Acessibilidade / Reportar erro

Pão-de-índio e massas vegetais: elos entre passado e presente na Amazônia indígena

Indigenous bread and vegetable pulp: bonds between past and present in indigenous Amazon

Resumo

A elaboração de tecnologia de armazenamento de alimentos pelos povos indígenas da Amazônia é um tema descrito desde os relatos dos primeiros cronistas europeus na região. Frequentemente são encontrados, de maneira fortuita ou em sítios arqueológicos, artefatos culturais denominados ‘pães-de-índio’, presentes em diversos ambientes e bacias hidrográficas e relatados pelos moradores locais como um composto de plantas processadas e enterradas, comestíveis mesmo depois de anos enterrados. A partir da década de 1980, porém, uma série de trabalhos botânicos e micológicos vem classificando estes supostos pães como um fungo do gênero Pachyma Fr., Polyporus indigenus. Este artigo apresenta evidências arqueológicas, microbotânicas e etnográficas que mostram que pães-de-índio foram compostos preparados pelo processamento de espécies frutíferas e tuberosas, amplamente descritas pelos povos indígenas. Apresentamos os resultados da primeira tentativa de extrair grãos de amido de dois desses artefatos, os quais testaram positivamente para grãos de amido de milho, pimenta, batata-mairá e outras espécies de vegetais. Este texto dedica-se a demonstrar, ainda, que pães-de-índio são o testemunho do manejo e do uso da diversidade de plantas da floresta e do emprego de um conjunto de instrumentos e técnicas de produção com fins ao armazenamento de alimento.

Palavras-chave
Amazônia; Arqueologia; Massas vegetais; Pão-de-índio; Armazenamento; Grãos de amido

Abstract

The development of food storage technologies by indigenous peoples of the Amazon has been described since the early european chroniclers that travelled in the region. Cultural artifacts known as pães de índio ( ‘indigenous bread’) are frequently found in or nearby archaeological sites, in various environments and settings, and identified by local peoples as a compound of processed and buried plants, edible even after years of production. Since the 1980s, however, a number of botanical and mycological studies have classified these supposed breads as a fungus of the genus Pachyma Fr., Polyporus indigenus. In this paper we present archaeological, microbotanical and ethnographic evidence that shows that indigenous breads are a compounds of prepared fruit and tuberous species, widely described by indigenous peoples. We present the first attempt to extract starch grains from two of these objects, which tested positive for starch grains from maize, pepper, batata-mairá, and other vegetable species. We aim to demonstrate that such objetcts are the testimony of the management and use of forest plant diversity and of a set of production tools and techniques for food storage purposes.

Keywords
Amazon; Archaeology; Vegetable pulp; Indigenous bread; Food storage; Starch grains

