Acessibilidade / Reportar erro

Musealização da natureza e branding parks: espetacularização, mitificação ou sustentabilidade?

Musealization of nature and branding parks: spectacularization, mythification, or sustainability?

Resumo

A implantação e a musealização de parques e de áreas de proteção ambiental não são processos de construção simbólica absoluta, isentos de contradições. Como ocorre nos procedimentos de patrimonialização, o método que justifica escolhas ou estabelece hierarquias é sempre restrito ao olhar específico, especializado e temporal. Como um fio condutor preconcebido, a proteção e a comunicação do espaço direcionam a determinadas percepções, normalmente fragmentadas. Não são procedimentos neutros, já que carregam valores, conhecimentos e paradigmas dos responsáveis por esses movimentos. Raramente levam à divergência de percepções, tendendo à homogeneização de um pensamento formalmente aceito em determinado espaço-tempo, nem sempre contextualizado sob suas tensões e potencialidades originais. Este artigo propõe discutir algumas questões que permanecem atuais, e que geram desconforto nos processos de proteção e de musealização de parques, áreas, territórios e paisagens associados às políticas de preservação ambiental ou de patrimônio natural. Entre essas questões, destacam-se as noções de espetacularização, mitificação, sustentabilidade e branding. É possível musealizar a natureza ou apenas a paisagem? O que distingue esses dois conceitos? Para tentar responder a essa e outras questões, são apresentadas aproximações e distinções ético-filosóficas, associadas aos processos de preservação ambiental e de patrimônio integral, sob a perspectiva de sua epistemologia histórica.

Palavras-chave
Musealização; Natureza; Paisagem; Espetacularização; Sustentabilidade

Abstract

The creation and musealization of parks and environmental protection areas are not absolutely symbolic constructive processes without contradictions. As with the case of public heritage, the methods to justify choices or establish hierarchies are always restricted to the specific, specialized, and temporal gaze. As a preconceived understanding which permeates the entire process, the protection and communication of space guide certain perceptions which are usually fragmented. These are not neutral procedures, since they carry with them values, knowledge, and paradigms. Rarely do they lead to the divergence of perceptions; rather, they tend to homogenize one formally accepted thought in a certain space and time, which is not always contextualized against its original tensions and potentialities. This article discusses issues that remain current and create discomfort in the processes of protecting and musealization of parks, areas, territories, and landscapes associated with environmental preservation or natural heritage policies. Notable among these issues are the notions of spectacularization, mythification, sustainability, and branding. Can nature be musealized, or only the landscape? What distinguishes these two concepts? In an attempt to answer these and other questions, ethical-philosophical approaches and distinctions are presented, along with the processes of environmental preservation and full heritage, from the perspective of their historical epistemology.

Keywords
Musealization; Nature; Landscape; Spectacularization; Sustainability

INTRODUÇÃO

Quando o meio ambiente, como Natureza-espetáculo, substitui a Natureza histórica, lugar de trabalho de todos os homens, e quando a Natureza cibernética ou sintética substitui a Natureza analítica do passado, o processo de ocultação do significado da história atinge o seu auge.

(Santos, 1992SANTOS, Milton. 1992: A redescoberta da Natureza. Estudos Avançados, São Paulo, v. 6, n. 14, p. 95-106, jan./abr. 1992. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141992000100007.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014199200...
, p. 102, grifos do autor).

Em janeiro de 2016, o jornal The Globe and Mail, do Canadá, trouxe uma polêmica sobre o projeto de instalação de um monumento de 24 metros de altura, denominado Mother Canada, no Cape Breton Highlands National Park. O título resumia o tom: “A disneyficação dos parques nacionais do Canadá”. A reportagem incluía a opinião de Kevin Van Tighem, aposentado que havia atuado como superintendente de um dos parques, e um dos 28 gestores e ex-gestores que protestaram contra o projeto. Segundo Tighem, os parques do Canadá não estariam sendo valorizados pelo que são, e cada vez mais eram tratados como “[...] matéria-prima a ser transformada por meio de um conjunto de atrações turísticas e pacotes de marketing padrão Disney”. Para o ex-superintendente, seria como se “[...] a natureza não fosse mais suficiente” (MacGregor, 2016MACGREGOR, Roy. The disneyfication of Canada’s national parks. The Globe and Mail, Toronto, 16 maio 2016. Disponível em: https://www.theglobeandmail.com/news/national/the-disneyfication-of-canadas-national-parks/article28359840/. Acesso em: 30 maio 2018.
https://www.theglobeandmail.com/news/nat...
, tradução nossa).

O monumento pretendia ‘eternizar’ a memória dos canadenses que lutaram nas guerras e não voltaram, razão pela qual a ‘Mãe Canadá’ seria representada por uma figura feminina, de braços estendidos. Com o monumento, havia planos de instalação de um restaurante, um estacionamento e um ‘centro de interpretação’. A ideia, respaldada pelo governo, partiu de um empresário local, mas acabou dividindo opiniões, considerando-se seu impacto à paisagem. Com a polêmica, o monumento não foi implementado, mas apenas por ora, já que um fundo privado foi criado para sua viabilização no futuro. Para além da proposta do monumento, a matéria associava o tema da ‘disneyficação’ ao crescente uso dos parques nacionais canadenses para atividades de glamping1 1 O termo glamping surgiu da fusão entre as palavras glamour e camping. Trata-se de uma ‘tendência’ mundial para o turismo de contemplação da natureza. No Brasil, o glamping vem sendo destacado pela mídia como alternativa de lazer destinada a aqueles que desejam contemplar a natureza sem abrir mão do luxo e do conforto, e sem se importar em pagar as altas tarifas que se aplicam a esse serviço. e à ampliação da infraestrutura para o turismo, por meio de estações de esqui, passarelas de vidro do tipo skywalk e propostas de uso dos lagos congelados para instalação de barracas para pernoite.

O episódio do Canadá não é um fato isolado, e ilustra parte das questões que alimentam os debates acerca das relações entre patrimônio, museu e sociedade. Embora se trate de um tema que vem sendo discutido desde o século XIX, sua problematização intensificou-se especialmente a partir da década de 1970, com o advento da Nova Museologia, e permanece atual. Sob esta mesma problemática, se estabelecem proximidades entre as expectativas de preservação ambiental e de valorização do patrimônio integral2 2 O entendimento sobre ‘patrimônio integral’ remonta à década de 1950, quando já se considerava a necessidade de adoção de práticas integradas de proteção do ambiente cultural e natural, em sua relação com a sociedade (Scheiner, 1998). Por sua vez, a noção de ‘museu integral’ parece ter surgido no âmbito teórico da Museologia em 1972, como decorrência da Mesa Redonda de Santiago do Chile, organizada pelo International Council of Museums (ICOM). O evento reuniu especialistas em desenvolvimento social e econômico, de diversas formações, para discutir, com museólogos da América Latina, o papel social dos museus e da Museologia. Após as conferências dos convidados e os consequentes debates, foram apresentados os princípios que reiteram o papel dos museus no desenvolvimento humano, recomendando que “[...] os temas, coleções e exibições estejam inter-relacionados entre si e com o meio ambiente humano, tanto o natural como o social” (Mesa..., 2012, p. 85). Neste sentido, o ‘museu integral’ seria aquele que procura apresentar uma visão integral do seu ambiente natural e cultural (Mesa..., 2012, p. 29), e que se percebe como ‘parte integrante’ da sociedade, ao “[...] participar da formação da consciência das comunidades que atende” e ao “[...] incentivá-las a agir, situando suas atividades em um contexto histórico para ajudar a identificar problemas contemporâneos; ou seja, ligando o passado ao presente, comprometendo-se com mudanças estruturais em curso e provocando outras mudanças dentro de suas respectivas realidades nacionais” (Mesa..., 2012, p. 116). O ‘museu integral’ não se restringe, portanto, à musealização do conjunto patrimonial de um dado território ou à ênfase ao trabalho comunitário, já que deve considerar sua capacidade de estabelecer relações entre o espaço, o tempo e a memória, e de atuação conjunta a determinados grupos sociais (Scheiner, 2012). . Por meio de suas estratégias de valoração, gestão e comunicação, ambos os movimentos contribuem para que seus paradoxos e desafios sejam semelhantes3 3 Assim como ocorre na valoração do patrimônio cultural, a definição e a proteção do patrimônio natural se estabelece e se afirma sob estruturas sociais e culturais. Nessas estruturas, indivíduos e instituições constroem ou contestam a noção de ‘herança’, não raramente sob entendimentos hegemônicos. Entre os autores que abordam a problemática dos processos de valoração, representação e apreensão do patrimônio natural, sob o ponto de vista da arqueologia e da história, está Wilson (2018), cujo livro “Natural history: heritage, place and politics” recomendamos. .

Desde a década de 1960, a definição de ‘museu’ adotada pelo Conselho Internacional de Museus – International Council of Museums (ICOM) – permite sua aplicação às reservas naturais4 4 Em 1961, o estatuto do ICOM, em seu artigo 3º, passou a reconhecer os sítios naturais entre os diferentes espaços, instituições ou territórios aos quais se aplica a definição de museu (ICOM, 2009). e demais categorias de unidades de conservação da natureza (ICOM, 2009CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM). Evolution de la définition du musée selon les statuts de l’ICOM (2007-1946). Paris: ICOM, 2009. Não paginado. Disponível em: http://archives.icom.museum/hist_def_fr.html. Acesso em: 9 jun. 2018.
http://archives.icom.museum/hist_def_fr....
)5 5 A definição vigente foi adotada na 22ª Assembleia Geral do ICOM, no ano de 2007, em Viena: “Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade e de seu ambiente para fins de educação, estudo e lazer” (ICOM, 2009, tradução nossa). . Caracterizadas como museus de território, as áreas naturais protegidas carregam aspectos ético-filosóficos de motivação, concepção e fruição semelhantes aos que se configuram nos museus tradicionais. Ambos são percebidos ou idealizados socialmente pelo homem como testemunhos de sua existência, a partir de entendimentos temporais e espaciais. Em comum, há o desejo – nem sempre confessável – de perpetuação humana.

Não apenas por suas polêmicas relacionadas ao uso, existem similaridades entre os parques do Canadá e as unidades de conservação da natureza no Brasil. O sistema brasileiro – em grande parte, concebido e articulado entre as décadas de 1960 e 1970 pelo engenheiro agrônomo Alceo Magnanini –, além de considerar a legislação até então existente no país, foi influenciado pelo sistema canadense de unidades de conservação. Em ambos os países, em adição aos parques, existem outras modalidades de proteção, instituídas por meio da legislação ambiental ou pelas normativas do patrimônio, aí incluídas as que se designam como patrimônio mundial.

Apesar das semelhanças estruturais e de origem entre os sistemas canadense e brasileiro, nem sempre as propostas de uso dos parques e sítios são semelhantes nos dois países, assim como costuma ser diferente a abrangência das reações públicas às iniciativas consideradas polêmicas. No Brasil, as controvérsias sobre eventuais efeitos adversos dos processos de mercantilização6 6 Quanto ao processo de mercantilização do patrimônio, sugere-se a leitura do artigo de Prats (2006), que aponta os impactos dessa prática sobre a economia turística e as representações identitárias. dessas áreas nem sempre são ruidosas, o que não quer dizer que deixem de ser questionáveis a médio e longo prazos.

Várias reflexões podem ser traçadas a partir da análise das propostas de uso e comunicação das unidades de conservação da natureza e de outros sítios naturais. São recorrentes os argumentos quanto às dificuldades de manutenção e à busca de usos ‘sustentáveis’, que estimulem o acesso e a multiplicação do conhecimento sobre essas áreas à maior parte da sociedade. Esse desafio, no entanto, tem sido desvirtuado também no Brasil, por ações nem sempre integradoras, quando esses bens ‘comuns’7 7 Faz-se uso da noção de ‘comum’ apresentada por Harvey (2014), em seu livro “Cidades rebeldes”. Os ‘comuns’ são bens materiais ou imateriais associados ao uso social e coletivo. Apesar de sua relação com a coletividade, os ‘comuns’ preveem formas de ‘cercamento’, físico ou institucional, quando se estabelecem normas e restrições para seu uso e/ou proteção. O autor discute as contradições desses ‘cercamentos’, especialmente quando a única garantia de coletividade é o seu isolamento, ou quando, por iniciativas raramente participativas, acabam por adequar-se às lógicas do mercado. – urbanos ou não – acabam homogeneizados nos processos de competitividade entre municípios ou estados. Nesses casos, o espaço natural é comunicado superficialmente, de maneira fragmentada ou descontextualizada de seus aspectos históricos, científicos, sociais ou culturais, geralmente sob a forma de estratégias de marketing voltadas à atratividade turística. Como efeito colateral comum a essas ações – que também se consolidam sob a justificativa de ‘desenvolvimento sustentável’ – observa-se frequentemente que sua implantação prioriza especialmente as expectativas econômicas.

Apoiadas por iniciativas públicas e privadas, as polêmicas associadas ao uso desses bens ‘comuns’ surgem principalmente quando se dão sob as óticas do empreendedorismo e do branding. Esse foi o caso da ‘Mãe Canadá’, quando princípios, entendimentos e expectativas entraram em choque, em disputas de ‘poder simbólico’ (Bourdieu, 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989., 2007BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção Sergio Miceli. 6. ed. 1. reimp. São Paulo: Perspectiva, 2007.) e expectativas díspares. Quando não inviabilizados nessas disputas, sob a afirmação das lógicas da competitividade e da ‘sustentabilidade’, os ‘comuns’ são reconfigurados como marcas de atratividade, voltadas à agregação de maior valor econômico. Quais seriam os limites dessas práticas?

Nas estratégias motivadas prioritariamente por expectativas econômicas, percebe-se um ‘vale tudo’ na disputa pela atenção do visitante-consumidor, quando se pressupõem suas preferências e seus interesses. Sob as contradições de uma ‘sociedade de consumo’ (Baudrillard, 2017BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Artur Morão. Rio de Janeiro: Elfos Editora; Lisboa: Edições 70, 2017.), mantêm-se vivos os debates que, há cinco décadas, propõem críticas à espetacularização (Debord, 2017DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.), à mitificação do patrimônio ou a seu simulacro (Baudrillard, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Tradução de Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.).

