devendo ser estudado naquilo que tem de vivo, a partir de sua mutabilidade (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 881-882). Logo, o folclore, para Vicente Salles, pode ser entendido como o produto da cultura, em um sentido geral2 2 Material histórico-cultural - Vicente Salles - Correspondência expedida. Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Brasília, 25 maio 1988. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará (MUFPA), Belém. , uma vez que, para o intelectual, a sociedade como um todo participa na criação e na manutenção do folclore, embora afirme que somente o “povo” – isto é, as camadas populares – dele se sirva (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 882).

Antes de adentrarmos mais intensamente nas discussões a respeito do folclore para Salles, é necessário tratarmos brevemente de duas personalidades marcantes na trajetória profissional desse intelectual: Bruno de Menezes e Edison Carneiro. Com o escritor e folclorista Bruno de Menezes, Salles adentrou mais profundamente no universo da cultura popular. Menezes construiu uma ligação muito forte com as atividades folclóricas da região e tornou-se adepto da doutrina anarquista, envolvendo-se, inclusive, em questões sindicais. Essa aproximação com o anarquismo deu-se antes mesmo do reconhecimento como poeta e folclorista. O amor de Menezes pela causa dos negros e dos trabalhadores em geral também era partilhado por Salles, uma vez que literatura e revolução fizeram parte da atuação de Menezes, cuja militância literária está expressa na abordagem sobre os excluídos e oprimidos na sociedade (Mafra, 2012MAFRA, Alessandra. O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, 2012.).

Da militância para o campo intelectual, foi Bruno de Menezes quem apresentou Vicente Salles ao antropólogo, folclorista e jornalista baiano Edison Carneiro, em 1954. Considerado um dos maiores estudiosos sobre os cultos afro-brasileiros, Carneiro participou ativamente do movimento em defesa do folclore no Brasil e foi um dos principais expoentes dos estudos antropológicos e folclóricos sobre o negro, dos meados do século XX. Integrou uma geração – formada por intelectuais do porte de Arthur Ramos, Câmara Cascudo, Renato Almeida, Aires da Mata, entre tantos outros – que não apenas ajudou a institucionalizar as Ciências Sociais no Brasil, como também colocou em outro patamar os estudos sobre as manifestações culturais das populações afrodescendentes3 3 Para compreender a dinâmica da atuação de Edison Carneiro, ver Rossi (2011), Giovannini Junior (2012) e Silva (2015). Trata-se de estudos mais recentes, que situam Edison Carneiro e o interesse desse estudioso pelo tema do folclore do negro e sua contribuição para conformação da chamada cultura brasileira. .

Nacionalmente, podemos observar uma clara aproximação entre as concepções de folclore para Edison Carneiro e os estudos de Salles. O paraense destaca que, para Carneiro, ao mesmo tempo em que se realiza a pesquisa folclórica, aprofunda-se a análise da sociedade. Neste cenário, podemos perceber a permanência de condições gerais, econômicas, sociais e políticas que condicionariam e favoreceriam a sobrevivência das concepções dos usos e dos costumes de que se nutre o folclore, ou seja, a partir dessa dinâmica (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969.). Tal concepção de Carneiro pode ser mais bem compreendida em seu próprio livro “Dinâmica do folclore”, no qual assegura ser o “folclore” uma das expressões mais significativas, justamente por apresentar a permanência dessas condições gerais (econômicas, sociais e políticas) “[...] que favorece a sobrevivência das concepções de uso e costume que se nutre o folclore” (Carneiro, 1965CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965., p. 7-8). Consequentemente, seria fundamental pensar o folclore dentro da sociedade de classes. A preocupação com essa dinâmica permeia o pensamento de todo folclorista e integra as análises de Salles.

Vicente Salles percebe o folclore como criado e mantido pela sociedade, porém utilizado apenas pelo povo. Para o autor, todos os fatos folclóricos dizem respeito a uma sociedade, mas, se uma parcela nega, omite ou rebaixa um fato folclórico, consequentemente não está contribuindo para sua manutenção, por mais que dele a sociedade se sirva. Essa parte da sociedade, segundo Salles, pode ser identificada como a “elite”. Dessa forma, o folclore se apresenta a partir de um processo dinâmico e circular, onde estão presentes as relações constantes entre todos os membros da sociedade, ou seja, seria o domínio coletivo do conhecimento, pois interage com todas as camadas sociais4 4 Cabe esclarecer que, no “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”, Salles trabalhou com o sentido de ‘circularidade cultural’, proposto por Bakhtin e citado por Carlo Ginzburg no prefácio à edição italiana de “O queijo e os vermes”. Salles esclarece que a mobilidade do folclore pode se dar tanto no sentido vertical como no horizontal (na sequência: erudito-popular e difusão), desenvolvendo em um dado conjunto os processos dinâmicos de forma circular. .

Em “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”5 5 Localizado na documentação sociocultural, trata-se de uma resposta aos questionamentos de Rossini Tavares. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. , Salles refletiu sobre o folclore como “fenômeno de cultura”, situando-o dentro de uma sociedade de classes, de uma sociedade de consumo e nas ‘sociedades’ que vivem em constantes modificações. Mais uma vez, ressaltamos o ‘dinamismo’ do folclore, como salientou Carneiro (1965)CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965., uma vez que a pesquisa folclórica permitiria analisar a sociedade em ‘geral’, como mencionamos anteriormente. Dessa forma, podem-se observar no folclore mudanças qualitativas, as quais se apresentam em uma realidade concreta, dinâmica, em constante readaptação às formas que a sociedade venha a assumir (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969.).

Nesse texto-resposta de Salles, ainda não é possível “definir e conceituar certas proposições”. O autor busca esclarecer as ‘confusões’ sobre os conceitos de cultura popular e de folclore, ressaltando que, nas Ciências Sociais, nem sempre os conceitos conseguem obter uma determinada precisão, uma vez que esse problema não se resolveria apenas com a adoção de nomenclaturas estabelecidas e entendidas pelos especialistas, mas se apresentando de forma obscura aos leigos6 6 “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Em linhas gerais, o folclore, conforme defendido pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, apresenta maior amplitude e romantismo em relação àquele ora trabalhado a partir de Carneiro (1965)CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. e Salles. Nesses termos, para Maria de Lourdes Ribeiro (1969, p. 6)RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Que é folclore? Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1969., folclore “é o estudo da própria alma de um país, é o estudo do modo de ser da gente do povo, das suas maneiras de pensar, de agir e de sentir, é o estudo da feição nacional nas suas bases mais profundas e mais características”. Segundo a autora, o folclore apresenta uma série de características próprias, tais como anonimato, aceitação coletiva, transmissão oral, tradicionalidade e funcionalidade7 7 Procuramos observar aqui o posicionamento de Maria de Lourdes Ribeiro enquanto integrante da missão pela defesa do folclore brasileiro. .

Nesse sentido, podemos perceber nas palavras de Ribeiro (1969)RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Que é folclore? Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1969. a questão da nacionalidade e, mais do que isso, a associação entre folclore e discurso politizado, pois, para ela, assim como para os demais folcloristas da Campanha de Defesa do Folclore, o folclore deveria ser estudado como forma de proporcionar melhores condições de vida para o povo, e isso não poderia ser feito sem, de fato, conhecer os costumes característicos deste (Ribeiro, 1969RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Que é folclore? Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1969.). Certamente, a autora compartilhava dos ideais de transformação do folclore em ciência acadêmica, posicionamento idealizado pela CDFB e uma das aspirações dos intelectuais que compunham esta campanha, que, porém, não conseguiu atingir o objetivo e conquistar esse status acadêmico para o folclore8 8 Entrevista concedida a Alessandra Mafra, através de carta, em maio de 2010, na qual Salles comenta sobre a aspiração desses intelectuais de tornar o folclore uma disciplina acadêmica. .

Ainda referente às missões folclóricas, contemplando o surgimento da Comissão Nacional de Folclore (CNFL), 1947, e da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), 1958, cabe ressaltar que não era apenas a identidade do intelectual folclorista o foco da questão, sendo muito mais do que isso, uma vez que, ao criar um especialista, consequentemente, cria-se um campo de estudo definido, considerando a sua abrangência e as suas limitações. As tendências renovadoras propostas pelo grupo de intelectuais folcloristas foram caracterizadas pelos esforços no plano institucional, mas também pela tentativa em definir a especificidade do trabalho do folclorista (Vilhena, 1997VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro, 1947-1964. Rio de Janeiro: FUNARTE/Fundação Getúlio Vargas, 1997.). Vicente Salles também fez parte desse grupo de ‘intelectuais renovadores’, dialogando com diversos pesquisadores que atuaram no movimento folclorista.

Nesta discussão, que gira em torno do mundo do folclore, o papel de folclorista é bem delimitado por este pesquisador, pois ele afirma que o seu trabalho, como tal, consiste em lidar com os “falares de povo” da maneira mais simples e direta, recomendada aos folcloristas e cujos leitores poderiam perceber na leitura das obras. Para Salles, seria essencial que o folclorista tivesse essa concepção da dinâmica do folclore, uma vez que esse assunto “transpassaria” todos os segmentos da sociedade9 9 Correspondência expedida: Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Brasília, 25 maio 1988. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. . O folclorista, assim como o antropólogo, pode estabelecer o critério de povo e, assim, incluí-lo na utilização de seus conceitos10 10 “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Podemos também observar outras informações relevantes a respeito do folclore brasileiro em plano de aula construído por Vicente Salles para curso de férias direcionado para professores, intitulado “Pesquisa e documentação do folclore”, realizado por meio da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro na década de 1970. Este texto não somente discorre sobre a prática da coleta de dados, mas também reflete sobre as aspirações da campanha em elaborar e publicar o “Atlas folclórico brasileiro”. Salles enfatiza este trabalho como sendo “antiga aspiração de nossos folcloristas”. O autor caracteriza o folclore, de forma geral, como “produto histórico de conhecimento”. Nesses termos, o material utilizado nos cursos ministrados por Salles apresenta evidências sobre esse aspecto:

O Folclore existe em toda a sociedade e compreende o conjunto orgânico das maneiras de pensar, agir, sentir e reagir dos homens, produto histórico de conhecimentos e experiências acumuladas e da interação mútua dos indivíduos na mesma convivência, independentemente de sua posição de classe e de origens étnicas.