INTRODUÇÃO

Ampliando as trilhas abertas pela etnoecologia dos povos da Amazônia (Posey, 1986Posey, D. (1986). Introdução – Etnobiologia: teoria e prática. In B. Ribeiro (Ed.), Suma Etnológica Brasileira (Vol. 1, pp. 15-25). Petrópolis: Vozes.), as pesquisas em ecologia histórica anunciaram um novo programa de investigação sobre as consequências, na longa duração, da interação entre sociedades e ambiente (Balée, 1989Balée, W. (1989). Cultura e vegetação da Amazônia brasileira. In W. A. Neves (Org.), Biologia e ecologia humana na Amazônia: avaliação e perspectivas (pp. 95-109). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi., 2006Balée, W. (2006). The research program of historical ecology. Annual Review of Anthropology, 35, 75-98, doi: https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.35.081705.123231
https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.3...
, 2012Balée, W. (2012). Historical ecology: premises and postulates. In W. Balée (Ed.), Advances in historical ecology (pp. 13-29). New York: Columbia University Press.). Nessa direção, somaram-se os estudos em genética e biogeografia de plantas voltados para a compreensão dos processos de domesticação de plantas e paisagens. Segundo Clement (1999)Clement, C. R. (1999). 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources - the relation between domestication and human population decline. Economic Botany, 53(2), 188-202. doi: https://doi.org/10.1007/BF02866498
https://doi.org/10.1007/BF02866498...
, cerca de 140 espécies de plantas foram cultivadas ou manejadas pelas populações amazônicas antes da chegada dos colonizadores, das quais pelo menos 85 são nativas da região e possuem algum grau de domesticação. Pesquisas arqueológicas, por sua vez, mostram que ao longo do Holoceno médio não houve pressões ambientais, sociais ou adaptativas que tenham levado à emergência da agricultura como forma predominante de cultivo e manejo de plantas na região (Neves, 2011Neves, E. G. (2011). El nacimiento del “Presente Etnográfico”: la emergencia del patrón de distribuición de sociedades indígenas y famílias linguísticas en las tierras bajas sudamericanas, durante el primer milenio d. C. In J. P. Chaumeil, O. Espinosa & M. Cornejo Chaparro (Eds.), Por donde hay soplo (pp. 39-65). Lima: Fondo Editorial Pontificia Universidad Católica del Perú.). Há, em vez disto, uma economia generalista baseada no uso combinado de espécies silvestres e domesticadas, de ciclos curto e médio, e que se relaciona com padrões de mobilidade que não podem ser descritos através do dualismo sedentarismo-nomadismo (Furquim, 2018Furquim, L. P. (2018). Arqueobotânica e mudanças socioeconômicas no Sudoeste Amazônico durante o Holoceno Médio (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.; Neves & Heckenberger, 2019Neves, E. G., & Heckenberger, M. J. (2019). The call of the wild: rethinking food production in ancient Amazonia. Annual Reviews, 48, 371-388. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102218-011057
https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-1...
).

Desde os primeiros relatos dos cronistas e viajantes que percorreram a bacia amazônica constam descrições acerca de formas de armazenamento de alimentos, despertando a curiosidade dos mesmos sobre a necessidade do estoque e a capacidade de produzir excedentes dos povos indígenas. Por exemplo, Frei Gaspar de Carvajal mencionou que os indígenas do rio Negro armazenavam alimentos em silos enterrados em ilhas próximas às suas aldeias, e notam a existência de diversos caminhos que saem destas aldeias rumo ao interior, sugerindo que algumas aldeias podiam se conectar por estradas.

Cavam na terra uns silos ou covas muito profundas e ali põem a iuca e a tapam muito bem, quando as aguas banham a ilha; e depois que se retiram e a terra fica a descoberta, a tiram e comem, porque não apodreceu com a humidade. [Descrição de Carvajal em 1637].

(Gaspar et al., 1941Gaspar, C., Rojas, A., & Acuña, C. (1941). Descobrimentos do Rio das Amazonas (C. Melo-Leitão, Trans.) (Série Brasiliana). São Paulo: Companhia Editora Nacional., p. 94).

