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Do fazer a arte rupestre: reflexões sobre os modos de composição de figuras e painéis gráficos rupestres de Minas Gerais, Brasil

Making rock art: thoughts on the composition of rock art figures and panels in Minas Gerais, Brazil

Resumo

Neste artigo, apresentamos a proposta teórico-metodológica de, ao contrário do que usualmente se faz, não tomarmos apenas as formas finais das pinturas e gravuras rupestres como objeto de análise. Propomos que se considere o processo de construção gráfica das figuras como objeto de estudo, colocando esse processo como algo em si relevante, e não apenas como meio para a forma final. A proposta é apresentada a partir de uma leitura teórica crítica (combinada a fontes etnográficas e arqueológicas) e por meio de exemplos concretos de análises que desenvolvemos, sob essa perspectiva, em diferentes áreas de Minas Gerais. Tomamos também como tema a construção de painéis, uma vez que percebemos que o processo de construção de figuras envolveu, muitas vezes, relações com figuras que já ocupavam os suportes.

Palavras-chave
Arte rupestre; Grafismos; Construção gráfica; Relação entre grafismos; Técnica; Tecnologia

Abstract

In this paper, we present a theoretical and methodological proposal that goes beyond analysing the final shape of paintings or carvings and instead considers the process of making figures and their graphic composition, viewing the production process itself as relevant and not just the means of achieving the final product. We start from theoretical discussions (combined with ethnographic and archaeological sources) and present examples from different areas of Minas Gerais (central Brazil) from this perspective. We also examine the construction of rock art panels, since we noticed that the process of constructing figures often involved relations with figures that already existed in these areas.

Keywords
Rock art; Graphisms; Graphic composition; Relationship among figures; Technique; Technology

Desde a abordagem de Calderón (1969Calderón, V. (1969). Nota prévia sobre arqueologia das regiões central e sudeste do estado da Bahia. Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas–publicações avulsas, (10), 135-149., 1983Calderón, V. (1983). Nota prévia sobre três fases da arte rupestre no estado da Bahia. Estudos de Arqueologia e Etnologia, (1), 5-23.), aplicando as noções de tradições, as análises de grafismos rupestres no Brasil, de um modo geral, ficaram restritas ou fortemente vinculadas a grandes conjuntos classificatórios, os quais eram delineados com base no repertório temático e na distribuição geográfica (Calderón, 1983Calderón, V. (1983). Nota prévia sobre três fases da arte rupestre no estado da Bahia. Estudos de Arqueologia e Etnologia, (1), 5-23.; Laming-Emperaire et al., 1975Laming-Emperaire, A. et al. (1975). Grottes et abris de la région de Lagoa Santa, Minas Gerais, Brésil. (Cahiers d’ Archéologie d’ Amérique du Sud, 1). Paris: École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales.; Martin, 1997Martin, G. (1997). Pré-História do Nordeste do Brasil. Recife: UFPE.; Prous et al., 1980Prous, A., Lanna, A. L. D., & Paula, F. L. (1980). Estilística e cronologia na arte rupestre de Minas Gerais. Pesquisas-Série Antropologia, (31), 121-146.; Prous, 1992Prous, A. (1992). Arqueologia brasileira. Brasília: Editora UnB.; Cavalcanti, 1986aCavalcanti, A. A. (1986a). A tradição Agreste: análise de 20 sítios de arte rupestre em Pernambuco (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil., 1986bCavalcanti, A. A. (1986b). A tradição Agreste: estudo sobre arte rupestre em Pernambuco. Clio–Série arqueológica, (8), 7-99.; Guidon, 1989Guidon, N. (1989). Tradições rupestres da área arqueológica de São Raimundo Nonato, Piauí, Brasil. Clio–Série arqueológica, (5), 5-10.).

Desse modo, os estudos dos conjuntos gráficos estabeleceram-se tendo os aspectos formais (efetivamente, ‘de forma’) dos grafismos como chave de entrada para a compreensão e a interpretação dos mesmos. Os temas, a temática, o repertório gráfico e as chamadas associações temáticas passam, então, a ser os elementos primeiros de análise. A partir deles, são delineados os grandes conjuntos de dispersão cronoespacial: tradições, fácies, complexos, estilos etc.

Com o desenvolvimento da arqueologia brasileira, percebemos o incremento que ocorreu nos delineamentos e nas análises destes conjuntos, agregando-se às abordagens os critérios relacionados, agora não somente às características formais das figuras e às associações entre formas ou temas, mas àquilo que foi denominado de “comportamento” por Ribeiro e Isnardis (1996-1997)Ribeiro, L., & Isnardis, A. (1996-1997). Os conjuntos gráficos do alto-médio São Francisco (vale do Peruaçu e Montalvânia) - caracterização e sequências sucessórias. Arquivos do Museu de História Natural, 17/18, 243-285., distribuição espacial dos grafismos no sítio e na paisagem (Baeta et al., 1992Baeta, A., Silva, M. C., & Prous, A. (1992). Organização do espaço pictural nos sítios rupestres da região de Lagoa Santa, MG. In Anais do Congresso da Associação Brasileira do Quaternário, Belo Horizonte, 3, 417-430.; Isnardis, 2004Isnardis, A. (2004). Lapa, parede, painel: distribuição geográfica das unidades estilísticas de grafismos rupestres do vale do rio Peruaçu e suas relações diacrônicas (Alto-Médio São Francisco, Norte de Minas Gerais) (Dissertação de mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Linke, 2008Linke, V. (2008). Paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina-MG (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Tobias Júnior, 2010Tobias Júnior, R. (2010). A arte rupestre de Jequitaí/MG entre práticas gráficas “padronizadas” e suas manifestações locais: interseções estilísticas no sertão mineiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Valle, 2012Valle, R. (2012). Mentes graníticas e mentes areníticas: fronteira geo-cognitiva nas gravuras rupestres no baixo rio Negro, Amazônia setentrional (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.); técnicas corporais envolvidas em sua realização (Ribeiro, 2006Ribeiro, L. (2006). Os significados da similaridade e do contraste entre os estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do alto-médio rio São Francisco (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., 2008Ribeiro, L. (2008). Contexto arqueológico, técnicas corporais e comunicação: dialogando com a arte rupestre do Brasil Central (Alto-Médio São Francisco). Revista de Arqueologia, 21(2), 51-72. doi: 10.24885/sab.v21i2.251
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); e interação entre conjuntos (Isnardis, 2004Isnardis, A. (2004). Lapa, parede, painel: distribuição geográfica das unidades estilísticas de grafismos rupestres do vale do rio Peruaçu e suas relações diacrônicas (Alto-Médio São Francisco, Norte de Minas Gerais) (Dissertação de mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., 2009Isnardis, A. (2009). Entre as pedras: as ocupações pré-históricas recentes e os grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais (Supl. 10). Revista do MAE, 5-194. doi: 10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2009.113527
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; Ribeiro, 2008Ribeiro, L. (2008). Contexto arqueológico, técnicas corporais e comunicação: dialogando com a arte rupestre do Brasil Central (Alto-Médio São Francisco). Revista de Arqueologia, 21(2), 51-72. doi: 10.24885/sab.v21i2.251
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; Linke, 2008Linke, V., & Isnardis, A. (2008). Concepções estéticas dos conjuntos gráficos da tradição planalto, na região de diamantina (Brasil Central). Revista de Arqueologia, 21(1), 27-43. doi: 10.24885/sab.v21i1.238
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, 2013Linke, V. (2013). Os conjuntos gráficos pré-históricos do centro e norte mineiros: estilos e territórios em uma análise macro-regional (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Alcantara, 2015Alcantara, H. (2015). Escolhas gravadas: técnica e experiência: uma análise das gravuras da Lapa do Posseidon, Montalvânia-norte do Sertão Mineiro (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.).

Embora tal incremento nas formas de se tratar grafismos e conjuntos gráficos tenha trazido ganhos importantes para o entendimento de como estas manifestações se relacionavam com o espaço e a paisagem ocupados, construídos e vivenciados/percebidos, a partir dos significados dados aos mesmos pelos seus autores, ele ainda priorizava as formas das figuras e, diga-se, as formas finais observáveis. Assim, vemos que, independentemente das diversas abordagens às quais foram submetidos os grafismos, foram suas formas finais que nortearam a maior parte das análises e interpretações.

Sugerimos, então, incluir, entre o arcabouço de abordagens desenvolvidas até o momento no estudo dos vestígios gráficos, as análises que valorizem a maneira como as figuras foram elaboradas. Essa abordagem apresenta-se como uma análise técnica/tecnológica dos grafismos, considerando os gestos de elaboração dos mesmos, a sequência diacrônica de sua composição e os estigmas deixados pelos instrumentos utilizados, bem como as relações gráficas com figuras outras na construção do painel e dos próprios grafismos.