Considerado o folclore como cultura de massa, em que toda a sociedade participa da sua criação e manutenção, o conceito é abrangente, inserese no conceito geral de cultura, e inclui, por isso mesmo, os conceitos particulares de cada grupo passível de análise pela posição social, econômica, profissional etc.11 11 Material do “Curso de férias para professores” da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, 1975. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.

Sem dúvida, existe uma essência ou matriz na amplitude de certa explanação sobre o conceito de folclore. O autor sempre procura superar, a partir de textos e entrevistas, aquilo que possa não ter se apresentado como suficientemente claro em outras exposições do conceito. Por exemplo, no excerto anterior, Salles nos apresenta um conceito de folclore alinhado com outros momentos em que procura exercitar essa definição, inclusive embasado pelo conceito defendido pela CDFB e também por Edison Carneiro (1965)CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965., segundo os quais o folclore representa o produto da relação entre os grupos sociais, ou seja, o domínio coletivo do conhecimento.

LEITURAS SOBRE O FOLCLORE: DO MODERNISMO À ESCOLA PAULISTA DE SOCIOLOGIA

Autores como Cavalcanti e Vilhena (1990)CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 75-92, 1990., Ortiz (1992)ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992. e Abreu (2002)ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002. destacam o percurso do conceito de folclore no Brasil. O final do século XIX foi marcado pelo advento do interesse sobre os estudos folclóricos, tendo como um dos ícones Silvio Romero (1851-1914). No século XX, autores como Amadeu Amaral (1875-1929) e Mário de Andrade (1893-1945) consolidam o campo folclórico, demonstrando uma forma de organização na área, a exemplo da apresentação da proposta de associações ligadas ao folclore (Cavalcanti; Vilhena, 1990CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 75-92, 1990.).

As ‘missões’ de defesa do folclore brasileiro, marcadas pela criação de uma Comissão Nacional de Folclore (1947) e, posteriormente, pela Campanha de Defesa do Folclore (1958), devem ser compreendidas à luz daquele contexto intelectual precedente, com o objetivo de percebermos a proposta dessas missões e a relação de Salles com a aspiração da Campanha. Nesse sentido, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito do que hoje denominamos de ‘modernismo’. Esse movimento, gestado nas primeiras décadas do século XX, foi marcado pelas aspirações dos homens em busca de uma nova proposta de identidade nacional, a exemplo de Mário de Andrade, que, como folclorista, queria apresentar a origem e o fundamento de uma ‘tradição’ brasileira como missão dos modernistas (Neves, 1998NEVES, Margarida. Da maloca do tietê ao império do mato virgem. Mário de Andrade: roteiros e descobrimentos. In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 265-300., p. 279)12 12 Entre outros trabalhos específicos sobre Mário de Andrade e suas andanças pelo Brasil em busca de registrar essas tradições, destacamos: Lopez (1972); Moraes (1978); Cavalcanti (2004) e Andrade (1976). .

Destacamos Mário de Andrade por ser considerado um dos expoentes dos estudos sobre o folclore e um dos ícones do movimento modernista, o qual ajudou a criar e, consequentemente, a divulgar e defender a ‘moderna’ proposta para a cultura brasileira, no intuito de compreender o folclore ou a cultura popular para conhecer, de fato, o ‘povo brasileiro’. Como destacou Margarida Neves, o ‘comprometimento’ em descobrir o Brasil e os brasileiros foi, para Mário de Andrade, a suposição de uma “... diluição da diversidade regional num todo unívoco, uma vez que sua busca era, como a de parte dos modernos, a de definir o caráter brasileiro”, mesmo que, a partir de algumas contradições sobre ‘as coisas populares’ do Brasil e pela atribuição à sua pessoa, a ‘investigação’ fosse pela consciência da nacionalidade (Neves, 1998NEVES, Margarida. Da maloca do tietê ao império do mato virgem. Mário de Andrade: roteiros e descobrimentos. In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 265-300., p. 292).

A peregrinação por diversos pontos do Brasil, inclusive passando por Belém na década de 1920, fez Mário de Andrade dar vida ao livro “O turista aprendiz”, com as crônicas de registro das suas pesquisas etnográficas. Posteriormente, na década de 1930, era a vez da Missão Pesquisa Folclórica, organizada pelo Departamento de Cultura do Estado de São Paulo, sob a direção daquele intelectual, aportar em Belém. Essas ações demonstram o desejo de ‘sair’ daquele sentimento de limitação no que se refere às tradições e ao folclore brasileiro13 13 Para notícias mais pontuais sobre a atuação dos intelectuais dentro do Departamento de Cultura do Estado de São Paulo – entre eles, Mário de Andrade – e a interseção entre academia e administração pública, ver Rubino (1995, p. 479-521). Sobre a visita de Mário à Amazônia no final da década de 1920 e, posteriormente, a Missão Pesquisa Folclórica, ver Andrade (1976) e Figueiredo (2008, p. 227-228). .

É importante não perdermos de vista que Mário de Andrade fazia parte de um movimento maior, denominado modernismo, cuja proposta era construir uma nova e moderna identidade nacional. Nesse contexto, observamos a propagação dos estudos sobre o folclore nas décadas de 1920 e 1930, demonstrando as preocupações dos intelectuais brasileiros em difundir o folclore nacional, percebidas em revistas como “Lanterna Verde”, “Festa” e “América Latina” (Gomes, 1999GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio... Modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.)14 14 Gomes (1999) analisou especialmente o espaço da intelectualidade carioca nas décadas inicias do século XX e os ideais modernistas e nacionalistas. . Com a implantação do Estado Novo, medidas de grandes proporções foram estabelecidas, entre elas a diminuição da autonomia dos estados. No âmbito cultural, Getúlio Vargas atraiu grupos de intelectuais que pudessem colaborar com a nova ideia de identidade nacional, o que garantiria a firmação do estado nacional (Pandolfi, 1999PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999., p. 10).

Se, no século XX, os estudos folclóricos apresentaram certa projeção, como a criação da Comissão Nacional de Folclore (1947) e da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (1958), também passariam a receber críticas severas de intelectuais como Florestan Fernandes. O problema aqui era o ‘teor’ científico dos estudos sobre

o folclore. Os folcloristas foram estigmatizados por atuarem de forma mais descritiva do que interpretativa e por exercerem uma ligação da sociedade tomada como ‘conservadora’. Para Abreu (2002)ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002., eles foram, por isso “[...] sendo marginalizados nas universidades e esquecidos pela intelectualidade e esquerda” (Abreu, 2002ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002., p. 4).

Cabe aqui ressaltar o possível interesse de ambos os lados. A Comissão Nacional de Folclore foi criada em 1947 por Renato Almeida, ligada ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, órgão da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Devemos levar em consideração que, no Pós-Guerra, o folclore irá se enquadrar nas aspirações da UNESCO pela paz mundial, na medida em que é encarado como ‘instrumento’ de compreensão entre os povos, permitindo, assim, a construção de identidades diferenciadas entre eles. Nesse sentido, Cavalcanti e Vilhena (1990, p. 75-76)CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 75-92, 1990. destacam que “o Brasil de então se orgulhava de ser

o primeiro país a atender à recomendação da UNESCO no sentido da criação de uma comissão para tratar do assunto” com o interesse maior em divulgar o folclore brasileiro.

Por outro lado, temos o pensamento sociológico das décadas de 1950 e 1960, expresso na Escola Paulista de Sociologia e tendo como expoente Florestan Fernandes, que passou a ver as culturas populares no contexto da moderna sociedade capitalista, ou seja, no âmbito das desigualdades sociais (Arruda, 2010ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A sociologia de Florestan Fernandes. Tempo Social, v. 22, n. 1, p. 9-27, jun. 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702010000100001.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702010...
, p. 9-27; Abreu, 2002ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.). Fernandes discutia a posição do folclore no quadro das Ciências Sociais, sendo notória neste intelectual, mais do que em qualquer outro representante da escola paulista de sociologia, a preocupação em “demarcar as fronteiras da sociologia em relação às demais ciências” (Cavalcanti; Vilhena, 1990CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 75-92, 1990., p. 81).

O período que diz respeito à criação da CNFL e, posteriormente, da CDFB foi marcado por tensos debates sobre a posição do folclore na sociedade. Um dos aspectos interessantes é o teor da palavra ‘povo’ e, entre os aspectos fundamentais da definição de folclore para os integrantes da Comissão e da Campanha, seria o de que “o folclore se encontra em diferentes segmentos sociais” e que somente no ‘povo’ pode ser encontrado o folclore de forma autêntica e pura, mesmo que influenciado pela cultura moderna (Cavalcanti; Vilhena, 1990CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 75-92, 1990., p. 83). Observamos aqui a tese central sobre o que seria folclore para Salles, como já mencionado, inclusive o sentido dinâmico aplicado ao conceito.

Embora não tenham conquistado a sua ‘autonomia’ e um teor científico, vale destacar a empreitada dos folcloristas para o despertar e para a valorização do folclore nacional, com toda a atuação que tiveram em território brasileiro. Dos embates travados com a Escola Paulista de Sociologia, apresenta-se parte da história do folclore no Brasil, da sua trajetória, representados pelas ‘missões’ folclóricas e pelas dificuldades ou ‘fragilidades’ para se estabelecer dentro da academia. De modo geral, podemos observar que houve uma preocupação dos intelectuais modernistas, ou mesmo dos folcloristas da CDFB, em valorizar a cultura do povo em sua essência, no sentido de buscar desvendar as particularidades de cada região e de cada estado. Mesmo que essa observação não seja nenhuma novidade, procuramos aqui atentar para este percurso, na medida do possível, com o sentido de situarmos a leitura sobre o folclore no período das missões e referente ao contexto precedente a estas.

DO FOLCLORE À CULTURA POPULAR

Para alguns intelectuais, os conceitos de folclore e de cultura popular podem se apresentar com o mesmo sentido ou sentidos similares e, para outros, como conceitos diferentes (Brandão, 1984BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore? São Paulo: Brasiliense, 1984., p. 24)15 15 Entre a abordagem sobre as aproximações dos conceitos, o autor destaca que, para muitos, o folclore seria visto como algo mais ‘conservador’ e a ‘cultura popular’ como algo mais progressista, porém servindo à mesma realidade. Seria interessante atentarmos também para a apresentação de Renato Ortiz (1992), no sentido de percebermos a discussão que tem se estabelecido a respeito da ‘cultura popular’ e a pertinência sobre esse debate. . Sem entrarmos em méritos, procuramos, a partir da observação a respeito da produção de Vicente Salles, esclarecer a utilização da palavra ‘folclore’ na produção deste intelectual, enquanto folclorista ou ‘historiador da cultura’, como Salles se autodenominava. Acreditamos que seja pertinente travar esse diálogo, uma vez que o próprio Salles concluiu que boa parte do que produziu como pesquisador estaria ligado ao folclore e à cultura popular16 16 Entrevista concedida à Alessandra Mafra, através de carta, em maio de 2010. .