Este artigo, centrado na teoria da Museologia e nos conceitos de patrimônio integral e de preservação ambiental, propõe aproximar as questões e os desafios comuns a esses e a outros campos do conhecimento, e refletir sobre os processos de musealização8 8 Entendemos por musealização a subordinação de um conjunto de registros materiais/imateriais da natureza e da cultura a parâmetros específicos de proteção, documentação, estudo e interpretação, próprios do museu (Scheiner, 1998). Nessa concepção, considera-se o conceito de ‘museu integral’, que procura agregar em suas práticas os diferentes elementos de um determinado espaço-tempo: bens naturais renováveis e não renováveis, formas e processos de ocupação desse espaço-tempo, interações entre os grupos humanos e a paisagem, relações intergrupais, bens e processos culturais. Por se tratar de um conceito em construção permanente, sugerimos também a leitura de outros entendimentos e compreensões, que partem de diferentes autores da Museologia (Stránský, 1995; Cury, 1999; Desvallées; Mairesse, 2011). de territórios da natureza, na atualidade. Nessas áreas naturais, tais processos se configuram quando se implantam ações não apenas restritas à comunicação, mas também de preservação e conservação, pesquisa, documentação e visitação9 9 Sobre processos de musealização de territórios naturais, sugere-se a leitura da dissertação da bióloga Elisama Beliani, apresentada em 2012 ao Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) (Beliani, 2012). . Ao aproximar as expectativas e práticas de conservação dos sítios naturais às de preservação do patrimônio cultural, todos esses territórios da natureza podem ser entendidos como museus. Em ambos os casos – nas políticas de conservação da natureza ou de preservação do patrimônio e de sua musealização –, está sempre em pauta um processo de identificação e valoração.

Isso não quer dizer que todos os sítios naturais estejam automaticamente preparados para atuar como museus. Como em qualquer museu, os desafios e as contradições são comuns, especialmente porque toda valoração envolve relações de poder, quando se associam aos objetos preservados entendimentos subjetivos ou paradigmas científicos, não raramente questionáveis. Mais do que problemas associados a estratégias museográficas, que se relacionam a equipamentos, aparatos ou estratégias de comunicação dessas áreas, o que geralmente se caracteriza como ‘espetacularização’ ou ‘mitificação’ está associado não apenas aos meios, mas especialmente aos entendimentos, sempre considerados como constructos humanos.

Nesse sentido, são aqui destacadas as discussões que, a partir das concepções museais e comunicacionais, acabam por suscitar contradições e adversidades, entre elas as que se relacionam à mercantilização e à espetacularização do patrimônio e à frustração das expectativas de desenvolvimento humano, tido como ‘sustentável’. Sob tais problemáticas, propõe-se apresentar uma breve revisão da literatura especializada, com base na interpretação da epistemologia histórica"> 9. Ao aproximar as expectativas e práticas de conservação dos sítios naturais às de preservação do patrimônio cultural, todos esses territórios da natureza podem ser entendidos como museus. Em ambos os casos – nas políticas de conservação da natureza ou de preservação do patrimônio e de sua musealização –, está sempre em pauta um processo de identificação e valoração.

Isso não quer dizer que todos os sítios naturais estejam automaticamente preparados para atuar como museus. Como em qualquer museu, os desafios e as contradições são comuns, especialmente porque toda valoração envolve relações de poder, quando se associam aos objetos preservados entendimentos subjetivos ou paradigmas científicos, não raramente questionáveis. Mais do que problemas associados a estratégias museográficas, que se relacionam a equipamentos, aparatos ou estratégias de comunicação dessas áreas, o que geralmente se caracteriza como ‘espetacularização’ ou ‘mitificação’ está associado não apenas aos meios, mas especialmente aos entendimentos, sempre considerados como constructos humanos.

Nesse sentido, são aqui destacadas as discussões que, a partir das concepções museais e comunicacionais, acabam por suscitar contradições e adversidades, entre elas as que se relacionam à mercantilização e à espetacularização do patrimônio e à frustração das expectativas de desenvolvimento humano, tido como ‘sustentável’. Sob tais problemáticas, propõe-se apresentar uma breve revisão da literatura especializada, com base na interpretação da epistemologia histórica10 10 Ao tomar partido de uma análise por meio da epistemologia histórica, de Gaston Bachelard, reafirma-se o caráter científico dos campos de conhecimento do Patrimônio, da Museologia e do Meio Ambiente. Entretanto, embora se reconheçam as especificidades desses campos, optou-se por valorizar os aspectos ‘entre’, ‘através’ e ‘além’ de suas abordagens, que se fortalecem sob suas interações transdisciplinares. Para Bachelard (2006), a análise do conhecimento científico deve ser crítica e, assim, permitir a retificação dos saberes, ao condenar seus erros históricos. , de Bachelard (2006)BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Tradução de Fátima Lourenço Godinho e Mário Carmino Oliveira. Lisboa: Edições 70, 2006..

A PRESERVAÇÃO SOB OS CAMPOS DE PODER SIMBÓLICO11 11 Sugere-se o uso das concepções de ‘campo’ e ‘poder simbólico’ propostos por Bourdieu (1989) para a análise de parte dos fenômenos de percepção social, de produção simbólica e das relações formais e informais de poder envolvidas nas políticas de preservação do patrimônio e de proteção do meio ambiente.

Na atualidade, quando se trata dos aspectos relacionados à proteção ambiental, no mínimo dois espaços de atuação social e política vêm à mente: o do meio ambiente, responsável pelos mecanismos legais de proteção ambiental, e o da cultura, com as ações de preservação do patrimônio. Embora esses entendimentos sejam embasados por metodologias e legislação próprias, está-se diante de preocupações, expectativas e procedimentos comuns. A análise dos instrumentos legais do Brasil demonstra que, apesar das especificidades da cultura e do meio ambiente, as primeiras iniciativas constitucionais de preservação e proteção tratavam igualmente desses dois campos.

Como um dos países pioneiros na institucionalização destas preocupações comuns, em 1934, o Brasil passou a considerar, como princípio constitucional, a proteção das ‘belezas naturais’ e dos ‘monumentos de valor histórico ou artístico’ (Brasil, 1934BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Rio de Janeiro, 1934. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). Três anos mais tarde, com a promulgação da Constituição de 1937, um novo texto associou a preservação desses bens à noção de patrimônio nacional (Brasil, 1937aBRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Rio de Janeiro, 1937a. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). No mesmo ano, o Decreto-Lei no 25 passou a organizar a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, com a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – e com a instituição do tombamento como mecanismo legal de proteção (Brasil, 1937bBRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro, 1937b. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
). A vinculação entre o caráter cultural e natural foi estabelecida nesse decreto, ao definir-se que estão “[...] também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana” (Brasil, 1937bBRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro, 1937b. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
).

A atual Constituição Federal, embora mantenha os aspectos de valorização da natureza nos entendimentos de preservação do patrimônio cultural, aborda a proteção e a preservação dessas ‘modalidades’ em dois capítulos específicos. O artigo 216, que trata do patrimônio cultural, inclui, entre os bens de interesse à preservação, os conjuntos e sítios de valor paisagístico ou ecológico (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). Por outro lado, o artigo 225, que trata do direito ao meio ambiente, estabelece “[...] à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), e faz referência específica ao patrimônio nacional, nos casos do patrimônio genético e de biomas ou formações geomorfológicas específicas, como a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
).

Internacionalmente, as discussões sobre a proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural foram abordadas conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) –, com a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, em 1972. Essa convenção, conhecida como Recomendação de Paris, ocorreu paralelamente à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que tratou dos princípios básicos de proteção da natureza, conhecida como Conferência de Estocolmo.

A Recomendação de Paris foi a primeira convenção internacional a estabelecer a noção de ‘patrimônio natural’, do qual fazem parte os monumentos naturais, os sítios, os lugares ou as zonas naturais delimitadas, de diferentes formações geológicas, biológicas e fisiográficas, ou as que se constituem como habitat de espécies ameaçadas. Em comum, todos devem possuir um ‘valor excepcional’ sob os pontos de vista da ciência, da conservação ou da ‘beleza natural’. Entre os diversos aspectos relevantes, o documento estabelece a necessidade de assegurar e “[...] atribuir ao patrimônio cultural e natural uma função à vida coletiva”, com o intuito de “[...] integrar a proteção desse patrimônio nos programas de planejamento geral” (UNESCO, 1972ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Convención sobre la Protección del Patrimonio Cultural, Mundial y Natural. In: REUNIÓN DE LA CONFERENCIA GENERAL DE LA ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA, 17., Paris, 1972. Não paginado. Disponível em: http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://whc.unesco.org/archive/convention...
, tradução nossa).

Foi também em 1972, em reação a uma ‘crise de identidade’, que a Museologia ‘reafirmou’ o museu por suas abordagens sociais. Em 1971, Duncan Cameron havia afirmado que essa crise era decorrente da “[...] incapacidade dos museus de resolverem os problemas de definição de seu papel na sociedade” (Cameron, 1992CAMERON, Duncan. Le musée: un temple ou un forum. In: DESVALLÉES, André (org.). Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. Mâcon: Éditions W; Savigny-le-Temple: M.N.E.S., 1992. v. 1, p. 77-98. (Collection Muséologie)., p. 77, tradução nossa). A Mesa Redonda de Santiago do Chile, organizada pelo ICOM em 1972, ao conceber os princípios do ‘museu integral’, reafirmou institucionalmente o caráter social do museu e da Museologia (Varine, 1987VARINE, Hugues de. O tempo social. Rio de Janeiro: Eça, 1987.; Maure, 1995MAURE, Marc. La nouvelle muséologie - qu’est-ce-que c’est? ICOFOM Study Series, Paris, n. 25, p. 127-132, 1995. Symposium Museum and Community II. Stavanger, Noruega, jul. 1995. Editor Martin R. Schärer.; Scheiner, 2000SCHEINER, Teresa Cristina. The many faces of ICOFOM. Cahiers d’Étude Study Series, Paris, n. 8, p. 2-3, 2000. Disponível em: http://archives.icom.museum/study_series_pdf/8_ICOM-ICOFOM.pdf. Acesso em: 18 dez. 2017.
http://archives.icom.museum/study_series...
).

Décadas mais tarde, outras conferências procuraram reforçar o caráter integral do patrimônio. A Agenda 21, como um dos principais documentos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, prevê, entre as estratégias para o ‘aumento da consciência pública’, a promoção de atividades de lazer e de turismo “[...] ambientalmente saudáveis, [...] fazendo uso adequado de museus, lugares históricos, jardins zoológicos, jardins botânicos, parques nacionais e outras áreas protegidas” (Brasil, 1995BRASIL. Câmara dos Deputados. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Centro de Documentação e Informação: Coordenação de Publicações, 1995. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/7706. Acesso em: 28 maio 2018.
http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcam...
, p. 436). Em 2003, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada em Paris, pela primeira vez considerou os aspectos imateriais associados à natureza, quando destacou “[...] a profunda interdependência que existe entre o patrimônio cultural imaterial e o patrimônio material cultural e natural [...]”12 12 Cabe lembrar que o Brasil também foi pioneiro na regulamentação e institucionalização do patrimônio imaterial. Três anos antes da Convenção de Paris, o Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, instituiu, no país, o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). (UNESCO, 2003, tradução nossa). Dentre os aspectos abordados naquela convenção, considerou-se que o patrimônio imaterial “[...] é recriado constantemente pelas comunidades e grupos em função de seu entorno, sua relação com a natureza e sua história [...]” (UNESCO, 2003ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Convención para la Salvaguardia del Patrimonio Inmaterial. In: REUNIÓN DE LA CONFERENCIA GENERAL DE LA ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA, 32., Paris, 2003. Não paginado. Disponível em: https://ich.unesco.org/es/convencion. Acesso em: 2 jun. 2018.
https://ich.unesco.org/es/convencion...
, tradução nossa). Essa compreensão foi de extrema relevância para o campo do Patrimônio, já que reforçou os entendimentos de ‘patrimônio integral’ e ‘paisagem cultural’.

Por outro lado, como em qualquer documento de convenções internacionais, não há garantias de que sua interpretação seja sempre adequada, quando suas abordagens, contraditoriamente, suscitam ambiguidades no processo de desenvolvimento humano. Esse é o caso da recomendação da Agenda 21, ao estimular, ‘quando apropriadas’, atividades de lazer e de turismo em áreas protegidas. Se, por um lado, as atividades de lazer e de turismo podem fortalecer o desenvolvimento humano junto às áreas ‘comuns’ protegidas, por outro, nem sempre essas iniciativas consideram as limitações de ‘uso’, quando estratégias inadequadas de planejamento, marketing e branding acabam por gerar fluxos que ultrapassam a capacidade de recepção de visitantes, ou desconsideram as dinâmicas sociais e culturais pré-existentes.

Françoise Choay, a esse respeito, atribui à UNESCO, por sua classificação de patrimônio mundial13 13 Os procedimentos da UNESCO na definição do patrimônio mundial foram implementados a partir da Declaração de Paris, de 1972. O tema do patrimônio mundial é detalhado naquele documento em seus artigos 8 a 14 (UNESCO, 1972). , o desenvolvimento exponencial da mercantilização do patrimônio, que teria estimulado uma corrida internacional pela obtenção de tal chancela. Consequentemente, os países estariam interessados na ampliação do fluxo de turistas e visitantes, mas raramente sob condições que efetivamente contribuem para as necessidades de conservação e preservação (Choay, 2011CHOAY, Françoise. O patrimônio em questão: antologia para um combate. Tradução de João Gabriel Alves Domingos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. (Coleção Patrimônio).).