Com mais de três trilhões e meio de árvores e 11.700 espécies arbóreas, a floresta amazônica é hiperdominada por cerca de 227 espécies – 1,94% do total (Steege et al., 2013Steege, H., Pitman, N. C. A., Sabatier, D., Baraloto, C., Salomão, R. P., Guevara, J. E., . . . Silman, M. R. (2013). Hyperdominance in the Amazonian tree flora. Science, 342(6156), 1243092. doi: http://dx.doi.org/10.1126/science.1243092
https://doi.org/10.1126/science.1243092...
; Levis et al., 2017Levis, C., Costa, F. R. C., Bongers, F., Peña-Claros, M., Clement, C. R., Junqueira, A. B., . . . Steege, H. (2017). Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian Forest composition. Science, 355(6328), 925-931. doi: https://doi.org/10.1126/science.aal0157
https://doi.org/10.1126/science.aal0157...
). Entre as 20 espécies com maior ubiquidade, mais dominantes, estão diversas plantas úteis, com um longo histórico de manejo por populações indígenas, como Euterpe precatoria (açaí-do-mato) e Euterpe oleracea (açaí-do-pará), Bertholletia excelsa (castanha-do-pará), Oenocarpus bataua (patauá), entre outras, presentes em sítios arqueológicos desde o Holoceno inicial há cerca de 11.000 anos (Roosevelt et al., 1996Roosevelt, A. C., Costa, M. L., Machado, C. L., Michab, M., Mercier, N., Valladas, H., . . . Schick, K. (1996). Paleoindians cave-dwellers in the Amazon: the peopling of Americas. Science, 272(5260), 373-384. doi: https://doi.org/10.1126/science.272.5260.373
https://doi.org/10.1126/science.272.5260...
; Magalhães et al., 2016Magalhães, M. P., Barbosa, C. A. P., Fonseca, J. A., Schmidt, M. J., Maia, R. R., Mendes, K., . . . Maurity, G. (2016). Carajás. In M. P. Magalhães (Org.), Amazônia Antropogênica (pp. 259-308). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.; Furquim, 2018Furquim, L. P. (2018). Arqueobotânica e mudanças socioeconômicas no Sudoeste Amazônico durante o Holoceno Médio (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.; Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
). Há, porém, uma invisibilização das plantas silvestres e de espécies cultivadas pouco conhecidas, bem como um desconhecimento científico acerca de suas tecnologias de manejo, processamentos e formas de consumo. Tal situação deriva, em parte, de um real abandono de plantas anteriormente consumidas por parte de alguns grupos indígenas, resultante de uma recente desarticulação de suas formas de organização social e das redes interétnicas pelas quais tais plantas circulavam (Clement, 1999Clement, C. R. (1999). 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources - the relation between domestication and human population decline. Economic Botany, 53(2), 188-202. doi: https://doi.org/10.1007/BF02866498
https://doi.org/10.1007/BF02866498...
). Lévi-Strauss (1986)Lévi-Strauss, C. (1986). O uso das plantas silvestres da América do Sul tropical. In B. Ribeiro (Ed.), Suma etnológica brasileira (pp. 29-46). Petrópolis: Vozes. já alertava acerca da importância de tais plantas, ressaltando o desenvolvimento de tecnologias de manejo, processamento, consumo e tantas outras formas de uso para os povos indígenas na América do Sul.

O pão-de-índio e as biomassas vegetais são descritos por diversos grupos indígenas e populações ribeirinhas do presente, e podem ser compreendidos, neste cenário, como um elo entre distintos momentos da história indígena da Amazônia. Neste artigo, compilamos diversos registros etnográficos sobre o pão-de-índio, além de apresentarmos resultados da análise de grãos de amido em dois desses pães. Com esses dados, propomos explorar suas diferentes formas de produção, as distintas espécies vegetais empregadas na sua elaboração e biotecnologias associadas. Propomos também que tais compostos possuem uma raiz histórica e são relacionados a períodos em que grupos com diferentes estratégias de assentamento estocavam alimentos, seja para a elaboração de bebidas fermentadas, para o consumo durante expedições de caça ou para uso alimentar cotidiano.

O USO DE BIOMASSAS VEGETAIS PELOS POVOS INDÍGENAS DA AMAZÔNIA

Os grupos indígenas do noroeste amazônico (alto rio Negro) exploram e exploravam vários frutos para a elaboração de biomassas, que são acondicionadas em pequenos paneiros (kaisariró)1 1 Kaisariró é também o nome dado pelos Tukano do alto rio Negro a uma pequena constelação, que aparece no céu da região a partir do mês de novembro, anunciando o início da estação das frutas – tido como ‘tempo de fartura’ –, muitas delas utilizadas na produção de biomassa (Maia, 2018). e enterradas dentro de suas casas coletivas ou no quintal. Quando produzida em grande quantidade, a matéria-prima era armazenada provisoriamente no local da coleta e depois transportada para a aldeia. Essa prática está presente na memória de muitos indígenas, porém é pouco utilizada atualmente. A massa era utilizada como reserva alimentar ao longo do ano, sendo consumida no varejo – adicionada ao caldo de peixe, ao mingau, à farinha – ou empregada na elaboração de bebidas (caxiri) servidas no dia a dia ou durante as cerimônias rituais (póose) (Maia, 2018Maia, G. S. (2018). Bahsamori: o tempo, as estações e as etiquetas sociais dos Yepamahsã (Tukano). Manaus: Neai.).

