Acessibilidade / Reportar erro

A experiência do conhecimento em Tim Ingold e as etnociências: reflexões a partir de um estudo de caso etnoecológico

The experience of knowledge in Tim Ingold and the ethnosciences: some reflections based on an ethnoecological case study

Resumo

Neste artigo, tomamos como ponto de partida um estudo de caso etnoecológico, desenvolvido entre quilombolas, no Vale do Ribeira, São Paulo, para lançar algumas reflexões sobre como articular as proposições de Tim Ingold à pesquisa etnocientífica. A proposta teórica de Ingold conecta práxis, percepção e conhecimento do ambiente. Aqui, veremos que a proposta ingoldiana pode ser tomada como: (1) modelo interpretativo para padrões observados em repertórios etnobiológicos/etnoecológicos; (2) modelo hipotético passível de teste empírico; e (3) referencial teórico para análises dirigidas à gênese do conhecimento na práxis. Este último caso é particularmente significativo, pois nele o conhecimento é concebido fenomenologicamente, o que implica um registro qualitativo de sua manifestação, sendo mediado pelo método etnográfico. Por fim, ressaltamos o caráter incipiente do diálogo entre Ingold e o campo etnocientífico, que representa um desafio ainda maior no ambiente acadêmico brasileiro, onde as etnociências figuram mais como um ramo da biologia do que da antropologia, diferente de suas raízes históricas na Europa e nos EUA.

Palavras-chave
Etnociências; Tim Ingold. Práxis; Abordagem etnográfica; Etnoecologia; Quilombolas

Abstract

In this article, we present some analytical reflections involving the incorporation of Tim Ingold’s theoretical background in ethnosciences. To this end, we make use of an ethnoecological study that we have developed among quilombolas (Maroons) from Southeast Brazil. Ingold states in his approach that praxis, perception and human environmental knowledge cannot be treated as disconnected concepts. Here, we discuss three ways of incorporating the Ingoldian approach in ethnoscience: (1) as an explanatory model of the general patterns present in local repertories of knowledge; (2) as a hypothesis to be tested empirically; and (3) as a theoretical background to analyze the process of knowledge constitution in practice. In this respect, knowledge is conceptualized phenomenologically, which implies a qualitative-ethnographic record of its manifestation in the environmental experience of individuals. To conclude, we highlight the still incipient problematization of Ingoldian insights in ethnoscientific research, which can be difficult in Brazil, where ethnoscience is mainly a branch of biology, rather than of anthropology, as in Europe and the USA.

Keywords
Ethnosciences; Tim Ingold. Praxis; Ethnographic approach; Ethnoecology; Quilombolas

INTRODUÇÃO

Desde o advento da chamada virada êmica nas etnociências (Conklin, 1954CONKLIN, Harold C. The relation of Hanunóo culture to the plant world. 1954. 471 f. Thesis (Doctorate in Archeology) – Yale University, New Haven, 1954.; Goodenough, 1956GOODENOUGH, Ward H. Componential analysis and the study of meaning. Language, New York, v. 32, n. 1, p. 195-216, Jan.-Mar. 1956.; Sturtevant, 1964STURTEVANT, William C. Studies in ethnoscience. American Anthropologist, Arlington, v. 66, n. 3, p. 99-131, June 1964. DOI: http://dx.doi.org/10.1525/aa.1964.66.3.02a00850.
http://dx.doi.org/10.1525/aa.1964.66.3.0...
), esta área tem experimentado uma considerável profusão de suas abordagens teóricas, dirigidas ao fenômeno da constituição de conhecimento ambiental. Destaca-se, por exemplo, a corrente etnotaxonômica, focada nos padrões universais de categorização e de classificação dos seres vivos, com suas principais manifestações em Berlin (1973BERLIN, Brent. Folk systematics in relation to biological classification and nomenclature. Annual Review of Ecology and Systematics, Palo Alto, v. 4, p. 259-271, Annually 1973. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.es.04.110173.001355.
https://doi.org/10.1146/annurev.es.04.11...
, 1992)BERLIN, Brent. Ethnobiological classification: principles of categorization of plants and animals in traditional societies. Princeton: Princeton University Press, 1992. e Atran (1990)ATRAN, Scott. Cognitive foundations of natural history: towards an anthropology of Science. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.. Outra abordagem clássica é a direcionada às variações nos sistemas locais de conhecimento, sejam elas mediadas por demandas materiais ligadas à sobrevivência humana (Hunn, 1982HUNN, Eugene. S. The utilitarian factor in folk biological classification. American Anthropologist, Arlington, v. 84, n. 4, p. 830-847, Dec. 1982. DOI: https://doi.org/10.1525/aa.1982.84.4.02a00070.
https://doi.org/10.1525/aa.1982.84.4.02a...
), ou relacionadas às diferentes formas de organização sociocultural (Ellen, 1993ELLEN, Roy. The cultural relations of classification: an analysis of Nuaulu animal categories from Central Seram. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. (Cambridge Studies in Social and Cultural Anthropology, 91).).

Adicionalmente, a crescente influência da chamada virada ontológica, capitaneada, nesta última década e meia, por Descola (1998)DESCOLA, Philippe. Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 23-45, abr. 1998. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S010493131998000100002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104931319980...
e Viveiros de Castro (2002)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2002. p. 345-400. na antropologia, também começa a ser incorporada no campo das etnociências, como nos sugere o recente número especial do Journal of Ethnobiology, intitulado “Integrating ontology into ethnobotanical research” (Daly et al., 2016DALY, Lewis; FRENCH, Katherine; MILLER, Teresa L.; EOIN, Luíseach Nic. Integrating ontology into ethnobotanical research. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 36, n. 1, p.1-9, Triannual 2016. DOI: https://doi.org/10.2993/0278-0771-36.1.1.
https://doi.org/10.2993/0278-0771-36.1.1...
). Ao questionarem a primazia de conceitos que, em grande parte, fundamentam o pensamento ocidental moderno – tais como de ‘natureza’ e de ‘cultura’ –, as revisões epistemológicas propostas pela corrente ontológica (Descola, 2013DESCOLA, Philippe. Beyond nature and culture. Translated by Janet Lloyd and foreword by Marshall Sahlins. Chicago: University of Chicago Press, 2013.; Kohn, 2013KOHN, Eduardo. How forests think: toward an anthropology beyond the human. Berkeley: University of California Press, 2013.; Ingold; Pálsson, 2013INGOLD, Tim; PÁLSSON, Gisli (Ed.). Biosocial becomings: integrating social and biological anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.; Viveiros de Castro, 2015VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Who is afraid of the ontological wolf? Some comments on an ongoing anthropological debate. The Cambridge Journal of Anthropology, Hudson, v. 33, n. 1, p. 2-16, Spring 2015.) podem impactar significativamente nossa compreensão atual sobre os processos formadores do conhecimento humano a respeito do que temos chamado de ‘natureza’ (Daly et al., 2016DALY, Lewis; FRENCH, Katherine; MILLER, Teresa L.; EOIN, Luíseach Nic. Integrating ontology into ethnobotanical research. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 36, n. 1, p.1-9, Triannual 2016. DOI: https://doi.org/10.2993/0278-0771-36.1.1.
https://doi.org/10.2993/0278-0771-36.1.1...
).

Já na esfera da interface entre práxis e conhecimento, destaca-se a proposta inovadora, presente no projeto teórico de Ingold (1995INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80., 1996aINGOLD, Tim. The optimal forager and economic man. In:DESCOLA, Philippe; PÁLSSON, Gísli (Ed.). Nature and society: anthropological perspectives. London: Routledge, 1996a. p. 25-44., 1996bINGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155., 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119., 2000aINGOLD, Tim. Culture, nature, environment: steps to an ecology of life. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000a. p. 13-26., 2000bINGOLD, Tim. A circumpolar night’s dream. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000b. p. 89-110., 2000c)INGOLD, Tim. Ancestry, generation, substance, memory, land. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000c. p. 132-152., a qual articula concepções tanto ecológicas quanto fenomenológicas para problematizar os conceitos de mente, percepção humana do ambiente e do conhecimento. Sua proposta, no entanto, não vem sendo incorporada e problematizada no campo das etnociências, como pode ser observado em algumas das principais revisões e sínteses históricas da disciplina (Clément, 1998CLÉMENT, Daniel. The historical foundations of ethnobiology. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 18, n. 2, p. 161-187, Winter 1998.; Hunn, 2007HUNN, Eugene. S. Ethnobiology in four phases. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 27, n. 1, p. 1-10, Spring-Summer 2007.; Ellen, 2006ELLEN, Roy. Introdution. In: ELLEN, Roy (Ed.). Ethnobiology and the science of humankind. Oxford: Blackwell, 2006. p. 1-27.; Ford, 2011FORD, Richard I. History of ethnobiology. In: ANDERSON, Eugene N.; PEARSALL, Deborah M.; HUNN, Eugene S.; TURNER, Nancy J. (Ed.). Ethnobiology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2011. p. 15-26.). Como ficará mais claro adiante, o presente artigo situa-se justamente na interface entre a abordagem etnoecológica e as proposições presentes no pensamento de Tim Ingold.

Neste artigo, apresentaremos um estudo etnoecológico cujo objetivo inicial foi comparar o repertório quilombola com o científico sobre a ecologia de mamíferos na Mata Atlântica (Vale do Ribeira). Ao longo desse processo, no entanto, foram reunidos elementos etnográficos e dados quantitativos, a partir dos quais foi possível construir uma hipótese sobre o processo de aquisição de Conhecimento Ecológico Local (CEL) quilombola no Vale do Ribeira. Aqui, iremos discutir a hipótese gerada no nosso estudo de caso a partir do corpo teórico que caracteriza o pensamento ingoldiano. Também iremos propor outras duas formas possíveis para articular as proposições de Ingold à pesquisa etnocientífica. Antes, porém, passemos a uma breve introdução às reflexões de Tim Ingold acerca da percepção e do conhecimento humano sobre o ambiente.