De outra forma, a Recomendação de Paris, quando explicita a necessidade de ‘atribuir’ ao patrimônio uma ‘função na vida coletiva’ (UNESCO, 1972ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Convención sobre la Protección del Patrimonio Cultural, Mundial y Natural. In: REUNIÓN DE LA CONFERENCIA GENERAL DE LA ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA, 17., Paris, 1972. Não paginado. Disponível em: http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf. Acesso em: 2 jun. 2018.
http://whc.unesco.org/archive/convention...
, tradução nossa), permite a interpretação de que não se considera a vida pré-existente. Não se estranham, portanto, os problemas relacionados às alterações de ‘uso’ dessas áreas ou territórios14 14 Sob os entendimentos da Geografia, a noção de território costuma ser associada a uma relação de poder que tenta estabelecer limite, não necessariamente visível ou material, mas fixo e imutável em um determinado espaço-tempo. Por outro lado, a paisagem é dependente de sua percepção aos sentidos humanos e, também por essa razão, se configura como atributo móvel do indivíduo ou de uma sociedade (Santos, 1991, 2004, 2006). Esses entendimentos, no entanto, estabelecem certas tensões sob a lógica dos procedimentos de musealização e patrimonialização. Ao atribuir-se a todo território, patrimonializado ou musealizado, significações específicas a uma determinada sociedade (sob fronteiras visíveis ou invisíveis), está-se também reconhecendo tal território enquanto paisagem. De outro modo, ao se configurar a paisagem como apta à valoração associada aos processos de musealização e/ou de patrimonialização, está-se aí definindo limites por meio de instâncias de poder institucional ou simbólico, configurando à paisagem o estatuto de território preservado. , após o reconhecimento como patrimônio, território natural protegido, ou após sua musealização, principalmente quando essas estratégias são incluídas em projetos de ‘requalificação’ ou ‘revitalização’. Nesses casos, são comuns os processos de gentrificação, em territórios urbanos, ou de remoção de povos e comunidades tradicionais, em territórios naturais não urbanos.

NATUREZA, MUSEALIZAÇÃO E PAISAGEM CULTURAL

Marilena Chauí considera ‘desprovida de sentido’ a distinção entre natureza e ação humana (ética, política, histórica, técnica). Segundo a autora, entre as diferentes concepções humanas sobre a natureza, em comum “[...] considera-se natural tudo que existe no universo ‘sem a intervenção da vontade e da ação humanas’” (Chauí, 2003CHAUÍ, Marilena. Natureza, cultura, patrimônio ambiental. In: MEIO Ambiente: Patrimônio Cultural da USP. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial, 2003. p. 47-55., p. 47). Para Chauí, reside aí um paradoxo, já que o constructo científico da concepção de natureza é dependente da distinção humana. Assim, se aceitarmos o entendimento sobre o que é ‘natural’, o próprio entendimento de natureza, sendo dependente da concepção humana, não seria natural. O mesmo ocorre quando se aplica o entendimento de patrimônio à natureza, vinculando-a às percepções de conhecimento científico, pertencimento ou identidade. Novamente, atrelam-se, nessas associações, entendimentos humanos. Assim, a partir da reflexão de Chauí, pode-se afirmar que a distinção entre natureza e ação humana também perde sentido quando se entende que a primeira é percebida apenas como detentora de ‘produtos’ (renováveis ou não), destinados ao ‘uso’ (sustentável ou não) e ao ‘consumo’ humanos (Chauí, 2003CHAUÍ, Marilena. Natureza, cultura, patrimônio ambiental. In: MEIO Ambiente: Patrimônio Cultural da USP. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial, 2003. p. 47-55.).

Se partirmos dos pressupostos de que a natureza inclui a ação humana, e que esta, por sua vez, é quem apreende essa natureza em sua unidade de ‘ser’, perceberemos que, pelo menos em um processo convencional de musealização15 15 Consideramos como processos convencionais de musealização aqueles que se concretizam como procedimentos formais e se estabelecem nos modelos conceituais de museu tradicional, museu de território e museu virtual. Não convencionais seriam os procedimentos de uma musealização teórica, apenas imaginária ou poética, associada aos modelos teóricos de museu interior e museu global. Para maiores detalhes sobre a proposição de diferentes modelos de museus, sugere-se a leitura do artigo “Musée et Muséologie - définitions en cours” (Scheiner, 2007). , não é possível abarcar a indivisibilidade da natureza, tal como a concebemos. Não haveria, segundo esta perspectiva, a possibilidade de musealizar a integridade da natureza a partir de um modelo aplicado de museu. Está-se aqui, então, fechando a questão? Ainda não.

As abordagens da natureza e do meio ambiente nos museus, bem como as perspectivas de musealização da paisagem, são temas tratados pelos franceses Jean Davallon, Gérald Grandmont e Bernard Schiele, no livro “O ambiente entra ao museu” – “L’Environnement entre au Musée”. Nessa obra, Davallon et al. (1992)DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992. apresentam reflexões sobre os entendimentos de diferentes teóricos da Museologia que participaram do colóquio internacional “Muséologie et environnement”, realizado em Lyon, na França, em 1990. Segundo os autores, até a década de 1970 os museus raramente se colocavam como protagonistas nas grandes discussões ambientais. Pouco a pouco, essa realidade foi alterada e, na década de 1990, já se podia pensar em uma ‘museologia do ambiente’ (Davallon et al., 1992DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992.), desenvolvida paralelamente aos movimentos da Nova Museologia e dos ecomuseus.

Ainda que tratem mais especificamente das abordagens sobre o meio ambiente ou sobre a paisagem no museu tradicional, algumas questões analisadas por Davallon et al. (1992)DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992. aplicam-se perfeitamente à musealização de territórios, como parques, sítios e paisagens naturais. De modo geral, os autores consideram que as relações dos museus (e assim entendidos os territórios naturais musealizados) com as questões ambientais não deveriam ser apenas temáticas em suas exposições, mas integradas à ‘lógica do museu’, por meio de uma ‘sensibilidade ecológica’ que se concretize em sua concepção, suas ações, suas ideias e interrogações. Tal lógica e sensibilidade deveriam “[...] se desdobrar, interceptar, interpenetrar e amarrar-se nos fazeres do museu, valorizando, assim, a relação do ser humano com a natureza” (Davallon et al., 1992DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992., p. 21, tradução nossa). Sob essa mesma lógica socioambiental, complementam os autores:

[...] a problemática da relação entre os museus e o ambiente não pode ser estabelecida apenas sob um aspecto visível (e redutor) do ambiente como ‘sujeito’ de uma exposição ou das atividades museais; ela deve basear-se num exame cuidadoso e detalhado do contexto social comum, subjacente tanto à evolução das representações sociais das ‘coisas’ da natureza que atravessam a nossa sociedade, quanto à evolução de sua apresentação no museu [...]

(Davallon et al., 1992DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992., p. 21, tradução nossa).

Esses entendimentos de Davallon et al. (1992)DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée. Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992., quanto à necessidade de uma visão integradora no museu – entre homem e natureza, ou homem e ambiente – reforçam a percepção de outros autores a respeito das idealizações humanas sobre natureza, ambiente e paisagem. No começo do século XX, o sociólogo alemão Georg Simmel considerava que a natureza, como ‘unidade sem fronteiras’, não teria qualquer sentido fracionada. Por outro lado, ponderava que somente a paisagem seria essencialmente delimitada, já que esta seria sempre percebida como um recorte específico, um ‘excerto da natureza’ (Simmel, 2009SIMMEL, Georg. A filosofia da paisagem. Tradução de Artur Mourão. Covilhã: LusoSofia Press, 2009. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf. Acesso em: 7 jun. 2018.
http://www.lusosofia.net/textos/simmel_g...
). Desse modo, a paisagem, enquanto conceito polissêmico e como contemplação ‘reclusa’ do homem, limitada a um horizonte espaço-temporal, seria dependente da natureza humana e, justamente por isso, ornada de limites que não existem para o todo ‘uno’ da natureza. Trata-se de uma “[...] decisão psíquica [...]”, de uma “[...] transformação autônoma [...]”, fragmentada do “[...] sentimento unitário da natureza [...]” (Simmel, 2009SIMMEL, Georg. A filosofia da paisagem. Tradução de Artur Mourão. Covilhã: LusoSofia Press, 2009. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf. Acesso em: 7 jun. 2018.
http://www.lusosofia.net/textos/simmel_g...
, p. 6-7). Sob entendimentos semelhantes, Anne Cauquelin, no livro “A invenção da paisagem”, traz a metáfora da janela que fragmenta o todo da natureza, e o modo pelo qual percebemos a paisagem:

Uma vez que o quadro corta e recorta, ele vence sozinho o infinito do mundo natural, faz recuar o demasiado cheio, o demasiado diverso. O limite que ele coloca é indispensável à constituição de uma paisagem enquanto tal

(Cauquelin, 2014CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. Tradução de Pedro Bernardo. Lisboa: Edições 70, 2014., p. 101).

Simmel (2009)SIMMEL, Georg. A filosofia da paisagem. Tradução de Artur Mourão. Covilhã: LusoSofia Press, 2009. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf. Acesso em: 7 jun. 2018.
http://www.lusosofia.net/textos/simmel_g...
também enfatizava que entre a Antiguidade e a Idade Média não havia entendimento sobre paisagem, até que esta passou a ser considerada por meio da pintura. Sobre um processo de percepção necessariamente simbólica e estética da paisagem, considerou Simmel (2009, p. 11)SIMMEL, Georg. A filosofia da paisagem. Tradução de Artur Mourão. Covilhã: LusoSofia Press, 2009. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf. Acesso em: 7 jun. 2018.
http://www.lusosofia.net/textos/simmel_g...
:

Quando realmente vemos uma paisagem, e já não uma soma de objetos naturais, temos uma obra de arte in statu nascendi. E se, muitíssimas vezes, perante as impressões de uma paisagem, ouvimos os leigos dizerem que gostariam de ser pintores para reter essa imagem, isso significa decerto não só o desejo de fixar uma reminiscência [...], mas também que em nós, já nessa contemplação, está viva e se tornou operante, por embrionária que seja, a forma artística.

A invenção estética da paisagem, bem como a percepção da natureza enquanto ambiente ou meio, como idealizações humanas do mundo natural e do que se entende por ‘realidade’, permitiram à humanidade a construção do conhecimento da natureza por suas partes, dando origem aos campos e disciplinas do conhecimento. Por outro lado, também contribuíram para a exacerbação de uma visão cientificista, cartesiana e antropocêntrica, que apartou o homem dessa natureza e que, de certa forma, passou a considerar suas disciplinas como ‘neutras’, ‘isoladas’ ou ‘isentas’ de uma outra natureza, ‘não objetiva’.

Uma das alternativas pensadas no sentido de mitigar esse suposto distanciamento do homem à natureza, especialmente nas ações de preservação do patrimônio integral, foi o desenvolvimento do conceito de paisagem cultural. Apesar dos indícios de que a noção de paisagem teria surgido a partir de sua percepção pelos pintores (Simmel, 2009SIMMEL, Georg. A filosofia da paisagem. Tradução de Artur Mourão. Covilhã: LusoSofia Press, 2009. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf. Acesso em: 7 jun. 2018.
http://www.lusosofia.net/textos/simmel_g...
), teriam sido geógrafos alemães quem primeiramente propuseram, no meio acadêmico, o conceito científico de paisagem cultural, no século XIX. A princípio, tal denominação serviria para diferenciar a ‘paisagem original’ de uma ‘paisagem cultural’. No início do século XX, o geógrafo norte-americano Carl Sauer, influenciado pelos estudos dos alemães, propôs o conceito de paisagem cultural para justificar que a paisagem natural está em constante transformação no tempo e no espaço, assim como a cultura que a envolve (Ribeiro, 2007RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2007. (Pesquisa e documentação do IPHAN). Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/SerPesDoc1_PaisagemCultural_m.pdf. Acesso em: 27 maio 2018.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publi...
).

No decorrer do século XX, várias convenções internacionais sobre a preservação do patrimônio abordaram aspectos relacionados à paisagem e à necessidade de uma visão integradora. Em 1992, o Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO tornou-se a primeira instância internacional a implementar as ações relacionadas à paisagem cultural. Após novos debates acerca dos procedimentos de preservação do patrimônio natural, e da necessidade de integração entre os valores naturais e culturais no Brasil, em 2009, o IPHAN instituiu a chancela da paisagem cultural (Brasil, 2009BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria nº 127, de 30 de abril de 2009. Estabelece a chancela da Paisagem Cultural Brasileira. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n. 83, p. 17, 5 maio 2009. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria_127_de_30_de_Abril_de_2009.pdf. Acesso em: 11 jun. 2018.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/legis...
)16 16 Para entender o desenvolvimento do conceito de paisagem cultural, e suas implicações nas políticas de preservação do patrimônio cultural brasileiro, sugere-se a leitura do livro “Paisagem cultural e patrimônio”, de Ribeiro (2007), publicado pelo IPHAN. .

Embora se reconheça a relevância do conceito de paisagem cultural para a consolidação do patrimônio integral e, por consequência, para a valorização das interações natureza-homem-sociedade17 17 Optou-se por uma sutileza semântica, ao considerar ‘homem’ e ‘natureza’ como partes de uma interação. Com isso, procura-se enfatizar a não oposição ou hierarquização entre ‘natureza-homem-sociedade’, fundamental à consolidação do conceito de ‘museu integral’. Trata-se de posicionamento teórico influenciado por enfoque ambientalista ‘ecocêntrico’ ou ‘biocêntrico’, que propõe “[...] ver o mundo natural em sua totalidade, na qual o homem está inserido como qualquer ser vivo”, em oposição ao enfoque ambientalista ‘antropocêntrico’, que “[...] opera na dicotomia entre homem e natureza” (Diegues, 2001, p. 42). , percebe-se um paradoxo de origem. Se a paisagem se vincula necessariamente à percepção temporal de um ou mais fragmentos da natureza, seu conceito já carrega uma condição cultural, que se estabelece como constructo humano e social, mesmo quando se dá sob motivações científicas. Por que, então, a necessidade de refirmar a condição cultural da paisagem, considerando ser essa sua característica inata?