Salles, nas palavras de Edison Carneiro, destaca o folclore como produto de um ‘intenso intercâmbio cultural’ entre vários estratos sociais, resultado de vários tipos de relações, como pessoal, de produção, de nacionalidade, de educação, entre outros. Resumindo, folclore é fruto da ‘matéria viva’ sobre a qual falamos anteriormente. No entanto, destaca que é somente o ‘povo’ que pode atualizar, reinterpretar e readaptar seu modo de pensar e agir em relação aos fatos sociais e aspectos culturais do tempo, e que, somente estabelecido o critério de ‘povo’ e amparado por conceitos precisos, poder-se-á evitar a confusão entre essas palavras, ou melhor, entre o folclórico e o popular (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 883)17 17 Essa questão seria mais complexa ainda, pois, além das confusões envolvendo o conceito de ‘folclore’ e de ‘cultura popular’, ainda existem as celeumas causadas por diferentes interpretações para o conceito de ‘cultura popular’. Segundo Renato Ortiz (1992), essa polêmica oscila entre dois polos. O primeiro compreende a cultura popular como uma cultura subalterna (em um sentido classista), uma vez que há a separação entre o popular e o erudito, e o segundo está ligado à acepção de ‘povo’ que é utilizada enquanto um sinônimo. Para uma discussão mais aprofundada sobre os debates em torno das definições de cultura popular, ver Chartier (1995, p. 179-192) .

Nesse sentido, percebe-se que Salles problematiza a relação entre os gêneros e procura estabelecer a diferenciação pelo que ele chamou de elemento comum, ‘o povo’. Para ele, a característica do folclore é ser patrimônio cultural do povo, ou seja, de todos aqueles que constituem uma sociedade, e talvez a cultura popular fosse o que ele chamou de “acréscimo de característica” para configurar algo preciso, no sentido de fazer uma diferenciação dentro de uma sociedade de classes. O que se faz importante é o desenvolvimento do conceito de folclore como forma de relacionamento entre as pessoas (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 882-883). Logo, o folclore existe, e, se existe, pode ser conhecido cientificamente, pois independe das concepções, dos interesses e de conceitos ‘eruditos’18 18 Texto de Vicente Salles intitulado “Uma (re)visão do folclore”. Brasília, 20 ago. 1987. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Para analisar o ‘popular’, Salles apresenta o modelo da famosa pirâmide da ‘Sociologia acadêmica’, modelo pelo qual eram apresentados simbolicamente os extratos sociais, e aponta que aquele termo teria uso igual ao dado na cultura dos estamentos sociais inferiores, estando situado em qualquer tipo de sociedade civilizada. Em outro momento, Salles acrescenta algo mais para compreensão do conceito, enunciando que “cultura popular é um conceito que só existe na sociedade de classes”19 19 “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. , é um termo restrito em comparação ao erudito20 20 Para uma explicação sobre cultura popular em Salles, foram utilizados alguns textos não publicados, mas que se encontram no acervo documental de Salles, no MUFPA, além de entrevistas, quais sejam: “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”; “Uma (re) visão do folclore”; entrevista realizada no dia 25 nov. 2011. .

Thompson (1998)THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., ao trabalhar com a historicidade dos conceitos, como os de folclore, de tradição e de cultura popular, já nos fala sobre essa separação entre as culturas plebeias e patrícias nos séculos XVIII e XIX, indicando ser “difícil” não ver essa dissociação em termos de classe (Thompson, 1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 16). Para Salles, o folclore é o domínio coletivo do conhecimento e, como mencionamos anteriormente, é o produto da cultura em um sentido geral, sendo, portanto, identificado na sociedade de classes como cultura popular21 21 Texto de autoria de Vicente Salles intitulado “Folclore”, cedido à Alessandra Mafra pelo próprio Vicente Salles em novembro de 2011. . Segundo o autor, os termos que estabelecem uma relação de antagonismo são ‘cultura popular’ e ‘cultura erudita’, como afirma Thompson, e não o folclore, pois ficou esclarecido que, para poder existir, o termo ‘cultura popular’ está ligado a um conceito de classe, enquanto o folclore interage com todas as camadas de uma sociedade, ou seja, ele permeia todos os segmentos da sociedade e se manifesta independentemente de conceitos e de concepções produzidas pela elite, no caso de uma sociedade de classes22 22 A partir da realização de algumas leituras do historiador E. P. Thompson (1998, 2001) percebemos que ele utiliza, mas também critica os folcloristas ingleses, pois, na medida em que constatou ser o folclore necessário para se estudar a cultura popular, também aponta ser indispensável reexaminar o material folclórico há muito recolhido na Inglaterra (Thompson, 2001, p. 234). .

No contexto brasileiro, na medida em que adentramos na discussão sobre ‘conceitos’, podemos dialogar com a historiadora Martha Abreu (2002)ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002., ao problematizar o conceito de ‘cultura popular’, principalmente no sentido de fazer com que os profissionais de história atentem para a historicidade desse conceito, dos significados políticos e teóricos que vieram se incorporando ao longo do tempo. Nesse sentido, a autora procura compreender o conceito de “cultura popular” como uma “perspectiva”, como se fosse mais um meio de se observar a sociedade e tudo o que ela produz culturalmente, considerando-a como um “instrumento” que apresenta os problemas, fruto de uma realidade sociocultural (Abreu, 2002ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.). Acreditamos que é interessante o posicionamento de Abreu, na medida em que dialogamos com uma historiadora que põe em questão a importância de se recuperar o sentido histórico do termo, o que consequentemente implicaria a ausência de determinadas ‘confusões’ entre os conceitos já expostos.

Cabe salientar que Salles não exclui a possibilidade da aplicação do termo ‘cultura popular’, mas, ao que parece, quando este termo é utilizado por ele, aproxima-se de um dos polos no qual oscila: a acepção de povo (sinônimo). Salles admite utilizar o termo ‘cultura do povo’ ou ‘cultura popular’, no sentido de defini-la como sendo “o domínio coletivo do popular”, ao contrário da “cultura erudita”23 23 “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”, p. 2. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. . Em “Sociedade de Euterpe” (Salles, 1985SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor, 1985.), por exemplo, ao falar sobre a tradição musical do baixo Tocantins, no Pará, Salles aponta Cametá como celeiro de artistas e intelectuais, e busca ressaltar a tradicionalidade do teatro na região, porém a música se apresenta como sua atividade preferida. Nesse sentido, ele destaca que o folclore dessa região e as festas populares, a exemplo de São João e do Carnaval, conservam a influência dos folguedos dos negros e dos caboclos. Como podemos observar, Salles aplicou separadamente os conceitos de folclore e de cultura popular no livro em questão (Salles, 1985SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor, 1985., p. 147).

Através da leitura de seus livros, percebemos que Salles faz uso, em grande parte, da palavra ‘folclore’ não se isentando da utilização do termo ‘popular’, como já mencionamos anteriormente. É necessário destacar que estamos tratando de um intelectual comprometido com a cultura, com as lutas sociais e políticas dos menos favorecidos, engajado politicamente, que vê no folclore, inclusive, uma forma de resistência. Dessa forma, podemos mencionar como exemplo o folclore negro que se mantêm até hoje nos costumes da Amazônia e do Brasil, trabalhado em seu livro “O negro no Pará, sob o regime da escravidão” (publicado em 1971), assim como em outras obras resultantes do desdobramento dos seus estudos sobre a presença negra na Amazônia.

No livro “Marxismo, socialismo e militantes excluídos”, Salles (2001)SALLES, Vicente. Marxismo, socialismo e os militantes excluídos. Belém: Paka-Tatu, 2001. nos apresenta uma reflexão essencialmente política, enfatizando a questão do folclore, por exemplo, logo no primeiro texto que diz respeito ao pensamento político na Cabanagem, revolta regencial ocorrida no Pará. O autor destaca que, em uma sociedade onde a maioria das pessoas se constitui de analfabetos, “[...] a história vive e se transmite por processos dinâmicos e essencialmente folclóricos [...]”, e que as ideologias se alimentam das lutas e das experiências sociais, podendo ajudar outros povos a partir da transmissão oral ou de processos gráficos (Salles, 2001SALLES, Vicente. Marxismo, socialismo e os militantes excluídos. Belém: Paka-Tatu, 2001., p. 14). O exemplo mais pertinente para demonstrarmos o valor das palavras de Salles seria a introdução de ideias revolucionárias na Amazônia, presentes nos escritos de “O negro no Pará, sob o regime da escravidão” (Salles, 2005SALLES, Vicente. O negro no Pará, sob o regime da escravidão. Belém: IAP; Programa Raízes, 2005 [1971].) e “Memorial da Cabanagem, um esboço do pensamento políticorevolucionário” (Salles, 1992SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem: esboço do pensamento político-revolucionário no Grão-Pará. Belém: CEJUP, 1992.), por exemplo.

Em outro livro, intitulado “A música e o tempo no Grão-Pará”, Vicente Salles analisou a história da música na região amazônica em meio ao erudito e ao popular (Salles, 1980SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.). Esta perspectiva de entrecruzamento entre o popular e o erudito é indicada por Lacapra como um aspecto favorável de trabalho, o que ele chamou de “relações efetivas e desejáveis entre cultura popular e alta cultura”, relação cada vez mais dificultada pela mercantilização da cultura (Lacapra, 1991LACAPRA, Dominick. História e romance. Revista de História, Campinas, v. 2, n. 3, p. 123, set. 1991., p. 123).

Folguedos de cunho religioso foram impostos aos negros e aos índios. E o folclore amazônico ainda hoje é rico dessas tradições. Mestre Martinho foi o mais famoso festeiro de Belém de outrora... Sua biografia é bem conhecida: preto, ou melhor, mulato escuro, nasceu na cidade de Óbidos a 12 de outubro e veio pequeno para Belém. Era menino quando promoveu a primeira festa do Divino Espírito Santo, a 12 de agosto de 1848, na antiga Rua Nova de Santana, hoje Manuel Barata... (Salles, 1980SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980., p. 164).