Tais análises possibilitam discutir os conjuntos gráficos, sua variabilidade, mudanças e permanências, abordando prioritariamente o modo como as figuras foram compostas, construídas. Do ponto de vista puramente arqueológico, tais análises possibilitariam um diálogo mais rico entre os grafismos e os materiais evidenciados em contexto estratigráfico, possibilitando diminuição da tensão decorrente da forte dissociação entre grafismos e demais categorias de vestígios. A partir de análises técnicas/tecnológicas, podemos criar discussões com vestígios de superfície e sub-superfície, como percutores, cinzéis, pincéis e demais vestígios que possam vir a ser associados com práticas gráficas, como sugere Bednarik (1998)Bednarik, R. G. (1998). The technology of Petroglyphs. Rock Art Research, 15(1), 23-35., por exemplo. Por outro lado, e aí pensando em uma aproximação da análise arqueológica com contextos antropológicos, ou seja, ligado à teoria e à epistemis, a inclusão de análises das técnicas e dos gestos possibilitaria aventar significados e situações para os contextos arqueológicos, os vestígios gráficos e o seu contexto de produção.

O fato de as formas finais das figuras serem o aspecto priorizado nas análises tradicionais de grafismos rupestres dificulta a consideração do seu processo de construção. Do fazer, como algo em si relevante. Isto quer dizer que as análises estilísticas, assim como cronológicas, tendem a valorizar aspectos formais das figuras como se as formas não fossem resultados de processos – cognitivos, experienciais – e de escolhas. Entendemos que essa priorização das formas finais das figuras está estreitamente relacionada à nossa chave de entrada para o ‘reconhecimento’ de repertório cultural, do que haveria de coletivo no fenômeno da expressão gráfica: os ‘temas’ ou ‘temática’, pintados e gravados.

Quando falamos de processos cognitivos e experienciais/perceptivos, estamos considerando-os enquanto fenômenos complementares e relacionados aos modos de perceber, conhecer e ser no mundo. Isso quer dizer que entendemos que nestes processos conta-se com uma base biológica e estruturante, o cérebro, mas que o entendimento do mundo não se restringe ou é explicado por fenômenos sensoriais, mas sim que as experiências completam, ou mesmo justificam, estes processos.

Para Merleau-Ponty (1999)Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes., a construção de conhecimentos e entendimentos do mundo é pré-reflexiva, efetivando-se após a experiência. Ou seja, em um determinado acontecimento, não há um entendimento racional prévio a ele. Este entendimento só é possível depois que o mesmo já sucedeu. Para o filósofo, o processo de entender o mundo é, na verdade, um processo de ser no mundo. Este entendimento aproxima-se do conceito de auto-poiesis, de Maturana e Varela (2001)Maturana, H., & Varela, F. (2001). A árvore do conhecimento. São Paulo: Pallas Atenas., e é base para os argumentos de Ingold (2000)Ingold, T. (2000). The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. Londres: Routledge. sobre percepção e técnica. Este último, dialogando ainda com Gibson (1979)Gibson, J. J. (1979). The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin Company., propõe que os processos perceptivos e gestuais de atuação no mundo e com o mundo se desenvolvem a partir das experiências adquiridas pelos seres em uma prática de duplo engajamento entre elementos que compõem o mundo em questão. Para Gibson (1979)Gibson, J. J. (1979). The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin Company., um organismo (ser vivo) não existe sem o seu ambiente, e vice-versa, sendo, assim, um transcurso relacional constante. Assim, adquirir conhecimento tem a ver com a prática. Estar no mundo, agir no mundo, se relacionar, é o caminho que faz com que as pessoas percebam e conheçam seu ambiente. E esse conhecimento não é fixo, é infindável, uma vez que o que se percebe se relaciona com a forma como se olha e com o contexto em que se insere. Isso leva o autor a dizer que, afinal, aprender não se trata de um processo de ‘transmissão de informação’, mas sim de uma ‘educação da atenção’ (Gibson, 1979Gibson, J. J. (1979). The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin Company.), que está, como se imagina, totalmente relacionada com a experiência de cada ser. Assim, os objetos, os percursos e os demais fazeres são resultados de escolhas e decisões, baseadas na experiência, a serem feitas neste constante relacionar.

As proposições de Merleau-Ponty (1999)Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes. e Ingold (2000)Ingold, T. (2000). The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. Londres: Routledge. aqui apresentadas podem sugerir uma ênfase na dimensão individual ou pessoal das experiências, compreendendo, contudo, que elas se realizam em contextos culturais e históricos. Essa ênfase é uma ferramenta muito produtiva para se dar destaque aos momentos do fazer, do construir e para se pensar em mudanças, flexibilidade e variações. No nosso entendimento, os fenômenos de que aqui tratamos manifestam dimensões coletivas relevantes, que percebemos por meio das regularidades, recorrências e variações. Assim, cremos que, no grafar das figuras, há compartilhamento de referências, que corresponderiam ao conhecimento que se fundamenta na prática, nos relatos de experiências passadas (memória), no compartilhamento das experiências entre as pessoas pintoras (memórias) e em processos de aprendizagem, os quais também figuraram como objeto de reflexão por parte de Ingold (2000)Ingold, T. (2000). The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. Londres: Routledge..

Entendemos que estas formulações são coerentes com o que observamos nos conjuntos gráficos parietais e, portanto, aplicáveis em nossas análises. E, ainda, pode-se dizer que não só são aplicáveis. Quando nos voltamos às produções etnográficas, é possível achar pertinências significativas entre as produções ameríndias dos artefatos e as ideias ora propostas, mesmo que as produções etnográficas não as estejam usando diretamente.

Lúcia van Velthem apresenta-nos, em seu livro “O belo é a fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana”, a compreensão desse povo de língua Karib da região das Guianas sobre seus fazeres artesanais:

A confecção de um objeto exige uma gestualidade mais ou menos coordenada e repetitiva que propicia a nomenclatura para as diferentes técnicas de manufatura. A cerâmica, a cestaria e a tecelagem compacta são modalidades designadas pelo mesmo termo, tikaphé, “provido do fazer”. Essa referência comum deve-se ao fato de que em cada uma delas se empregam as duas mãos em movimentos e não porque julgam que fazer trançados seja igual a fazer potes ou tecidos. Segundo as exegeses wayana, essa nomenclatura deriva do fato de que cada mão faz, a maior parte do tempo, o mesmo movimento da outra e que, juntas, se complementam para criar o objeto.

(Velthem, 2003Velthem, L. (2003). O belo é a fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana. Lisboa: Assirio & Alvin., p. 133).

Na obra “Arte indígena no Brasil”, Els Lagrou fala a respeito das pinturas faciais dos Kaxinawá, povo de língua Pano, do oeste da Amazônia:

. . . o que caracteriza a pintura corporal e facial ritualmente mais eficaz e, portanto, mais apreciada no ritual de passagem de meninos e meninas kaxinawá é sua qualidade de ser malfeita invés de benfeita: as linhas grossas aplicadas com os dedos ou sabugos de milho, com rapidez e pouca precisão, permitem uma permeabilidade maior da pele à ação ritual quando comparadas com as pinturas delicadas aplicadas com finos palitos enrolados em algodão, pinturas estas que são consideradas benfeitas e esteticamente mais agradáveis e que são usadas pelos adultos nessa e em outras ocasiões.

(Lagrou, 2009Lagrou, E. (2009). Arte indígena no Brasil. Belo Horizonte: Editora C/Arte., p. 29).

Em ambos os trabalhos etnográficos citados, percebe-se uma potência do fazer e uma referência ao modo de fazer para dar sentido às coisas. No caso dos Kaxinawá, as duas formas de desenhar compõem o mesmo motivo, designado por eles como nawan-kene. Contudo têm efeitos distintos e se distinguem exclusivamente pelo modo com que são concebidos e realizados – a noção de ‘benfeito’ e ‘malfeito’, que a autora nos apresenta. É o fazer, interessado em produzir um resultado específico que distingue as duas formas, e não o tema. O ‘benfeito’ e o ‘malfeito’ são, afinal, recursos técnicos agentivos.

No caso dos Wayana, diferentes realizações de artefatos distintos são agrupadas como semelhantes em referência aos gestos que são executados no processo de fabrico dos mesmos. Nesse sentido, trata-se da valorização do fazer como lugar de definição conceitual e classificação das atividades, sobreposto – ou justaposto? – às distinções de natureza das matérias trabalhadas ou dos produtos realizados.