De certa forma, a tradição judaico-cristã, por meio de sua visão criacionista, seguida dos paradigmas da ciência, ao apartar o ser humano de parte de seus objetos de estudo, contribuiu para que a paisagem e a cultura, assim como a natureza, o homem e a sociedade, fossem percebidas distintamente. Ao acrescentar a abordagem ‘cultural’ ao conceito de paisagem, pretendia-se enaltecer esse atributo, não apenas com relação às políticas de preservação do patrimônio, mas também sob os movimentos de outras ciências. Trata-se do mesmo argumento que procura sustentar que certas disciplinas das ciências sociais e humanas, por exemplo, precisam de determinados apostos para fortalecer compreensões e motivações espaço-temporais.

Em todos os campos de conhecimento, surgem correntes teóricas que apresentam divergências de pensamento, ou que não se identificam com os caminhos seguidos por seu próprio campo, seja por considerar desvios de função, ou por perceber que seus objetos parecem esquecidos ou desvinculados de uma expressão original do campo. Assim, somente o tempo dirá se o conceito de paisagem cultural terá força suficiente para sobrepujar uma origem que se explica por razões de afirmação objetiva e de poder simbólico. Se a paisagem fosse sempre entendida como fragmento sociocultural ‘da’ e ‘na’ natureza, por seus aspectos integradores, e sob a lógica ecosófica18 18 Os princípios da ecosofia são desenvolvidos por Félix Guattari, no ensaio “As três ecologias”. Guattari (2014) propõe que as questões que deterioram o planeta e que ameaçam os seres vivos, e a própria existência humana, sejam consideradas sob perspectivas ecológicas que transcendam seus aspectos naturais e ambientais, e que considerem as relações sociais e a subjetividade humana. Esses três aspectos (ambiental, social e de subjetividade humana) são propostos pelo autor como as três ecologias que, não dissociadas, compõem o pensamento ecosófico. do patrimônio integral, não haveria necessidade de ser reafirmada ‘culturalmente’. As divergências do pensamento científico, como bem colocam Gaston Bachelard e Thomas Kuhn19 19 Autor de obras como “A estrutura das revoluções científicas” (1962), Thomas Kuhn abordou aspectos da história da ciência e, ao contrastar uma perspectiva formalista à historicista, considerava que a ciência se configura ao longo do tempo, relacionando-se às épocas históricas e às suas peculiaridades sociais e humanas (Kuhn, 1998). , são inerentes ao desenvolvimento da ciência, sempre atrelado à sua própria história.

PRESERVAÇÃO DO MITO, PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO

A observação e a experiência podem e devem restringir drasticamente a extensão das crenças admissíveis, porque de outro modo não haveria ciência. Mas não podem, por si só, determinar um conjunto específico de semelhantes crenças.

(Kuhn, 1998KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998., p. 23).

Na matéria que considerava o processo de ‘disneyficação’ dos parques nacionais do Canadá – citada na introdução deste artigo –, Kevin Van Thigem afirmava que, diante das propostas de novos equipamentos naqueles territórios, voltados às demandas do turismo, parecia que a natureza “[...] não era mais suficiente [...]” (MacGregor, 2016MACGREGOR, Roy. The disneyfication of Canada’s national parks. The Globe and Mail, Toronto, 16 maio 2016. Disponível em: https://www.theglobeandmail.com/news/national/the-disneyfication-of-canadas-national-parks/article28359840/. Acesso em: 30 maio 2018.
https://www.theglobeandmail.com/news/nat...
, tradução nossa). A percepção de Van Thigem não é incomum, já que reflete o que também se percebe nos museus. Serge Chaumier, ao analisar o fenômeno de espetacularização em exposições de museus, considerava que a “[...] reconstituição imaginária da realidade torna-se mais real e significativa do que a própria realidade, que de repente parece triste e infeliz” (Chaumier, 2005, p. 27, tradução nossa).

Segundo Françoise Choay, o enfraquecimento das relações do corpo com o mundo concreto da natureza, como efeito adverso de uma revolução ‘eletro-telemática’ (Choay, 2011CHOAY, Françoise. O patrimônio em questão: antologia para um combate. Tradução de João Gabriel Alves Domingos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. (Coleção Patrimônio).), teria intensificado no ser humano a necessidade de elaboração de ‘substitutos’ (que outros entendem como ‘próteses do real’). No caso das percepções da memória e da identidade humanas, esses substitutos teriam a função de remediar “[...] a ausência da cultura real, conferindo ao patrimônio uma atratividade artificial, em meio a um condicionamento (mental e material) que o torna visível e desejável, próprio ao consumo (cultural)” (Choay, 2011CHOAY, Françoise. O patrimônio em questão: antologia para um combate. Tradução de João Gabriel Alves Domingos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. (Coleção Patrimônio)., p. 35>). São esses substitutos, concebidos e comunicados, que mantêm as discussões sobre a espetacularização da sociedade nos processos de mitificação de seus objetos de consumo.

Essa necessidade de reconhecimento das memórias culturais teria se intensificado especialmente a partir da década de 1980, conforme sugere Andreas Huyssen. O autor considera que, como consequência da popularização dos aparatos de comunicação, a “[...] percepção da distância espacial e temporal entre passado e presente está se apagando”, por uma ‘simultaneidade imaginária’, centrada sob uma “[...] desrealização narcísica”. Essa aparente sincronia faz com que o presente sucumba “[...] ao seu poder mágico de simulação e projeção de imagens”, quando, nos casos extremos, “[...] os limites entre fato e ficção, realidade e percepção, se confundem a ponto de nos deixar apenas com a simulação [...]” (Huyssen, 2004HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. 2. ed. Tradução de Sergio Alcides. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004., p. 74-75).

No caso da percepção científica da natureza ou da valoração cultural de seus fragmentos enquanto paisagem, mesmo quando se assume o compromisso do método científico, não há ‘neutralidade’20 20 Acerca das imprecisões de uma suposta hegemonia da ciência, sugere-se a leitura das obras “O mito da neutralidade científica”, do brasileiro Hilton Japiassu (Japiassu, 1975), e “Ciência, um monstro”, do austríaco Paul Feyerabend (Feyerabend, 2016). que impeça a edificação de novos mitos, em qualquer espaço-tempo histórico. Basta lembrar que muitas das ‘verdades’ científicas históricas se perceberam como ‘mitos’ no momento em que foram contestadas, ‘cientificamente’. Da constatação dessa temporalidade e fragilidade das ‘certezas científicas’, sobrevive a crítica que vê na ciência moderna o papel dogmático, ocupado durante séculos pelas religiões. Até que ponto os processos de musealização, em geral, e os procedimentos de divulgação da ciência têm considerado as contradições da ciência e das artes e o próprio mito da ‘neutralidade’ científica?

Mitos e dogmas, por seu caráter encantatório, podem seguir por – no mínimo – dois percursos, quando participam dos processos de socialização do conhecimento, nas estratégias de comunicação do patrimônio, dos museus ou de territórios protegidos/musealizados21 21 Não está se propondo o estabelecimento de novas dicotomias, sob entendimento maniqueísta. Assume-se que, entre os dois percursos imaginados, há uma infinidade de outros, nos entremeios das concepções adotadas nos modelos comunicacionais dos territórios protegidos/musealizados. . O primeiro – ainda raro – é o de sua comunicação crítica e abrangente, contextualizada à história de seu próprio entendimento. Nesse caso, opta-se por não omitir, mas por estimular as dúvidas, as poéticas e as prováveis inconsistências de um mito. É o caso, por exemplo, das abordagens abrangentes da Antropologia ou da Etnologia22 22 Citam-se a Antropologia e a Etnologia apenas a título de exemplo, sem qualquer intenção de reduzir a possibilidade de um percurso abrangente apenas a esses campos do conhecimento. , quando procuram comunicar, para fins de socialização do conhecimento, a estrutura dos mitos humanos, por sua contribuição às percepções da natureza.

Um segundo percurso se estabelece quando as estratégias de comunicação ou de musealização do patrimônio ignoram as contradições, as disputas de poder simbólico, as fragilidades de uma teoria hegemônica e a edificação histórica dos mitos ‘cientificamente construídos’. Esse segundo caminho – que mais se reproduz – pode ser conceitualmente vinculado à espetacularização do conhecimento, até mesmo quando suas estratégias não se mostram encantatórias, por suas dimensões ou aparatos tecnológicos. O espetáculo, nesse caso, é autorizado e estimulado pela própria ciência.

No caso dos mitos relacionados à natureza, além dos que partem dos povos e das comunidades ditos ‘tradicionais’ – que se fazem relevantes à compreensão das percepções humanas –, há os que, em nome da ciência, almejam o reconhecimento universal como ‘verdades correntes’. Antônio Carlos Diegues, em “O mito moderno da natureza intocada” (Diegues, 2001DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001.), trata das problemáticas que se relacionam à concepção de uma natureza ‘pura’ e ‘selvagem’, que somente se constitui enquanto mito. Entre as questões abordadas pelo autor, aplicadas aos países em desenvolvimento, está a importação do modelo de parques naturais adotado nos Estados Unidos. Segundo Diegues, o modelo norte-americano segue a lógica do Parque de Yellowstone, considerado o primeiro parque nacional do mundo, criado em 1872. Esse modelo, de caráter preservacionista23 23 A corrente preservacionista vê como negativa qualquer intervenção do homem sobre a natureza, incluindo as comunidades ditas ‘tradicionais’. É por essa razão que o modelo de Yellowstone é mais contestado nos países em desenvolvimento, que adotam um enfoque socioambientalista, em que o direito ao acesso à terra e aos recursos naturais é pleiteado e defendido (Diegues, 2001). , pressupõe a existência de uma natureza em ‘estado puro’, tendo como prerrogativa a não presença humana, a não ser como visitante, em contemplação ou estudo. O autor considera que a aplicação desse modelo nos países em desenvolvimento desconsiderou que “[...] a situação é ecológica, social e culturalmente distinta”. Nesses países, as populações tradicionais mantêm “[...] relações com o mundo natural distintas das existentes nas sociedades urbano-industriais”, com modos de vida e saberes próprios que envolvem, entre outros aspectos, “[...] grande dependência dos ciclos naturais [...]” (Diegues, 2001DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001.).

A legislação brasileira, quando trata das unidades de conservação24 24 A Lei no 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), estabelece os critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, ao regulamentar o artigo 225, § 1o , incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal. , especificamente sob proteção integral – caso dos parques nacionais, estaduais e municipais –, prevê a desapropriação de terras particulares e transferência dos moradores para outras áreas, o que gera problemas diversos, inclusive éticos. Para Diegues (2001, p. 18-19)DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001., “Com essa ação autoritária, [...] o Estado contribui para perda de grande arsenal de etnoconhecimento e etnociência, de sistemas engenhosos de manejo de recursos naturais e da própria diversidade cultural”, além de contribuir para a degradação desses territórios, quando ocorrem falhas de fiscalização.

Paradoxalmente, com a remoção das populações tradicionais dos territórios de parques, a mesma legislação estimula outros usos, também humanos, porém restritos à pesquisa e ao turismo ecológico. A partir daí, beneficiam-se camadas específicas da sociedade, não apenas em prol de um entendimento ‘científico’ da natureza, ou de consciência quanto à necessidade de sua preservação, mas também como ‘refúgio à contemplação’, situação que, quando não devidamente comunicada, contribui para a manutenção do mito de ‘paraíso intocado’ (Diegues, 2001DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001., p. 60).

Essas questões ilustram apenas alguns dos problemas gerados pelas políticas que se estabelecem quando os entendimentos de um único campo do conhecimento motivam a preservação, especialmente quando se valem de uma oposição entre naturalismo e culturalismo. É por essa razão que parte das problemáticas relacionadas à preservação ou à conservação da natureza também se reflete na patrimonialização25 25 ‘Patrimonialização’ poderia ser entendida, por alguns autores, como o “[...] ato que incorpora à dimensão social o discurso da necessidade do estatuto da Preservação” (Lima, 2012, p. 34). Para maior compreensão quanto à origem das noções de patrimônio e patrimonialização, bem como às problemáticas comumente associadas a essa prática, sugere-se a leitura do livro “A alegoria do patrimônio”, de Françoise Choay (Choay, 2006). e na musealização de bens, por suas diversas abordagens culturais. Portanto, tanto a natureza quanto os bens de natureza cultural, em seus processos de proteção ou de preservação, abrem espaço para a concretização do consumo espetacular, sob todas as suas características, da idealização da ‘realidade’ à sua simulação e descontextualização histórico-científica.

Desde que Guy Debord publicou sua obra mais conhecida, em 1967, os aforismos de “A sociedade do espetáculo” (Debord, 2017DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.) têm sido utilizados como motivadores à análise de diferentes aspectos socioculturais. Pelas características dessa obra, parte das reflexões concentra-se sobre as abordagens de diferentes ciências, disciplinas ou campos, como o Patrimônio e a Museologia. A associação do pensamento de Debord à análise crítica dessas áreas não é ocasional ou relativa, já que o próprio autor problematiza brevemente essas relações.

A década de 1960 foi marcante pela divulgação de avanços tecnológicos e de intensificação dos movimentos sociais. Pela primeira vez, foram possíveis as transmissões de TV ‘via satélite’ que apresentaram ‘ao vivo’ fatos emblemáticos, como a chegada do homem à Lua. Os meios de comunicação, as artes, a moda, os sistemas sociais e políticos, os valores e a própria sociedade vinham sendo questionados. Paralelamente, o mercado e o consumo de bens culturais fortaleciam-se sob a lógica da popularização e da universalização do acesso que, em muitos casos – especialmente nos países em desenvolvimento –, acabaram por explicitar as desigualdades sociais.

Os museus, assim como o patrimônio, também foram mais questionados nessa época, por sua distância dos problemas associados ao desenvolvimento humano e pela rara capacidade de estimular o pensamento crítico26 26 Embora os debates sobre a função dos museus tenham se intensificado a partir da década de 1960, sabe-se que tal questionamento já existia desde o início do século XX e permanece na pauta das discussões internacionais, até hoje. . Uma profunda crise – social, política e cultural – estava em curso, ante a constatação de que os modelos de vinculação do ser humano aos processos de produção e de consumo pareciam ter atingido seu limite. O mundo se divulgava como dividido – política e ideologicamente – entre dois modelos questionáveis: na dependência e na mobilização coletiva, impostas pelo capital, ou, em sua forma considerada oposta, na privação de direitos e de liberdades individuais e coletivas, impostas por regimes totalitários. Ambos os modelos foram duramente criticados por Debord, que associou a eles as noções de ‘espetáculo difuso’ e ‘espetáculo concentrado’.