Neste trecho, é possível observar como Salles resume em sua narrativa a relação das influências e o amalgamento das culturas no Grão-Pará e a permanência do resultado desta fusão em meio à nossa tradição folclórica. É importante destacar, na obra em questão (Salles, 1980SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.), a presença marcante da ideia de “circularidade, ou seja, um relacionamento circular entre as classes dominantes e subalternas, sendo caracterizado pelas influências recíprocas”, o que se faz presente na obra ora mencionada24 24 “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

O que seria o autenticamente ‘popular’? Michel de Certeau (1995)CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995. indicou que há vários sistemas de explicações para essa pergunta e, assim, esse historiador faz uma importante referência a Marc Soriano e a G. Bollème sob essa perspectiva. Para Bollème, a ‘cultura popular’ seria o resultado de uma degradação da literatura de elite. Enquanto que para Marc Soriano, a literatura popular, aquela considerada tradicional, “... enraizada nas origens da história e transmitida por uma tradição oral...”, emergiria de uma literatura clássica, ou seja, ela remontaria a uma tradição popular até chegar às obras consideradas clássicas (Certeau, 1995CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995., p. 67).

Peter Burke (1989)BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., em clássico estudo sobre cultura popular, fala desta como uma “redescoberta da cultura do povo”, sendo que o conceito de ‘cultura popular’ fora sendo ampliado na medida em que os historiadores e outros intelectuais alargaram seus interesses pelo exótico, pelas tradições populares (Burke, 1989BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.). Se, ao final do século XVIII, o povo já era considerado interessante e exótico para alguns intelectuais, no início do XIX esse interesse irá se acentuar. Portanto, algumas razões merecem ser destacadas para podermos entender tal interesse: 1) intelectualmente – a valorização da cultura popular não deixou de ser uma reação ao Iluminismo, que não era aceito em todas as regiões (na Espanha, por exemplo, o gosto pela cultura popular no século XVIII foi uma espécie de reação/oposição à França, mas precisamente à sua ‘hegemonia intelectual’); 2) politicamente – a cultura popular estaria intimamente ligada à ascensão do nacionalismo25 25 É interessante destacar o exemplo dos finlandeses, que escaparam dos suecos, mas temiam a Rússia por volta de 1809, no sentido de não perderem sua identidade para o império russo. Eles começaram a estudar sua literatura no final do século XVIII, sendo que um dos primeiros estudos sobre folclore foi a dissertação em latim de H. G. Phortam sobre a poesia finlandesa (1776), e que depois de 1809 acabou assumindo um lado mais político (Burke, 1989). .

Sobre a questão do nacionalismo, da identidade nacional, no Brasil, que se apresenta intimamente ligada às reflexões sobre ‘cultura popular’, Ortiz (1992)ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992. apresenta algumas considerações relevantes. Primeiramente, ao destacar que as análises sociológicas, históricas e antropológicas têm contribuído bastante para essas discussões, e que alguns termos, como ‘identidade’, ‘nação’, ‘popular’, estiveram presentes na história do pensamento latino-americano. Porém, esses termos foram associados a outros, como ‘atraso’, ‘desenvolvimento’ e ‘modernidade’, ou seja, os intelectuais do século XIX enfrentaram a contradição entre a “sensibilidade romântica” de apontar a civilização e as condições reais e materiais que negariam tudo isso (Ortiz, 1992ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992., p. 76-77). Nesse sentido, percebemos, por exemplo, que, ao valorizar a recuperação das tradições, esses ‘folcloristas’ voltar-se-iam para uma análise mais conservadora e, consequentemente, não acompanhariam o desenvolvimento do país e, assim sendo, sua modernização.

A preocupação com a construção de uma ‘identidade cultural’ no Brasil remonta ao final do século XIX, estando presente no discurso intelectual de folcloristas, sociólogos, antropólogos, entre outros, a partir das contradições entre os termos apresentados anteriormente. E seria somente a partir de meados do século XX que a cultura popular assumiria uma perspectiva populista nos países latino-americanos, quando os governos procurariam oficializar a imagem do ‘popular’ com as identidades nacionais (Abreu, 2002ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.). Segundo Néstor Canclini, é na prática populista que os valores tradicionais de um povo passam a ser assumidos e representados pelo estado, na figura de um líder carismático, quando os setores populares passam a fazer parte de um sistema inclusivo e de autorreconhecimento no governo (Canclini, 2005CANCLINI, Néstor Gárcia. Hybrid cultures: strategies for entering and leaving modernity. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005., p. 191), como aconteceu no Brasil com o governo Vargas (Williams, 2001WILLIAMS, Daryle. Cultural wars in Brazil. The first Vargas regime, 1930-1945. Durham: Duke University Press, 2001.).

Insistimos no fato de que grande parte do que Vicente Salles produziu como pesquisador está ligado ao folclore e, mesmo tendo defendido a cientificidade dessa disciplina ou ciência, pelo menos no Brasil, não alcançou status acadêmico26 26 Entrevista concedida a Alessandra Mafra, através de carta, em maio de 2010. , exercendo sua atividade à margem do ofício do historiador. Percebemos que a dificuldade do folclore em se afirmar enquanto ciência não apresentou muitas diferenças entre as aspirações no Brasil e na Europa, pois, como destacou Abreu (2002)ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002., foi trilhado um caminho semelhante na trajetória do folclore entre o Brasil, a América Latina e a Europa, tendo como principal ponto de confluência a recuperação da identidade do passado, indiscutivelmente ligada a uma ideologia política.

Entre outros trabalhos que nos possibilitam estender essa discussão, está o de Leonardo Ferreira (2007)FERREIRA, Leonardo da Costa. Memória, política e folclore na obra de Amadeu Amaral (1916 e 1928). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.. Este autor aponta que a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro buscou compreender Amadeu Amaral, separando o político do folclorista. Contudo, sua figura política teria sido muito forte em São Paulo, sendo que ele mencionou claramente ser fundamental ter o folclore como um “aliado” no sentido político, com o intuito de conquistar maior possibilidade de intervenção aos costumes da população (Ferreira, 2007FERREIRA, Leonardo da Costa. Memória, política e folclore na obra de Amadeu Amaral (1916 e 1928). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007., p. 44).

Ao entrarmos nessa discussão da relação entre folclore e política, faz-se necessário retomarmos a militância política de Vicente Salles, uma vez que o folclorista recupera Marx, ao destacar que a arte, em todas as suas manifestações, seria sempre uma prova palpável da existência do homem em si, no sentido de mostrar a capacidade criadora desse homem. Nesses termos, o sistema capitalista seria o maior responsável pela criação de condições que parecem não favorecer o ‘florescimento’ da arte popular, uma vez que esse sistema claramente parece limitar o seu espaço e, consequentemente, impõe restrições à criação dessas iniciativas populares. Salles, na realidade, quis trabalhar com essa ideia de problematizar a questão: o sistema não consegue ou não se permite enxergar o “homem criador” enquanto ser social, mas somente como indivíduo (Salles, 1999SALLES, Vicente. Não tem autor não tem direito/Sem autor sem direitos: o folclore em face do direito de autor. Brasília: Microedição do autor, 1999.).

Na Inglaterra do início do século XX, as manifestações folclóricas coletadas, tais como as canções, as danças e os costumes, passaram a ser do interesse dos intelectuais de esquerda, o qual, porém, perdeu as forças ainda nos anos 1930. Como nos exemplifica E. P. Thompson, a ascensão do fascismo propiciou uma ligação com os estudos folclóricos, mas com um sentido “reacionário ou racista”. Dessa forma, os intelectuais de esquerda, ou melhor, “os historiadores de esquerda” teriam que buscar outro tipo de “suporte”:

Enquanto isso, os historiadores de esquerda se voltaram para movimentos inovadores e racionalistas, fossem seitas puritanas ou os primeiros sindicatos, deixando a Sir Arthur Bryant e seus sequazes a celebração da “Alegre Inglaterra” e suas festividades de maio (maypoles) e paroquiais, bem como suas relações de paternalismo e deferência (Thompson, 2001THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001., p. 233).

Portanto, podemos perceber o folclore constantemente envolvido com os aspectos políticos e ideológicos presentes em uma sociedade, considerando o dinamismo desta. O folclore, como destacou Salles (1999)SALLES, Vicente. Não tem autor não tem direito/Sem autor sem direitos: o folclore em face do direito de autor. Brasília: Microedição do autor, 1999., seria algo criado e mantido por esta ‘sociedade’, porém, dentro de uma sociedade de classes, por exemplo, não seria somente a ‘elite’ que poderia omitir ou negar um fato folclórico, como observamos a partir das considerações de Thompson (2001)THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001..

Destacamos anteriormente que o folclore, para Salles, transformou-se no que ele chamou de “matéria viva”, levando em consideração as formas folclóricas e sua dinâmica. Porém, o autor salienta que, por muito tempo, o folclore foi considerado como “matéria morta”, pois o interesse nos fenômenos folclóricos dependia diretamente da sua antiguidade, ou seja, esses fenômenos seriam voltados para um passado remoto somente. Segundo Salles, os folcloristas que consideravam o folclore como matéria viva, no sentido de ser analisado em seu dinamismo, posicionavam-se contrários aos folcloristas que chegavam ao folclore através da história, na medida em que eles confundiam folclore com tradição27 27 Em “A invenção das tradições”, podemos observar uma densa discussão sobre o processo de construção das tradições e o modo pelas quais elas são reinventadas. Assim, logo na introdução, escrita por Eric Hobsbawm, é destacado que as “tradições”, que parecem ou são consideradas antigas, são, na verdade, por muitas vezes atuais ou recentes, isso quando não são inventadas. Ver Hobsbawm (1997, p. 9). (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 881).

Segundo Ortiz (1992)ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992., a criação do folclore se deu na medida em que foi amparado pelo pensamento que estava se formando nas Ciências Sociais no século XIX. As ideias dos pensadores positivistas, como Comte e Spencer, apresentaram-se sob forma influente para a compreensão dos “fenômenos sociais”, pois, a partir do momento em que se tem a possibilidade de fundar uma ciência positiva, temos os folcloristas “chamando” a responsabilidade de levarem o esclarecimento científico ao “popular”. E seria no limiar do século que se apresentaria essa “manifestação romântica”, no sentido de tornar algo ‘morto’ em algo que apresentasse um teor mais ‘positivo’, onde se pudesse ver essas classes e costumes populares com outros olhos. Apresentavase, então, certa inclinação para uma ‘nova sensibilidade’.