Em contexto arqueológico, Whitley et al. (2004)Whitley, D. S., Loubser, J. H. N., & Hann, D. (2004). Friends in low places: rock art and landscape on the Modoc Plateau. In C. Chippindale & G. Nash (Eds.), The figured landscapes of rock art: loking at pictures in place (pp. 217-238). Cambridge: Cambridge University Press. chamam a atenção para a presença de grafismos, no extremo oeste da América do Norte, em painéis de baixíssima visibilidade, em suportes muito discretos e de acesso difícil nos afloramentos rochosos. Segundo os autores:

A notable characteristic of certain panels at these sites is the location of the motifs in near-inaccessible under barely visible spots. In some cases this included paintings that are inside very narrow cracks; in others, motifs found under very small and low boulder overhangs (e.g. < 30 cm high). Both circumstances made motif tracing (let alone their original painting) physically difficult. When combined with the fact that the large majority of the images are black pigmento on black basalt surfaces, it is apparent that the process of making the art was more a concern than its subsequent visibility. This conclusion is further supported by the relative remoteness of these sites from major villages.

(Whitley et al., 2004Whitley, D. S., Loubser, J. H. N., & Hann, D. (2004). Friends in low places: rock art and landscape on the Modoc Plateau. In C. Chippindale & G. Nash (Eds.), The figured landscapes of rock art: loking at pictures in place (pp. 217-238). Cambridge: Cambridge University Press., p. 228).

O que esse exemplo arqueológico norte-americano nos mostra é uma prática de compor grafismos rupestres cuja preocupação central não é produzir figuras que serão vistas posteriormente, ou seja, não há uma audiência que interesse a priori ao pintor, mas sim, segundo os autores, que o próprio realizar das figuras é a intenção primordial. Ribeiro (2006)Ribeiro, L. (2006). Os significados da similaridade e do contraste entre os estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do alto-médio rio São Francisco (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. observou comportamento semelhante em sítios do médio São Francisco. Nos casos tratados por Ribeiro (2006)Ribeiro, L. (2006). Os significados da similaridade e do contraste entre os estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do alto-médio rio São Francisco (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., haveria uma restrição de audiência para grafismos postos em espaços discretos e só visíveis por aproximação intencionada – e que corresponderiam a um dos estilos definidos para o Sertão norte-mineiro –, que contrasta com casos em que as pinturas buscam espaços de grande visibilidade, cuja percepção seria imediata a todas as pessoas que chegam aos abrigos.

Nos diversos sítios em que vimos trabalhando na região de Diamantina, os modos de fazer, de construir grafismos e painéis, nos chama atenção para este processo de engajamento entre os diversos elementos envolvidos na prática gráfica. Vimos discutindo os processos de construção dos grafismos e sítios, buscando estabelecer as relações existentes entre os grafismos, seus elementos técnicos/tecnológicos estritos e o espaço que eles ocupam (suportes, elementos do mundo envolvente, presença de demais vestígios). Essa abordagem tem nos levado, aos poucos, a um maior investimento no entendimento em dois destes aspectos: técnico/tecnológico e nas relações existentes entre os grafismos de um determinado espaço gráfico, o que vem sendo testado em diversas regiões arqueológicas. Neste artigo, apresentaremos alguns resultados de análises da arte rupestre de quatro regiões do estado de Minas Gerais: Vale do Rio Peruaçu, Diamantina, Montalvânia e Jequitaí (Figura 1).

Figura 1
Localização de regiões arqueológicas citadas no estado de Minas Gerais.

CONSTRUINDO FIGURAS... E MAIS DO QUE FIGURAS

A análise dos gestos de produção dos grafismos teve início, no território mineiro, com as pesquisas no Vale do Rio Peruaçu. Até então, quando se calcavam1 1 ‘Calque’, de onde deriva o verbo ‘calcar’, corresponde a uma representação técnica em escala 1 x 1 dos grafismos sobre plástico transparente. Na nossa prática, é uma síntese analítica da forma de cada figura em associação com atributos derivados de análises in loco: elementos do suporte, relações de sobreposição, gestuais, posturais e outras informações contextuais relevantes podem ser indicados. as figuras, levava-se em consideração sua forma final2 2 De acordo com o entendimento do que caracteriza a unidade ‘figura’. . Assim, tanto contorno quanto preenchimento eram registrados ignorando os diversos gestos necessários para compô-los, como se os contornos, por exemplo, fossem todos feitos por um único traço contínuo, um único gesto de aplicação de tinta.

Traço aqui é entendido como uma unidade mínima de composição de uma figura pintada, aquela que se relaciona a um gesto de aplicação da tinta sobre o suporte. Uma figura, neste sentido, pode ser composta por vários gestos de aplicação, portanto, vários traços. A tentativa de se colocar em perspectiva os diversos traços que compõem uma figura mudou amplamente a prática de levantamento dos grafismos, e também o entendimento sobre eles.

Buscaremos mostrar como esta distinta forma de olhar, de registrar grafismos e de entender unidades gráficas permitiu-nos aproximação das concepções estéticas de conjuntos gráficos, abordar cronologias, caracterizar diálogos entre figuras distintas, descrever unidades gestuais potencialmente aplicadas na composição gráfica e caracterizar transversalidades técnicas. Tais práticas geram informações que usualmente escapam aos resultados obtidos pela aplicação de métodos tradicionais.

OUTROS OLHARES, ESTÉTICAS E CRONOLOGIAS...

O Vale do Peruaçu é muito rico em figuras geométricas bicrômicas (sendo as tricrômicas significativamente presentes), além de ocorrer policromias em menor quantidade (Ribeiro & Isnardis, 1996-1997Ribeiro, L., & Isnardis, A. (1996-1997). Os conjuntos gráficos do alto-médio São Francisco (vale do Peruaçu e Montalvânia) - caracterização e sequências sucessórias. Arquivos do Museu de História Natural, 17/18, 243-285.). Entre essas, há figuras de execução bastante complexa, especialmente vistosas nos paredões, que se apresentaram aos olhos dos pesquisadores como grandes superfícies pintadas, com um fundo em cor amarela, povoado por pequenas figuras geométricas vermelhas (triângulos, retângulos, quadrados, bastonetes), e um contorno vermelho. As formas finais (definidas, neste modo de observá-las, pelos contornos externos finais) são majoritariamente retangulares. Atribuiu-se a essas figuras, assim definidas, um termo que as agrupava, ‘figuras caboclo’ (Prous, 1985Prous, A. (1985). Exemplos de análises rupestres punctuais. Arquivos do Museu de História Natural, 10, 196-224.), em alusão à Lapa do Caboclo, sítio em que são mais abundantes. Na Figura 2, há alguns exemplos dessas figuras, tal como foram registradas pelo Setor de Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos levantamentos de campo do início dos anos 1980, e como podem ser encontradas e reproduzidas em diversas publicações3 3 No início dos trabalhos sobre o modo de elaboração das figuras do Vale do Peruaçu, Luiz Fernando Costa Miranda teve uma participação fundamental. .

Figura 2
Reprodução parcial de painel de pinturas da Lapa do Caboclo (vale do Peruaçu), produzida na década de 1980, na qual as figuras geométricas complexas foram registradas a partir de seus contornos finais, com base no entendimento de que se tratavam de figuras chapadas, sem atenção aos traços de sua composição.

A partir de um exame in loco, mais atento, dessas figuras, interessado no modo como teriam sido elaboradas, foi possível perceber que elas são compostas não de um fundo amarelo, mas sim de uma trama de traços amarelos4 4 No início dos trabalhos sobre o modo de elaboração das figuras do Vale do Peruaçu, Luiz Fernando Costa Miranda teve uma participação fundamental. . Esses traços se entrecruzam perpendicularmente e diagonalmente, arranjam-se em pequenos segmentos, em pares paralelos de orientação alternada, em zigue-zagues, em segmentos curtos paralelos e ritmados. Há muitas dezenas de figuras assim, apenas na Lapa do Caboclo, e em somente uma delas não é possível ver claramente as linhas amarelas da trama.

Na foto de detalhe que compõe a Figura 3, podem ser vistos claramente os traços amarelos (com a foto ampliada, os traços aparecem como faixas, nas quais é possível ver, inclusive, as estrias e marcas de arrasto do pigmento, explicando o gesto gerador do traço), que definem a trama da figura, e as superfícies pintadas em vermelho, nos espaços delimitados por essa trama. Observe-se a superfície não pintada, aparecendo entre os traços amarelos e os preenchimentos vermelhos.

Figura 3
Detalhe de figura geométrica complexa da Lapa do Caboclo (vale do Peruaçu), onde se veem os traços amarelos que compõem a figura.