O livro de Debord é frequentemente associado aos protestos do ‘Maio de 1968’, na França, que marcaram aquela década, já que teria se tornado uma obra popular entre os movimentos estudantis27 27 A esse respeito, Debord afirmou, em 1992, em sua ‘advertência’ à edição francesa daquele ano, que “[...] os acontecimentos de 1968 tornaram o livro conhecido”. Foi também nesse texto que o autor afirmou que o livro teria sido “[...] escrito com o intuito deliberado de perturbar a sociedade espetacular” (Debord, 2017, p. 36). . A abrangência dos protestos, que culminaram com uma greve geral, foi amplamente divulgada em todo o mundo. Talvez, em razão de sua percepção global ampliada pela mídia, o movimento tenha sido considerado um ícone das aspirações daqueles ‘novos tempos’, firmando a base para os debates internacionais que se seguiram na década seguinte, inspirados sob os ideais de justiça social e de reconsideração das ações do homem sobre a natureza.

Do pensamento de Debord à espetacularização da natureza, dos museus e do patrimônio na atualidade, o que permanece central é a dependência da sociedade para o consumo de imagens pré-elaboradas, principalmente quando essas fortalecem entendimentos hegemônicos, e quando a ‘realidade’ é abstraída e substituída pelas representações que se constroem e se assimilam a partir dela. Há quem critique as teses de Debord por entender que a espetacularização pressupõe sempre uma contemplação passiva, algo que seria inviável nos modelos comunicacionais atuais, em que o espectador é também produtor de conteúdo midiático.

É fato que Debord trata da contemplação, quando afirma que: “A realidade considerada ‘parcialmente’ apresenta-se em sua própria unidade geral como um pseudomundo ‘à parte’, objeto de mera contemplação” (Debord, 2017DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017., p. 37). No entanto, as críticas que limitam seu pensamento à questão da contemplação passiva parecem ignorar outra ideia central, quando ele afirma que “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (Debord, 2017DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017., p. 38).

Há, a partir da noção de contemplação passiva, uma retórica que se concentra na crítica aos meios de comunicação, ou às formas materiais utilizadas na espetacularização. No caso dos museus, costuma-se atribuir o fenômeno da espetacularização às iniciativas de grande impacto visual, associadas à construção de edifícios de arquitetura colossal ou à organização de exposições blockbusters, que frequentemente contam com objetos de grandes museus e soluções expográficas de alta tecnologia, que atraem públicos fenomenais.

No entanto, o fenômeno museu-espetáculo, ampliado à sua percepção de natureza-espetáculo, não se restringe à intensidade do meio, às tecnologias envolvidas, ao gigantismo de suas exposições ou à arquitetura monumental de seus aparatos28 28 Embora a espetacularização não se restrinja à monumentalização sob pretexto de valorização da memória, essa possibilidade não se exclui. Andreas Huyssen considera que o monumental é “[...] eticamente suspeito porque em sua predileção pelo grandioso se entrega ao mais-que-humano” e “[...] na tentativa de esmagar o espectador individual, é psicanaliticamente suspeito porque se liga às ilusões narcisistas de grandeza e completude imaginária” (Huyssen, 2004, p. 51). . Com a naturalização do sujeito emissor das mensagens de massa, associada à produção de conteúdo não mais restrita às grandes corporações de comunicação, o ‘espetáculo integrado’, hoje, se sofistica na homogeneidade. Isso se dá por meio das concepções às quais os recursos materiais e as estratégias imateriais são utilizados para comunicar e socializar o conhecimento, incluindo as percepções sobre a arte, a sociedade e a natureza.

Assim, na atualidade, percebe-se que a espetacularização dos territórios naturais protegidos – como parques, monumentos naturais, paisagens, sítios e áreas de preservação, intencionalmente musealizados ou não – pode ser observada sob diferentes aspectos, passíveis de ocorrer em outras representações do patrimônio e demais museus, ante as seguintes situações de posicionamento conceitual:

  1. Adoção de táticas de atratividade a visitantes que desconsideram ou ignoram os impactos negativos associados ao aumento descontrolado do fluxo de pessoas, em áreas protegidas ou preservadas29 29 Sobre as estratégias de turismo centradas na ampliação de visitantes, Debord (2017, p. 136) considera que, como “Subproduto da circulação das mercadorias, o turismo, circulação humana considerada como consumo, resume-se fundamentalmente no lazer de ir ver o que se tornou banal”. ;

  2. Opção por estratégias museográficas que se desvinculam dos objetivos motivadores da preservação ou da proteção desses bens, minimizando-os ante as expectativas homogeneizadoras do consumo associado ao entretenimento e ao lazer30 30 Quando bens preservados ou protegidos são associados exclusivamente a produtos de consumo, estabelece-se um processo de fetichização. Para Debord (2017, p. 52), “O princípio do fetichismo da mercadoria [...] se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens”. ;

  3. Utilização intensiva de aparatos ditos interativos, digitais ou mecatrônicos, em sequências fragmentadas, descontextualizadas da historicidade e de seu espaço-tempo, como ferramentas de memorização e assimilação de conceitos e paradigmas31 31 Sobre o abandono da história, comenta Debord (2017, p. 132): “O espetáculo, como organização social da paralisia da história e da memória, do abandono da história que se erige sobre a base do tempo histórico, é a ‘falsa consciência do tempo’”. ;

  4. Desvinculação física ou conceitual de objetos materiais ou imateriais de suas origens, ressignificados por especialistas e estudiosos sem a preocupação ética – explícita e declarada – nas práticas de exibição e comunicação, para fins de contemplação;

  5. Desconsideração de memórias, crenças, saberes, práticas e usos associados aos bens ou territórios preservados ou protegidos, restringindo sua ‘existência’ aos recortes espaço-temporais vinculados às práticas de preservação, proteção ou estudo científico;

  6. Mitificação e sacralização de concepções e entendimentos hegemônicos, descontextualizados das realidades e percepções locais, regionais e universais, ignorando as expectativas públicas de finalidade desses espaços ou territórios, que necessariamente devem estar a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento32 32 Para Debord (2017, p. 57), o que rege o desejo de consumo na sociedade é a ilusão de uma sobrevivência ampliada: “O consumidor real torna-se consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral”. ;

  7. Favorecimento da simulação e do simulacro não declarados, em detrimento de seu potencial de socialização e análise crítica das percepções humanas e sociais, científicas ou culturais, sob abordagens temáticas superficiais ou sensacionalistas; e

  8. Priorização das concepções antropocêntricas e de fragmentação disciplinar das ciências e das artes, pressupondo o domínio ou a obrigatoriedade de mediação para acesso às linguagens ou entendimentos específicos.

Em comum, todas essas situações, como sintomas pandêmicos da representação espetacularizada, adotam partidos conceituais fragmentários ou disciplinares, em detrimento de sua observação abrangente por análise direta e integral. Ou seja, há, na concepção da comunicação espetacularizada, uma opção consciente pela superficialidade da aparência fragmentar. Deste modo, permanece atual uma das constatações de Debord (2017)DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.: a sociedade passou por uma fase de degradação do ‘ser’ para o ‘ter’ e, mais recentemente, do ‘ter’ para o ‘parecer’. É sob esse renovado desejo – que se fortalece no que pode ‘parecer’ – que reinam as atrações espetaculares da sociedade do século XXI. O desejo de aprovação coletiva, que entre outros meios se intensifica como ‘pluralidade hegemônica’ nos aplicativos de redes sociais pela internet, estabelece sua mais recente ilusão solidária: a socialização mediada pela quantificação de likes.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E BRANDING PARKS

O ‘desenvolvimento sustentável’ é considerado uma alternativa viável de convivência do homem em seu ambiente, na busca de sobrevivência da humanidade a longo prazo. Como se percebe, o que move essa expectativa é mais a possibilidade de um usufruto humano duradouro da natureza do que a manutenção dessa natureza sob circunstâncias futuras, em que o ser humano não necessariamente fará parte. Comportamento semelhante ocorre com as ações de salvaguarda do patrimônio cultural: defende-se uma memória social que, na prática, se edifica sob a eterna luta do ser humano contra a perspectiva de esquecimento de si, quando se recorrem às ‘próteses de memória’.

É por várias razões que a noção de ‘sustentabilidade’, como conceito em disputa, tem enfrentado críticas, desde seu lançamento pelo Relatório Brundtland, em 198733 33 Conhecida como Relatório Brundtland, a publicação intitulada “Nosso futuro comum - Our common future”, de 1987, apresenta as conclusões dos trabalhos da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), coordenada pela norueguesa Gro Harlem Brundtland. No relatório, o ‘desenvolvimento sustentável’ é apresentado como “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). , e sua ampla divulgação, a partir da Rio 92 e da Agenda 21. Desde então, o conceito tem sido associado a diferentes discursos. Logicamente, a preocupação ecológica é sempre considerada, porém, nem sempre associada aos entendimentos originais levantados pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), responsável pela elaboração daquele relatório. Um dos principais entendimentos era o de que não seria possível assumir um compromisso de ‘desenvolvimento sustentável’ sem a priorização às ‘necessidades’ da humanidade, sobretudo dos mais pobres ou vulneráveis (CMMAD, 1991COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991.).

Acselrad (1999)ACSELRAD, Henri. Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, n. 1, p. 79-90, maio 1999. DOI: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.1999n1p79.
https://doi.org/10.22296/2317-1529.1999n...
considera que os discursos associados ao entendimento de ‘sustentabilidade’ estão vinculados às matrizes da eficiência, da escala, da equidade, da autossuficiência e da ética. Porém, nem sempre essas matrizes são consideradas conjuntamente. Segundo o autor, em resposta aos limites rasos que os governos e as instituições vêm atribuindo ao ‘desenvolvimento’, algumas organizações sociais passaram a pleitear da sustentabilidade “[...] uma nova crença destinada a substituir a ideia de progresso”, para um “[...] desenvolvimento centrado no povo [...]” (Acselrad, 1999ACSELRAD, Henri. Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, n. 1, p. 79-90, maio 1999. DOI: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.1999n1p79.
https://doi.org/10.22296/2317-1529.1999n...
, p. 80).

Entendimentos à parte, o fato é que o conceito original de ‘desenvolvimento sustentável’, no Relatório Brundtland, vincula-se à prioritária e emergente necessidade de diminuição da pobreza no mundo. Geralmente, é sob o discurso da inclusão e da universalização do acesso que são defendidas as ações governamentais centradas em um modelo de ‘sustentabilidade’ econômica dos bens protegidos por políticas ambientais ou de patrimônio. Tal entendimento é problemático ante a constatação de que a noção de desenvolvimento, centrada apenas sob tal perspectiva, não oferece garantias ao desenvolvimento humano abrangente, ‘sustentável de fato’.

Ocorre que, muitas vezes, os aspectos sociais e ambientais passam ao segundo plano, quando se busca uma ‘sustentabilidade’ econômica a qualquer custo. Motivos não faltam. Um deles é que o modelo capitalista de desenvolvimento vem estimulando, especialmente nas últimas décadas, a competitividade não apenas entre países, mas também entre estados e cidades. Assim, a cultura e a própria natureza passaram a ser entendidas e vendidas como produtos de destino, ‘diferenciais’ ao consumo de massa.

Santos (1992)SANTOS, Milton. 1992: A redescoberta da Natureza. Estudos Avançados, São Paulo, v. 6, n. 14, p. 95-106, jan./abr. 1992. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141992000100007.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014199200...
corrobora o entendimento de que, entre as transformações históricas associadas ao modelo capitalista, a vinculação aos ideais de competitividade e de produtividade se sobrepõe, de maneira geral, às preocupações com o desenvolvimento humano e a justiça social. Na disputa por mais visitantes e dividendos, facilmente alteram-se as percepções simbólicas desses territórios e bens protegidos, que passam a adotar estratégias de espetacularização. Paola Berenstein Jacques, sob entendimento semelhante, enfatiza que as estratégias de marketing e branding têm sido utilizadas para “[...] construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas, que lhe garantam um lugar na nova geopolítica das redes internacionais”, não necessariamente sob motivações socialmente justas (Jacques, 2005JACQUES, Paola Berenstein. Prefácio. In: JEUDY, Henri-Pierre. O espelho das cidades. Tradução de Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p. 9-12., p. 9).

Branding é o desenvolvimento e a gestão de uma marca de ‘identidade competitiva’, que se associa a uma empresa, instituição, governo ou território, no intuito de enfatizar ou fortalecer uma imagem pré-concebida e diferencial, relacionada a um bem ou a um produto (Handbook..., 2009HANDBOOK on tourism destination branding. Introdução de Simon Anholt. Madrid: UNWTO; Bruxelas: ETC, 2009.). Não se trata apenas da definição de um logotipo ou slogan, mas de um pacote de estratégias planejadas conjuntamente, na expectativa de criar ou fortalecer uma imagem positiva e estimuladora. Embora não se confunda com o marketing, há, nos processos de branding, uma parceria com a publicidade. Sob uma sociedade consumidora de imagens idealizadas da ‘realidade’, trata-se de um conjunto eficiente de estratégias e objetivos voltados à atratividade de um público consumidor.

Como prática vinculada às expectativas econômicas, o branding é aplicado a governos, campanhas políticas, instituições (como museus, universidades ou escolas), espaços ou territórios (como municípios, estados, países e áreas protegidas) que passam a planejar seus ambientes com vistas à atração do público consumidor. De seu entendimento geral, surgiram diversas variantes, como a de branding cities, associada ao planejamento e à identificação de cidades; destination branding, aplicado às estratégias de turismo; museum branding, associado às estratégias de imagem dos museus; e branding parks34 34 As estratégias de branding parks são mais conhecidas em países como o Canadá, os Estados Unidos e a Inglaterra. Entretanto, há estudos relacionados ao turismo, como a aplicação da noção de destination branding, que apontam ‘potencial’ para aplicação dessas práticas em parques e áreas ambientais protegidas, em todo o mundo. , aplicado à marca e à gestão de espaços naturais protegidos, como os parques.