Entre as plantas empregadas na produção de biomassas nessa região, destacam-se o japurá (Erisma japura) – bati, em língua Tukano –, cujo fruto era cozido e o caroço era macerado no pilão, sendo sua massa muito utilizada para engrossar o caldo de peixe; e o cunuri (Hevea spruceana) – wahpu –, cujas sementes maduras eram raladas ou cozidas e banhadas na correnteza dos rios para a completa retirada da toxidez. Processada com as próprias mãos, sua massa era, em seguida, revestida com folhas e acondicionada no kaisariró, antes de ser armazenada no solo. A biomassa do cunuri era utilizada para ‘temperar’ a manicuera (suco cozido da mandioca amarga) e suas sementes in natura também podiam ser raladas e cozidas, e no seu caldo podia-se cozinhar o peixe.

Do fruto do umari (Poraqueiba sericea) se utilizava tanto a polpa quanto a amêndoa. A polpa do fruto maduro era raspada e deixada de molho na água do rio para o amolecimento de sua amêndoa, que seria retirada cerca de duas semanas depois e macerada no pilão. A massa obtida era enxugada no tipiti e peneirada. Sua biomassa, depois de acondicionada e armazenada no solo, era utilizada para temperar a goma do beiju, engrossar o mingau ou o caldo de peixe ou simplesmente era dissolvida no chibé (bebida clássica da Amazônia feita à base de farinha de mandioca e água).

Outra base vegetal utilizada pelos grupos da região era a biomassa do uacu (Monopteryx uaucu) – símio, em Tukano: suas sementes, depois de submetidas ao cozimento e acondicionadas em cestos (aturás), eram deixadas em repouso na água corrente do rio ou igarapé por cerca de um dia para a extração do veneno. Bastante amolecidos, os frutos eram amassados com a mão. Depois de enterrada, a massa de uacu poderia ser usada para o preparo de mingaus e também para temperar a manicuera.

Entre as palmeiras, há informações sobre o uso da pupunha (Bactris gasipaes) e do buriti (Mauritia flexuosa). Dos frutos da pupunha, depois de cozidos, se retirava a massa, que era enterrada exclusivamente para a fabricação do caxiri, bebida fermentada muito utilizada nos momentos de festa ou durante os pequenos encontros comunitários. Da polpa fresca se fabricava a farinha. O buriti, por sua vez, quando coletado em grandes quantidades era depositado numa canoa dentro d’água para o amolecimento da sua polpa. A biomassa, depois de armazenada no solo, servia para o preparo de mingaus e chibés.

Na bacia do alto rio Solimões, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, comunidades Tikuna praticam, ainda hoje, o enterramento de massa de ‘yuca’, a mandioca mansa (Manihot esculenta), próximo de suas casas ou de suas roças. Depois de removerem a matéria orgânica do solo, abrem um buraco (redondo ou quadrado) com profundidade superior a 30 cm, revestindo-o com folhas de Marantaceae, Heliconiaceae ou Musaceae, e cobrindo-o com terra. Aí são depositadas grandes quantidades de massa, utilizada por vários meses ao longo do ano para a produção de farinha, base de diferentes pratos da culinária nativa (Acosta Muñoz et al., 2005Acosta Muñoz, L. E., Gonzáles, H. A. C., Venegas, C. P. P., Garcia, J. C. A., Arguelles, J., Valderrama, A. M., & Huaines, F. J. (2005). La práctica de conservación de bimomasas de yuca: tecnologia tradicional indígena aplicada en el presente. In L. E. Acosta Muñoz & A. M. Valderrama (Eds.), Enterramientos de masas de yuca del pueblo Ticuna: Tecnología tradicional en la várzea del Amazonas colombiano (pp. 63-73). Leticia, Amazonas, Colombia: Instituto Amazónico de Investigaciones Cientificas.). No passado, além da mandioca, os Tikuna também armazenavam no solo as massas de inhame (Dioscorea trifida) e de pupunha (A. S. Tikuna, comunicação pessoal, 5 set. 2019).