Na Figura 4, podem ser vistas algumas das figuras já apresentadas, desta vez acompanhadas das representações técnicas que produzimos mais recentemente. Empregamos a mesma técnica de cópia em plástico (‘calque’), porém com a atenção voltada para os traços que compõem as figuras (o processamento das cópias, desta vez, se fez em softwares de imagem vetorial). O caso deixa explícito como questões diferentes de pesquisa vão produzir registros substantivamente distintos (conforme discutiremos a seguir), mesmo que baseados em técnicas semelhantes.

Figura 4
Comparação entre o modo de registro que considerou apenas os contornos externos da figura e seus elementos em cor vermelha (A) e o modo de registro em que se consideraram as linhas amarelas da trama e os preenchimentos de espaço e contornos vermelhos (B e C).

É importante destacar que a desatenção ao modo de composição não operava apenas no momento do calque (da representação em plástico), mas também no momento de seu processamento em laboratório, que, de forma padronizada, as reduzia a uma escala de 1/5. Essa redução era feita com um pantógrafo5 5 O pantógrafo foi usado, no Setor de Arqueologia, para se fazer a redução da escala das cópias dos grafismos até início dos anos 1990. Trata-se de uma engenhosa estrutura de réguas articuladas, com duas pontas. O movimento feito por uma das pontas era reproduzido pela outra, em escala reduzida, definível pelo modo de articular as réguas. e, ao longo de sua realização, mais uma vez, percorriam-se as linhas do contorno geral e as linhas de contorno de cada uma das pequenas ‘figuras’ geométricas internas vermelhas, representadas no calque em plástico.

O registro atento ao modo de composição traz mais de um resultado efetivo. O primeiro é produzir uma documentação que distorce6 6 Aqui, a distorção pretende apontar para uma descaracterização da figura. Ao não considerar as formas de composição das figuras, acabamos por desconsiderar também uma expressão formal que é oriunda de uma sequência gestual, uma combinação de gestos, que compõe o grafismo. Ora, se essa combinação de gestos não é levada em conta, a figura será generalizada em escala pequena, provocando a perda ou simplificação de partes da figura. Isto pode gerar grandes variações na forma final representada. nitidamente menos as figuras, restituindo parte de sua organização formal geral e minimizando as generalizações durante o registro e o processamento. O segundo, a que queremos dar destaque aqui, é uma mudança no entendimento dessas figuras. Com o novo olhar, a multiplicidade estonteante de formas finais de geométricos complexos que se vê nos paredões do Vale do Peruaçu pode ser entendida a partir das múltiplas possibilidades de combinação de elementos gráficos partilhados – como zigue-zagues, ‘grades’, grupos de bastonetes paralelos com intervalos ritmados, justaposição de traços ortogonais.

Na Figura 5, procuramos ilustrar o compartilhamento desses elementos por alguns dos grafismos mais complexos e mais simples. Pode-se ver que as diferentes seções da figura geométrica complexa (da Lapa do Caboclo) são produzidas da associação de elementos básicos em distintas práticas cromáticas, que correspondem às figuras ‘simples’, reunidas na Figura 5, todas elas retiradas de painéis de abrigos do Peruaçu (Figura 5).

Figura 5
Figura geométrica complexa da Lapa do Caboclo do Peruaçu e reproduções de figuras geométricas simples de outros sítios do mesmo vale, que estruturalmente correspondem aos elementos constituintes da figura complexa.

A partir dessa mudança de entendimento, abrem-se novas possibilidades de falar de semelhanças e de diferenças entre as muito numerosas figuras que, com poucas exceções, eram todas sui generis. Assim como se abrem possibilidades para, em lugar de tratá-las como um grupo peculiar de figuras (que sempre foi de definição difícil, videChanoca, 2017Chanoca, M. (2017). Tempo, espaço e movimento: uma análise da paisagem e das técnicas envolvidas no fazer gráfico da Lapa do Caboclo (vale do Peruaçu - MG) (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.), tratá-las de um modo em que se pode propor semelhanças e diferenças em relação a outras figuras geométricas em um mesmo conjunto estilístico, como as ‘redes’, ‘grades’, ‘figuras losangulares’. Com essa observação interessada no modo de fazer, podemos entender um sistema de elaboração de figuras partilhado por diferentes subconjuntos estilísticos do Peruaçu, que gera uma intensa diversidade de formas. Diluem-se, assim, as categorias classificatórias que segregam esse repertório gráfico em grupos distintos (Prous, 1985Prous, A. (1985). Exemplos de análises rupestres punctuais. Arquivos do Museu de História Natural, 10, 196-224., 1992), em favor de um recurso descritivo e analítico que põe em evidência o que essas diversas formas finais compartilham ou em que divergem.

Na região de Diamantina, os levantamentos dos conjuntos gráficos, buscando-se registrar os traços elaborados na composição das figuras, foram fundamentais para a caracterização e o delineamento desses conjuntos, os quais possuem relações diacrônicas entre si. O levantamento dos traços permitiu-nos delinear estéticas distintas para os conjuntos (Isnardis et al., 2008Isnardis, A., Linke, V., & Prous, A. (2008). Variabilité stylistique dans la tradition rupestre “Planalto” du Brésil Central: um même ensemble thématique, plusieurs esthétiques. In T. Heyd & J. Clegg (Eds.), Aesthetics and rock Art III Symposium (pp. 45-51). Oxford: BAR.), baseadas na forma de composição das figuras. Considerando este repertório, iremos discutir a seguir a composição de algumas das figuras zoomorfas da região, que perfazem as discussões dos conjuntos estilísticos locais.

Um traço de tinta vermelha delineia parte da ‘anca’ e o ‘ventre’, desenhando uma curva alongada. Uma inflexão no traço marca um novo volume, que faz a ‘cabeça’. Em lugar de continuar delineando a parte superior do ‘pescoço’, o traço é abandonado. Novo traço se justapõe a ele, desalinhado, e parte para desenhar, com uma única curva, o ‘dorso’. Este também se interrompe, antes de tocar o ponto inicial do primeiro traço. Um novo traço aparece acima do anterior, segue paralelo a ele e toca o início do primeiro, em ligeiro desalinhamento. Assim, se compõe o que parece ser um ‘contorno’ em que os traços não exigem conexão entre suas extremidades, não exigem continuidade, permitindo uma fluida imbricação, nada cartesiana, que não parece opor traços que ‘contornam’ os traços que ‘preenchem’ (Figura 6).

Figura 6
Reconstituição hipotética da construção de figura da Lapa do Voador (Diamantina).

Esta forma de composição dos grafismos, que inicialmente chamamos de ‘fluida’, é comum a uma parte muito expressiva do acervo gráfico rupestre da região de Diamantina (Linke & Isnardis, 2008Linke, V. (2008). Paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina-MG (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., 2012Linke, V., & Isnardis, A. (2012). Arqueologia pré-histórica da região de Diamantina (Minas Gerais): perspectivas e síntese das pesquisas. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, 21(1), 13-27.).

SINCRONIA E DIALOGISMO

Diante de tantas questões referentes às formas de elaboração das figuras, buscamos, em um dos sítios de pinturas de Diamantina, a Lapa do Caboclo, refinar as análises, com o interesse de identificar a diacronia existente entre traços de uma mesma figura, a fim de elucidar o conjunto de gestos que lhe deram forma. De maneira ainda experimental, utilizamos o levantamento feito em calque como guia de campo, imprimindo o resultado deste em folha de papel e levando-a para observação direta em campo. Valemo-nos de um microscópio digital, lupa, fotografia digital, além de mais de um par de olhos sobre uma figura eleita como nossa ‘figura-teste’.

Nessa figura, não foi possível reconhecer diacronia entre todos os traços, somente entre alguns deles. Contudo, com esse reconhecimento, alguns aspectos do modo de elaboração tornaram-se claros. A seguir, apresentamos duas pranchas (Figuras 7 e 8), em que se podem ver as sequências de traços nas extremidades esquerda e direita da figura zoomorfa. Não foi possível conectar uma sequência para toda a figura. Não temos, portanto, condição de sustentar plenamente se o início da figura zoomorfa foi sua parte ‘traseira’ ou ‘dianteira’ (voltaremos a esse ponto mais adiante). Após a apresentação das duas extremidades, discutiremos a construção da totalidade.

Figura 7
Representação da sequência de traços na construção gráfica de figura zoomorfa da Lapa do Caboclo de Diamantina: A) primeiros traços; B) segunda série de traços; C) terceira série de traços.
Figura 8
Representação da sequência de traços na construção gráfica da porção direita de grafismo zoomorfo (mesma figura da ilustração que compõe a Figura 7) da Lapa do Caboclo de Diamantina: A) traços iniciais; B) segunda série de traços; C) terceira série de traços.