A associação de uma imagem idealizada a um bem comum, como é o caso dos museus e das áreas naturais protegidas, costuma ser controversa. De certa maneira, as estratégias adotadas com essa finalidade apresentam semelhanças com as utilizadas na associação do patrimônio à indústria do turismo e de entretenimento. Não se trata de vilanizar a prática do branding em si ou de desconsiderar as possibilidades de associação de bens protegidos ao lazer e ao turismo equilibrados. No entanto, faz-se necessária a análise crítica das problemáticas associadas, quando essas práticas, especialmente nos países em desenvolvimento, acabam por ignorar os fins sociais mais abrangentes desses bens.

No caso específico da comunicação dos parques e das áreas ambientais, as estratégias de branding podem ser analisadas a partir dos entendimentos de divulgação e popularização da ciência. Ao considerar a necessidade de uma ‘compreensão pública da ciência’, as ações de divulgação da ciência partem de metodologias e modelos de comunicação estudados e problematizados. Em geral, suas estratégias comunicacionais (aplicadas também aos museus e às áreas naturais protegidas) costumam ser agrupadas sob pelo menos duas lógicas diferentes. Sob a perspectiva do ‘modelo de déficit cognitivo’, pressupõe-se uma prévia deficiência de entendimentos do público e, por essa razão, se estabelecem as ações comunicacionais sob uma hierarquia emissor-receptor. Na outra perspectiva, estão os ‘modelos de comunicação de risco’, que procuram ampliar o entendimento público por meio de sua participação ativa nos processos de análise e compreensão da ciência e da própria sociedade. Valoriza-se, nesse modelo, a percepção crítica, não apenas sob um ponto de vista científico, mas que necessariamente incorpore uma contextualização sociocultural e/ou natural. Sob essas perspectivas, também a divulgação da ciência tem avaliado as problemáticas associadas à utilização do branding sob seus domínios (Agraz, 2016AGRAZ, Enrique Páez. Marca ciencia: el posicionamento social del conocimiento científico. In: HERRERA LIMA, Susana; OROZCO MARTÍNEZ, Carlos Enrique; Tenrreiro, Eduardo Quijano (coord.). Comunicar ciencia en México: tendencias y narrativas. Guadalajara: ITESO, 2016. p. 87-107. (Colección de la Academia al Espacio Público).).

Como se pode constatar, a problemática central associada à espetacularização e às estratégias contemporâneas de branding em museus, parques e outros bens protegidos não está relacionada ao uso de técnicas e meios, mas às concepções e à definição dos conteúdos e das estratégias que são comunicados. Contraditoriamente, os processos de espetacularização, quando decorrentes de estratégias inadequadas de branding, acabam por homogeneizar os bens comuns, quando priorizam apenas as expectativas de lazer, em detrimento de suas demais funções. Acabam, assim, por destruir as qualidades ‘excepcionais’ desses bens, nos casos em que fortalecem a idealização de uma ‘perfeição’, sempre parcial. Sob essa perspectiva, e no caso das estratégias associadas ao desenvolvimento do turismo nas cidades europeias, Harvey (2014, p. 175)HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014. considera que “[...] quanto mais a Europa se ‘disneyfica’, menos única e especial ela se torna”.

Françoise Choay, em ”A alegoria do patrimônio”, lembra de um discurso do Ministro do Turismo da França, de 1986, quando o mesmo teria afirmado que o “[...] patrimônio deve ser vendido e promovido com os mesmos argumentos e as mesmas técnicas que fizeram o sucesso dos parques de diversões” (Choay, 2006CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 4. ed. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006., p. 211). Serge Chaumier pondera que tal aproximação, apesar de incongruente, vem sendo aplicada sob a aprovação de dirigentes e conselhos locais. Para o autor, nas concepções semelhantes às utilizadas pelos parques temáticos, o espetáculo atrai mais do que o tema abordado, já que “[...] a cenografia da exposição funciona por si mesma e, às vezes, em detrimento de obras ou discursos” (Chaumier, 2005CHAUMIER. Serge. Introduction. In: CHAUMIER, Serge (dir.). Du musée au parc d’attractions: ambivalence des formes de l’exposition. Culture & Musées, Paris, n. 5, p. 13-26, 2005., p. 26-27, tradução nossa).

Além dos problemas associados ao turismo mal dimensionado, a criação de parques urbanos e a musealização das paisagens, essenciais à percepção dessas áreas como bens comuns, traz outras consequências consideradas inadequadas sob o ponto de vista do ‘desenvolvimento sustentável’. Há, via de regra, uma valorização econômica das regiões de entorno dessas áreas protegidas que, com isso, acabam por afastar os moradores sem condições de permanecer no local (Harvey, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.). Em muitas cidades, essa perspectiva - de alteração de realidades regionais por substituição de ‘usuários’ – é assumida como estratégia de ‘desenvolvimento’ local.

Teoricamente, não são as estratégias de branding capazes de promover, por si só, alterações estruturais nas cidades ou nas paisagens preservadas, já que, sob tais entendimentos, apenas se criariam ‘marcas identitárias’ de atratividade a esses bens. Porém, entre a teoria e a aplicação prática há a realidade, tão heterogênea quanto os ‘produtos’ ou espaços em que tais métodos se aplicam.

ENFRENTAMENTOS E CONSIDERAÇÕES

As percepções sobre os impactos considerados negativos aos parques e a outros territórios destinados à proteção da natureza, bem como aos bens declarados como patrimônio, não são homogêneas ou simultâneas. No Canadá, a proposta de construção de um monumento de grandes proporções, aliada a estratégias de intensificação do turismo, como o glamping, motivaram protestos e levaram a administração dos parques nacionais a recuar e repensar suas estratégias, ante as críticas que associam essas iniciativas a um processo de espetacularização e ‘disneyficação’.

Em outros países, as estratégias de atratividade associadas às expectativas de sustentabilidade econômica de parques, monumentos e territórios naturais protegidos vêm sendo intensificadas, principalmente pela aplicação dos entendimentos de branding cities e branding parks. No Brasil, iniciativas privadas vêm se associando às políticas governamentais de turismo, em especial em destinos que já se destacam pela atratividade de seus equipamentos turísticos. Proliferam, por exemplo, os ‘parques de dinossauros’, vinculados ao sucesso despertado pelo cinema, incentivados por políticas governamentais, sob pretexto de um ‘rigor científico’ ou ‘artístico’, com resultados duvidosos. Embora não se instalem em parques nacionais ou estaduais, esses espaços temáticos orbitam os territórios protegidos e oferecem um encantamento que a natureza, por si só, não consegue provocar em todos os públicos.

Parques temáticos proliferam porque há mercado, representado por um contingente significativo de pessoas dispostas a pagarem para ver, por algumas das razões discutidas neste artigo. Seriam a espetacularização e a mitificação inevitáveis à musealização de áreas protegidas, assim como para os demais museus? Talvez, por constatações semelhantes, Andreas Huyssen tenha sugerido que quaisquer comparações entre um museu convencional e um parque temático devam ser cuidadosas e menos generalizantes, para que não se reproduza a superada dicotomia entre a ‘alta’ e a ‘baixa’ cultura. Huyssen (2004, p. 22)HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. 2. ed. Tradução de Sergio Alcides. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004. considera que é preciso estar aberto às muitas possibilidades, quando se reconhece “[...] a distância constitutiva entre a realidade e a sua representação”. Por outro lado, o autor também alerta que “Isto não quer dizer que vale tudo. A qualidade permanece como uma questão a ser decidida caso a caso” (Huyssen, 2004HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. 2. ed. Tradução de Sergio Alcides. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004., p. 22).

Diante de tais constatações, como propor o enfrentamento, capaz de renovar as perspectivas críticas da ‘realidade’?3 3 Assim como ocorre na valoração do patrimônio cultural, a definição e a proteção do patrimônio natural se estabelece e se afirma sob estruturas sociais e culturais. Nessas estruturas, indivíduos e instituições constroem ou contestam a noção de ‘herança’, não raramente sob entendimentos hegemônicos. Entre os autores que abordam a problemática dos processos de valoração, representação e apreensão do patrimônio natural, sob o ponto de vista da arqueologia e da história, está Wilson (2018), cujo livro “Natural history: heritage, place and politics” recomendamos. 5 Jacques Rancière, em “O espectador emancipado”, ao considerar a relação do teatro com seu espectador, lembra que

A ‘contemplação’ que Debord denuncia é a contemplação da aparência separada de sua verdade [...]. O que o homem contempla no espetáculo é a atividade que lhe foi subtraída, é sua própria essência, que se tornou estranha, voltada contra ele [...]

(Rancière, 2017RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Ivone C. Benedetti. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Editora WMF: Martins Fontes, 2017., p. 12).

De forma semelhante à relação dos museus com seu público, Rancière (2017, p. 13)RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Ivone C. Benedetti. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Editora WMF: Martins Fontes, 2017. relata que o teatro costuma se acusar “[...] de tornar os espectadores passivos e trair assim sua essência de ação comunitária”. Por outro lado, essa capacidade autocrítica faz com que o teatro continuamente dedique-se “[...] à missão de inverter seus efeitos e expiar suas culpas, devolvendo aos espectadores a posse de sua consciência e de sua atividade”, de modo que os mesmos se tornem os “[...] agentes de uma prática coletiva” (Rancière, 2017RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Ivone C. Benedetti. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Editora WMF: Martins Fontes, 2017., p. 12-13), por meio de um teatro transformador, capaz de mediar sua emancipação intelectual.

Nesse sentido, as atividades comunicacionais de bens musealizados não devem subestimar a capacidade cognitiva de seus visitantes, assim como não devem pressupor que os mesmos serão sempre dotados dos códigos específicos, apresentados por diferentes campos do conhecimento. Ambas as situações, quando ocorrem, são igualmente excludentes. O que se espera é que os visitantes, na qualidade de ‘espectadores emancipados’, “[...] desempenhem o papel de intérpretes ativos, que elaborem sua própria tradução para apropriar-se da ‘história’ e fazer dela sua própria história” (Rancière, 2017RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Ivone C. Benedetti. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Editora WMF: Martins Fontes, 2017., p. 25).

Quanto à pertinência ou não de um processo de musealização do sentido ‘uno’ da natureza, mantém-se o entendimento de ser algo impossível, pelo menos materialmente. Qualquer tentativa de musealizar a natureza será sempre fragmentária, porque toda musealização é parcial ante as complexidades do que entendemos por ‘real’. Diante de tal constatação, somente a paisagem, como excerto da natureza, tem sentido sob um processo convencional de musealização. Nesse caso, está-se diante de um paradoxo: quando delimitada sob a relação de poder que se constitui no processo de musealização, a paisagem passa a então se configurar como território, já que à mesma se atribui uma valoração específica, com pretensão representativa. Por outro lado, a possibilidade de uma natureza musealizada, sob sua percepção e idealização ‘una’, só pode ser pertinente ou possível aos planos poéticos e imaginários, associados à sensibilidade e à criatividade humanas, como se propõe no entendimento de um modelo teórico de ‘museu global’ (Scheiner, 2007SCHEINER, Teresa Cristina. Musée et Muséologie - définitions en cours. In: MAIRESSE, François; DESVALLÉES, André (org.). Vers une redéfinition du musée? Paris: L’Harmattan, 2007. p. 147-165.).

Pelas reflexões aqui apresentadas, reitera-se que uma alternativa aos museus tradicionais e territórios musealizados, bem como às políticas de preservação do patrimônio, no enfrentamento de suas contradições associadas ao seu papel na natureza, é a opção por sua concepção integral. Sob essa perspectiva, valoriza-se a relação museu e sociedade (Scheiner, 2013SCHEINER, Teresa Cristina. Museu, museologia e a ‘relação específica’: considerações sobre os fundamentos teóricos do campo museal. Ciência da Informação, Brasília, v. 42, n. 3, p. 358-378, set./dez. 2013.) e sua interação ecocêntrica com a natureza.

O espaço musealizado sob princípio ecosófico (Guattari, 2014GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt e revisão de Suely Rolnik. 21. ed. 3. reimp. Campinas: Papirus, 2014.), como contraponto à uma visão antropocêntrica, ao propor a superação das dicotomias homem-natureza e natureza-cultura, retoma e atualiza as concepções de ‘museu integral’ e ‘patrimônio integral’. Sob a perspectiva de uma estruturação ético-filosófica, interacional e não hierárquica, integram-se as concepções de natureza, sociedade e natureza humana (que se configuram como suas três ecologias). Na aplicação do princípio da ecosofia ao fenômeno museu, devolve-se à musealização seu papel complementar na mediação das percepções humanas sobre o ‘real’, necessariamente integrado à natureza. Afinal, como considera Merleau-Ponty (2006)MERLEAU-PONTY, Maurice. A natureza: curso do Collège de France. 2. ed. Texto estabelecido e anotado por Dominique Séglard, tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2006., só é possível ao ser humano entender a natureza quando o mesmo procura encontrar sua própria natureza.

