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CARTA DA EDITORA

Com esta edição concluímos um segundo ano de trabalho, de boas notícias com a melhor qualificação do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas em suas áreas precípuas – A1 no Qualis Capes, mas também de más notícias com recursos cada vez mais minguados para a Ciência brasileira. Ciência com letra maiúscula, fruto do trabalho e da competência de tantos, ainda que poucos para tudo o que se tem a fazer. Trabalhar ainda mais, mostrar o que fazem os que estudam e procuram entender o fenômeno da vida em suas mais variadas vertentes, essa é a luta permanente.

Com uma fluidez maior, a revista tem mantido sua periodicidade e ampliado canais de comunicação de seus conteúdos a públicos distintos. No contexto das ações de divulgação, a equipe da revista participou da Semana Nacional de ciência e Tecnologia, durante a programação do “Museu de Portas Abertas”, programa educativo que alcança diversas audiências. Esta edição apresenta dossiê sobre patrimônio indígena e outros sete artigos, uma nota de pesquisa, um item na seção Memória e duas resenhas completam a edição. Linguística, História, Arqueologia e Museologia são o conteúdo completo da edição, resultado do pensamento acadêmico brasileiro que trava batalha diária para continuar a produzir. No dossiê “Patrimônio indígena e coleções etnográficas”, pesquisadores do Museu Goeldi, do Museu Nacional de Etnologia de Leiden (NME) da Holanda, do Welt Museum1 1 Antigo Museu de Etnologia, reinaugurado em outubro de 2017 e do projeto “Museus da Amazônia em Rede (MAR)”2 2 A rede congrega quatro instituições da Amazônia oriental situadas no Brasil, na Guiana Francesa e no Suriname. discutem práticas colaborativas que promovem o reconhecimento do saber e da autoria dos objetos. As discussões revelam pontes, mostram travessias e encontros entre os donos do patrimônio original e as instituições que se transformaram em guardiãs e que apresentam tal patrimônio em suas dependências. Exercício essencial de respeito, reconhecimento e até mesmo de reparação, antropólogos, etnógrafos e museólogos se encontram com representantes de populações indígenas da Amazônia para, juntos, reconstituir a história contida em objetos hoje, compondo coleções etnográficas e sob a guarda de instituições em todo o mundo. De passado colonial ou não, estados-nação mantêm acervos formados a partir da coleta de objetos etnográficos ao longo de séculos. O patrimônio material se reveste de valor para a investigação científica, mas, sobretudo, de significado para as culturas donde foram criados.

São cinco os artigos do dossiê que refletem a cooperação e a possibilidade de inclusão dos autores em projetos expositivos. Com suas vozes e conhecimento dos significados que cada objeto em si carrega, membros de etnias Ka’apor, Warí, Kanoé, Makushi, Shipibo, Sataré-Mawé, Mebêngôkre-Kayapó e Baniwa dialogam com pesquisadores em exemplos concretos de etnomuseologia ou da museologia colaborativa.

Dentre os demais artigos nesta edição, está “As classes verbais da língua Paresi (Aruák)”, de Ana Paula Brandão, que apresenta os verbos e sua classificação na língua Paresi, falada por três mil indígenas no Mato Grosso.

A cartografia dos indígenas na Amazônia antes e durante a Era Pombalina. Entre mapas decorados e outros simétricos, de um e outro período, Alanna Souto discute as representações das populações nativas e no que tais formas de representar contribuíram para a desterritorialização e a reterritorialização em “Os indígenas na cartografia da América lusitana”.

Helbert Medeiros Prado e Rui Murrieta discutem a investigação etnocientífica proposta por Tim Ingold no contexto de uma comunidade quilombola no Vale da Ribeira em “A experiência do conhecimento em Tim Ingold e as etnociências: reflexões a partir de um estudo de caso etnoecológico”.

Trabalho etnográfico em terreiro de umbanda forneceu elementos para análise de como indivíduos tornam-se médiuns observando o engajamento, o contato e o contágio que estabelecem com as plantas. Essa é a proposta de “Jeitos, sujeitos e afetos: participação das plantas na composição de sujeitos umbandistas”, de autoria de Pedro Crepaldi Carlessi.

Três artigos representam a Arqueologia nesta edição. Em “O muiraquitã da estearia da Boca do Rio, Santa Helena, Maranhão: estudo arqueológico, mineralógico e simbólico”, os autores - Alexandre Guida Navarro, Marcondes Lima da Costa, Abrahão Sanderson Nunes Fernandes Silva, Rômulo Simões Angélica, Suyanne Santos Rodrigues, João Costa Gouveia Neto - descrevem muiraquitã encontrado na estearia da Boca do Rio, no Maranhão, ao tempo que exploram possível cadeia operatória do artefato e analisam “redes regionais de interação comercial e simbólica” do dito objeto.

Em “Na sombra das pedras grandes: as indústrias líticas das ocupações pré-coloniais recentes da região de Diamantina, Minas Gerais, Brasil”, Andrei Isnardis trabalha com a disponibilidade de matérias-primas, as morfologias e a variabilidade artefatual para construir “entendimento articulado, sistêmico, de um conjunto de sítios...”.

“História das pesquisas bioarqueológicas em Lagoa Santa, Minas Gerais”, de Pedro Da- Glória, Walter Alves Neves e Mark Hubbe delineia 180 anos de pesquisa na região desde as primeiras intervenções do naturalista Peter Lund no século XIX até a atualidade e recomenda uma perspectiva interdisciplinar nos estudos sobre a região.

A dimensão educativa de um museu, o da Maré, no Rio de Janeiro e sua contribuição para a memória e a identidade de uma comunidade é o que Helena Maria Marques Araújo apresenta ao argumentar sobre o fortalecimento de grupos populares através da valorização e da ressignificação da história local em “Museu da Maré: entre educação, memórias e identidades”.

A seção Memória deste número traz a história de Payaré, cacique Akrãtikatêjê, e sua luta na Justiça por mais de 30 anos para ver reparado erro histórico do Estado brasileiro, que negou a identidade indígena a ele e ao seu povo no contexto da construção da hidrelétrica de Tucuruí. De Mariana Guimarães: “A saga de Payaré Akrãtikatêjê frente ao Estado brasileiro no contexto da construção da hidrelétrica de Tucuruí”.

Problemática regional, protagonismo amazônico e história ambiental marcam as resenhas de Felipe Jacinto, que analisou “Amazônia... A ira dos poderosos”, de autoria de Ricardo Smith; e de Diogo de Carvalho Cabral, sobre a obra “A carne, a gordura e os ovos: colonização, caça e pesca na Amazônia”, de Marlon Marcel de Fiori e Christian Fausto Moraes dos Santos.

Até 2018!

Jimena Felipe Beltrão
Editora Científica

  • 1
    Antigo Museu de Etnologia, reinaugurado em outubro de 2017
  • 2
    A rede congrega quatro instituições da Amazônia oriental situadas no Brasil, na Guiana Francesa e no Suriname.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017
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