Cada pequeno quadro nas pranchas (Figuras 7 e 8) corresponde a uma etapa que podemos propor para o processo de construção da figura. Adotamos uma representação alfabética para cada traço e a utilizamos também na representação da sobreposição entre traços. Em cada pequeno quadro, os traços já compostos e os traços da etapa em exame estão representados com preenchimento vermelho. Os traços de contorno descontínuo e em tom de vermelho bem suave são uma projeção dos traços ainda não compostos, que usamos aqui para clarear o lugar que cada traço virá a ocupar na composição final. Em alguns casos, foi possível discernir a direção do traço através da observação das marcas de arrasto e do modo de distribuição dos grânulos de pigmento. Nesses casos, uma seta interna ao traço indica a direção reconhecida.

Na porção esquerda da figura, a construção se inicia pelo traço subvertical (‘a’) que dá o limite das ‘ancas’ (Figura 7A). A partir desse traço subvertical, partem dois outros (‘b’ e ‘c’), sem cronologia discernível entre si, mas ambos posteriores ao primeiro, que definem o volume das ‘ancas’ (Figura 7B). Este, contudo, não é ainda o que será o volume final da figura. Um outro traço (‘d’) se justapõe ao primeiro, mas não temos informações sobre a relação dele com os dois traços transversais (‘c’ e ‘b’) (Figura 7B). Na sequência, se faz um traço horizontal longo (‘f’), que será, ao final, inteiramente interno à figura, preenchendo o que corresponderia a seu ‘ventre’; imediatamente antes ou imediatamente depois dele, um outro traço horizontal, curto desta vez, (‘e’) é composto (Figura 7C). Dois traços subverticais com extremidades conectadas (‘g’ e ‘h’) são, então, compostos, sobrepondo-se aos três traços horizontais (‘e’, ‘f’ e ‘c’) (Figura 7C); sua disposição é em paralelo ao traço inicial (‘a’). Nesse ponto (Figura 7C), tem-se uma composição que delimita e preenche as ‘ancas’ da figura com uma relativa regularidade rítmica.

Em síntese, a construção parte de um traço que define o limite final do volume principal da figura e, a partir dele, seguem-se os traços que construirão o ‘corpo’. Note-se que não há um desenho de ‘contorno’ que seja priorizado, frente a um ‘preenchimento’. Não há um modo de construir a figura que permita opor preenchimento e contorno. O traço superior do início da composição (traço ‘b’) não será o limite superior da figura, que só será composto posteriormente; enquanto o traço inferior do começo da composição (traço ‘c’) é a base a partir da qual as ‘pernas’ posteriores serão traçadas. O traço que limita à esquerda é o início, mas os traços que, a partir dele, vão sendo produzidos não têm como papel delimitar externamente a figura – alguns são provisoriamente limites externos, mas serão suplantados por outros, enquanto há os que já se vão integrando à composição do interior da figura (ao que usualmente chamaríamos de ‘preenchimento’). Assim, caracteriza-se um modo de construir em que se destaca a ‘fluidez’ de que anteriormente falamos (Linke & Isnardis, 2008Linke, V. (2008). Paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina-MG (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., 2012Linke, V., & Isnardis, A. (2012). Arqueologia pré-histórica da região de Diamantina (Minas Gerais): perspectivas e síntese das pesquisas. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, 21(1), 13-27.; Isnardis et al., 2008Isnardis, A., Linke, V., & Prous, A. (2008). Variabilité stylistique dans la tradition rupestre “Planalto” du Brésil Central: um même ensemble thématique, plusieurs esthétiques. In T. Heyd & J. Clegg (Eds.), Aesthetics and rock Art III Symposium (pp. 45-51). Oxford: BAR.; Isnardis, 2009Isnardis, A. (2009). Entre as pedras: as ocupações pré-históricas recentes e os grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais (Supl. 10). Revista do MAE, 5-194. doi: 10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2009.113527
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; Linke, 2008Linke, V. (2008). Paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina-MG (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.).

Na porção direita da figura, na composição do que chamaríamos de ‘cabeça’ e ‘pescoço’ da figura zoomorfa, pudemos recuperar uma sequência que é também indicativa de um modo de composição marcado pela fluidez e sem uma lógica que oponha preenchimento e contorno (Figuras 8A a 8C).

A figura, porém, não está sozinha no painel. Para compreendermos sua composição, especialmente em sua porção direita, devemos destacar que ela se encaixa cuidadosamente em uma outra figura zoomorfa, que lhe é anterior (Baldoni, 2016Baldoni, R. (2016). Desenhos entrelaçados: uma análise dos grafismos rupestres da Lapa do Caboclo de Diamantina – MG (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.). Assim, como se vê na Figura 9, os traços ‘b’, ‘d’ e ‘g’ distribuem-se seguindo os traços exteriores da figura em tinta vermelho-vinho.

Figura 9
Justaposição e pequenas sobreposições entre figuras zoomorfas na Lapa do Caboclo de Diamantina.

Na totalidade da figura, vemos que os traços não são pensados e executados como elementos consecutivos em traçados prévios. Os traços vão se harmonizando aos anteriores, de modo a compor ritmos, mas também vindo a transformar as tendências definidas nos primeiros traços, produzindo inflexões, desalinhamentos7 7 O caso da figura da Lapa do Voador, anteriormente apresentada (Figura 6), é também exemplar nesse sentido. , modificações progressivas de volume e de contornos, reorganizando recorrentemente o que é externo e interno.

A definição dos traços iniciais da ‘cabeça’, orientada pelas linhas externas da figura em vermelho-vinho (Figura 9), sinaliza outro aspecto que pretendemos percorrer aqui, pois uma outra possibilidade que nos foi colocada é perceber a interação existente entre figuras sobrepostas em um painel. Com uma práxis de análise dos grafismos em que as relações de sobreposição e justaposição são entendidas enquanto relações diacrônicas no painel, tais relações podem ser diminuídas a um status de recurso apenas de cronologia, para se remontar um quadro cronocultural para as ocupações regionais dos conjuntos estilísticos de grafismos rupestres.

Entretanto, as possibilidades analíticas para as relações de sobreposição superam seu primeiro fim, possibilitando aventar as relações existentes entre as figuras, e entre seus autores, que (re)significaram as formas já presentes nos suportes no momento de sua práxis gráfica. Na região de Diamantina, os sítios apresentam painéis intensamente ocupados, com numerosas relações de sobreposição, o que garante ao observador, em primeiro momento, uma impressão de grande caos. Quando lançamos um olhar atento, percebemos que este caos aparente contém um modo de se produzir os painéis em que as figuras não apenas se sobrepõem, mas, muitas vezes, compartilham elementos entre si, compartilham atributos gráficos, se encaixam, se complementam.

Assim, um traço que perfaz uma perna de um zoomorfo, por exemplo, é produzido com a experiência de outrem, quiçá em que tempo, que produziu traços que antes eram parte do preenchimento de outro zoomorfo. A construção gráfica, portanto, envolve não apenas a figura que se está produzindo em um momento, mas também aquilo que já foi feito e é (re)significado. Deste modo, podemos compreender que as figuras precedentes de um painel tornam-se matéria-prima que – assim como os pigmentos, o suporte, os instrumentos de aplicação da tinta, entre outros – são capazes de ‘agir’ na prática gráfica. As figuras precedentes, portanto, podem ser entendidas como elementos técnicos/tecnológicos de um fazer que engloba ‘novos’ e ‘velhos gestos’. A construção de painéis gráficos ao longo do tempo não deve ser entendida somente, nesta abordagem, como um conjunto de relações meramente diacrônicas, mas também dialógicas.

Do mesmo modo, podemos entender as relações entre figuras que se encaixam umas nas outras em um painel como no exemplo da Figura 10, ou quando há grafismos que parecem reproduzir grafismos precedentes.

Figura 10
Composição de painel na Lapa do Voador (Diamantina), onde se pode ver que cada momento de pinturas (representado por cada um dos quadros) compõe novos grafismos, encaixando-os nas figuras precedentes e que, no momento final, a grande figura zoomorfa se vale de linhas pré-existentes para seu contorno superior e engloba as figuras anteriores.