  • 1
    O termo glamping surgiu da fusão entre as palavras glamour e camping. Trata-se de uma ‘tendência’ mundial para o turismo de contemplação da natureza. No Brasil, o glamping vem sendo destacado pela mídia como alternativa de lazer destinada a aqueles que desejam contemplar a natureza sem abrir mão do luxo e do conforto, e sem se importar em pagar as altas tarifas que se aplicam a esse serviço.
  • 2
    O entendimento sobre ‘patrimônio integral’ remonta à década de 1950, quando já se considerava a necessidade de adoção de práticas integradas de proteção do ambiente cultural e natural, em sua relação com a sociedade (Scheiner, 1998SCHEINER, Teresa Cristina. Apolo e Dioniso no templo das musas. Museu: gênese, ideia e representações na cultura ocidental. 1998. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.). Por sua vez, a noção de ‘museu integral’ parece ter surgido no âmbito teórico da Museologia em 1972, como decorrência da Mesa Redonda de Santiago do Chile, organizada pelo International Council of Museums (ICOM). O evento reuniu especialistas em desenvolvimento social e econômico, de diversas formações, para discutir, com museólogos da América Latina, o papel social dos museus e da Museologia. Após as conferências dos convidados e os consequentes debates, foram apresentados os princípios que reiteram o papel dos museus no desenvolvimento humano, recomendando que “[...] os temas, coleções e exibições estejam inter-relacionados entre si e com o meio ambiente humano, tanto o natural como o social” (Mesa..., 2012MESA redonda de Santiago do Chile, 1972: mesa redonda sobre la importancia y el desarrollo de los museos en el mundo contemporáneo. Organização José do Nascimento Junior, Alan Trampe, Paula Assunção dos Santos. Brasília: IBRAM: Programa Ibermuseos, 2012. v. 1., p. 85). Neste sentido, o ‘museu integral’ seria aquele que procura apresentar uma visão integral do seu ambiente natural e cultural (Mesa..., 2012MESA redonda de Santiago do Chile, 1972: mesa redonda sobre la importancia y el desarrollo de los museos en el mundo contemporáneo. Organização José do Nascimento Junior, Alan Trampe, Paula Assunção dos Santos. Brasília: IBRAM: Programa Ibermuseos, 2012. v. 1., p. 29), e que se percebe como ‘parte integrante’ da sociedade, ao “[...] participar da formação da consciência das comunidades que atende” e ao “[...] incentivá-las a agir, situando suas atividades em um contexto histórico para ajudar a identificar problemas contemporâneos; ou seja, ligando o passado ao presente, comprometendo-se com mudanças estruturais em curso e provocando outras mudanças dentro de suas respectivas realidades nacionais” (Mesa..., 2012MESA redonda de Santiago do Chile, 1972: mesa redonda sobre la importancia y el desarrollo de los museos en el mundo contemporáneo. Organização José do Nascimento Junior, Alan Trampe, Paula Assunção dos Santos. Brasília: IBRAM: Programa Ibermuseos, 2012. v. 1., p. 116). O ‘museu integral’ não se restringe, portanto, à musealização do conjunto patrimonial de um dado território ou à ênfase ao trabalho comunitário, já que deve considerar sua capacidade de estabelecer relações entre o espaço, o tempo e a memória, e de atuação conjunta a determinados grupos sociais (Scheiner, 2012SCHEINER, Teresa Cristina. Repensando o museu integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan./abr. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222012000100003.
    https://doi.org/10.1590/S1981-8122201200...
    ).
  • 3
    Assim como ocorre na valoração do patrimônio cultural, a definição e a proteção do patrimônio natural se estabelece e se afirma sob estruturas sociais e culturais. Nessas estruturas, indivíduos e instituições constroem ou contestam a noção de ‘herança’, não raramente sob entendimentos hegemônicos. Entre os autores que abordam a problemática dos processos de valoração, representação e apreensão do patrimônio natural, sob o ponto de vista da arqueologia e da história, está Wilson (2018)WILSON, Ross J. Natural history: heritage, place and politics. Abingdon, OX: New York, NY: Routledge, 2018., cujo livro “Natural history: heritage, place and politics” recomendamos.
  • 4
    Em 1961, o estatuto do ICOM, em seu artigo 3º, passou a reconhecer os sítios naturais entre os diferentes espaços, instituições ou territórios aos quais se aplica a definição de museu (ICOM, 2009CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM). Evolution de la définition du musée selon les statuts de l’ICOM (2007-1946). Paris: ICOM, 2009. Não paginado. Disponível em: http://archives.icom.museum/hist_def_fr.html. Acesso em: 9 jun. 2018.
    http://archives.icom.museum/hist_def_fr....
    ).
  • 5
    A definição vigente foi adotada na 22ª Assembleia Geral do ICOM, no ano de 2007, em Viena: “Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade e de seu ambiente para fins de educação, estudo e lazer” (ICOM, 2009, tradução nossa).
  • 6
    Quanto ao processo de mercantilização do patrimônio, sugere-se a leitura do artigo de Prats (2006)PRATS, Llorenç. La mercantilización del patrimonio: entre la economía turística y las representaciones identitarias. PH: Boletín del Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico, Sevilla, n. 58, p. 72-80, marzo 2006. DOI: https://doi.org/10.33349/2006.58.2176.
    https://doi.org/10.33349/2006.58.2176...
    , que aponta os impactos dessa prática sobre a economia turística e as representações identitárias.
  • 7
    Faz-se uso da noção de ‘comum’ apresentada por Harvey (2014)HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014., em seu livro “Cidades rebeldes”. Os ‘comuns’ são bens materiais ou imateriais associados ao uso social e coletivo. Apesar de sua relação com a coletividade, os ‘comuns’ preveem formas de ‘cercamento’, físico ou institucional, quando se estabelecem normas e restrições para seu uso e/ou proteção. O autor discute as contradições desses ‘cercamentos’, especialmente quando a única garantia de coletividade é o seu isolamento, ou quando, por iniciativas raramente participativas, acabam por adequar-se às lógicas do mercado.
  • 8
    Entendemos por musealização a subordinação de um conjunto de registros materiais/imateriais da natureza e da cultura a parâmetros específicos de proteção, documentação, estudo e interpretação, próprios do museu (Scheiner, 1998SCHEINER, Teresa Cristina. Apolo e Dioniso no templo das musas. Museu: gênese, ideia e representações na cultura ocidental. 1998. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.). Nessa concepção, considera-se o conceito de ‘museu integral’, que procura agregar em suas práticas os diferentes elementos de um determinado espaço-tempo: bens naturais renováveis e não renováveis, formas e processos de ocupação desse espaço-tempo, interações entre os grupos humanos e a paisagem, relações intergrupais, bens e processos culturais. Por se tratar de um conceito em construção permanente, sugerimos também a leitura de outros entendimentos e compreensões, que partem de diferentes autores da Museologia (Stránský, 1995STRÁNSKÝ, Zbyn?k Z. Introduction à l’étude de la muséologie: destinée aux étudiants de l’École Internationale d’Été de Muséologie - EIEM. Brno: Université Masaryk, 1995.; Cury, 1999CURY, Marília Xavier. Museu, filho de Orfeu, e musealização. In: ENCUENTRO REGIONAL DEL ICOFOM LAM, 8., 1999, Coro. Documentos de Trabalho [...]. Coro: ICOFOM LAM, 1999. p. 50-55.; Desvallées; Mairesse, 2011DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (dir.). Diction>naire encyclopédique de muséologie. Paris: Armand Colin, 2011.).
  • 9
    Sobre processos de musealização de territórios naturais, sugere-se a leitura da dissertação da bióloga Elisama Beliani, apresentada em 2012 ao Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) (Beliani, 2012BELIANI, Elisama. As contribuições da Museologia para a preservação e musealização do Parque Nacional da Tijuca. 2012. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) – Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.).
  • 10
    Ao tomar partido de uma análise por meio da epistemologia histórica, de Gaston Bachelard, reafirma-se o caráter científico dos campos de conhecimento do Patrimônio, da Museologia e do Meio Ambiente. Entretanto, embora se reconheçam as especificidades desses campos, optou-se por valorizar os aspectos ‘entre’, ‘através’ e ‘além’ de suas abordagens, que se fortalecem sob suas interações transdisciplinares. Para Bachelard (2006)BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Tradução de Fátima Lourenço Godinho e Mário Carmino Oliveira. Lisboa: Edições 70, 2006., a análise do conhecimento científico deve ser crítica e, assim, permitir a retificação dos saberes, ao condenar seus erros históricos.
  • 11
    Sugere-se o uso das concepções de ‘campo’ e ‘poder simbólico’ propostos por Bourdieu (1989)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989. para a análise de parte dos fenômenos de percepção social, de produção simbólica e das relações formais e informais de poder envolvidas nas políticas de preservação do patrimônio e de proteção do meio ambiente.
  • 12
    Cabe lembrar que o Brasil também foi pioneiro na regulamentação e institucionalização do patrimônio imaterial. Três anos antes da Convenção de Paris, o Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, instituiu, no país, o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI).
  • 13
    Os procedimentos da UNESCO na definição do patrimônio mundial foram implementados a partir da Declaração de Paris, de 1972. O tema do patrimônio mundial é detalhado naquele documento em seus artigos 8 a 14 (UNESCO, 1972ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Convención sobre la Protección del Patrimonio Cultural, Mundial y Natural. In: REUNIÓN DE LA CONFERENCIA GENERAL DE LA ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA, 17., Paris, 1972. Não paginado. Disponível em: http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf. Acesso em: 2 jun. 2018.
    http://whc.unesco.org/archive/convention...
    ).
  • 14
    Sob os entendimentos da Geografia, a noção de território costuma ser associada a uma relação de poder que tenta estabelecer limite, não necessariamente visível ou material, mas fixo e imutável em um determinado espaço-tempo. Por outro lado, a paisagem é dependente de sua percepção aos sentidos humanos e, também por essa razão, se configura como atributo móvel do indivíduo ou de uma sociedade (Santos, 1991SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1991., 2004SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da crítica da Geografia à Geografia Crítica. 6. ed. São Paulo: Edusp, 2004., 2006)SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2006.. Esses entendimentos, no entanto, estabelecem certas tensões sob a lógica dos procedimentos de musealização e patrimonialização. Ao atribuir-se a todo território, patrimonializado ou musealizado, significações específicas a uma determinada sociedade (sob fronteiras visíveis ou invisíveis), está-se também reconhecendo tal território enquanto paisagem. De outro modo, ao se configurar a paisagem como apta à valoração associada aos processos de musealização e/ou de patrimonialização, está-se aí definindo limites por meio de instâncias de poder institucional ou simbólico, configurando à paisagem o estatuto de território preservado.
  • 15
    Consideramos como processos convencionais de musealização aqueles que se concretizam como procedimentos formais e se estabelecem nos modelos conceituais de museu tradicional, museu de território e museu virtual. Não convencionais seriam os procedimentos de uma musealização teórica, apenas imaginária ou poética, associada aos modelos teóricos de museu interior e museu global. Para maiores detalhes sobre a proposição de diferentes modelos de museus, sugere-se a leitura do artigo “Musée et Muséologie - définitions en cours” (Scheiner, 2007SCHEINER, Teresa Cristina. Musée et Muséologie - définitions en cours. In: MAIRESSE, François; DESVALLÉES, André (org.). Vers une redéfinition du musée? Paris: L’Harmattan, 2007. p. 147-165.).
  • 16
    Para entender o desenvolvimento do conceito de paisagem cultural, e suas implicações nas políticas de preservação do patrimônio cultural brasileiro, sugere-se a leitura do livro “Paisagem cultural e patrimônio”, de Ribeiro (2007)RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2007. (Pesquisa e documentação do IPHAN). Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/SerPesDoc1_PaisagemCultural_m.pdf. Acesso em: 27 maio 2018.
    http://portal.iphan.gov.br/uploads/publi...
    , publicado pelo IPHAN.
  • 17
    Optou-se por uma sutileza semântica, ao considerar ‘homem’ e ‘natureza’ como partes de uma interação. Com isso, procura-se enfatizar a não oposição ou hierarquização entre ‘natureza-homem-sociedade’, fundamental à consolidação do conceito de ‘museu integral’. Trata-se de posicionamento teórico influenciado por enfoque ambientalista ‘ecocêntrico’ ou ‘biocêntrico’, que propõe “[...] ver o mundo natural em sua totalidade, na qual o homem está inserido como qualquer ser vivo”, em oposição ao enfoque ambientalista ‘antropocêntrico’, que “[...] opera na dicotomia entre homem e natureza” (Diegues, 2001DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001., p. 42).
  • 18
    Os princípios da ecosofia são desenvolvidos por Félix Guattari, no ensaio “As três ecologias”. Guattari (2014)GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt e revisão de Suely Rolnik. 21. ed. 3. reimp. Campinas: Papirus, 2014. propõe que as questões que deterioram o planeta e que ameaçam os seres vivos, e a própria existência humana, sejam consideradas sob perspectivas ecológicas que transcendam seus aspectos naturais e ambientais, e que considerem as relações sociais e a subjetividade humana. Esses três aspectos (ambiental, social e de subjetividade humana) são propostos pelo autor como as três ecologias que, não dissociadas, compõem o pensamento ecosófico.
  • 19
    Autor de obras como “A estrutura das revoluções científicas” (1962), Thomas Kuhn abordou aspectos da história da ciência e, ao contrastar uma perspectiva formalista à historicista, considerava que a ciência se configura ao longo do tempo, relacionando-se às épocas históricas e às suas peculiaridades sociais e humanas (Kuhn, 1998KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.).
  • 20
    Acerca das imprecisões de uma suposta hegemonia da ciência, sugere-se a leitura das obras “O mito da neutralidade científica”, do brasileiro Hilton Japiassu (Japiassu, 1975JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.), e “Ciência, um monstro”, do austríaco Paul Feyerabend (Feyerabend, 2016FEYERABEND, Paul K. Ciência, um monstro: lições trentinas. Tradução de Rogério Bettoni, edição, revisão técnica e notas de Luiz Henrique de Lacerda Abrahão. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.).
  • 21
    Não está se propondo o estabelecimento de novas dicotomias, sob entendimento maniqueísta. Assume-se que, entre os dois percursos imaginados, há uma infinidade de outros, nos entremeios das concepções adotadas nos modelos comunicacionais dos territórios protegidos/musealizados.
  • 22
    Citam-se a Antropologia e a Etnologia apenas a título de exemplo, sem qualquer intenção de reduzir a possibilidade de um percurso abrangente apenas a esses campos do conhecimento.
  • 23
    A corrente preservacionista vê como negativa qualquer intervenção do homem sobre a natureza, incluindo as comunidades ditas ‘tradicionais’. É por essa razão que o modelo de Yellowstone é mais contestado nos países em desenvolvimento, que adotam um enfoque socioambientalista, em que o direito ao acesso à terra e aos recursos naturais é pleiteado e defendido (Diegues, 2001DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001.).
  • 24
    A Lei no 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), estabelece os critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, ao regulamentar o artigo 225, § 1o , incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal.
  • 25
    ‘Patrimonialização’ poderia ser entendida, por alguns autores, como o “[...] ato que incorpora à dimensão social o discurso da necessidade do estatuto da Preservação” (Lima, 2012LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia-museu e patrimônio, patrimonialização e musealização: ambiência de comunhão. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 1, p. 31-50, jan./abr. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222012000100004.
    https://doi.org/10.1590/S1981-8122201200...
    , p. 34). Para maior compreensão quanto à origem das noções de patrimônio e patrimonialização, bem como às problemáticas comumente associadas a essa prática, sugere-se a leitura do livro “A alegoria do patrimônio”, de Françoise Choay (Choay, 2006CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 4. ed. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.).
  • 26
    Embora os debates sobre a função dos museus tenham se intensificado a partir da década de 1960, sabe-se que tal questionamento já existia desde o início do século XX e permanece na pauta das discussões internacionais, até hoje.
  • 27
    A esse respeito, Debord afirmou, em 1992, em sua ‘advertência’ à edição francesa daquele ano, que “[...] os acontecimentos de 1968 tornaram o livro conhecido”. Foi também nesse texto que o autor afirmou que o livro teria sido “[...] escrito com o intuito deliberado de perturbar a sociedade espetacular” (Debord, 2017DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017., p. 36).
  • 28
    Embora a espetacularização não se restrinja à monumentalização sob pretexto de valorização da memória, essa possibilidade não se exclui. Andreas Huyssen considera que o monumental é “[...] eticamente suspeito porque em sua predileção pelo grandioso se entrega ao mais-que-humano” e “[...] na tentativa de esmagar o espectador individual, é psicanaliticamente suspeito porque se liga às ilusões narcisistas de grandeza e completude imaginária” (Huyssen, 2004HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. 2. ed. Tradução de Sergio Alcides. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004., p. 51).
  • 29
    Sobre as estratégias de turismo centradas na ampliação de visitantes, Debord (2017, p. 136)DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017. considera que, como “Subproduto da circulação das mercadorias, o turismo, circulação humana considerada como consumo, resume-se fundamentalmente no lazer de ir ver o que se tornou banal”.
  • 30
    Quando bens preservados ou protegidos são associados exclusivamente a produtos de consumo, estabelece-se um processo de fetichização. Para Debord (2017, p. 52)DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017., “O princípio do fetichismo da mercadoria [...] se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens”.
  • 31
    Sobre o abandono da história, comenta Debord (2017, p. 132)DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.: “O espetáculo, como organização social da paralisia da história e da memória, do abandono da história que se erige sobre a base do tempo histórico, é a ‘falsa consciência do tempo’”.
  • 32
    Para Debord (2017, p. 57)DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017., o que rege o desejo de consumo na sociedade é a ilusão de uma sobrevivência ampliada: “O consumidor real torna-se consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral”.
  • 33
    Conhecida como Relatório Brundtland, a publicação intitulada “Nosso futuro comum - Our common future”, de 1987, apresenta as conclusões dos trabalhos da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), coordenada pela norueguesa Gro Harlem Brundtland. No relatório, o ‘desenvolvimento sustentável’ é apresentado como “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991., p. 46).
  • 34
    As estratégias de branding parks são mais conhecidas em países como o Canadá, os Estados Unidos e a Inglaterra. Entretanto, há estudos relacionados ao turismo, como a aplicação da noção de destination branding, que apontam ‘potencial’ para aplicação dessas práticas em parques e áreas ambientais protegidas, em todo o mundo.
  • 35
    Gilles Deleuze, ao analisar a obra “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, propõe diferentes modalidades de signos de percepção e, em especial, aborda as possíveis reações humanas a esses signos (Deleuze, 2003DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. ed. Tradução de Antonio Piquet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.). Trata-se de uma obra essencial à Museologia, já que, tomando por base os entendimentos de Deleuze, pode-se analisar criticamente as estratégias de musealização e seus possíveis efeitos sobre a percepção humana.