A EXPERIÊNCIA DO CONHECIMENTO EM TIM INGOLD: UMA BREVE INTRODUÇÃO

Primeiramente, é importante mencionar que a concepção de Ingold sobre o fenômeno da percepção e do conhecimento – em muito sintetizada na coletânea de ensaios que compõem a obra “The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill” (2000) – fundamenta-se principalmente na abordagem denominada Ecological Psychology, de James Gibson (1904-1979) (sobretudo em “The ecological approach to visual perception”, de 1979), e nos filósofos fenomenólogos Martin Heidegger (1889-1976) e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961).

Na abordagem ecológica de Gibson (1979)GIBSON, James J. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979. e dos filósofos fenomenólogos ora mencionados, o ambiente e os elementos que o compõem contêm informações suficientes para o seu conhecimento e a sua significação. Ainda para esses autores, os elementos do ambiente não são apreendidos aleatoriamente e de forma passiva pelo indivíduo. Sua apreensão é regida, no entanto, pela ação do indivíduo em seu meio. Nesse modelo teórico, a percepção é deflagrada por um indivíduo (sempre) imerso em seu meio e envolvido em práticas que definem a interação que irá ter e o conhecimento dos demais elementos presentes no ambiente. Para Gibson (1979)GIBSON, James J. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979., por exemplo, o que se apreende na percepção não são objetos inertes (e suas propriedades puramente físicas), mas aspectos de sua existência, articulados ecologicamente com a ação humana em seu meio. Nesse sentido, a ação intencional e o engajamento do indivíduo em práticas do cotidiano definem o modo pelo qual o ambiente será manifestado e apreendido na experiência da percepção (Cerbone, 2012CERBONE, David R. Fenomenologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. (Série Pensamento Moderno).).

A partir desses referencias teóricos, Ingold (2000b)INGOLD, Tim. A circumpolar night’s dream. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000b. p. 89-110. entende a percepção do ambiente como um fenômeno que é deflagrado, principalmente, pelas informações apresentadas no ambiente (através do engajamento), e não no pensamento em si, como sugerem os modelos antropológicos clássicos de representação mental da natureza (ver parágrafos seguintes). Ingold (1996aINGOLD, Tim. The optimal forager and economic man. In:DESCOLA, Philippe; PÁLSSON, Gísli (Ed.). Nature and society: anthropological perspectives. London: Routledge, 1996a. p. 25-44., 2000aINGOLD, Tim. Culture, nature, environment: steps to an ecology of life. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000a. p. 13-26., 2000c)INGOLD, Tim. Ancestry, generation, substance, memory, land. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000c. p. 132-152. ainda propõe que o processo de aquisição de conhecimento deva ser entendido como produto da ação e da vivência dos indivíduos no ambiente.

Nesse sentido, Ingold (1996a, 1996b, 2000a, 2000c) rejeita a noção de conhecimento como, essencialmente, um conjunto de códigos pré-experienciais adquiridos por transmissão social entre as gerações. Vale ressaltar que tal proposição opõe-se diretamente ao núcleo da concepção antropológica clássica sobre percepção e cognição, associada principalmente à figura de Emile Durkheim (1858-1917). Para Durkheim (1976 [1915])DURKHEIM, Émile. The elementary forms of the religious life. 2th ed. London: Allen and Uwin, 1976 [1915]., a percepção humana se inicia por estímulos sensitivos, entendidos como dados caóticos, efêmeros e incompletos do mundo – organizados e representados na mente por um sistema conceitual estável, dado pela cultura. Essa concepção clássica, portanto, divide o fenômeno da percepção em duas esferas (ou momentos): a primeira de natureza biológica-sensorial e a segunda essencialmente mentalrepresentacional (Ingold, 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119.).

Como apontado por Ingold (1996c)INGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119., vale destacar que a concepção durkheimiana sobre percepção e conhecimento permeou o pensamento antropológico do século XX de forma generalizada. Por exemplo, na Europa continental, a principal manifestação dessa tradição intelectual foi Claude Lévi-Strauss, para quem a forma dual com que diferentes sociedades organizam e classificam seu mundo social e natural é o caráter mais universal do pensamento humano (Lévi-Strauss, 2008 [1958]LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008 [1958]., 2012 [1962]LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 12. ed. Campinas: Papirus, 2012 [1962].). Nesse aspecto, também podemos atestar a centralidade de Lévi-Strauss como uma das principais referências teóricas para a chamada virada êmica nas etnociências, ocorrida ao longo da segunda metade do século XX (Clément, 1998CLÉMENT, Daniel. The historical foundations of ethnobiology. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 18, n. 2, p. 161-187, Winter 1998.; Hunn, 2007HUNN, Eugene. S. Ethnobiology in four phases. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 27, n. 1, p. 1-10, Spring-Summer 2007.; Ellen, 2006ELLEN, Roy. Introdution. In: ELLEN, Roy (Ed.). Ethnobiology and the science of humankind. Oxford: Blackwell, 2006. p. 1-27.; Ford, 2011FORD, Richard I. History of ethnobiology. In: ANDERSON, Eugene N.; PEARSALL, Deborah M.; HUNN, Eugene S.; TURNER, Nancy J. (Ed.). Ethnobiology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2011. p. 15-26.).

Paralelamente, a antropologia social britânica também se desenvolveu muito a partir da divisão durkheimiana entre a efemeridade das sensações (que são individuais) e a estabilidade das representações (essencialmente coletivas) (Leach, 1964LEACH, Edmund. Anthropological aspects of language: animal categories and verbal abuse. In: LENNEBERG, Eric H. (Ed.). New directions on the studies of language. Cambridge: MIT Press, 1964. p. 23-63.; Douglas, 1966DOUGLAS, Mary. Purity and danger: an analysis of pollution and taboo. London: Routledge, 1966.). Já a antropologia cultural norte-americana da segunda metade do século XX (Kroeber; kluckhohn, 1952KROEBER, A. L.; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: a critical review of concepts and definitions. Cambridge: Harvard University Press, 1952. (Papers of the Peabody Museum of American Archaeology and Ethnology, v. 47).; Geertz, 1973GEERTz, Clifford. The interpretation of cultures. New York: Basic Books, 1973.) e a antropologia cognitiva (Goodenough, 1956GOODENOUGH, Ward H. Componential analysis and the study of meaning. Language, New York, v. 32, n. 1, p. 195-216, Jan.-Mar. 1956.; D’Andrade, 1981D’ANDRADE, Roy Goodwin. The cultural part of cognition. Cognitive Science, Hoboken, v. 5, n. 3, p. 179-195, July 1981.), por sua vez, foram fundamentadas a partir de uma noção de cultura como um sistema interno de regras (e um corpo transmissível de conhecimentos), a qual opera de modo a dar significado, na esfera da coletividade, às sensações experienciadas individualmente – reproduzindo, mais uma vez, o modelo de Durkheim já mencionado1 1 Ver Ingold (1996c), para uma discussão mais ampla. . Para Ingold (1996b, p. 141-142)INGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155., no entanto:

Knowledge of the world is gained by moving about in it, exploring it, attending to it, ever alert to the signs by which it is revealed. Learning to see, then, is a matter not of acquiring schemata for mentally constructing the environment but of acquiring the skills for direct perceptual engagement with its constituents [...] a process not of enculturation but of enskilment.

Voltaremos a alguns pontos centrais da abordagem ingoldiana ao longo deste artigo. A seguir, faremos uma síntese do estudo de caso etnoecológico, o qual embasará empiricamente os argumentos centrais que aqui iremos desenvolver.

O ESTUDO DE CASO ETNOECOLÓGICO

Cumpre destacar, em primeiro lugar, que o estudo de caso aqui problematizado teve como objetivo inicial comparar o repertório apresentado por comunidades quilombolas e pelo conhecimento científico sobre aspectos da dieta e do uso da paisagem por mamíferos na Mata Atlântica do Vale do Ribeira, em São Paulo. O estudo foi realizado no âmbito da pesquisa de doutorado de Prado (2012)PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., e também encontra-se parcialmente descrito em Prado e Murrieta (2015)PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.. Adicionalmente, é importante mencionar que este mesmo estudo de caso foi desenvolvido nos bairros de Pedro Cubas, Pedro Cubas de Cima e São Pedro, os quais encontram-se no médio rio Ribeira, entre as cidades paulistas de Iporanga e Eldorado (Santos; Tatto, 2008SANTOS, Kátia M. Pacheco dos; TATTO, Nilto. Agenda socioambiental de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008.; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Um total de 36 pessoas – 14 de São Pedro e 22 de Pedro Cubas e Pedro Cubas de Cima – concedeu entrevistas para a realização desta pesquisa. Apenas homens com idade acima de 40 anos foram entrevistados. Esta amostra representou cerca de 90% do total de homens acima de 40 anos nas três comunidades, à época dos trabalhos de campo (Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Optou-se pelo recorte de gênero na seleção dos entrevistados em razão de maior envolvimento de homens, no passado, em atividades de caça no local (Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Já o recorte etário teve como objetivo registrar o repertório potencialmente mais extenso daqueles indivíduos que vivenciaram o contexto anterior à formação das vilas na região (Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.; Adams et al., 2013ADAMS, Cristina; MUNARI, Lucia Chamlian; VLIET, Nathalie van; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; PIPERATA, Barbara Ann; FUTEMMA, Celia R. T.; PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; TAQUEDA, Carolina Santos; CREVELARO, Mirella Abrahão; SPRESSOLAPRADO, Vânia Luísa. Diversifying incomes and losing landscape complexity in quilombola shifting cultivation communities of the Atlantic rainforest (Brazil). Human Ecology, New York, v. 41, n. 1, p. 119-137, Feb. 2013. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9.
https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Também vale mencionar que as entrevistas realizadas foram todas agendadas antecipadamente, tiveram duração média de 1 hora e 30 minutos e foram realizadas no contexto das residências dos moradores. O registro das informações obtidas foi feito em fichas de campo, as quais foram também gravadas (Prado, 2012PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

A DIETA DA FAUNA PARA OS QUILOMBOLAS E A CONSTRUÇÃO DE UMA HIPÓTESE

Inicialmente, a partir do registro etnográfico de um repertório local detalhado sobre a dieta de grandes mamíferos e de um conhecimento científico ainda com lacunas importantes sobre esta temática (Prado, 2013PRADO, Helbert Medeiros. Feeding ecology of five Neotropical ungulates: a critical review. Oecologia Australis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 459-473, Dec. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704.02.
http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704...
), passamos a realizar comparações entre esses dois conjuntos de conhecimentos (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Com este objetivo, procedemos uma compilação sistemática na literatura acadêmica sobre a dieta de ungulados com ocorrência no Vale do Ribeira. As espécies focadas foram a anta (Tapirus terrestris), o cateto (Pecari tajacu), o queixada (Tayassu pecari) e o veado (Mazama spp.) (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.)2 2 Para maiores detalhes dessa revisão e de suas conclusões no âmbito da ecologia, ver Prado (2013). .