A região de Diamantina ainda nos trouxe uma outra questão quanto aos modos de produção de um painel, em que justaposições e sobreposições se fazem constantes e intensas. A Lapa do Caboclo, um bom exemplo, possui, em seu painel mais amplo e intensamente pintado, doze momentos8 8 Momento nos dá uma impressão de sucessão cronológica de composição de painel em que se subentende um intervalo de tempo expressivo e acompanhado de alterações no repertório gráfico e suas manifestações estilísticas. Aqui, no caso, entende-se por momento as diferentes camadas de tinta que se encontram em sobreposição. de produção gráfica. Baldoni (2016)Baldoni, R. (2016). Desenhos entrelaçados: uma análise dos grafismos rupestres da Lapa do Caboclo de Diamantina – MG (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. percebeu que, embora se possa ver as figuras em sobreposição quando se as examina em pares, várias delas parecem construídas sincronicamente, formando uma malha de cores e formas postas conjuntamente em determinada escala cronológica (Figuras 11A a 11D). A maneira sincrônica de construção do painel 1 da Lapa do Caboclo pode ser pensada a partir de dois fenômenos observados. Um deles advém do fato de que algumas tintas de mesma cor, granulometria e textura – características das tintas observadas na análise – componham momentos distintos de ocupação do suporte9 9 A análise mostrou que três tintas aparecem em dois momentos de ocupação do painel. São elas: preta, vermelha-marrom e laranja. . Obviamente, não podemos descartar a possibilidade de se haver receitas para a fabricação de determinadas tintas, mas é o segundo fenômeno observado que nos leva a crer na sincronicidade, e não na reprodução de tintas iguais em momentos temporais distintos. Este segundo fenômeno diz respeito à maneira como certas figuras foram compostas, deixando espaços vazios que seriam complementados por figuras pintadas posteriormente, utilizando-se as mesmas tintas ou tintas diferentes.

Figura 11
Sobreposições e encaixes entre figuras zoomorfas na Lapa do Caboclo de Diamantina: A) vermelho-marrom; B) laranja sobre vermelho-marrom; C) amarelo-escuro sobre laranja sobre vermelho-marrom; D) vermelho-marrom sobre amarelo-escuro sobre laranja sobre vermelho-marrom.

Estas situações indicam-nos que as relações mais do que diacrônicas, ou sincrônicas, podem ser entendidas enquanto dialógicas, uma vez que o modo de construção dos grafismos e do painel parece exprimir relações que se estabelecem nos suportes, nos grafismos e através deles.

UNIDADES GESTUAIS E RUMOS POTENCIAIS AO ENTENDIMENTO DE TRANSVERSALIDADES TÉCNICAS

Inspirado pelos trabalhos realizados com pinturas em Diamantina, realizou-se, no sítio Lapa do Posseidon, em Montalvânia, Minas Gerais, através de análises a partir de fotografia de alta resolução e RTI10 10 RTI, ou Reflectance Transformation Imaging, é um processo de registro fotográfico seguido por processamento digital que permite a visualização do relevo de uma superfície de interesse, a manipulação de luzes incidentes, a extração de cores, além de simulações de especularidade, luz difusa e outras. Por meio desta técnica, é possível realçar estigmas e outras marcas de produção fundamentais para a análise desenvolvida (Mudge et al., 2010). , o estudo de gestos técnicos de construção dos grafismos gravados. Foi proposto, a partir das análises e experimentações, o conceito de segmento, que seria um conjunto linear e sequencial de picotes11 11 ‘Picote’ designa aqui a marca de cada golpe desferido sobre o suporte, entendendo-se que o picoteamento é uma técnica de sucessivas percussões. , compondo ‘unidades’ gestuais em uma mesma figura, que se entrecruzam e a compõem. Essa ideia entra em diálogo direto com o conceito de traço, já citado anteriormente, aplicado em pintura por diversos autores (Prous, 1992Prous, A. (1992). Arqueologia brasileira. Brasília: Editora UnB.; Linke, 2008Linke, V. (2008). Paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina-MG (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., 2013Linke, V. (2013). Os conjuntos gráficos pré-históricos do centro e norte mineiros: estilos e territórios em uma análise macro-regional (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Isnardis, 2009Isnardis, A. (2009). Entre as pedras: as ocupações pré-históricas recentes e os grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais (Supl. 10). Revista do MAE, 5-194. doi: 10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2009.113527
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; Tobias Júnior, 2010Tobias Júnior, R. (2010). A arte rupestre de Jequitaí/MG entre práticas gráficas “padronizadas” e suas manifestações locais: interseções estilísticas no sertão mineiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.), apesar de diferenças marcantes no repertório técnico e gestual (Alcantara, 2015Alcantara, H. (2015). Escolhas gravadas: técnica e experiência: uma análise das gravuras da Lapa do Posseidon, Montalvânia-norte do Sertão Mineiro (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.). A Figura 12 apresenta um exemplo.

Figura 12
Sequência hipotética de composição a partir do RTI: figura geométrica com percussão direta da Lapa do Posseidon: (A) imagem com cores normais; (B) imagem com aplicação de efeito especular e cor difusa.

Os gestos e as sequências de construção das figuras permitiram repensar a organização dos conjuntos internos à Lapa do Posseidon, assim como colocar em foco questões pouco discutidas naquele contexto. Entre grupos cronológicos já propostos anteriormente (Ribeiro, 2006Ribeiro, L. (2006). Os significados da similaridade e do contraste entre os estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do alto-médio rio São Francisco (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), acrescentaram-se outros elementos de caracterização que partiram da formulação de esquemas hipotéticos de sequência gestual a partir de uma análise diacrônica de figuras do sítio. Para um conjunto de grafismos mais antigos na Lapa, foi proposto que parte expressiva dos mesmos, em se tratando de figuras ‘biomorfas’, seguiam uma sequência baseada em preenchimento-contorno, podendo haver uso de instrumentos e técnicas de picoteamento distintas e com densidade de picotes menor e mais heterogênea (Figura 13). Em contraste com ele, há um conjunto mais recente em que as figuras foram feitas sem contorno, mas optando por densidade de picotes muito alta, e primando por sobreposição intensa dos picotes em um mesmo grafismo (Alcantara, 2015Alcantara, H. (2015). Escolhas gravadas: técnica e experiência: uma análise das gravuras da Lapa do Posseidon, Montalvânia-norte do Sertão Mineiro (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.). Juntamente com essas informações, a percepção da ação erosiva e do depósito de sedimento foi crucial, uma vez que o arredondamento das bordas dos picotes e o preenchimento de suas zonas côncavas com sedimento indicam elementos de cronologia associados com o desgaste das gravuras.

Figura 13
Sequência de composição (indicada pela numeração dos quadros) de biomorfo da Lapa do Posseidon, Montalvânia, estimada a partir do produto do RTI. Imagens obtidas na visualização do RTI, sendo: (A) com cores naturais e (B) com aplicação de efeito especular, ambas com incidência de luz oblíqua.

As maneiras de se elaborar uma figura são muito recorrentes a certas formas gráficas e aos modos de se ocupar os suportes, além de apresentar coerência com relação às pátinas atuais do sítio. Juntamente com outros elementos de caracterização, pretendeu-se pensar nos conjuntos de forma a delineá-los com maior desenvoltura no que consta à técnica, assim como nos aproximar, de alguma forma, de possíveis experiências gestuais que envolvem outros vestígios arqueológicos (como batedores e cinzéis), o que pode facilitar, em alguma medida, a melhor interpretar esses vestígios líticos.

Elementos referentes à fisicalidade das figuras, como formato dos picotes, profundidade, densidade, concentração e os efeitos tafonômicos sobre elas, foram relevantes no momento de caracterizar e discutir os conjuntos de gravuras. Estes atributos permitiram, até mesmo, propor interpretações a estigmas que não necessariamente fazem parte das figuras, mas que ocorrem nos painéis e podem estar relacionados com os processos de construção das mesmas12 12 Vários estigmas, como pequenos pontos de impacto ou pequenas marcas incisas, durante experimentações de picoteamento realizadas, apareceram ao arredor das figuras, e estavam associados ao processo de picoteamento, seja durante a limpeza dos resíduos, seja devido ao impacto do cinzel ou percutor, que arremessava pequenos pedaços de rocha sobre o próprio suporte (Alcantara, 2015) . Uma análise voltada para a escala das figuras parece produzir informações que nos ajudam a nos aproximarmos mais destas práticas gráficas, pois trazem mais materialidade ao processo de pintura e gravura.

Já em pinturas de alguns sítios de Jequitaí, em Minas Gerais, também podemos observar motivos simples cuja sequência gestual se encontra imbricada em figuras mais ‘complexas’, à semelhança do que descrevemos anteriormente na Lapa do Caboclo, do Vale do rio Peruaçu. Em alguns casos específicos, como na Lapa do Sol do Curral de Pedras, uma caverna calcária que possui pinturas e gravuras em ao menos duas de suas entradas, há predomínio de um conjunto gestual repetidamente posto em composição e justaposição, particularmente no segundo momento cronoestilístico, dos três lá caracterizados (Tobias Júnior, 2010Tobias Júnior, R. (2010). A arte rupestre de Jequitaí/MG entre práticas gráficas “padronizadas” e suas manifestações locais: interseções estilísticas no sertão mineiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.).