AGRADECIMENTOS

Este artigo se fundamenta em questões vinculadas à pesquisa de doutorado em Museologia e Patrimônio doprimeiro autor, sob colaboração da segunda autora e orientação da terceira.

REFERÊNCIAS

  • ACSELRAD, Henri. Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, n. 1, p. 79-90, maio 1999. DOI: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.1999n1p79.
    » https://doi.org/10.22296/2317-1529.1999n1p79
  • AGRAZ, Enrique Páez. Marca ciencia: el posicionamento social del conocimiento científico. In: HERRERA LIMA, Susana; OROZCO MARTÍNEZ, Carlos Enrique; Tenrreiro, Eduardo Quijano (coord.). Comunicar ciencia en México: tendencias y narrativas. Guadalajara: ITESO, 2016. p. 87-107. (Colección de la Academia al Espacio Público).
  • BACHELARD, Gaston. A epistemologia Tradução de Fátima Lourenço Godinho e Mário Carmino Oliveira. Lisboa: Edições 70, 2006.
  • BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo Tradução de Artur Morão. Rio de Janeiro: Elfos Editora; Lisboa: Edições 70, 2017.
  • BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação Tradução de Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.
  • BELIANI, Elisama. As contribuições da Museologia para a preservação e musealização do Parque Nacional da Tijuca 2012. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) – Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
  • BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas Introdução, organização e seleção Sergio Miceli. 6. ed. 1. reimp. São Paulo: Perspectiva, 2007.
  • BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989.
  • BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria nº 127, de 30 de abril de 2009. Estabelece a chancela da Paisagem Cultural Brasileira. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n. 83, p. 17, 5 maio 2009. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria_127_de_30_de_Abril_de_2009.pdf Acesso em: 11 jun. 2018.
    » http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria_127_de_30_de_Abril_de_2009.pdf
  • BRASIL. Câmara dos Deputados. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Brasília: Centro de Documentação e Informação: Coordenação de Publicações, 1995. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/7706 Acesso em: 28 maio 2018.
    » http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/7706
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília, 1988. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 2 jun. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
  • BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937 Rio de Janeiro, 1937a. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm Acesso em: 2 jun. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm
  • BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro, 1937b. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm Acesso em: 2 jun. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm
  • BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 Rio de Janeiro, 1934. Não paginado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm Acesso em: 2 jun. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm
  • CAMERON, Duncan. Le musée: un temple ou un forum. In: DESVALLÉES, André (org.). Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. Mâcon: Éditions W; Savigny-le-Temple: M.N.E.S., 1992. v. 1, p. 77-98. (Collection Muséologie).
  • CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem Tradução de Pedro Bernardo. Lisboa: Edições 70, 2014.
  • CHAUÍ, Marilena. Natureza, cultura, patrimônio ambiental. In: MEIO Ambiente: Patrimônio Cultural da USP. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial, 2003. p. 47-55.
  • CHAUMIER. Serge. Introduction. In: CHAUMIER, Serge (dir.). Du musée au parc d’attractions: ambivalence des formes de l’exposition. Culture & Musées, Paris, n. 5, p. 13-26, 2005.
  • CHOAY, Françoise. O patrimônio em questão: antologia para um combate. Tradução de João Gabriel Alves Domingos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. (Coleção Patrimônio).
  • CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio 4. ed. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.
  • COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991.
  • CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM). Evolution de la définition du musée selon les statuts de l’ICOM (2007-1946) Paris: ICOM, 2009. Não paginado. Disponível em: http://archives.icom.museum/hist_def_fr.html Acesso em: 9 jun. 2018.
    » http://archives.icom.museum/hist_def_fr.html
  • CURY, Marília Xavier. Museu, filho de Orfeu, e musealização. In: ENCUENTRO REGIONAL DEL ICOFOM LAM, 8., 1999, Coro. Documentos de Trabalho [...]. Coro: ICOFOM LAM, 1999. p. 50-55.
  • DAVALLON, Jean; GRANDMONT, Gérald; SCHIELI, Bernard. L’environnement entre au musée Lyon: Presses Universitaires de Lyon; Québec: Musée de la Civilisation, 1992.
  • DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo Tradução de Estela dos Santos Abreu e prólogo de Christian Ferrer. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.
  • DELEUZE, Gilles. Proust e os signos 2. ed. Tradução de Antonio Piquet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
  • DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (dir.). Diction>naire encyclopédique de muséologie Paris: Armand Colin, 2011.
  • DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada 3. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001.
  • FEYERABEND, Paul K. Ciência, um monstro: lições trentinas. Tradução de Rogério Bettoni, edição, revisão técnica e notas de Luiz Henrique de Lacerda Abrahão. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
  • GUATTARI, Félix. As três ecologias Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt e revisão de Suely Rolnik. 21. ed. 3. reimp. Campinas: Papirus, 2014.
  • HANDBOOK on tourism destination branding. Introdução de Simon Anholt. Madrid: UNWTO; Bruxelas: ETC, 2009.
  • HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
  • HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. 2. ed. Tradução de Sergio Alcides. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004.
  • JACQUES, Paola Berenstein. Prefácio. In: JEUDY, Henri-Pierre. O espelho das cidades Tradução de Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p. 9-12.
  • JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.
  • KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.
  • LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia-museu e patrimônio, patrimonialização e musealização: ambiência de comunhão. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 1, p. 31-50, jan./abr. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222012000100004.
    » https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100004
  • MACGREGOR, Roy. The disneyfication of Canada’s national parks. The Globe and Mail, Toronto, 16 maio 2016. Disponível em: https://www.theglobeandmail.com/news/national/the-disneyfication-of-canadas-national-parks/article28359840/ Acesso em: 30 maio 2018.
    » https://www.theglobeandmail.com/news/national/the-disneyfication-of-canadas-national-parks/article28359840/
  • MAURE, Marc. La nouvelle muséologie - qu’est-ce-que c’est? ICOFOM Study Series, Paris, n. 25, p. 127-132, 1995. Symposium Museum and Community II. Stavanger, Noruega, jul. 1995. Editor Martin R. Schärer.
  • MERLEAU-PONTY, Maurice. A natureza: curso do Collège de France. 2. ed. Texto estabelecido e anotado por Dominique Séglard, tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • MESA redonda de Santiago do Chile, 1972: mesa redonda sobre la importancia y el desarrollo de los museos en el mundo contemporáneo. Organização José do Nascimento Junior, Alan Trampe, Paula Assunção dos Santos. Brasília: IBRAM: Programa Ibermuseos, 2012. v. 1.
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Convención para la Salvaguardia del Patrimonio Inmaterial In: REUNIÓN DE LA CONFERENCIA GENERAL DE LA ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA, 32., Paris, 2003. Não paginado. Disponível em: https://ich.unesco.org/es/convencion Acesso em: 2 jun. 2018.
    » https://ich.unesco.org/es/convencion
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Convención sobre la Protección del Patrimonio Cultural, Mundial y Natural In: REUNIÓN DE LA CONFERENCIA GENERAL DE LA ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA, 17., Paris, 1972. Não paginado. Disponível em: http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf Acesso em: 2 jun. 2018.
    » http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf
  • PRATS, Llorenç. La mercantilización del patrimonio: entre la economía turística y las representaciones identitarias. PH: Boletín del Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico, Sevilla, n. 58, p. 72-80, marzo 2006. DOI: https://doi.org/10.33349/2006.58.2176.
    » https://doi.org/10.33349/2006.58.2176
  • RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado Tradução de Ivone C. Benedetti. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Editora WMF: Martins Fontes, 2017.
  • RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio Rio de Janeiro: IPHAN, 2007. (Pesquisa e documentação do IPHAN). Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/SerPesDoc1_PaisagemCultural_m.pdf Acesso em: 27 maio 2018.
    » http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/SerPesDoc1_PaisagemCultural_m.pdf
  • SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2006.
  • SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da crítica da Geografia à Geografia Crítica. 6. ed. São Paulo: Edusp, 2004.
  • SANTOS, Milton. 1992: A redescoberta da Natureza. Estudos Avançados, São Paulo, v. 6, n. 14, p. 95-106, jan./abr. 1992. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141992000100007.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-40141992000100007
  • SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1991.
  • SCHEINER, Teresa Cristina. Museu, museologia e a ‘relação específica’: considerações sobre os fundamentos teóricos do campo museal. Ciência da Informação, Brasília, v. 42, n. 3, p. 358-378, set./dez. 2013.
  • SCHEINER, Teresa Cristina. Repensando o museu integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan./abr. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222012000100003.
    » https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000100003
  • SCHEINER, Teresa Cristina. Musée et Muséologie - définitions en cours. In: MAIRESSE, François; DESVALLÉES, André (org.). Vers une redéfinition du musée? Paris: L’Harmattan, 2007. p. 147-165.
  • SCHEINER, Teresa Cristina. The many faces of ICOFOM. Cahiers d’Étude Study Series, Paris, n. 8, p. 2-3, 2000. Disponível em: http://archives.icom.museum/study_series_pdf/8_ICOM-ICOFOM.pdf Acesso em: 18 dez. 2017.
    » http://archives.icom.museum/study_series_pdf/8_ICOM-ICOFOM.pdf
  • SCHEINER, Teresa Cristina. Apolo e Dioniso no templo das musas Museu: gênese, ideia e representações na cultura ocidental. 1998. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
  • SIMMEL, Georg. A filosofia da paisagem Tradução de Artur Mourão. Covilhã: LusoSofia Press, 2009. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf Acesso em: 7 jun. 2018.
    » http://www.lusosofia.net/textos/simmel_georg_filosofia_da_paisagem.pdf
  • STRÁNSKÝ, Zbyn?k Z. Introduction à l’étude de la muséologie: destinée aux étudiants de l’École Internationale d’Été de Muséologie - EIEM. Brno: Université Masaryk, 1995.
  • VARINE, Hugues de. O tempo social Rio de Janeiro: Eça, 1987.
  • WILSON, Ross J. Natural history: heritage, place and politics. Abingdon, OX: New York, NY: Routledge, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2018
  • Aceito
    29 Abr 2019
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br