Concomitantemente, registramos, por meio entrevistas, o conhecimento quilombola sobre o forrageio das espécies aqui consideradas. A técnica de entrevista utilizada para este fim foi a listagem livre (Quinlan, 2005QUINLAN, Marsha. Considerations for collecting freelists in the field: examples from ethnobotany. Field Methods, Thousand Oaks, v.17, n. 3, p. 219-234, Aug. 2005.; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Requisitamos aos entrevistados listarem os nomes de todos os recursos que julgassem fazer parte da dieta de cada espécie abordada.

Em um segundo momento, registramos o conhecimento local sobre a ocorrência na paisagem das plantas citadas durante a listagem livre. Para este fim utilizamos questionários fechados, por meio dos quais solicitamos aos entrevistados que indicassem o quão comum era cada planta nos ambientes de roça, quintal, matas secundárias inicias (com idade entre três e cinco anos de regeneração, de acordo com o conhecimento dos moradores locais), médias (entre 30 e 35 anos), avançadas (entre 70 e 80 anos) (Prado et al., 2013PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013.) e matas maduras (aquelas florestas sobre as quais os quilombolas não reconhecem eventos passados de abertura de roça, classificadas localmente como mata virgem) (Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.)3 3 Maiores detalhes sobre os procedimentos metodológicos e analíticos adotados encontram-se em Prado et al. (2013). .

A partir dos registros realizados, observamos que, de modo geral, o repertório quilombola apresentou-se como altamente complementar em relação ao conhecimento acadêmico sobre essa temática (Prado et al., 2013PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013.). Porém, o resultado mais relevante para o propósito do presente artigo foi constatar, na percepção dos quilombolas, a relevância de espécies vegetais típicas dos ambientes de roça e dos quintais antigos como parte importante da dieta dos animais considerados. Os casos da mandioca (Manihot esculenta Crantz), do feijão (Phaseolus vulgaris L.), do milho (Zea mays L. subsp mays L.), da palmeira juçara (Euterpe edulis Mart.) e da embaúba (Cecropia pachystachya Trécul) exemplificam bem esse aspecto dos resultados obtidos (Prado et al., 2013PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013.; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

De forma complementar, a relevância dos alimentos de roça na dieta dos animais também se expressou em relatos sobre os prejuízos causados por veados e catetos, ao se alimentarem desses cultivares: “o veado, se tem uma roça de feijão ele come tudo, e o cateto pega o cará a mandioca e o milho também” (Prado, 2012PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 118). A mesma situação foi reportada sobre os queixadas: “o queixada é mais difícil de aparecer, mas quando vem, estraga toda a roça e come tudo que tiver ali” (Prado, 2012PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 118). Adicionalmente, um repertório mais restrito sobre a dieta dos animais no contexto de mata madura também pode ser exemplificado: “olha, eu não sei o que o bicho come no sertão [mata madura], mas deve ter alimento para ele lá sim, né? Porque quando não tem a roça o que ele come? Alguma coisa ele deve comer no sertão sim, mas eu não sei te falar o que” (Prado, 2012PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 119).

Em síntese, o padrão geral observado sugeriu maior saliência, no CEL quilombola, de plantas típicas dos quintais e das roças, em detrimento daquelas localmente identificadas como mais comuns nas matas secundárias e maduras. O que mais chama a atenção a esse respeito é que as matas maduras ocupam algo entre 80-90% da paisagem estudada; já as roças e os quintais não chegam a representar 5% da área total; enquanto as florestas em regeneração ocupam algo em torno de 4-13% da paisagem (a depender da comunidade em questão)4 4 Dados de 2007 analisados por Santos e Tatto (2008). (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Desse modo, pudemos sugerir que o conhecimento quilombola estudado parecia mais refletir uma percepção dos moradores restrita a certos elementos do ambiente, do que o forrageio dos animais na paisagem como um todo (Prado et al., 2013PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013., Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Com esta observação, julgamos necessário considerar a possibilidade de que a prática da roça entre os quilombolas tenha figurado, historicamente, como elemento principal de uma vivência particular dos indivíduos na paisagem – direcionada principalmente aos ambientes mais intensamente manejados para o cultivo, como o são os quintais e as roças (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Assim, foi possível aventar que a vivência agrícola dos quilombolas na paisagem atuou como principal fator responsável pela saliência dos quintais e das roças no seu conhecimento sobre a fauna. A partir dessas evidências, propusemos a seguinte hipótese neste estudo de caso: entre as populações quilombolas do médio Ribeira, o engajamento na prática da agricultura itinerante figurou como elemento central na definição de um modo de experienciar a paisagem e de elaborar um regime de conhecimentos ecológicos atrelado a essa vivência (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Porém, caso nosso modelo interpretativo estivesse correto, também deveríamos esperar esse mesmo viés cultural5 5 Ou experiencial, nos termos de Ingold (1995, 1996b, 1996c). para outros domínios de conhecimento ecológico (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Tendo abordado a dieta dos animais, passemos agora a analisar o que o conhecimento quilombola sobre a distribuição da fauna na paisagem pode nos informar a esse respeito.

O USO DAS MATAS MADURAS E SECUNDÁRIAS PELA FAUNA: PARA OS QUILOMBOLAS, A PRIMAZIA DAS ‘CAPOEIRAS’

A partir do teor da hipótese apresentada no tópico anterior, desenvolvemos um protocolo de pesquisa para testá-la em campo. Para isso, tomamos como objeto de análise a distribuição de 12 mamíferos de médio e grande porte na paisagem, que engloba as três comunidades aqui consideradas. As espécies analisadas foram: a anta brasileira (Tapirus terrestris), a queixada (Tayassu pecari), o cateto (Pecari tajacu), os veados (Mazama americana e Mazama gouazoubira), o guaxinim (Procyon cancrivorus), o quati (Nasua nasua), a irara (Eira barbara), a paca (Cuniculus paca), a cutia (Dasyprocta azarae), o lobinho (Cerdocyon thous), o gambá (Didelphis aurita), e o tatu (Dasypus sp.) (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Vale salientar que a paisagem estudada configura-se como um complexo mosaico ambiental, resultante principalmente da atividade de roça de coivara entre os quilombolas da região ao longo, pelo menos, dos últimos dois séculos (Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Adams et al., 2013ADAMS, Cristina; MUNARI, Lucia Chamlian; VLIET, Nathalie van; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; PIPERATA, Barbara Ann; FUTEMMA, Celia R. T.; PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; TAQUEDA, Carolina Santos; CREVELARO, Mirella Abrahão; SPRESSOLAPRADO, Vânia Luísa. Diversifying incomes and losing landscape complexity in quilombola shifting cultivation communities of the Atlantic rainforest (Brazil). Human Ecology, New York, v. 41, n. 1, p. 119-137, Feb. 2013. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9.
https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Na paisagem em questão, podemos observar, por exemplo, os quintais e seu entorno, as roças (Taqueda, 2009TAQUEDA, Carolina Santos. A etnoecologia dos jardins-quintal e seu papel no sistema agrícola de populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo. 2009. 213 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.; Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.), além de duas categorias ambientais gerais, quais sejam: (1) uma porção contínua de florestas maduras; e (2) outra formada por vegetação secundária (roças abandonadas) em diferentes estágios de sucessão (Gomes et al., 2013GOMES, Eduardo Pereira Cabral; SUGIYAMA, Marie; ADAMS, Cristina; PRADO, Helbert Medeiros; OLIVEIRA JUNIOR. Clóvis José Fernandes de. A sucessão florestal em roças em pousio: a natureza está fora da lei? Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 41, n. 99, p. 343-352, set. 2013.; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Nesse sentido, tendo como objetivo principal contrastar um contexto ambiental mais antropogênico com outro menos manejado, os esforços foram concentrados nessas duas principais categorias ambientais anteriormente mencionadas (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Mais especificamente, o conhecimento quilombola foi contrastado com um registro in situ da distribuição da fauna nesses dois ambientes (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Assim, a hipótese a ser testada nesse experimento foi a seguinte: o CEL quilombola apresenta um viés direcionado às matas secundárias e, por isso, elas serão predominantemente citadas como de uso preferencial pela fauna, em detrimento das matas maduras. Nessa análise, caso os quilombolas viessem a indicar as matas secundárias como o ambiente mais utilizado pelas espécies, e o registro fotográfico in situ dos animais apontasse para um padrão distinto de uso da paisagem, um viés cultural/experiencial dirigido às matas secundárias seria evidenciado (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Os procedimentos metodológicos adotados nessa análise estão detalhadamente descritos em Prado et al. (2014)PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
. Para o propósito do presente artigo, basta mencionar que o levantamento da fauna foi realizado por meio da técnica de armadilhamento fotográfico, feito ao longo de 18 meses (entre os anos de 2009 e 2011), em 30 sítios amostrais no contexto das matas maduras e mais outros 30 sítios em matas secundárias (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Essa amostragem resultou em um total de 981 registros da fauna. Das 11 espécies registradas, apenas cinco (gambá, irara, quati, tatu e veado) ocorreram com frequência compatível para serem analisadas estatisticamente (Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Para acessar o CEL quilombola sobre o padrão de uso dos habitat pelos mamíferos, foram abordados, nas entrevistas, aqueles mesmos ambientes (ou habitat) escolhidos para o levantamento in situ dos animais na área de estudo (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.). Para isso, foi elaborado um questionário estruturado versando sobre a presença e o quão frequente seria a ocorrência das espécies nos ambientes formados por mata madura e por mata secundária na paisagem em questão (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