A partir da reflexão feita até o momento sobre o folclore, faz-se necessário pensar sobre algo a mais, algo que o próprio Salles problematizou em seu texto sobre o questionamento teórico do folclore. Partindo da premissa de que cabe à história ter a função de trabalhar com as pesquisas do passado, passaria a história a ter o caráter de auxiliar de todas as ciências, porém o intelectual salienta que o folclore é, da mesma forma, auxiliar de qualquer ciência social, assim como pode ser considerado como auxiliar da história (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 881). Salles acaba por justificar o termo “auxiliar” direcionado à História, pois não significaria reduzir a importância dessa ciência. Assim, ao que parece, o autor está mais preocupado em mostrar o sentido da reciprocidade das ‘disciplinas’.

Permanecendo nesse raciocínio a respeito do folclore, deparamo-nos com uma trajetória de desfavorecimento do folclore entre os intelectuais. Das acusações de possuir uma ‘inconsistência teórica’, passando pelo fato de não conseguir comprovar sua cientificidade e, consequentemente, não conseguindo se firmar como disciplina acadêmica, percebemos, ainda, certa desconfiança e algumas limitações quanto ao folclore28 28 Como aponta Magda Ricci (2007), em seu artigo “Folclore, literatura e história: a trajetória de Henrique Jorge Hurley”, a história ainda continua “de costas” para a literatura e para o folclore (Ricci, 2007). Em meio a esta discussão, torna-se essencial dialogar com o papel do historiador e do folclorista. O historiador Aldrin Figueiredo (2008), ao falar sobre a produção dos literatos Pádua Carvalho e Juvenal Tavares, acaba por fazer uma discussão interessante acerca do assunto, uma vez que destaca a figura do folclorista e a relaciona com o ofício do historiador. . No que se refere à aspiração do folclore no rol das ciências, Salles destaca, a partir das colocações de Renato Almeida, que o fato de o folclore ser tratado “por diversos processos científicos” é o que vem dificultar a construção de sua metodologia e, consequentemente, a autonomia deste assunto entre as ciências (Salles, 1969SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969., p. 882). Ortiz (1992)ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992. apresenta um posicionamento bastante crítico a respeito desse tema; dessa forma, ele destaca que a suspeita dessa “inconsistência” advém da dificuldade dos folcloristas em delimitar sua área do conhecimento (Ortiz, 1992ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992., p. 50).

A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro viveu um momento de intensa produção acerca dos estudos sobre o folclore no Brasil, após alcançar o ‘auge’. Inclusive, por chegar ao status de Instituto Nacional do Folclore, passou posteriormente para a condição de coordenadoria e, hoje, como ‘centro’, utiliza ‘folclore’ e ‘cultura popular’ para a sua denominação29 29 O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular está atualmente ligado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em 1980, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro foi incorporada à Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), com o nome de Instituto Nacional de Folclore, que, em 1991, passa a ser intitulado de Coordenadoria de Folclore e Cultura Popular, que, finalmente, em 1997, passa a ser o atual centro (IPHAN, 2015). , algo que, para Salles, parece ser redundante, levando em consideração os questionamentos e as discussões sobre os conceitos que foram realizados anteriormente (Salles, 1999SALLES, Vicente. Não tem autor não tem direito/Sem autor sem direitos: o folclore em face do direito de autor. Brasília: Microedição do autor, 1999., p. 7). Como antropólogo, Salles passou a encarar o folclore como o domínio coletivo do conhecimento, e admite que se trata de “uma panela que muitos mexem”. Assim, Salles enquadra o folclore como matéria de interesse da mídia, sendo lucrativo para a exploração das indústrias que impõem seus produtos. Diante dessa situação surge o movimento de ‘defesa’ do folclore, levado à frente pela CDFB.

VICENTE SALLES E SUA PESQUISA DE CAMPO

Em meio à trajetória de Salles, deve ser ressaltada a questão da ‘pesquisa de campo’, técnica característica de seu trabalho como pesquisador. De “Um retrospecto - memória” (Salles, 2007SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória. Brasília: Microedição do autor, 2007.), podemos extrair uma breve narrativa a respeito de suas andanças e sobre as pesquisas realizadas pelos interiores do estado do Pará. O ano de 1954 – no qual este folclorista se mudaria para o Rio de Janeiro – foi o momento em que Salles iniciou sua jornada, pesquisando bandas de música, carimbó e outras manifestações culturais da região do Salgado, no Pará, como ele mesmo aponta. Salles acabou por descrever com certo saudosismo sua passagem pela ilha de Algodoal:

Detive-me no Algodoal, atraído pela estória de Maiandeua, a cidade encantada, de que tanto me falava Levi Hall de Moura. Guardo memória dessa vivência, do carimbó na casa do velho Oxalá. A comunidade de pescadores guardava seus mistérios e encantarias. Maiandeua estava no fundo da lagoa entre as dunas, como os lençóis do Maranhão, em cujas beiradas um velho caboclo, de nome Atanásio, fazia suas preces e invocações dos caruanas. Atanásio era pajé do Algodoal... (Salles, 2007SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória. Brasília: Microedição do autor, 2007., p. 15).

O excerto é uma descrição, com certa minuciosidade, da experiência de Salles nesse local, embora aponte que tenha guardado muito pouco dessa ‘primeira’ experiência de campo, talvez por ter feito poucas anotações, possivelmente por ter apresentado dificuldade em entender a fala de um mestre que atendia por nome de Atanásio em uma sessão de pajelança, na qual este velho caboclo segurava um cachimbo de tauari (espécie de fibra para enrolar cigarros) na boca, enquanto defumava a mesa e posteriormente vibrava o maracá. Salles registrou o canto de abertura de uma sessão:

Abre-te mesa Abre-te ajucá! Abre-te cortina, Cortina reá! (Salles, 2007SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória. Brasília: Microedição do autor, 2007., p. 15)

E com certa dificuldade em entender a voz do mestre Atanásio, uma vez que ela surgia com estranha impostação, Salles obteve algo com sentido completo:

Tontom é bela Cortei o pau, Fiz a gamela, E depois vendi, Fiquei sem ela. Santo Antônio de Lisboa, Morador de Portugal, Fiquei sem ela (Salles, 2007SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória. Brasília: Microedição do autor, 2007., p. 15-16)

Neste primeiro momento, a pesquisa de Salles enfrentou diversas dificuldades. Muitos estudos foram realizados por conta própria. Salles rememora, inclusive, que contou com a solidariedade dos amigos, a exemplo do músico santareno Wilson Fonseca30 30 Salles apresenta uma breve biografia sobre esse músico em seu livro “Sociedades de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará” (Salles, 1985), destacando a trajetória de suas composições, principalmente no que diz respeito à música sacra. . No ano de 1957, Salles expressou todo seu entusiasmo em reunir material para futuras realizações no campo da história da música no Pará. Nesse contexto, ele explanava sobre um plano de “aproveitamento do folclore amazônico”, o qual contaria também com a presença do maestro Waldemar Henrique31 31 Carta de Vicente Salles a Wilson Fonseca. Rio de Janeiro, 21 dez. 1957. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Música. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. O Maestro e compositor Waldemar Henrique nasceu em Belém no dia 15 de fevereiro de 1905, na chamada rua Nova de Santana (atual Manoel Barata). Iniciou seus estudos musicais em Belém. Percorreu o Brasil e outros países difundindo o folclore da região amazônica, apresentando-se com a irmã Mara, intérprete de suas músicas. Em 1943, conheceu Mário de Andrade, um dos incentivadores de sua obra (Henrique, 1996). .

Para o desenvolvimento deste plano, Salles demonstrou a importância da colaboração de Wilson Fonseca, no sentido de reunir farto material folclórico da região de Santarém, como as cirandas cantadas pelas crianças dessa região, cantos do ‘Sairé’, lundus, cateretês, cantos de ‘pajés’, entre outros. A realização desse trabalho seria desenvolvida em parceria com os músicos em questão, o qual ficaria divido da seguinte forma: o cancioneiro urbano e informações sobre a região do Marajó ficariam sob a responsabilidade de Waldemar Henrique; o que diz respeito à região do baixo Amazonas ficaria sob responsabilidade de Wilson Fonseca; e a zona brangantina, assim como a pesquisa histórica, ficariam sob a incumbência de Vicente Salles32 32 Carta de Vicente Salles a Wilson Fonseca. Rio de Janeiro, 21 dez. 1957. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Música. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Em meio à correspondência escrita ao amigo Wilson Fonseca em 1957, Salles adiantaria dados sobre a sua possível visita ao Pará no ano seguinte, com o objetivo de ir até a cidade de Cametá, no interior do estado. O pesquisador já teria tido notícias sobre um determinado músico e compositor que poderia ajudá-lo a reunir o material sobre a zona do Tocantins. De fato, Salles foi a Cametá e está registrada em sua memória (Salles, 2007SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória. Brasília: Microedição do autor, 2007., p. 18) a referência a duas pessoas que contribuíram com seu trabalho de campo no município: Raimundo Penaforte e mestre Castro33 33 As cartas trocadas com Wilson Fonseca apontam para uma visita de Salles a Belém nesse ano de 1957, para realizar pesquisas folclóricas na cidade, a partir da coleta de gravações de melodias. Esse material seria utilizado posteriormente, nos programas folclóricos na Rádio do Ministério da Educação (MEC), no Rio de Janeiro. Salles expõe ao amigo o resultado de sua coleta, onde obteve um total de sete jornadas de um pastoril, uma ladainha em louvor a São Sebastião e uma coleção onde constam 31 cirandas. Carta de Salles a Wilson Fonseca, Belém, 19 jan. 1957. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Exatamente no ano de 1958, temos notícias da primeira pesquisa de campo realizada por Vicente Salles no Pará, mais ampla e com um bom material de apoio. Como ele próprio descreve: “[...] com um gravador de fitas emprestado por Mozart de Araújo, gravando o ritual do baborixá Miguel Silva, e a folia de São Sebastião, de Tó Teixeira. Também fui a Cametá colher os frutos da terra com Raimundo Penafort e mestre Castro” (Salles, 2007SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória. Brasília: Microedição do autor, 2007., p. 18). Dessa vez, ao que parece, a estrutura para a realização da pesquisa apresentava-se de uma forma mais favorável para o desempenho de seus estudos.