As massas vegetais extraídas de inúmeros frutos silvestres e de outras plantas cultivadas, a exemplo das regiões e dos grupos aqui mencionados, constituíram-se numa valiosa fonte alimentar, consumidas cotidianamente como parte dos principais pratos e receitas, mas também armazenadas para a elaboração de alimentos rituais em eventos festivos, entre os quais destaca-se o caxiri. São também um campo privilegiado para se observar o desenvolvimento de tecnologias de produção de alimento, uma vez que muitas delas envolvem a retirada de toxinas e venenos, e todas envolvem o desenvolvimento de tecnologias de processamento e conservação adequadas às características das plantas (Quadro 1).

Quadro 1
Preparo de massas vegetais para armazenamento no solo.

PÃO-DE-ÍNDIO: VESTÍGIO DE MEMÓRIAS ENTERRADAS

Aqui, definimos pão-de-índio como uma modalidade especial da prática de processamento de massas vegetais, feito a partir de um combinado de plantas processadas através de diferentes tecnologias, e armazenado no solo ao ser enterrado. Uma das primeiras descrições sobre o pão-de-índio foi feita por Mário Ypiranga Monteiro, que o reconhece, em língua Geral, como ‘miapé’, e o classifica como ‘pão-de-guerra’, descrevendo-o como “uma massa de mandioca misturada com massa de milho. . . . Envolvido em fôlhas e entaniçado, é enterrado, guardando-se de reserva para os dias ruins” (Monteiro, 1963Monteiro, M. Y. (1963). Alimentos preparados à base da mandioca. Revista Brasileira de Folclore, 3(5), 37-82., p. 61).

Segundo relatos de indígenas e ribeirinhos do sul do Amazonas, pães-de-índio são massas compactadas, aglomerados maciços produzidos a partir do processamento de batatas, carás, polpas de frutas, sementes e castanhas disponíveis na floresta, utilizados como reserva alimentar em tempos de escassez ou consumidos em viagens, caçadas ou grandes varações2 2 De uso generalizado na Amazônia, o termo ‘varar’ é sinônimo de ‘deslocar’. Varações se referem, portanto, a grandes deslocamentos, por caminhos conhecidos ou não. . Há relatos de sua presença em toda a bacia amazônica (Figura 1), ao passo que estudos sobre sua distribuição, origem e composição muito têm a revelar sobre a história dos povos nativos da região.

Figura 1
Distribuição dos pães-de-índio identificados e noticiados na Amazônia brasileira. Aqueles identificados em sítios arqueológicos foram escavados ou identificados em superfície. Apenas estão representadas as terras indígenas em que foram identificados os pães, encontrados pelos próprios habitantes, porém sem indícios de quem os havia produzido. Os achados fortuitos foram identificados em aberturas de roçados, estradas, realização de obras, entre outras atividades. Legendas: 1 = Sítio Lago do Testa; 2-6 = Sítio ABC; 7 = Sítio Seu Antônio; 8 = Sítio Xavier; 9 = Sítio Rio Madeira; 10 = Área de Interdição Jakareúba-Katawixi; 11 e 16 = Terra Indígena (TI) Hi-Merimã; 12 = TI Kaxinawa; 13 = TI Apurinã do Igarapé São João; 14-15 = TI Caititu; 17 = Área de Interdição Piripkura; 18 = TI Kayapó; 19 = TI Nukini; 20 e 22; Presidente Figueiredo; 21 = Santarém; 23 = rio Jacaré (Amazonas); 24 = Lábrea; 25 = rio Moaco; 26 = igarapé Punainã; 27-29 = Cruzeiro do Sul. Mapa: Laura Furquim (2020).