Como resultado principal dessa análise, foi possível observar um viés no CEL quilombola direcionado às matas secundárias, o qual se manifestou de três formas distintas: (1) para o caso dos gambás e dos tatus, a maioria dos entrevistados divergiu em relação ao dado científico, ao considerar que esses animais ocorrem mais nas matas secundárias (enquanto o registro fotográfico indicou uma ocorrência equivalente nos dois ambientes); (2) para o caso dos veados, a maioria convergiu em ralação ao dado científico de que esses animais ocorrem igualmente nos dois ambientes, porém, entre aqueles que divergiram, a maioria considerou as matas secundárias como de uso preferencial por essa espécie; (3) para o caso dos quatis, a maioria divergiu em relação ao dado científico de que esses animais ocorrem mais nas matas maduras, julgando que utilizam igualmente os dois ambientes. Nesse sentido, foi possível afirmar que a hipótese de trabalho aqui considerada foi corroborada para quatro das cinco espécies analisadas (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
; Prado; Murrieta, 2015PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.).

A única exceção a esse padrão geral foi a irara. No registro ecológico in situ, esta espécie mostrou-se igualmente presente tanto nas matas primárias quanto nas secundárias. Entretanto, para os quilombolas, a irara ocorre de forma mais frequente nas primeiras (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
). Este caso é curioso por algumas razões que aqui merecem destaque. Ela foi a segunda espécie mais comum na região, tem hábito diurno e também frequenta as áreas comuns àquelas tradicionalmente utilizadas pelos moradores locais. No entanto, entre os 12 mamíferos considerados neste estudo de caso, a irara foi o animal sobre o qual os quilombolas parecem ter menos conhecimento sobre a dieta (Prado, 2012PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.) e uso da paisagem (Prado et al., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
). Durante nossas entrevistas na região, foram comuns os relatos dos moradores indicando que os encontros com as iraras sempre foram extremamente raros. Nesse sentido, o comportamento elusivo da espécie no local deve estar na origem do baixo grau de conhecimento das pessoas a ela associado.

Mas como explicar a percepção local de que as iraras estariam mais presentes nas matas maduras? A exemplo do que também observamos para o caso da anta e da queixada (por sua raridade atual na região), a quase ausência da irara na experiência ambiental dos quilombolas (por sua natureza elusiva) parece ter levado a uma percepção virtual de que a mesma vive principalmente no sertão – aquela porção da paisagem menos acessada e pouco conhecida pelos moradores locais (Prado, 2012PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; Prado et al., 2013PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013., 2014PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7.
http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7...
). Como o ‘sertão’ foi tratado em nossas análises dentro da categoria geral ‘mata madura’, consequentemente, as iraras, assim como a anta e a queixada, despontaram em nossos resultados como animais mais associados às matas maduras, segundo a percepção quilombola. No entanto, nos parece mais razoável, para estudos futuros na região, passarmos a considerar o ‘sertão’ como uma categoria êmica independente das demais florestas maduras que estejam mais próximas aos ambientais mais acessados e manejados localmente.

PROBLEMATIZANDO O ESTUDO DE CASO PELO REFERENCIAL TEÓRICO DE TIM INGOLD

Em suma, os dois experimentos etnoecológicos apresentados no tópico anterior sugerem que o conhecimento quilombola sobre a ecologia de mamíferos silvestres está fortemente associado aos ambientes de cultivo ligados à coivara: as roças, os quintais e seu entorno, e as matas secundárias. Na percepção dos moradores, são esses elementos antropogênicos da paisagem (e não as matas maduras) que os mamíferos utilizam com mais frequência, e onde encontram, em maior riqueza e abundância, os alimentos de que necessitam.

Nesse sentido, o CEL quilombola sobre os mamíferos apresenta singularidades que, se por um lado são a expressão de uma vivência ecológica particular na paisagem, por outro também podem enriquecer sobremaneira o repertório científico sobre esse tema (Prado et al., 2013PRADO, Helbert Medeiros. Feeding ecology of five Neotropical ungulates: a critical review. Oecologia Australis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 459-473, Dec. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704.02.
http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704...
), isso porque o CEL quilombola contempla de forma mais vigorosa justamente os ambientes mais associados à coivara, ainda pouco estudados por ecólogos e zoólogos, de maneira geral (Prado, 2013PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013.).

É de amplo conhecimento que a coivara envolve um complexo sistema de manejo da paisagem, tanto espacial quanto temporal (Conklin, 1961CONKLIN, Harold C. The study of shifting cultivation. Current Anthropology, Chicago, v. 2, n. 1, p. 27-61, Feb. 1961.; Martins, 2001MARTINS, Paulo Sodero. Dinâmica evolutiva em roças de caboclos amazônicos. In: VIEIRA, Ima Célia Guimarães; SILVA, José Maria Cardoso da; OREN, David Conway; D’INCAO, Maria Ângela (Org.). Diversidade biológica e cultural da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2001. p. 369-384.; Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Mertz et al., 2009MERTz, Ole; PADOCH, Christine; FOX, Jefferson Metz; CRAMB, R. A.; LEISz, Stephen J.; LAM, Nguyen Thanh; VIEN, Tran Duc. Swidden change in Southeast Asia: understanding causes and consequences. Human Ecology, New York, v. 37, n. 3, p. 259–264, June 2009.; Van Vliet et al., 2012VAN VLIET, Nathalie; MERTz, Ole; HEINIMANN, Andreas; LANGANKE, Tobias; PASCUAL, Unai; SCHMOOK, Birgit; ADAMS, Cristina; SCHMIDT-VOGT, Dietrich; MESSERLI, Peter; LEISz, Stephen; CASTELLA, Jean-Christophe; JØRGENSEN, Lars; BIRCH-THOMSEN, Torben; HETT, Cornelia; BECHBRUUN, Thilde; ICKOWITz, Amy; VU, Kim Chi; YASUYUKI, Kono; FOX, Jefferson; PADOCH, Christine; DRESSLER, Wolfram; zIEGLER, Alan D. Trends, drivers and impacts of changes in swidden cultivation in tropical forest-agriculture frontiers: a global assessment. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 22, n. 2, p. 418-429, May 2012.). Como consequência do caráter rotativo desse sistema, suas paisagens são, em geral, mosaicos formados por manchas de vegetação com diferentes idades de pousio pós-colheita, além das roças em uso. Nos territórios quilombolas aqui estudados, a paisagem foi transformada por meio da coivara, nos últimos 200 anos, em um mosaico composto por ampla variedade de ambientes, com diferentes graus de antropização (Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.; Adams et al., 2013ADAMS, Cristina; MUNARI, Lucia Chamlian; VLIET, Nathalie van; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; PIPERATA, Barbara Ann; FUTEMMA, Celia R. T.; PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; TAQUEDA, Carolina Santos; CREVELARO, Mirella Abrahão; SPRESSOLAPRADO, Vânia Luísa. Diversifying incomes and losing landscape complexity in quilombola shifting cultivation communities of the Atlantic rainforest (Brazil). Human Ecology, New York, v. 41, n. 1, p. 119-137, Feb. 2013. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9.
https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9...
; Gomes et al., 2013GOMES, Eduardo Pereira Cabral; SUGIYAMA, Marie; ADAMS, Cristina; PRADO, Helbert Medeiros; OLIVEIRA JUNIOR. Clóvis José Fernandes de. A sucessão florestal em roças em pousio: a natureza está fora da lei? Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 41, n. 99, p. 343-352, set. 2013.).

Destacamos também o fato de que o histórico de ocupação quilombola na área esteve mais associado ao contexto das matas secundárias. Até o início da década de 1980, era nesse contexto mais antropogênico que se concentravam as unidades espaciais ligadas às principais atividades de subsistência local – as áreas de cultivo, as áreas de pousio, as residências e os seus jardim-quintais, bem como as áreas para a criação de animais domésticos (Santos; Tatto, 2008SANTOS, Kátia M. Pacheco dos; TATTO, Nilto. Agenda socioambiental de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008.; Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Taqueda, 2009TAQUEDA, Carolina Santos. A etnoecologia dos jardins-quintal e seu papel no sistema agrícola de populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo. 2009. 213 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.; Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.; Adams et al., 2013ADAMS, Cristina; MUNARI, Lucia Chamlian; VLIET, Nathalie van; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; PIPERATA, Barbara Ann; FUTEMMA, Celia R. T.; PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; TAQUEDA, Carolina Santos; CREVELARO, Mirella Abrahão; SPRESSOLAPRADO, Vânia Luísa. Diversifying incomes and losing landscape complexity in quilombola shifting cultivation communities of the Atlantic rainforest (Brazil). Human Ecology, New York, v. 41, n. 1, p. 119-137, Feb. 2013. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9.
https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9...
).