Em 1971, ano da publicação do clássico de Vicente Salles “O negro no Pará, sob o regime da escravidão”, encontramos registrado o entusiasmo de Salles pela pesquisa de campo, que agora se voltava para a presença negra na Amazônia. O folclorista destacava a importância de se estudar os mocambos existentes na região Norte, como o da região do Gurupi; o do bairro chamado Loanda, em Alenquer; o da vila de Curuá, entre outros locais. O pesquisador chegou até mesmo a se desculpar com a antropóloga Anaíza Vergolino pela sua preocupação excessiva com o folclore34 34 Carta de Vicente Salles a Anaíza Vergolino. Rio de Janeiro, 26 mar. 1971. Correspondência expedida. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. . Assim, o livro de Salles apresenta-se como um trabalho permeado de ‘possibilidades’, uma vez que muito ainda teria que ser desenvolvido nesse aspecto. Seria possível que “O negro no Pará” se apresentasse em alguns outros volumes, ou melhor, em outros trabalhos extensivos. Dessa forma, percebemos que Salles ‘desvia-se’ da pesquisa com a música, nesse momento, para se concentrar nos estudos sobre o negro e sua cultura.

Acreditamos que seja relevante atentarmos aos ‘primeiros’ interesses de pesquisa de Vicente Salles, que dizem respeito à música e à literatura. Sobre essas duas temáticas, Salles menciona que, por muito tempo, ficou disperso, “querendo fazer música e literatura” e, ao se referir ao contato com alguns professores do Departamento de Antropologia da UFPA, que somente se iniciou quando da fase final dos escritos para “O negro no Pará, sob o regime da escravidão”, menciona: “[...] Mas da música cheguei ao folclore e deste à antropologia [...]”. Com esse pequeno fragmento de frase, Salles nos apresentaria, em certa medida, a possibilidade de compreensão de ‘parte’ ou apenas do início do que representaria a sua trajetória35 35 Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Rio de Janeiro, 1 jul. 1970. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Folclore. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

O FOLCLORE E A HISTÓRIA DA MÚSICA NA AMAZÔNIA

Vicente Salles dedicou boa parte de suas pesquisas ao tema da música. Seu primeiro livro, “Música e músicos do Pará”, publicado em 1970, foi gerado a partir do seu interesse pelo tema. Esse livro acabou por tomar corpo de uma enciclopédia, apresentando algumas personalidades que se destacaram no meio musical no Pará, através de breves biografias, assim como informações sobre partituras, instrumentos musicais e folguedos folclóricos36 36 O desenvolvimento de suas pesquisas a partir da música possibilitou a Salles apresentar uma compreensão da história do teatro, de músicos e de fatos folclóricos na Amazônia e no Brasil, uma vez que a música se apresenta como um dos componentes dentro de uma análise cultural. O livro teve a sua segunda edição lançada em 2002, em versão corrigida e ampliada, aparecendo como uma microedição do autor, porém destoa da estrutura apresentada de suas outras microedições, pois foi apresentada em capa dura e em um formato maior. Existe também uma publicação feita pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará como segunda edição, no ano de 2007, em homenagem a Vicente Salles, patrono da Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém, nesse ano. .

A respeito desse livro, existem algumas particularidades que merecem ser destacadas. Foi o primeiro livro de Salles sobre música paraense publicado, além de ter proporcionado a amizade entre ele e o jornalista Lúcio Flávio Pinto. Foi a partir das críticas direcionadas a essa obra que o jornalista tornou-se amigo e grande admirador de Salles37 37 Resposta de um e-mail dirigido à Alessandra Mafra em 1 de novembro de 2011. . Nas respostas às críticas feitas por Lúcio Flávio, observamos certa ‘fragilidade’, admitida por Salles, principalmente a partir da ‘reavaliação’ de alguns conceitos, o que não permitiu ao folclorista responder certas questões naquele momento, conceitos esses referentes a uma perspectiva folclórica38 38 Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Rio de Janeiro, 28 mar. 1974. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Comunicação. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Dessa forma, Salles se viu envolvido em uma rede de questionamentos, principalmente no que se referia aos ‘conceitos’39 39 Algo com que Salles se preocupou foi a questão dos conceitos, pois se trata de uma análise delicada, uma vez que uma palavra pode se tornar matriz de “polêmicas infindáveis” apenas, em vez de esclarecer algo. “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. , tensão que se apresenta tanto no diálogo com o jornalista Lúcio Flávio Pinto quanto no “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore” que vimos anteriormente. Em carta direcionada a Lúcio Flávio, Salles demonstrava suas inquietações através de perguntas, a exemplo de “como definir ‘música colonial’?”. Seria denominada música colonial aquela que o europeu impôs? E a “música popular”, como seria definida? Seria então necessário excluir a contribuição europeia? Seria possível que o “provocador” do debate estivesse encaminhando ou sugerindo a Salles um estudo comparativo entre culturas? Além disso, Salles demonstra um contexto amplamente confuso ao fazer referencia à música popular, pois não se tinha uma definição clara e precisa ao ser comparada à música folclórica40 40 Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Rio de Janeiro, 28 mar. 1974. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Comunicação. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. .

Em “A música e o tempo no Grão-Pará”, por exemplo, publicado em 1980, Salles abordou a história da música no Pará, especialmente através do teatro, assim como destacou personalidades importantes, nos devidos contextos, que fizeram parte da história da música na Amazônia, utilizando-se das descrições de alguns missionários, como do Padre Bettendorf (século XVII), que, em seus relatos, fala a respeito da música praticada nos engenhos do Pará (Salles, 1980SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980., p. 154). Vicente Salles, ao destacar o “teatro missioneiro”, retoma a discussão sobre a influência das práticas desses missionários sobre os negros e os índios da região, ou seja, de como estimulavam ou instituíam os “cortejos que se folclorizavam” (Salles, 1980SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980., p. 150).

Outro aspecto relevante na presente obra é a forma como ele descreve a evolução da música sacra e a ligação desta evolução com as oscilações políticas e consequentes mudanças no meio cultural no século XIX. Observemos:

O corpo artístico do bispado paraense sofreu alterações em diferentes épocas, reduzindo-se ou aumentando. Esteve sempre à mercê das oscilações políticas. Depois de d. frei Caetano Brandão, que elevou a música da Catedral ao melhor nível que o ambiente permitia, não houve continuadores mais entusiastas. [...] Quando mais se acentuava a decadência artística da Sé, com seu pessoal desorganizado e por vezes envolvido nos acontecimentos políticos, vêmolo pastoreando seu rebanho e compondo seus próprios hinos. [...] A música na Catedral entrou naturalmente em colapso, com a consequente desorganização de seu pessoal artístico, durante a Cabanagem (Salles, 1980SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980., p. 124-126).

Em “Sociedade de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará”, publicado em 1985, Vicente Salles trata da origem, da evolução e da atividade das bandas de música no estado do Pará. Concluído em 1982, este livro, na verdade, seria uma extensão da obra “A música e o tempo no Grão-Pará”. Objetivando esclarecer as origens tanto das bandas militares da capital como das interioranas, Salles (1985)SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor, 1985. aborda a trajetória da música, desde o Brasil Colônia. Ao que tudo indica, este livro resultaria da pesquisa de campo realizada no início da década de 1950, quando o pesquisador percorreu os interiores do estado do Pará, coletando informações a respeito das bandas de músicas.

Observamos que, a partir do seu interesse pela música, Salles necessitou ir para campo, porém percebeu que seria necessária a realização de um levantamento histórico para um embasamento mais denso de seu trabalho. Oliveto (2007)OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em Música. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007. menciona que, para os trabalhos desenvolvidos por Salles sobre folguedos folclóricos e bandas de música, foi essencial ir aos locais para obter as informações, no sentido de completar o levantamento histórico de suas pesquisas (complementação entre história e folclore). De tal forma, poderíamos falar sobre alguns exemplos dessa relação, a partir das constatações possibilitadas pela leitura das correspondências existentes na Coleção Vicente Salles. Observamos, entre a troca de correspondência com músicos, uma quantidade considerável de cartas trocadas com Wilson Fonseca, de Santarém, no Pará, e com o maestro Waldemar Henrique, de Belém. Ambos são considerados personalidades que contribuíram para as pesquisas de Salles no anseio de desvendar a música e o folclore da região amazônica, primando pela importância da pesquisa de campo.

Além da contribuição de músicos e de compositores, entre outros amigos, para o desenvolvimento das pesquisas de campo a respeito da música na Amazônia e no Brasil, não devemos deixar de mencionar o auxílio de sua esposa, Marena Salles. Violinista profissional e filha do violinista e compositor Marcos Salles, Marena participou de muitas pesquisas ao lado do marido, tendo sido responsável por diversas transcrições musicais do que era coletado por Salles, a exemplo da pesquisa de campo na ilha de Mosqueiro, no Pará, em 1972, quando registraram as manifestações folclóricas do local (Oliveto, 2007OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em Música. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007., p. 165)41 41 Em 2008, Salles publicou o “Livro de Marena”, em que foram reunidos alguns poemas escritos nas décadas de 1950 e 1960, em Belém e no Rio de Janeiro (Salles, 2008). Logo na apresentação da obra, Salles faz questão de externar a cumplicidade existente entre o casal, tanto pelo lado pessoal como pelo profissional. Ele assinala que suas vidas foram unidas a partir de um ideal de amor e respeito e que buscaram sempre lutar pela igualdade social através da pesquisa histórica (Salles, 2008). .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto objetiva compreender parte da trajetória intelectual do pesquisador e folclorista Vicente Salles, apresentando-se sob a forma de investigação sobre como surgiu e se intensificou o interesse desse pesquisador pelo tema do folclore amazônico, especialmente o paraense. Nesse sentido, exploramos aspectos sobre o conceito de folclore segundo Salles, da discussão em torno das ‘interseções’ entre folclore e cultura popular, sobre suas pesquisas de campo e do trato com o folclore em algumas de suas obras, a partir, inclusive, dos ideais propostos pela Campanha de Defesa do Folclore, da qual fez parte.