De acordo com esses relatos, as nozes e sementes de palmeiras e castanheiras eram maceradas em pilões; os frutos poderiam ser simplesmente raspados, amolecidos em água ou cozidos; as raízes e os tubérculos eram ralados em instrumentos fabricados por meio de pequenas pedras inseridas em madeira, em raízes de palmeiras como a paxiubinha (Socratea exorrhiza) ou de casca de algumas árvores, como o uacu (Van Den Bel, 2015Van Den Bel, M. (2015). Uma nota sobre a introdução dos raladores de metal e sobre a produção e consumo de mandioca e milho na zona costeira das Guianas durante o século XVII. Amazônica - Revista de Antropologia, 7(1), 100-131. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v7i1.2153
https://doi.org/10.18542/amazonica.v7i1....
; Van Velthem, 2012Van Velthem, L. H. (2012). Cestos, peneiras e outras coisas: a expressão material do sistema agrícola no rio Negro. Revista de Antropologia, 55(1), 401-437.). As sementes e tuberosas tóxicas, além de raladas e maceradas, recebiam um tratamento especial para a retirada da toxidez de suas massas, a exemplo da batata-mairá (Casimirella sp.), do louro-abacate (Pleurothyrium cuneifolium), da faveira-da-várzea (Eperua leucantha) e do cunuri (Hevea spruceana) (H. T. Tuyuka, comunicação pessoal, 26 maio 2018).

Alguns autores referem-se aos pães-de-índio como “um preparo alimentício feito por mulheres indígenas da etnia Nukini, da família linguística Pano, localizada no estado amazônico do Acre. Esse alimento teria sido produzido à base de milho e macaxeira macerados e revestidos com o látex da seringueira (Hevea brasiliensis)” (Santos et al., 2013Santos, C., Silva, F. E. C., Silva, S. F. S. M., Sullasi, H. L., Paula, A. S., Oliveira, C. A., . . . Castro, V. M. C. (2013, agosto). O pão do índio dos Nukini da Amazônia: estudo de caso sobre o uso de suprimento específico na dieta alimentar indígena. In Anais do XVII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe., p. 1). A partir de uma pesquisa etnográfica e histórica entre os Katukina, na bacia do Juruá, Góes (2007)Góes, P. R. H. (2007). A natureza do saber: o lugar do conhecimento na práxis katukina. Espaço Ameríndio, 1(1), 116-145. doi: https://doi.org/10.22456/1982-6524.2560
https://doi.org/10.22456/1982-6524.2560...
argumenta que o pão-de-índio é a prova cabal de uma estratégia de resistência e ocupação territorial adotada pelos diferentes grupos da região. Segundo Góes (2007, p. 133)Góes, P. R. H. (2007). A natureza do saber: o lugar do conhecimento na práxis katukina. Espaço Ameríndio, 1(1), 116-145. doi: https://doi.org/10.22456/1982-6524.2560
https://doi.org/10.22456/1982-6524.2560...
: “o preparo do ‘pão-de-índio’ só tinha razão de ser devido ao fato de sempre se retornar a certos locais eleitos pelo grupo”.

Na maioria dos relatos dos indígenas e ribeirinhos do médio rio Purus coletados pelos agentes da Frente de Proteção Etnoambiental Purus-Madeira (FPEPM), pães-de-índio encontram-se relacionados à mobilidade característica dos povos nativos da região, quase sempre associados à presença de varadouros ou a locais de frequentes deslocamentos por um amplo território. Nestes locais, os pães são abundantes e tudo indica que os indígenas os depositavam em lugares estratégicos junto aos varadouros a fim de utilizá-los como reserva alimentar nas caçadas e nos deslocamentos sazonais. Pães monumentais também são comuns nestas ‘padarias subterrâneas’. O castanheiro Francisco da Paz Gomes relata a existência de um pão de grandes dimensões em uma das trilhas que vão até o seu castanhal, localizado nas cabeceiras do igarapé Punaenã, afluente do rio Umari, do qual se alimenta há mais de dez anos, retirando dele pedaços a cada ano, por ocasião da quebra de castanha (F. P. Gomes, comunicação pessoal, 1 set. 2017).