Adicionalmente, sabe-se que, no contexto quilombola do médio rio Ribeira, a coivara foi o principal meio de subsistência dessas comunidades desde a sua formação no século XIX (Andrade et al., 2000ANDRADE, Tania; PEREIRA, Carlos Alberto Claro; ANDRADE, Marcia Regina de Oliveira (Org.). Negros no Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2. ed. São Paulo: ITESP/Páginas e Letras Editora Gráfica, 2000.; Queiroz, 2006QUEIROZ, Renato da Silva. Caipiras negros no Vale do Ribeira: um estudo de antropologia econômica. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2006. (Coleção Ensaios de Cultura).; Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
), atuando também como importante elemento de identidade cultural nessas populações (Andrade; Tatto, 2013ANDRADE, Anna Maria; TATTO, Nilto (Ed.). Inventário cultural de quilombos do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2013.). Assim, é possível argumentar que, nesse contexto socioambiental, a coivara imprimiu uma vivência quilombola na paisagem associada aos ambientes mais intensamente manejados nessa forma de cultivo.

De fato, já há algum tempo, estudos na região vêm construindo uma narrativa – tanto histórica quanto antropológica – a partir da qual a centralidade da coivara no modo de vida das populações quilombolas na região parece inequívoca (Andrade et al., 2000ANDRADE, Tania; PEREIRA, Carlos Alberto Claro; ANDRADE, Marcia Regina de Oliveira (Org.). Negros no Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2. ed. São Paulo: ITESP/Páginas e Letras Editora Gráfica, 2000.; Carvalho, 2006CARVALHO, Maria Celina Pereira de. Bairros negros do Vale do Ribeira: do “escravo” ao “quilombo”. 2006. 1999 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade de Campinas, Campinas, 2006.; Pedroso-Júnior et al., 2008PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008...
; Santos; Tatto, 2008SANTOS, Kátia M. Pacheco dos; TATTO, Nilto. Agenda socioambiental de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008.; Munari, 2010MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.; Adams et al., 2013ADAMS, Cristina; MUNARI, Lucia Chamlian; VLIET, Nathalie van; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; PIPERATA, Barbara Ann; FUTEMMA, Celia R. T.; PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; TAQUEDA, Carolina Santos; CREVELARO, Mirella Abrahão; SPRESSOLAPRADO, Vânia Luísa. Diversifying incomes and losing landscape complexity in quilombola shifting cultivation communities of the Atlantic rainforest (Brazil). Human Ecology, New York, v. 41, n. 1, p. 119-137, Feb. 2013. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9.
https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9...
; Andrade; Tatto, 2013ANDRADE, Anna Maria; TATTO, Nilto (Ed.). Inventário cultural de quilombos do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2013.). Interessantemente, essa mesma proposição também encontra suporte empírico nos experimentos etnoecológicos aqui apresentados. Mais do que isso, o presente estudo de caso reúne evidências de que a coivara pôde ter sido também central para domínios de conhecimento ecológico não necessariamente aplicados à atividade agrícola – como o foi para o caso da fauna de mamíferos aqui destacado.

Desse modo, ao assumirmos que, em última análise, o conhecimento ecológico local seja produto do engajamento das pessoas em práticas de seu cotidiano (Ingold, 1995INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80., 1996bINGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155., 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119.), e ao constatar a prevalência dos ambientes associados à coivara no repertório ecológico quilombola, é razoável propor que a mesma tenha sido a atividade central através da qual a experiência ecológicocognitiva quilombola no Vale do Ribeira se constituiu. Esta vivência, portanto, parece ter produzido os contornos básicos do que viria a caracterizar-se como uma forma particular de percepção e de conhecimento ecológico da paisagem em questão.

ARTICULANDO A ABORDAGEM INGOLDIANA A PROTOCOLOS ETNOCIENTÍFICOS: ALGUMAS PROPOSIÇÕES INICIAIS

Se, no estudo de caso descrito, o modelo do Ingold foi adotado a posteriori, como uma forma de interpretação dos resultados obtidos, nesta seção apresentaremos outras duas formas alternativas por meio das quais a abordagem ingoldiana pode ser incorporada aos estudos etnocientíficos: (1) como gerador de hipóteses a serem testadas por protocolos padronizados, dirigidos a repertórios de conhecimento; e (2) como modelo teórico a ser adotado em uma abordagem etnográfica de natureza fenomenológica, dirigida ao processo de gênese do conhecimento e de sua manifestação na experiência cotidiana dos indivíduos.

CONSTRUINDO HIPÓTESES ETNOCIENTÍFICAS A PARTIR DO MODELO INGOLDIANO

Primeiramente, é importante lembrar que, para Ingold, a percepção é um modo de ação (Ingold, 1995INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80., 1996a, 2000a, 2000c). Assim, o que é percebido decorre diretamente do modo como se age no ambiente. Nesse sentido, o tipo de atividade na qual o indivíduo se engaja deverá direcionar sua atenção para subconjuntos particulares de informações potencialmente acessíveis em um dado meio (Ingold, 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119.). É esse aspecto, em particular, do pensamento ingoldiano – promovendo a interdependência entre práxis, percepção e conhecimento – que pode ser transformado em hipóteses, passíveis de teste, no âmbito de protocolos etnocientíficos de pesquisa.

Utilizando novamente nosso estudo de caso já descrito, e com base na abordagem teórica de Tim Ingold, poderíamos lançar a seguinte questão, a título de exemplificação: não fossem esses quilombolas, principalmente agricultores, que historicamente vivenciaram a paisagem local (primariamente) através da prática da coivara, teriam eles um repertório etnoecológico altamente associado aos ambientes de roça e das matas secundárias, como pudemos observar? Este tipo de questão, por sua vez, nos levaria a necessidade de elaborar desenhos de pesquisa que possibilitassem a comparação entre repertórios etnoecológicos de grupos ou de indivíduos com diferentes perfis e intensidade de engajamento em práticas de subsistência, tais como agricultura, caça, extrativismo, entre outras.

Poderíamos pensar, por exemplo, na comparação entre repertórios de indivíduos de diferentes contextos socioculturais, mas com perfis produtivos semelhantes – por exemplo, caiçaras da Mata Atlântica e caboclos amazônicos, que se definem e se comportam principalmente como agricultores. A força deste teste comparativo estaria na possibilidade de evidenciar semelhanças (ligadas a práxis) – caso presentes – entre repertórios etnoecológicos de indivíduos que integram contextos etnográficos e ambientais distintos.

Outra possibilidade analítica seria contrastar – dentro de cada contexto etnográfico – indivíduos com diferentes perfis de engajamento na paisagem e, assim, analisar as potenciais diferenças entre seus repertórios etnoecológicos. Já a principal vantagem desta escala de comparação estaria na possibilidade de observar diferenças entre repertórios individuais associadas a diferentes práxis na paisagem, mesmo em se tratando de um mesmo contexto etnográfico.

Em síntese, a possibilidade de constatar semelhanças intergrupais e diferenças intragrupais, ambas ligadas a práxis dos indivíduos na paisagem, seria a indicação de duas formas bastante robustas para testar empiricamente aspectos centrais da abordagem teórica de Ingold através de protocolos de pesquisa etnocientíficos. Esses são apenas dois exemplos possíveis de desenhos analíticos gerais, os quais podem ser desdobrados em outros delineamentos mais específicos e/ou complementares, visando a problematização de hipóteses derivadas da proposta ingoldiana.

Neste ponto de nossa discussão, cabe ressaltar que o desenho analítico básico que estamos a sugerir também fornece as condições necessárias para que o padrão contrário ao esperado com base nas proposições de Ingold (1995INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80.; 1996aINGOLD, Tim. The optimal forager and economic man. In:DESCOLA, Philippe; PÁLSSON, Gísli (Ed.). Nature and society: anthropological perspectives. London: Routledge, 1996a. p. 25-44., 1996bINGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155., 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119., 2000aINGOLD, Tim. Culture, nature, environment: steps to an ecology of life. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000a. p. 13-26., 2000bINGOLD, Tim. A circumpolar night’s dream. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000b. p. 89-110., 2000c)INGOLD, Tim. Ancestry, generation, substance, memory, land. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000c. p. 132-152. também possa ser desvelado, a saber: (1) que os repertórios de indivíduos em um mesmo contexto etnográfico não se diferencie significativamente em função de diferentes práxis; e (2) que entre os dois contextos etnográficos haja uma diferença significativa no perfil do conhecimento analisado, mesmo que os indivíduos estejam envolvidos nos mesmos tipos de atividades.

Para fecharmos esta seção, gostaríamos de fazer uma última consideração que julgamos importante.

Sabemos que a existência de uma relação entre práxis e o conhecimento a todos parece óbvia, assim como a noção de que, em alguma medida, a práxis contribui para a formação de conhecimento do ambiente. No entanto, não é este tipo de questão mais geral relacionando práxis e conhecimento que aqui estamos a explorar, mas sim questões mais específicas do tipo: em que medida a práxis prevalece sobre outras dimensões da experiência humana na constituição de um conhecimento ambiental ou ecológico? Este é o grau de especificidade analítica sobre o qual as reflexões sintetizadas nesta seção se aplicam.

REGISTRANDO A EXPERIÊNCIA DO CONHECIMENTO: A ABORDAGEM ETNOGRÁFICA E O FOCO NO INDIVÍDUO

Não obstante à efetividade da abordagem etnocientífica de natureza quantitativa para o desenvolvimento de nosso estudo de caso aqui discutido, dedicaremos esta seção para introduzir algumas limitações também presentes neste tipo de abordagem, bem como um caminho possível para a sua superação. Como logo ficará claro, nesta reflexão final, argumentaremos em favor da complementaridade de uma abordagem etnográfica de natureza qualitativa no âmbito de estudos etnocientíficos.

A partir de uma análise crítica do estudo de caso que propusemos, podemos afirmar que o alcance dos nossos protocolos etnobiológicos de natureza quantitativa restringiu-se a responder questões de pesquisa do tipo associativas, como: o repertório local correlaciona-se com algum elemento da paisagem em particular e com alguma prática em especial? Nesse sentido, foi somente a partir de uma densa consulta da literatura histórica e antropológica, pertinente aos quilombolas do Vale do Ribeira, que pudemos elucidar algumas relações significativas, conectando práxis, percepção ambiental e o repertório etnoecológico registrado.