A maior parte das figuras deste momento foi realizada com gestos curtos, tracejados, utilizando-se tinta branca e vermelha, frequentemente compondo bicromias. As figuras inseridas neste momento cronoestilístico são ‘geométricas’ que predominam à verticalidade, quando localizadas nas paredes. Nestes suportes, figuras ‘gradeadas’, assim como pectiformes (‘pentes’), postas horizontal e verticalmente, foram executadas com a tinta branca espessa, sendo possível observar, na escala do traço, a sequência gestual envolvida em sua composição. Frequentemente, a cor vermelha foi usada para preencher espaços entre traços brancos já realizados, assim como para compor figuras monocrômicas. Aqui, daremos ênfase somente às porções das figuras construídas com a tinta branca.

Nas figuras deste momento cronoestilístico, é recorrente a seguinte composição: uma sequência linear de traços brancos curtos é pintada, vertical ou horizontalmente. Da linha resultante, novos traços únicos, perpendiculares a ela, postos em paralelo e distantes entre si, são feitos. Esta sequência resulta na forma de um ‘pente’, de maior ou menor comprimento (de 10 cm até mais de um metro). No caso das figuras gradeadas, esta sequência foi realizada de maneira justaposta, o que é perceptível durante a análise diacrítica: da repetição da sequência anteriormente descrita, formam-se ‘grades’, integradas pela justaposição e sobreposição de ‘pentes’, resultado de uma organização gestual recorrente e ritmada (Figura 14). Em algumas situações, traços são adicionados para finalizar a ‘junção’ de determinados grupos de traços.

Figura 14
Localização e detalhe do painel I da Lapa do Sol de Jequitaí, em que se exemplifica a sequência gestual de construção de figuras pintadas com tinta branca espessa. Cada cor indica um ‘bloco’ gestual. Os números representam a posição de cada bloco na sucessão. Isto também é observado na maior parte das figuras semelhantes, inseridas no painel.

Entendemos ser possível, nestes casos, caracterizar ‘blocos’ de sequências gestuais, por meio do ‘isolamento’ de determinados elementos que integram uma figura, conforme cronologia relativa entre cada traço, diferenças e semelhanças na sua direção, entre outros atributos observáveis.

Ainda em Jequitaí, porém em região quartzítica adjacente ao Curral de Pedras, anteriormente citada, coexistem, nos mesmos sítios, figuras já atribuídas às tradições São Francisco e Planalto (Tobias Júnior, 2013Tobias Júnior, R. (2010). A arte rupestre de Jequitaí/MG entre práticas gráficas “padronizadas” e suas manifestações locais: interseções estilísticas no sertão mineiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.). A primeira é caracterizada, principalmente, pela abundância de formas geométricas, enquanto na segunda predominam figuras zoomórficas. No Sítio Lapa do Veado Correndo, inserido na estreita garganta do córrego do Sítio, percebem-se duas figuras cujas formas reconhecíveis permitem separá-las em duas grandes categorias formais: uma zoomórfica e outra geométrica (Figura 15). Uma análise em escala maior permite aproximação a uma possível transversalidade do fazer. O zoomorfo foi realizado segundo um repertório gestual que, de um modo geral, se assemelha àquela composição descrita anteriormente para os cervideomorfos da região de Diamantina, com partes dos traços do contorno sendo utilizadas, por vezes, para compor porções do preenchimento, sendo este feito com a aplicação de traços oblíquos entre si que muitas vezes se cruzam ou se interrompem. Já a figura ‘geométrica’ foi composta com o entrecruzamento oblíquo e perpendicular de traços, semelhante ao que se observa na zoomórfica, porém em maior densidade e com sequências ritmadas paralelas. Ela não possui contorno perceptível, apenas traços paralelos em uma de suas laterais.

Figura 15
Pinturas do sítio arqueológico Lapa do Veado Correndo, município de Jequitaí, Minas Gerais.

A posição dos traços e da sequência gestual, que compõem cada uma das figuras, permite caracterizar um modo de fazer semelhante na realização dos entrecruzamentos de traços em cada uma, respeitadas suas particularidades. Percebem-se unidades gestuais em algumas partes das figuras, o que oferece a possibilidade de caracterização de soluções parecidas na composição gráfica, e sugere uma transversalidade técnica do fazer que pode extrapolar os limites das categorias classificatórias predominantemente ‘formais’ – no caso, as assim chamadas tradições Planalto e São Francisco. Nestes termos, uma abordagem enfocada no modo de fazer as figuras pode fornecer elementos analíticos concretos para (re)conhecer compartilhamentos entre conjuntos formalmente distintos.

Se, por um lado, existe a dificuldade de superar a categoria formal usualmente denominada ‘geométrica’ ou ‘grafismos puros’, dadas as limitações interpretativas postas e por não serem cognoscíveis aos nossos olhos, podemos, por outro, buscar perceber ordenamentos gestuais coerentes e repetitivos entre si em um determinado conjunto de figuras, entre painéis, sítios e regiões, sem necessariamente priorizar o aspecto formal observável.

PERSPECTIVAS (CONCLUSÕES E CONVITE)

Se optamos por analisar as figuras considerando seu processo de elaboração (o mesmo podendo ser dito para os painéis), temos novas possibilidades de dar sentido a escolhas e atitudes das pessoas autoras. Entendemos que essas escolhas e atitudes são fenômenos construídos coletivamente, e que devem ser objeto de interesse dos estudos de grafismos rupestres. Convivemos com a premente queixa de que nossas análises tradicionais sequer esbarram nas motivações e nos sentidos geradores desse abundante e diverso universo de figuras que povoa os sertões e as serras brasileiras. O avanço em outros aspectos que nos permitam caracterizar comportamentos e percepções (geradoras de ações) das pessoas autoras poderá contribuir substantivamente para ampliar nosso entendimento e reduzir esse distanciamento entre figuras e pessoas que as produziram.

Acreditamos que seja hora de não mais nos restringirmos à forma final como elemento primordial de análise. Nos conjuntos com que vimos trabalhando ao longo dos últimos anos, no Peruaçu, em Diamantina, em Montalvânia e em Jequitaí, focalizar o processo de construção possibilitou-nos efetivamente avançar na descrição/análise de comportamentos das pessoas que grafam, pondo em evidência dimensões relevantes das práticas de pintar/gravar (Ribeiro & Isnardis, 1996-1997Ribeiro, L., & Isnardis, A. (1996-1997). Os conjuntos gráficos do alto-médio São Francisco (vale do Peruaçu e Montalvânia) - caracterização e sequências sucessórias. Arquivos do Museu de História Natural, 17/18, 243-285.; Ribeiro, 2006Ribeiro, L. (2006). Os significados da similaridade e do contraste entre os estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do alto-médio rio São Francisco (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Isnardis et al., 2008Isnardis, A., Linke, V., & Prous, A. (2008). Variabilité stylistique dans la tradition rupestre “Planalto” du Brésil Central: um même ensemble thématique, plusieurs esthétiques. In T. Heyd & J. Clegg (Eds.), Aesthetics and rock Art III Symposium (pp. 45-51). Oxford: BAR.; Linke, 2008Linke, V., & Isnardis, A. (2008). Concepções estéticas dos conjuntos gráficos da tradição planalto, na região de diamantina (Brasil Central). Revista de Arqueologia, 21(1), 27-43. doi: 10.24885/sab.v21i1.238
https://doi.org/10.24885/sab.v21i1.238...
, 2013Linke, V. (2013). Os conjuntos gráficos pré-históricos do centro e norte mineiros: estilos e territórios em uma análise macro-regional (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Tobias Júnior, 2010Tobias Júnior, R. (2010). A arte rupestre de Jequitaí/MG entre práticas gráficas “padronizadas” e suas manifestações locais: interseções estilísticas no sertão mineiro (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., 2013Tobias Júnior, R. (2013). Arte rupestre de Jequitaí/MG: suas relações internas em oposição ao contexto arqueológico do Centro Norte Mineiro. Revista Espinhaço, 2(2), 132-146.; Câmpera, 2012Câmpera, L. (2012). Sobre o olhar – um exercício de apresentação e discussão do conhecimento produzido sobre grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais. Revista de Arqueologia, 24(2), 86-101. doi: 10.24885/sab.v24i2.329
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; Linke & Isnardis, 2012Linke, V., & Isnardis, A. (2012). Arqueologia pré-histórica da região de Diamantina (Minas Gerais): perspectivas e síntese das pesquisas. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, 21(1), 13-27.; Alcantara, 2015Alcantara, H. (2015). Escolhas gravadas: técnica e experiência: uma análise das gravuras da Lapa do Posseidon, Montalvânia-norte do Sertão Mineiro (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Baldoni, 2016Baldoni, R. (2016). Desenhos entrelaçados: uma análise dos grafismos rupestres da Lapa do Caboclo de Diamantina – MG (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.).