A música, o negro e o folclore são os três principais eixos de análise da obra produzida por Vicente Salles. Esses são temas exaustivamente abordados pelo autor ao longo de sua trajetória intelectual e que caminharam em meio a discussões políticas, sobretudo dentro do campo de sua militância marxista. A partir destes eixos, e com forte influência de seu posicionamento político, a obra de Salles embrenhou-se por outros temas da história do Pará, recuperando personagens e interpretações populares do passado da Amazônia, a exemplo da presença do negro e de sua cultura na região.

Possivelmente esse engajamento e o compromisso com a defesa político-cultural e do folclore do povo alicerçam-se, inicialmente, a partir de sua história de vida. Parte de sua infância foi vivida na cidade de Castanhal (interior do Pará), em proximidade com as comunidades negras do entorno. Outros pontos essenciais para explicação de seu empenho neste aspecto foram os contatos e a experiência de pesquisa e de vida recebidas ainda na juventude, como a de Bruno de Menezes. Posteriormente, já na fase adulta, não há como desconsiderarmos a forte presença de Edison Carneiro, figura ímpar e decisiva para a carreira e as escolhas intelectuais de Salles.

O estudo do negro no Pará proporcionou a Salles a oportunidade de relacionar seus amplos campos de interesse, juntando a música, a literatura e o folclore com questões políticas e sociais, como a resistência negra e a luta de classes. Nesse sentido, para Vicente Salles, coletar material e tratar do folclore do negro, da música, entre outras temáticas, foi, antes de tudo, algo que o permitiu discutir a luta social e a política dos excluídos no Norte do Brasil. Mais do que isso, à época da Revista Brasileira de Folclore (1961-1976) e da produção do livro “O negro no Pará, sob o regime da escravidão” (nos idos da década de 1960), a obra de Salles apresentava-se como forma de resistência em um dos períodos mais delicados da história do Brasil, a ditadura militar.

  • 1
    Para compreendermos parte da atuação de Salles na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB) é necessário retomarmos a sua transferência de Belém para o Rio de Janeiro, na década de 1950, uma vez que, em 1954, Salles fez um concurso público, promovido pelo governo federal, para o cargo de datilógrafo. À essa época, Salles já tinha sido apresentado a Edison Carneiro por Bruno de Menezes; Carneiro, então, aconselhou-o a transferir-se de Belém para o Rio de Janeiro, o que fez ainda em 1954. Salles obteve boa classi ficação no concurso e isso o permitiu escolher o Ministério da Educação e Cultura para trabalhar. Em 1958, quando foi criada a CDFB, foi transferido para o novo órgão, por intermédio de Mozart de Araújo. Logo depois, foi trabalhar diretamente com Edison Carneiro, ficando responsável pela organização da biblioteca da CDFB (Mafra, 2014MAFRA, Alessandra. Construindo um acervo: história, intelectualidade e colecionismo em Vicente Salles. In: MENEZES, Lená Medeiros de; TRONCOSO, Hugo Cancino; MORA, Rogelio de la. (Org.). Intelectuais na América Latina: pensamento, contextos e instituições. Dos processos de Independência à Globalização. Rio de Janeiro: LABIME/UERJ, 2014. v. 1, p. 62-77., p. 64).
  • 2
    Material histórico-cultural - Vicente Salles - Correspondência expedida. Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Brasília, 25 maio 1988. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará (MUFPA), Belém.
  • 3
    Para compreender a dinâmica da atuação de Edison Carneiro, ver Rossi (2011)ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011., Giovannini Junior (2012)GIOVANNINI JUNIOR, Oswaldo. Sortilégios do registro: Aires da Mata Machado, os cantos vissungos e os negros do garimpo em Minas Gerais. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. e Silva (2015)SILVA, Ana Teles. Na trincheira do folclore: intelectuais, cultura popular e formação da brasilidade (1961-1982). 2015. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.. Trata-se de estudos mais recentes, que situam Edison Carneiro e o interesse desse estudioso pelo tema do folclore do negro e sua contribuição para conformação da chamada cultura brasileira.
  • 4
    Cabe esclarecer que, no “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”, Salles trabalhou com o sentido de ‘circularidade cultural’, proposto por Bakhtin e citado por Carlo Ginzburg no prefácio à edição italiana de “O queijo e os vermes”. Salles esclarece que a mobilidade do folclore pode se dar tanto no sentido vertical como no horizontal (na sequência: erudito-popular e difusão), desenvolvendo em um dado conjunto os processos dinâmicos de forma circular.
  • 5
    Localizado na documentação sociocultural, trata-se de uma resposta aos questionamentos de Rossini Tavares. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 6
    “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 7
    Procuramos observar aqui o posicionamento de Maria de Lourdes Ribeiro enquanto integrante da missão pela defesa do folclore brasileiro.
  • 8
    Entrevista concedida a Alessandra Mafra, através de carta, em maio de 2010, na qual Salles comenta sobre a aspiração desses intelectuais de tornar o folclore uma disciplina acadêmica.
  • 9
    Correspondência expedida: Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Brasília, 25 maio 1988. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 10
    “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 11
    Material do “Curso de férias para professores” da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, 1975. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 12
    Entre outros trabalhos específicos sobre Mário de Andrade e suas andanças pelo Brasil em busca de registrar essas tradições, destacamos: Lopez (1972)LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1972.; Moraes (1978)MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978.; Cavalcanti (2004)CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Cultura popular e sensibilidade romântica: as danças dramáticas de Mário de Andrade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 54, p. 57-78, fev. 2004. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004000100004.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004...
    e Andrade (1976)ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. São Paulo: Livraria Duas Cidades/Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976..
  • 13
    Para notícias mais pontuais sobre a atuação dos intelectuais dentro do Departamento de Cultura do Estado de São Paulo – entre eles, Mário de Andrade – e a interseção entre academia e administração pública, ver Rubino (1995, p. 479-521)RUBINO, Silvana. Clubes de pesquisadores: a Sociedade de Etnografia e Folclore e a Sociedade de Sociologia. In: MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré/FAPESP, 1995. v. 2, p. 479-521.. Sobre a visita de Mário à Amazônia no final da década de 1920 e, posteriormente, a Missão Pesquisa Folclórica, ver Andrade (1976)ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. São Paulo: Livraria Duas Cidades/Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. e Figueiredo (2008, p. 227-228)FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008..
  • 14
    Gomes (1999)GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio... Modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. analisou especialmente o espaço da intelectualidade carioca nas décadas inicias do século XX e os ideais modernistas e nacionalistas.
  • 15
    Entre a abordagem sobre as aproximações dos conceitos, o autor destaca que, para muitos, o folclore seria visto como algo mais ‘conservador’ e a ‘cultura popular’ como algo mais progressista, porém servindo à mesma realidade. Seria interessante atentarmos também para a apresentação de Renato Ortiz (1992)ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992., no sentido de percebermos a discussão que tem se estabelecido a respeito da ‘cultura popular’ e a pertinência sobre esse debate.
  • 16
    Entrevista concedida à Alessandra Mafra, através de carta, em maio de 2010.
  • 17
    Essa questão seria mais complexa ainda, pois, além das confusões envolvendo o conceito de ‘folclore’ e de ‘cultura popular’, ainda existem as celeumas causadas por diferentes interpretações para o conceito de ‘cultura popular’. Segundo Renato Ortiz (1992)ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992., essa polêmica oscila entre dois polos. O primeiro compreende a cultura popular como uma cultura subalterna (em um sentido classista), uma vez que há a separação entre o popular e o erudito, e o segundo está ligado à acepção de ‘povo’ que é utilizada enquanto um sinônimo. Para uma discussão mais aprofundada sobre os debates em torno das definições de cultura popular, ver Chartier (1995, p. 179-192)CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p. 179-192, 1995.
  • 18
    Texto de Vicente Salles intitulado “Uma (re)visão do folclore”. Brasília, 20 ago. 1987. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 19
    “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 20
    Para uma explicação sobre cultura popular em Salles, foram utilizados alguns textos não publicados, mas que se encontram no acervo documental de Salles, no MUFPA, além de entrevistas, quais sejam: “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”; “Uma (re) visão do folclore”; entrevista realizada no dia 25 nov. 2011.
  • 21
    Texto de autoria de Vicente Salles intitulado “Folclore”, cedido à Alessandra Mafra pelo próprio Vicente Salles em novembro de 2011.
  • 22
    A partir da realização de algumas leituras do historiador E. P. Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., 2001)THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001. percebemos que ele utiliza, mas também critica os folcloristas ingleses, pois, na medida em que constatou ser o folclore necessário para se estudar a cultura popular, também aponta ser indispensável reexaminar o material folclórico há muito recolhido na Inglaterra (Thompson, 2001THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001., p. 234).
  • 23
    “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”, p. 2. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 24
    “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 25
    É interessante destacar o exemplo dos finlandeses, que escaparam dos suecos, mas temiam a Rússia por volta de 1809, no sentido de não perderem sua identidade para o império russo. Eles começaram a estudar sua literatura no final do século XVIII, sendo que um dos primeiros estudos sobre folclore foi a dissertação em latim de H. G. Phortam sobre a poesia finlandesa (1776), e que depois de 1809 acabou assumindo um lado mais político (Burke, 1989BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.).
  • 26
    Entrevista concedida a Alessandra Mafra, através de carta, em maio de 2010.
  • 27
    Em “A invenção das tradições”, podemos observar uma densa discussão sobre o processo de construção das tradições e o modo pelas quais elas são reinventadas. Assim, logo na introdução, escrita por Eric Hobsbawm, é destacado que as “tradições”, que parecem ou são consideradas antigas, são, na verdade, por muitas vezes atuais ou recentes, isso quando não são inventadas. Ver Hobsbawm (1997, p. 9)HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 9-23..
  • 28
    Como aponta Magda Ricci (2007)RICCI, Magda. Folclore, literatura e história: a trajetória de Henrique Jorge Hurley. In: FONTES, Edilza Oliveira; BEZERRA NETO, José Maia (Ed.). Diálogos entre história, literatura & memória. Belém: Paka-Tatu, 2007. p. 309-328., em seu artigo “Folclore, literatura e história: a trajetória de Henrique Jorge Hurley”, a história ainda continua “de costas” para a literatura e para o folclore (Ricci, 2007RICCI, Magda. Folclore, literatura e história: a trajetória de Henrique Jorge Hurley. In: FONTES, Edilza Oliveira; BEZERRA NETO, José Maia (Ed.). Diálogos entre história, literatura & memória. Belém: Paka-Tatu, 2007. p. 309-328.). Em meio a esta discussão, torna-se essencial dialogar com o papel do historiador e do folclorista. O historiador Aldrin Figueiredo (2008)FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008., ao falar sobre a produção dos literatos Pádua Carvalho e Juvenal Tavares, acaba por fazer uma discussão interessante acerca do assunto, uma vez que destaca a figura do folclorista e a relaciona com o ofício do historiador.
  • 29
    O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular está atualmente ligado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em 1980, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro foi incorporada à Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), com o nome de Instituto Nacional de Folclore, que, em 1991, passa a ser intitulado de Coordenadoria de Folclore e Cultura Popular, que, finalmente, em 1997, passa a ser o atual centro (IPHAN, 2015INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Conheça o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Brasília, 14 ago. 2015. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3213>. Acesso em: 12 mar. 2016.
    http://portal.iphan.gov.br/noticias/deta...
    ).
  • 30
    Salles apresenta uma breve biografia sobre esse músico em seu livro “Sociedades de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará” (Salles, 1985SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor, 1985.), destacando a trajetória de suas composições, principalmente no que diz respeito à música sacra.
  • 31
    Carta de Vicente Salles a Wilson Fonseca. Rio de Janeiro, 21 dez. 1957. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Música. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém. O Maestro e compositor Waldemar Henrique nasceu em Belém no dia 15 de fevereiro de 1905, na chamada rua Nova de Santana (atual Manoel Barata). Iniciou seus estudos musicais em Belém. Percorreu o Brasil e outros países difundindo o folclore da região amazônica, apresentando-se com a irmã Mara, intérprete de suas músicas. Em 1943, conheceu Mário de Andrade, um dos incentivadores de sua obra (Henrique, 1996HENRIQUE, Waldemar. Canções - Ensaio de Vicente Salles. Belém: Secretaria de Estado de Educação/Fundação Carlos Gomes, 1996.).
  • 32
    Carta de Vicente Salles a Wilson Fonseca. Rio de Janeiro, 21 dez. 1957. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Música. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 33
    As cartas trocadas com Wilson Fonseca apontam para uma visita de Salles a Belém nesse ano de 1957, para realizar pesquisas folclóricas na cidade, a partir da coleta de gravações de melodias. Esse material seria utilizado posteriormente, nos programas folclóricos na Rádio do Ministério da Educação (MEC), no Rio de Janeiro. Salles expõe ao amigo o resultado de sua coleta, onde obteve um total de sete jornadas de um pastoril, uma ladainha em louvor a São Sebastião e uma coleção onde constam 31 cirandas. Carta de Salles a Wilson Fonseca, Belém, 19 jan. 1957. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 34
    Carta de Vicente Salles a Anaíza Vergolino. Rio de Janeiro, 26 mar. 1971. Correspondência expedida. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 35
    Carta de Vicente Salles a Napoleão Figueiredo. Rio de Janeiro, 1 jul. 1970. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Folclore. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 36
    O desenvolvimento de suas pesquisas a partir da música possibilitou a Salles apresentar uma compreensão da história do teatro, de músicos e de fatos folclóricos na Amazônia e no Brasil, uma vez que a música se apresenta como um dos componentes dentro de uma análise cultural. O livro teve a sua segunda edição lançada em 2002, em versão corrigida e ampliada, aparecendo como uma microedição do autor, porém destoa da estrutura apresentada de suas outras microedições, pois foi apresentada em capa dura e em um formato maior. Existe também uma publicação feita pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará como segunda edição, no ano de 2007, em homenagem a Vicente Salles, patrono da Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém, nesse ano.
  • 37
    Resposta de um e-mail dirigido à Alessandra Mafra em 1 de novembro de 2011.
  • 38
    Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Rio de Janeiro, 28 mar. 1974. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Comunicação. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 39
    Algo com que Salles se preocupou foi a questão dos conceitos, pois se trata de uma análise delicada, uma vez que uma palavra pode se tornar matriz de “polêmicas infindáveis” apenas, em vez de esclarecer algo. “Texto-resposta ao questionamento teórico do folclore”. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 40
    Carta de Vicente Salles a Lúcio Flávio Pinto. Rio de Janeiro, 28 mar. 1974. Material histórico-cultural - Vicente Salles. Correspondência expedida - Comunicação. Coleção Vicente Salles, Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará, Belém.
  • 41
    Em 2008, Salles publicou o “Livro de Marena”, em que foram reunidos alguns poemas escritos nas décadas de 1950 e 1960, em Belém e no Rio de Janeiro (Salles, 2008SALLES, Vicente. Livro de Marena. Brasília: Thesauros, 2008.). Logo na apresentação da obra, Salles faz questão de externar a cumplicidade existente entre o casal, tanto pelo lado pessoal como pelo profissional. Ele assinala que suas vidas foram unidas a partir de um ideal de amor e respeito e que buscaram sempre lutar pela igualdade social através da pesquisa histórica (Salles, 2008SALLES, Vicente. Livro de Marena. Brasília: Thesauros, 2008.).