Ainda assim, a objetividade e o caráter quantitativo da abordagem que adotamos não nos permitiram avançar na compreensão do fenômeno da percepção ambiental e do conhecimento na sua dimensão processual – aquela associada à gênese do conhecimento e à sua manifestação na experiência cotidiana dos indivíduos, como formulada por Ingold (1995INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80., 1996aINGOLD, Tim. The optimal forager and economic man. In:DESCOLA, Philippe; PÁLSSON, Gísli (Ed.). Nature and society: anthropological perspectives. London: Routledge, 1996a. p. 25-44., 1996bINGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155., 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119., 2000aINGOLD, Tim. Culture, nature, environment: steps to an ecology of life. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000a. p. 13-26., 2000bINGOLD, Tim. A circumpolar night’s dream. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000b. p. 89-110., 2000c). Desse modo, acreditamos que o avanço da compreensão dessa dimensão do fenômeno aqui abordado passa, necessariamente, pela problematização de questões de natureza processual – que foquem mais na descrição da experiência do conhecimento do que na identificação de fatores discretos ou de condições específicas a ele relacionados. A título de exemplificação, podemos citar duas questões que poderiam nortear este tipo de análise: como se dá a gênese do conhecimento, no âmbito do engajamento das pessoas em práticas do seu cotidiano? Como esse conhecimento se manifesta no fluxo das práticas cotidianas dos indivíduos em seu meio?

O foco na dimensão processual do conhecimento etnoecológico, por seu turno, suscita a necessidade de lançar mão de uma abordagem etnográfica, em particular uma que seja de orientação fenomenológica (Maso, 2001MASO, Ilja. Phenomenology and ethnography. In: ATKINSON, Paul; COFFEY, Amanda; DELAMONT, Sara; LOFLAND, John; LOFLAND, Lyn (Ed.). Handbook of ethnography. London: Sage Publications, 2001. p. 136-144.; Hammersley; Atkinson, 1995HAMMERSLEY, Martin; ATKINSON, Paul. Ethnography: principles in practice. 2th. ed. London: Routledge, 1995.), capaz de acessar o conhecimento que emerge no fluxo contínuo da experiência do indivíduo em seu meio (Ingold, 1996cINGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119., 2000a). Em um exercício de transposição do núcleo da proposta fenomenológica para a prática etnográfica, também acreditamos que, nesta abordagem, a atenção do pesquisador deve ser deslocada daquilo que os indivíduos conhecem (o conteúdo ou o repertório de conhecimento) para o seu conhecer das coisas (a experiência do conhecimento) (Cerbone, 2012CERBONE, David R. Fenomenologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. (Série Pensamento Moderno).). Desse modo, o relato etnográfico deve contemplar a descrição da experiência dos indivíduos na paisagem por meio de práticas de seu cotidiano.

Lançar mão deste tipo de abordagem etnográfica também configura-se como uma forma de buscar uma compreensão da experiência humana no ambiente em sua integridade e complexidade. Com isso, pode-se evitar, por exemplo, abordar o fenômeno da experiência e do conhecimento a partir de esquemas analíticos formais, concebidos previamente. Estes últimos tendem a simplificá-lo, seja reduzindo-o a suas dimensões puramente biológica, social ou cultural (Murrieta, 2001aMURRIETA, Rui Sérgio Sereni. Dialética do sabor: alimentação, ecologia e vida cotidiana em comunidades ribeirinhas da ilha de Ituqui, Baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 2, p. 39-88, quad. 2001a. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012001000200002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012001...
), seja representando-o no relato etnográfico a partir de uma perspectiva puramente analítica e realista (Clifford, 1988CLIFFORD, James. Introduction: partial truths. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George E. (Ed.). Writing culture: the poetics and politics of ethnography. Berkeley: University of California Press, 1988. p. 1-26.; Hammersley; Atkinson, 1995HAMMERSLEY, Martin; ATKINSON, Paul. Ethnography: principles in practice. 2th. ed. London: Routledge, 1995.).

De acordo com esta reflexão, tem-se que a unidade de análise principal na abordagem que aqui estamos propondo deve ser o indivíduo e sua práxis cotidiana na paisagem. No entanto, assumindo a noção antropológica de que o indivíduo é, ao mesmo tempo, agente estruturador e produto de seu contexto social (Benedict, 2014BENEDICT, Ruth. The individual and the pattern of culture. In: MOORE, Henrietta L.; SANDERS, Todd (Ed.). Anthropology in theory: issues in epistemology. 2. ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2014. p. 43-52.; Malinowski, 2014MALINOWSKI, Bronislaw. The group and the individual in functional analysis. In: MOORE, HENRIETTA L.; SANDERS, Todd (Ed.). Anthropology in theory: issues in epistemology. 2nd ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2014. p. 90-101.; Bourdieu, 1983BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIz, Renato (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1983 [1972]. p. 46-81. [1972]; Giddens, 1984GIDDENS, Anthony. The constitution of society: outline of the theory of structuration. Berkeley: University of California Press, 1984.), é importante ressaltar que a experiência cotidiana do indivíduo deve também ser articulada a processos ligados ao seu contexto histórico e sociocultural local, bem como a outras escalas espaciais de análise, que se mostrarem relevantes para a melhor compreensão do fenômeno abordado (Gupta; Ferguson, 1992GUPTA, Akhil; FERGUSON, James. Beyond “culture”: space, identity, and the politics of difference. Cultural Anthropology, Malden, v. 7, n. 1, p. 6-23, Feb. 1992.; Marcus, 2014MARCUS, George E. What is at stake – and is not – in the idea and practice of multi-sited ethnography. In: MOORE, Henrietta L.; SANDERS, Todd (Ed.). Anthropology in theory: issues in epistemology. 2nd ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2014. p. 531-534.; Appadurai, 2000APPADURAI, Arjun. Grassroots globalization and the research imagination. Public Culture, Durham, v. 12, n. 1, p. 1-19, Winter 2000.).

Como parte da implementação em campo da orientação fenomenológica que ora estamos a descrever, é esperado que o pesquisador lance mão principalmente da técnica clássica da ‘observação participante’ na antropologia (Malinowski, 1961MALINOWSKI, Bronislaw. Argonauts of the western Pacific. New York: Dutton, 1961 [1922]. [1922]; Bernard, 2006BERNARD, H. Russel. Research methods in anthropology: qualitative and quantitative approaches. Lanhram: Altamira Press, 2006.). Tal procedimento consiste no envolvimento do pesquisador em atividades desenvolvidas em um dado contexto etnográfico. Diferentemente de um registro descontextualizado sobre certo aspecto da experiência local (por meio de entrevistas estruturadas, por exemplo), a observação participante confere ao pesquisador a possibilidade de experienciar certas vivências locais e assim apreendê-las mais por meio de seu envolvimento (nas) mesmas do que por uma análise objetiva (sobre) elas.

Embora esteja ciente de que a presença do etnógrafo cria uma configuração diferenciada na dinâmica intersubjetiva no contexto etnográfico, tanto no âmbito discursivo como no comportamental (Clifford, 1988CLIFFORD, James. Introduction: partial truths. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George E. (Ed.). Writing culture: the poetics and politics of ethnography. Berkeley: University of California Press, 1988. p. 1-26.; Hammersley; Atkinson, 1995HAMMERSLEY, Martin; ATKINSON, Paul. Ethnography: principles in practice. 2th. ed. London: Routledge, 1995.), também é importante que o pesquisador procure criar um ambiente o mais propício para que as conversas se desdobrem de forma mais espontânea possível, os temas se sucedam livremente, assim como se espera em relação ao curso das atividades do dia a dia realizadas; para que os silêncios também possam emergir, e dar relevo ao conhecimento que também se expressa em gestos e movimentos (Jackson, 1983JACKSON, Michael. Knowledge of the Body. Man, London, v. 18, n. 2, p. 327-345, June 1983.) (como aqueles envolvidos na percepção dos menores sinais da presença de um animal na mata durante uma caçada, por exemplo). Neste procedimento que acabamos de descrever, espera-se que muito da atenção do pesquisador seja dirigido aos “[...] microaspectos cotidianos, não discursivos e sub-reptícios, que são normalmente subestimados e neutralizados dentro de grandes esquemas analíticos.” (Murrieta, 2001bMURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A mística do pirarucu: pesca, ethos e paisagem em comunidades rurais do Baixo Amazonas. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7, n. 16, p. 113-130, dez. 2001b. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832001000200006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832001...
, p. 115).

Para fechar este tópico ressaltando o papel complementar desta abordagem qualitativa, focada no indivíduo, recolhemos de Antônio Candido de Mello e Souza, naquele que se tornaria um clássico da sociologia brasileira, as seguintes palavras:

[...] o interesse pelos casos individuais, pelos detalhes significativos, constitui elemento fundamental neste estudo, elaborado na certeza de que o senso do qualitativo é condição de eficiência nas disciplinas sociais, e que a decisão interior do sociólogo, desenvolvida pela meditação e o contacto com a realidade viva dos grupos, é tão importante quanto a técnica de manipulação dos dados [...]. O sociólogo [...] desce então ao pormenor, buscando na sua riqueza e singularidade um corretivo à visão pelas médias; daí o apego ao qualitativo [...]

(Candido, 2010CANDIDO, Antonio. Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul Editora, 2010 [1964]. [1964], p. 23-24]).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fechamos este artigo, destacando o fato de que a abordagem de Tim Ingold, apesar de estruturar-se fundamentalmente em torno da temática sobre o conhecimento humano do ambiente (sobretudo dos elementos naturais nele presentes), não tem sido problematizada no campo das etnociências – um fenômeno acadêmico que ainda carece de melhor compreensão. Neste texto, procuramos apontar alguns caminhos possíveis e, no nosso entendimento, analiticamente enriquecedores, para articular aspectos centrais da proposta ingoldiana aos programas de pesquisa etnocientíficos.