A dimensão da concepção do que deve/precisa ser um novo grafismo que vai ser composto em um suporte já grafado; a dimensão do gesto de elaboração (longo, curto, fluido, geometricamente rigoroso, golpes precisos, golpes soltos) e de outras escolhas técnicas (como picotear; como congregar os golpes que produzem o picoteamento; como (des)encaixar os traços ao delinear uma pintura; como controlar com precisão a distribuição da tinta); a dimensão relacional da composição de figuras, quando a parede em que se grafa já é/contém uma composição de figuras; essas diferentes dimensões foram e têm sido exploradas em nossos trabalhos – de modo desigual, sem dúvida, mas estimulante – e estamos convencidos de seu grande potencial para inflexões criativas de entendimento das diversas práticas de grafar paredões rochosos, superando o limite da forma final das figuras como unidade de análise.

Outro aspecto pode ser ressaltado entre as possibilidades da abordagem que estamos propondo. A centralidade (ou, ao menos, a relevância) que o fazer teria na produção dos grafismos, cuja possibilidade aqui apontamos, abre uma perspectiva de interlocução com algo que a etnologia brasileira, em especial a etnologia articulada às artes ou artesanatos indígenas, tem colocado: a relevância do processo de produção dos diversos corpos, humanos e artefatuais. Nas filosofias e práticas sociais indígenas, os corpos humanos estão em processo contínuo de produção, não são um dado natural, que se desenvolve a partir de uma tendência imanente. Os corpos humanos são feitos por meio da trama de relações entre pessoas e outros seres agentes do mundo (Fausto, 2001Fausto, C. (2001). Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia. São Paulo: Edusp.; Viveiros de Castro, 2002Viveiros de Castro, E. (2002). A inconstância da alma selvagem: e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify.; Barcelos Neto, 2002Barcelos Neto, A. (2002). A arte dos sonhos: uma iconografia ameríndia. Lisboa: Assírio & Alvim.; Velthem, 2003Velthem, L. (2003). O belo é a fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana. Lisboa: Assirio & Alvin.; Lima, 2005Lima, T. S. (2005). Um peixe olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo: Editora UNESP.; Lagrou, 2007Lagrou, E. (2007). A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks.). As etnografias e os esforços de síntese etnológica sobre os fazeres de corpos artefatuais também têm evidenciado a construção desses corpos como espaço/momento/processo de aprendizado, de reflexão e de pensamento; o processo é objeto de apreciação e valorização (Lagrou, 2007Lagrou, E. (2007). A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks., 2013Lagrou, E. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? Uma reflexão sobre uma arte perspectivista. In C. Severi & E. Lagrou (Orgs.), Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas (pp. 67-109). (Coleção Sociologia e Antropologia). Rio de Janeiro: 7 Letras.; Velthem, 2003Velthem, L. (2003). O belo é a fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana. Lisboa: Assirio & Alvin.). Modos diversos de fazer produzem efeitos e resultados diferentes, conforme discutimos, podendo ir de eficazes a perigosos, envolvendo frequentemente relações entre as pessoas e outros seres ativos do mundo (Barcelos Neto, 2002Barcelos Neto, A. (2002). A arte dos sonhos: uma iconografia ameríndia. Lisboa: Assírio & Alvim.; Lagrou, 2007Lagrou, E. (2007). A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks.). Nessa perspectiva, o processo de produção é altamente relevante e demanda atenção, compromisso e habilidade da pessoa e das pessoas a ela relacionadas. Nessa medida, tomarmos o processo de produção dos grafismos como relevante para análise, e também como potencialmente relevante em seus contextos de produção (potencial esse que alguns elementos que apresentamos sugere que foi efetivo), significa aproximarmos o fazer pinturas rupestres dos outros fazeres ameríndios conhecidos.

Estamos sinalizando positivamente no sentido de que os grafismos rupestres indicariam uma continuidade expressiva, uma história profunda – algo que pode e deve ser objeto de um exame e de uma discussão mais densa, que não fazem parte do escopo deste artigo, cuja intenção foi refletir sobre os processos técnicos e tecnológicos tanto do fazer arqueológico sobre os grafismos, como aqueles que parecem, a nós, estar expressos na experiência de grafar. As interpretações etnográficas aqui utilizadas, mais do que exemplos, são possibilidades teóricas alternativas de compreensão e abordagem dos grafismos, e que contemplam aspectos que vão além das formas finais de figuras e painéis.

Tais possibilidades nos permitiram, inclusive, buscar elementos outros para análise dos grafismos, de modo a considerar as relações de diacronia-sincronia e, sobretudo, de dialogia de traços que compõem a elaboração de painéis e figuras.

  • 1
    ‘Calque’, de onde deriva o verbo ‘calcar’, corresponde a uma representação técnica em escala 1 x 1 dos grafismos sobre plástico transparente. Na nossa prática, é uma síntese analítica da forma de cada figura em associação com atributos derivados de análises in loco: elementos do suporte, relações de sobreposição, gestuais, posturais e outras informações contextuais relevantes podem ser indicados.
  • 2
    De acordo com o entendimento do que caracteriza a unidade ‘figura’.
  • 3
    No início dos trabalhos sobre o modo de elaboração das figuras do Vale do Peruaçu, Luiz Fernando Costa Miranda teve uma participação fundamental.
  • 4
    No início dos trabalhos sobre o modo de elaboração das figuras do Vale do Peruaçu, Luiz Fernando Costa Miranda teve uma participação fundamental.
  • 5
    O pantógrafo foi usado, no Setor de Arqueologia, para se fazer a redução da escala das cópias dos grafismos até início dos anos 1990. Trata-se de uma engenhosa estrutura de réguas articuladas, com duas pontas. O movimento feito por uma das pontas era reproduzido pela outra, em escala reduzida, definível pelo modo de articular as réguas.
  • 6
    Aqui, a distorção pretende apontar para uma descaracterização da figura. Ao não considerar as formas de composição das figuras, acabamos por desconsiderar também uma expressão formal que é oriunda de uma sequência gestual, uma combinação de gestos, que compõe o grafismo. Ora, se essa combinação de gestos não é levada em conta, a figura será generalizada em escala pequena, provocando a perda ou simplificação de partes da figura. Isto pode gerar grandes variações na forma final representada.
  • 7
    O caso da figura da Lapa do Voador, anteriormente apresentada (Figura 6), é também exemplar nesse sentido.
  • 8
    Momento nos dá uma impressão de sucessão cronológica de composição de painel em que se subentende um intervalo de tempo expressivo e acompanhado de alterações no repertório gráfico e suas manifestações estilísticas. Aqui, no caso, entende-se por momento as diferentes camadas de tinta que se encontram em sobreposição.
  • 9
    A análise mostrou que três tintas aparecem em dois momentos de ocupação do painel. São elas: preta, vermelha-marrom e laranja.
  • 10
    RTI, ou Reflectance Transformation Imaging, é um processo de registro fotográfico seguido por processamento digital que permite a visualização do relevo de uma superfície de interesse, a manipulação de luzes incidentes, a extração de cores, além de simulações de especularidade, luz difusa e outras. Por meio desta técnica, é possível realçar estigmas e outras marcas de produção fundamentais para a análise desenvolvida (Mudge et al., 2010Mudge, M. et al. (2010). Principles and practices of robust, photography-based digital imaging techniques. In A. Artusi, M. Joly-Parvex, G. Lucet, A. Ribes & D. Pitzalis (Eds.), The 11th International Symposium on Virtual reality, Archaeology and Cultural Heritage VAST (pp. 1-27). [Alemanha]: [Eurographics Association].).
  • 11
    ‘Picote’ designa aqui a marca de cada golpe desferido sobre o suporte, entendendo-se que o picoteamento é uma técnica de sucessivas percussões.
  • 12
    Vários estigmas, como pequenos pontos de impacto ou pequenas marcas incisas, durante experimentações de picoteamento realizadas, apareceram ao arredor das figuras, e estavam associados ao processo de picoteamento, seja durante a limpeza dos resíduos, seja devido ao impacto do cinzel ou percutor, que arremessava pequenos pedaços de rocha sobre o próprio suporte (Alcantara, 2015Alcantara, H. (2015). Escolhas gravadas: técnica e experiência: uma análise das gravuras da Lapa do Posseidon, Montalvânia-norte do Sertão Mineiro (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.)
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2019
  • Aceito
    12 Jun 2019
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