AGRADECIMENTOS

Este artigo representa uma versão revisada do segundo capítulo da dissertação de mestrado “O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles”, defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPHIST), da Universidade Federal do Pará (UFPA), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As autoras agradecem aos professores Aldrin Figueiredo e Silvana Rubino pelas contribuições feitas por ocasião do exame de defesa da dissertação de mestrado.

REFERÊNCIAS

  • ABREU, Martha. Cultura popular, festas e ensino de história. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais.. Rio de Janeiro: ANPUH/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.
  • ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz São Paulo: Livraria Duas Cidades/Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976.
  • ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A sociologia de Florestan Fernandes. Tempo Social, v. 22, n. 1, p. 9-27, jun. 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702010000100001
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702010000100001
  • BEZERRA NETO, José Maia. A presença Negra no Pará: resenha de um trabalho pioneiro. Revista Estudos Amazônicos, v. 3, n. 1, p. 167-172, 2008.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore? São Paulo: Brasiliense, 1984.
  • BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • CANCLINI, Néstor Gárcia. Hybrid cultures: strategies for entering and leaving modernity. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005.
  • CARNEIRO, Edison. Dinâmica do folclore Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Cultura popular e sensibilidade romântica: as danças dramáticas de Mário de Andrade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 54, p. 57-78, fev. 2004. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004000100004
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004000100004
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 75-92, 1990.
  • CERTEAU, Michel de. A cultura no plural Campinas: Papirus, 1995.
  • CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p. 179-192, 1995.
  • FERREIRA, Leonardo da Costa. Memória, política e folclore na obra de Amadeu Amaral (1916 e 1928) 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
  • FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008.
  • GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • GIOVANNINI JUNIOR, Oswaldo. Sortilégios do registro: Aires da Mata Machado, os cantos vissungos e os negros do garimpo em Minas Gerais. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
  • GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio.. Modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
  • HENRIQUE, Waldemar. Canções - Ensaio de Vicente Salles Belém: Secretaria de Estado de Educação/Fundação Carlos Gomes, 1996.
  • HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 9-23.
  • INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Conheça o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular Brasília, 14 ago. 2015. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3213>. Acesso em: 12 mar. 2016.
    » http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3213
  • LACAPRA, Dominick. História e romance. Revista de História, Campinas, v. 2, n. 3, p. 123, set. 1991.
  • LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1972.
  • MAFRA, Alessandra. Construindo um acervo: história, intelectualidade e colecionismo em Vicente Salles. In: MENEZES, Lená Medeiros de; TRONCOSO, Hugo Cancino; MORA, Rogelio de la. (Org.). Intelectuais na América Latina: pensamento, contextos e instituições. Dos processos de Independência à Globalização. Rio de Janeiro: LABIME/UERJ, 2014. v. 1, p. 62-77.
  • MAFRA, Alessandra. O arauto da cultura paraense: uma história intelectual de Vicente Salles. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, 2012.
  • MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
  • NEVES, Margarida. Da maloca do tietê ao império do mato virgem. Mário de Andrade: roteiros e descobrimentos. In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 265-300.
  • OLIVETO, Karla Aléssio. Vicente Salles: trajetória pessoal e procedimentos de pesquisa em Música. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
  • ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas São Paulo: Olho d’água, 1992.
  • PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
  • RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Que é folclore? Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1969.
  • RICCI, Magda. Folclore, literatura e história: a trajetória de Henrique Jorge Hurley. In: FONTES, Edilza Oliveira; BEZERRA NETO, José Maia (Ed.). Diálogos entre história, literatura & memória Belém: Paka-Tatu, 2007. p. 309-328.
  • ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.
  • RUBINO, Silvana. Clubes de pesquisadores: a Sociedade de Etnografia e Folclore e a Sociedade de Sociologia. In: MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil São Paulo: Sumaré/FAPESP, 1995. v. 2, p. 479-521.
  • SALLES, Vicente. Livro de Marena Brasília: Thesauros, 2008.
  • SALLES, Vicente. Um retrospecto -memória Brasília: Microedição do autor, 2007.
  • SALLES, Vicente. O negro no Pará, sob o regime da escravidão Belém: IAP; Programa Raízes, 2005 [1971].
  • SALLES, Vicente. Marxismo, socialismo e os militantes excluídos Belém: Paka-Tatu, 2001.
  • SALLES, Vicente. Não tem autor não tem direito/Sem autor sem direitos: o folclore em face do direito de autor. Brasília: Microedição do autor, 1999.
  • SALLES, Vicente. Memorial da Cabanagem: esboço do pensamento político-revolucionário no Grão-Pará. Belém: CEJUP, 1992.
  • SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor, 1985.
  • SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.
  • SALLES, Vicente. Música e músicos do Pará Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1970.
  • SALLES, Vicente. Questionamento teórico do Folclore. Revista Vozes, Rio de Janeiro, p. 881-882, out. 1969.
  • SILVA, Ana Teles. Na trincheira do folclore: intelectuais, cultura popular e formação da brasilidade (1961-1982). 2015. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
  • THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos Campinas: Editora da UNICAMP, 2001.
  • THOMPSON, E. P. Costumes em comum São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro, 1947-1964. Rio de Janeiro: FUNARTE/Fundação Getúlio Vargas, 1997.
  • WILLIAMS, Daryle. Cultural wars in Brazil The first Vargas regime, 1930-1945. Durham: Duke University Press, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2016
  • Aceito
    05 Dez 2016
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br