Também gostaríamos de chamar a atenção para uma dificuldade ainda maior em se incorporar a abordagem ingoldiana à prática etnocientífica no Brasil – o que também valeria para qualquer que fosse a abordagem antropológica em questão. Isto decorre de um fenômeno bastante particular que tem marcado o campo etnocientífico em nosso país. Diferentemente de suas raízes históricas, nos EUA e na Europa (Clément, 1998CLÉMENT, Daniel. The historical foundations of ethnobiology. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 18, n. 2, p. 161-187, Winter 1998.; Hunn, 2007HUNN, Eugene. S. Ethnobiology in four phases. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 27, n. 1, p. 1-10, Spring-Summer 2007.; Ellen, 2006ELLEN, Roy. Introdution. In: ELLEN, Roy (Ed.). Ethnobiology and the science of humankind. Oxford: Blackwell, 2006. p. 1-27.; Ford, 2011FORD, Richard I. History of ethnobiology. In: ANDERSON, Eugene N.; PEARSALL, Deborah M.; HUNN, Eugene S.; TURNER, Nancy J. (Ed.). Ethnobiology. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2011. p. 15-26.), no Brasil essa área do conhecimento figura muito mais como um ramo da biologia do que da antropologia, em um processo no qual o diálogo teórico com esta última encontra-se em um estágio ainda bastante embrionário.

Paralelamente, também não se vê na antropologia brasileira, de um modo geral, salvo raras exceções6, o interesse de incluir as etnociências como parte de suas principais temáticas de pesquisa. Curiosamente, isto ocorre, apesar da forte influência sobre o meio acadêmico brasileiro daquele que talvez tenha sido o maior antropólogo do século XX, Claude Lévi-Strauss (1908-2009)LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008 [1958]., que, como vimos anteriormente, também teve um denso diálogo com as etnociências na segunda metade do século XX. Esse distanciamento entre etnociências e antropologia vivenciado no Brasil também chama atenção em face à presença de importantes antropólogos-etnobiólogos, tais como Darrel Posey (1947-2001) e William Balée, entre outros, que aqui desenvolveram parte importante de suas carreiras acadêmicas.

Este é um vácuo acadêmico que talvez possa ser gradualmente superado, à medida que dirigirmos maiores esforços para a construção de um ambiente acadêmico mais favorável ao diálogo entre as ciências naturais e as ciências humanas no Brasil. Com o estudo de caso apresentado, e a reflexão teórico-metodológica que aqui procuramos desenvolver, esperamos ter dado um passo a mais nesta direção.

  • 1
    Ver Ingold (1996c)INGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119., para uma discussão mais ampla.
  • 2
    Para maiores detalhes dessa revisão e de suas conclusões no âmbito da ecologia, ver Prado (2013)PRADO, Helbert Medeiros. Feeding ecology of five Neotropical ungulates: a critical review. Oecologia Australis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 459-473, Dec. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704.02.
    http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704...
    .
  • 3
    Maiores detalhes sobre os procedimentos metodológicos e analíticos adotados encontram-se em Prado et al. (2013)PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013..
  • 4
    Dados de 2007 analisados por Santos e Tatto (2008)SANTOS, Kátia M. Pacheco dos; TATTO, Nilto. Agenda socioambiental de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008..
  • 5
    Ou experiencial, nos termos de Ingold (1995INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80., 1996bINGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155., 1996c)INGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119..
  • 6
    Aqui, podemos citar, a título de exemplificação, e sem a pretensão de esgotar o tema, dois destes estudos. Um deles é apresentado por Marques (2001)MARQUES, José Geraldo W. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica. 2. ed. São Paulo: NUPAUB/USP, 2001., onde observamos um claro movimento em direção à antropologia a partir de um trabalho etnocientífico de caráter mais ecológico. No outro caso, Oliveira (2006OLIVEIRA, Joana Cabral de. Classificações em Cena: algumas formas de classificação das plantas cultivadas pelos Wajãpi do Amapari (AP). 2006. 273 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., 2012)OLIVEIRA, Joana Cabral de. Entre plantas e palavras: modos de constituição de saberes entre os Wjãpi (AP). 2012. 282 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade de São Paulo,São Paulo, 2012. faz o caminho inverso, partindo da antropologia para inserir-se na interface entre as etnociências e as ciências naturais.

REFERÊNCIAS

  • ADAMS, Cristina; MUNARI, Lucia Chamlian; VLIET, Nathalie van; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; PIPERATA, Barbara Ann; FUTEMMA, Celia R. T.; PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; TAQUEDA, Carolina Santos; CREVELARO, Mirella Abrahão; SPRESSOLAPRADO, Vânia Luísa. Diversifying incomes and losing landscape complexity in quilombola shifting cultivation communities of the Atlantic rainforest (Brazil). Human Ecology, New York, v. 41, n. 1, p. 119-137, Feb. 2013. DOI: https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9
    » https://doi.org/10.1007/s10745-0129529-9
  • ANDRADE, Anna Maria; TATTO, Nilto (Ed.). Inventário cultural de quilombos do Vale do Ribeira São Paulo: Instituto Socioambiental, 2013.
  • ANDRADE, Tania; PEREIRA, Carlos Alberto Claro; ANDRADE, Marcia Regina de Oliveira (Org.). Negros no Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2. ed. São Paulo: ITESP/Páginas e Letras Editora Gráfica, 2000.
  • APPADURAI, Arjun. Grassroots globalization and the research imagination. Public Culture, Durham, v. 12, n. 1, p. 1-19, Winter 2000.
  • ATRAN, Scott. Cognitive foundations of natural history: towards an anthropology of Science. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
  • BENEDICT, Ruth. The individual and the pattern of culture. In: MOORE, Henrietta L.; SANDERS, Todd (Ed.). Anthropology in theory: issues in epistemology. 2. ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2014. p. 43-52.
  • BERLIN, Brent. Ethnobiological classification: principles of categorization of plants and animals in traditional societies. Princeton: Princeton University Press, 1992.
  • BERLIN, Brent. Folk systematics in relation to biological classification and nomenclature. Annual Review of Ecology and Systematics, Palo Alto, v. 4, p. 259-271, Annually 1973. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.es.04.110173.001355
    » https://doi.org/10.1146/annurev.es.04.110173.001355
  • BERNARD, H. Russel. Research methods in anthropology: qualitative and quantitative approaches. Lanhram: Altamira Press, 2006.
  • BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIz, Renato (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1983 [1972]. p. 46-81.
  • CANDIDO, Antonio. Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul Editora, 2010 [1964].
  • CARVALHO, Maria Celina Pereira de. Bairros negros do Vale do Ribeira: do “escravo” ao “quilombo”. 2006. 1999 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade de Campinas, Campinas, 2006.
  • CERBONE, David R. Fenomenologia Petrópolis: Editora Vozes, 2012. (Série Pensamento Moderno).
  • CLÉMENT, Daniel. The historical foundations of ethnobiology. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 18, n. 2, p. 161-187, Winter 1998.
  • CLIFFORD, James. Introduction: partial truths. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George E. (Ed.). Writing culture: the poetics and politics of ethnography. Berkeley: University of California Press, 1988. p. 1-26.
  • CONKLIN, Harold C. The study of shifting cultivation. Current Anthropology, Chicago, v. 2, n. 1, p. 27-61, Feb. 1961.
  • CONKLIN, Harold C. The relation of Hanunóo culture to the plant world 1954. 471 f. Thesis (Doctorate in Archeology) – Yale University, New Haven, 1954.
  • DALY, Lewis; FRENCH, Katherine; MILLER, Teresa L.; EOIN, Luíseach Nic. Integrating ontology into ethnobotanical research. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 36, n. 1, p.1-9, Triannual 2016. DOI: https://doi.org/10.2993/0278-0771-36.1.1
    » https://doi.org/10.2993/0278-0771-36.1.1
  • D’ANDRADE, Roy Goodwin. The cultural part of cognition. Cognitive Science, Hoboken, v. 5, n. 3, p. 179-195, July 1981.
  • DESCOLA, Philippe. Beyond nature and culture Translated by Janet Lloyd and foreword by Marshall Sahlins. Chicago: University of Chicago Press, 2013.
  • DESCOLA, Philippe. Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 23-45, abr. 1998. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S010493131998000100002
    » http://dx.doi.org/10.1590/S010493131998000100002
  • DOUGLAS, Mary. Purity and danger: an analysis of pollution and taboo. London: Routledge, 1966.
  • DURKHEIM, Émile. The elementary forms of the religious life 2th ed. London: Allen and Uwin, 1976 [1915].
  • ELLEN, Roy. Introdution. In: ELLEN, Roy (Ed.). Ethnobiology and the science of humankind Oxford: Blackwell, 2006. p. 1-27.
  • ELLEN, Roy. The cultural relations of classification: an analysis of Nuaulu animal categories from Central Seram. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. (Cambridge Studies in Social and Cultural Anthropology, 91).
  • FORD, Richard I. History of ethnobiology. In: ANDERSON, Eugene N.; PEARSALL, Deborah M.; HUNN, Eugene S.; TURNER, Nancy J. (Ed.). Ethnobiology Hoboken: Wiley-Blackwell, 2011. p. 15-26.
  • GEERTz, Clifford. The interpretation of cultures New York: Basic Books, 1973.
  • GIBSON, James J. The ecological approach to visual perception Boston: Houghton Mifflin, 1979.
  • GIDDENS, Anthony. The constitution of society: outline of the theory of structuration. Berkeley: University of California Press, 1984.
  • GOMES, Eduardo Pereira Cabral; SUGIYAMA, Marie; ADAMS, Cristina; PRADO, Helbert Medeiros; OLIVEIRA JUNIOR. Clóvis José Fernandes de. A sucessão florestal em roças em pousio: a natureza está fora da lei? Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 41, n. 99, p. 343-352, set. 2013.
  • GOODENOUGH, Ward H. Componential analysis and the study of meaning. Language, New York, v. 32, n. 1, p. 195-216, Jan.-Mar. 1956.
  • GUPTA, Akhil; FERGUSON, James. Beyond “culture”: space, identity, and the politics of difference. Cultural Anthropology, Malden, v. 7, n. 1, p. 6-23, Feb. 1992.
  • HAMMERSLEY, Martin; ATKINSON, Paul. Ethnography: principles in practice. 2th. ed. London: Routledge, 1995.
  • HUNN, Eugene. S. Ethnobiology in four phases. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 27, n. 1, p. 1-10, Spring-Summer 2007.
  • HUNN, Eugene. S. The utilitarian factor in folk biological classification. American Anthropologist, Arlington, v. 84, n. 4, p. 830-847, Dec. 1982. DOI: https://doi.org/10.1525/aa.1982.84.4.02a00070
    » https://doi.org/10.1525/aa.1982.84.4.02a00070
  • INGOLD, Tim. Culture, nature, environment: steps to an ecology of life. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000a. p. 13-26.
  • INGOLD, Tim. A circumpolar night’s dream. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000b. p. 89-110.
  • INGOLD, Tim. Ancestry, generation, substance, memory, land. In: INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000c. p. 132-152.
  • INGOLD, Tim. The optimal forager and economic man. In:DESCOLA, Philippe; PÁLSSON, Gísli (Ed.). Nature and society: anthropological perspectives. London: Routledge, 1996a. p. 25-44.
  • INGOLD, Tim. Hunting and gathering as ways of perceiving the environment. In: ELLEN, Roy F.; FUKUI, Katsuyoshi (Ed.). Redefining nature: ecology, culture and domestication. London: Berg, 1996b. p. 117-155.
  • INGOLD, Tim. Culture, perception and cognition. In: HAWORTH, John Trevor (Ed.). Psychological research: innovative methods and strategies. London: Routledge, 1996c. p. 99-119.
  • INGOLD, Tim. Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Shifting contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, 1995. p. 57-80.
  • INGOLD, Tim; PÁLSSON, Gisli (Ed.). Biosocial becomings: integrating social and biological anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
  • JACKSON, Michael. Knowledge of the Body. Man, London, v. 18, n. 2, p. 327-345, June 1983.
  • KOHN, Eduardo. How forests think: toward an anthropology beyond the human. Berkeley: University of California Press, 2013.
  • KROEBER, A. L.; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: a critical review of concepts and definitions. Cambridge: Harvard University Press, 1952. (Papers of the Peabody Museum of American Archaeology and Ethnology, v. 47).
  • LEACH, Edmund. Anthropological aspects of language: animal categories and verbal abuse. In: LENNEBERG, Eric H. (Ed.). New directions on the studies of language Cambridge: MIT Press, 1964. p. 23-63.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem 12. ed. Campinas: Papirus, 2012 [1962].
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural São Paulo: Cosac Naify, 2008 [1958].
  • MALINOWSKI, Bronislaw. The group and the individual in functional analysis. In: MOORE, HENRIETTA L.; SANDERS, Todd (Ed.). Anthropology in theory: issues in epistemology. 2nd ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2014. p. 90-101.
  • MALINOWSKI, Bronislaw. Argonauts of the western Pacific New York: Dutton, 1961 [1922].
  • MARCUS, George E. What is at stake – and is not – in the idea and practice of multi-sited ethnography. In: MOORE, Henrietta L.; SANDERS, Todd (Ed.). Anthropology in theory: issues in epistemology. 2nd ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2014. p. 531-534.
  • MARQUES, José Geraldo W. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica. 2. ed. São Paulo: NUPAUB/USP, 2001.
  • MARTINS, Paulo Sodero. Dinâmica evolutiva em roças de caboclos amazônicos. In: VIEIRA, Ima Célia Guimarães; SILVA, José Maria Cardoso da; OREN, David Conway; D’INCAO, Maria Ângela (Org.). Diversidade biológica e cultural da Amazônia Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2001. p. 369-384.
  • MASO, Ilja. Phenomenology and ethnography. In: ATKINSON, Paul; COFFEY, Amanda; DELAMONT, Sara; LOFLAND, John; LOFLAND, Lyn (Ed.). Handbook of ethnography London: Sage Publications, 2001. p. 136-144.
  • MERTz, Ole; PADOCH, Christine; FOX, Jefferson Metz; CRAMB, R. A.; LEISz, Stephen J.; LAM, Nguyen Thanh; VIEN, Tran Duc. Swidden change in Southeast Asia: understanding causes and consequences. Human Ecology, New York, v. 37, n. 3, p. 259–264, June 2009.
  • MUNARI, Lucia Chamlian. Memória social e ecologia histórica: a agricultura de coivara das populações quilombolas do vale do Ribeira e sua relação com a formação da mata atlântica local. 2010. 217 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
  • MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. Dialética do sabor: alimentação, ecologia e vida cotidiana em comunidades ribeirinhas da ilha de Ituqui, Baixo Amazonas, Pará. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 2, p. 39-88, quad. 2001a. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012001000200002
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012001000200002
  • MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A mística do pirarucu: pesca, ethos e paisagem em comunidades rurais do Baixo Amazonas. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7, n. 16, p. 113-130, dez. 2001b. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832001000200006
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832001000200006
  • OLIVEIRA, Joana Cabral de. Entre plantas e palavras: modos de constituição de saberes entre os Wjãpi (AP). 2012. 282 f. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade de São Paulo,São Paulo, 2012.
  • OLIVEIRA, Joana Cabral de. Classificações em Cena: algumas formas de classificação das plantas cultivadas pelos Wajãpi do Amapari (AP). 2006. 273 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
  • PEDROSO-JÚNIOR, Nelson Novaes; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; TAQUEDA, Carolina Santos; NAVAzINAS, Natasha Dias; RUIVO, Aglair Pedrosa; BERNARDO, Danilo Vicensotto.; NEVES, Walter Alves. A casa e a roça: socioeconomia, demografia e agricultura em populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 227-252, maio-ago. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222008000200007
  • PRADO, Helbert Medeiros. Feeding ecology of five Neotropical ungulates: a critical review. Oecologia Australis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 459-473, Dec. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704.02
    » http://dx.doi.org/10.4257/oeco.2013.1704.02
  • PRADO, Helbert Medeiros. O Conhecimento de agricultores quilombolas sobre forrageio e uso de habitat por mamíferos de grande porte na Mata Atlântica: evidenciando a centralidade dos ambientes antropogênicos na constituição do etnoconhecimento (Vale do Ribeira, SP, Brasil). 2012. 211 f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
  • PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A etnoecologia em perspectiva: origens, interfaces e correntes atuais de campo em ascensão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 139-160, out.-dez. 2015.
  • PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnenwend. Local and scientific knowledge for assessing the use of fallows and mature forest by large mammals in SE Brazil: identifying singularities in folkecology. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, Burlington, v. 10, n. 7, p. 1-13, jan. 2014. DOI: http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7
    » http://doi.org/10.1186/1746-4269-10-7
  • PRADO, Helbert Medeiros; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni; ADAMS, Cristina; BRONDIZIO, Eduardo Sonnewend. Complementary viewpoints: scientific and local knowledge of ungulates in the Brazilian Atlantic Forest. Journal of Ethnobiology, Tacoma, v. 33, n. 2, p. 180-202, Fall-Winter 2013.
  • QUEIROZ, Renato da Silva. Caipiras negros no Vale do Ribeira: um estudo de antropologia econômica. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2006. (Coleção Ensaios de Cultura).
  • QUINLAN, Marsha. Considerations for collecting freelists in the field: examples from ethnobotany. Field Methods, Thousand Oaks, v.17, n. 3, p. 219-234, Aug. 2005.
  • SANTOS, Kátia M. Pacheco dos; TATTO, Nilto. Agenda socioambiental de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008.
  • STURTEVANT, William C. Studies in ethnoscience. American Anthropologist, Arlington, v. 66, n. 3, p. 99-131, June 1964. DOI: http://dx.doi.org/10.1525/aa.1964.66.3.02a00850
    » http://dx.doi.org/10.1525/aa.1964.66.3.02a00850
  • TAQUEDA, Carolina Santos. A etnoecologia dos jardins-quintal e seu papel no sistema agrícola de populações quilombolas do Vale do Ribeira, São Paulo 2009. 213 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
  • VAN VLIET, Nathalie; MERTz, Ole; HEINIMANN, Andreas; LANGANKE, Tobias; PASCUAL, Unai; SCHMOOK, Birgit; ADAMS, Cristina; SCHMIDT-VOGT, Dietrich; MESSERLI, Peter; LEISz, Stephen; CASTELLA, Jean-Christophe; JØRGENSEN, Lars; BIRCH-THOMSEN, Torben; HETT, Cornelia; BECHBRUUN, Thilde; ICKOWITz, Amy; VU, Kim Chi; YASUYUKI, Kono; FOX, Jefferson; PADOCH, Christine; DRESSLER, Wolfram; zIEGLER, Alan D. Trends, drivers and impacts of changes in swidden cultivation in tropical forest-agriculture frontiers: a global assessment. Global Environmental Change, Amsterdam, v. 22, n. 2, p. 418-429, May 2012.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Who is afraid of the ontological wolf? Some comments on an ongoing anthropological debate. The Cambridge Journal of Anthropology, Hudson, v. 33, n. 1, p. 2-16, Spring 2015.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem São Paulo: Cosac Naify, 2002. p. 345-400.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2017
  • Aceito
    14 Jul 2017
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br