O indigenista R. Alves (comunicação pessoal, 1 fev. 2018) relata a presença de pães-de-índio em associação com concentrações de bananeira-brava (Phenakospermum guyannense) nas terras altas do rio Moaco, afluente do Pauini, tributário do rio Purus. O cacique apurinã Manoel Ramos da Silva também fala sobre a abundância do pão-de-índio na TI Igarapé Grande (comunicação pessoal, 5 jun. 2017), encontrados às margens dos varadouros, caminhos percorridos por seus parentes no passado, e que antes já haviam sido rotas de outros índios.

M. Apurinã (comunicação pessoal, 15 maio 2014), liderança da TI Caititu, no médio rio Purus, informa que encontrou pães-de-índio nos dois locais onde morou, na microbacia do rio Sepatini e no interior da terra indígena supracitada. No rio Sepatini, onde viveu até trinta e oito anos de idade, encontrou pães no toco de árvores de seringueiras (Hevea brasiliensis) e amapás (Hancornia amapa), identificados aflorando em superfície, e logo os retirava para comer. Na TI Caititu, Marcelino Apurinã informa que os encontrava quase sempre por ocasião da abertura de roçados ou durante a colheita de mandioca e de outras tuberosas. Marcelino conta ainda que, quando criança, ouvia histórias sobre um tuxaua, conhecido por Mané Ricardo, que fazia pão-de-índio à base de massa de mandioca, milho, massa de buriti e umari. De acordo com Freitas (2017)Freitas, A. (2017). A roça, a colheita e a festa: uma etnografia dos roçados apurinã na Aldeia Terra Nova (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil., os índios Apurinã moradores do baixo Purus (TI Itixi Mitari) dizem que é muito comum encontrarem pão-de-índio na região, alegando, no entanto, pertencerem a outros grupos que viveram nesta região antes deles – possivelmente os Mura –, uma vez que “não é costume apurinã produzir este tipo de alimento” (Freitas, 2017Freitas, A. (2017). A roça, a colheita e a festa: uma etnografia dos roçados apurinã na Aldeia Terra Nova (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil., p. 28).

Relatos como estes são abundantes e demonstram a amplitude de conhecimento e de usos que os moradores desta região possuem acerca da localização, de tecnologias e do consumo destes pães.

Os pães-de-índio são também encontrados em acampamentos de alguns povos indígenas de recente contato e em isolamento voluntário na Amazônia por expedições de localização e monitoramento dos mesmos, conduzidas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Nestes contextos, são considerados vestígios materiais da presença humana na área e expressam práticas e hábitos culturais destes grupos.

Em um interessante relato registrado pelo indigenista Jair Candor, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha/Juruena, foi identificado um pão-de-índio ‘fresco’ durante uma expedição de monitoramento dos indígenas Piripkura, grupo indígena de recente contato que habita o norte do estado do Mato Grosso. Dias depois da identificação, a equipe se deparou com os dois Piripkura, que confirmaram que eles mesmos haviam fabricado aquele pão e o enterrado algumas semanas antes. O principal ingrediente consistia em uma espécie de cará silvestre, conhecida como caratinga (Dioscorea sp.), encontrada nas serras localizadas no interior da área e bastante apreciada por esses ‘índios isolados’ (T. Cardoso, comunicação pessoal, 1 dez. 2019).

Em outra ocasião, durante uma expedição de localização de índios isolados realizada no interflúvio dos rios Curêquêtê-Ituxi, no município de Lábrea, Amazonas, foi encontrado um pão depositado entre as sapopemas3 3 No sul do Amazonas, o termo sapopema, ou sacopema, é utilizado para referir-se às bases de troncos de árvores estendidas. Geralmente são estruturas ocas e produzem um som grave quando golpeadas com porretes. As árvores conhecidas como toari e samaúma produzem sapopemas bastante imponentes. de um caucho (Castilla ulei) (Cangussu, 2014Cangussu, D. (2014). Relatório da expedição Curêquêtê/Gaivotinha. FUNAI, CGIIRC, FPE Madeira-Purus, AM, Lábrea.). No interflúvio dos rios Jacareúba-Mucuim, foi identificado um pão-de-índio em meio a um palhal de babaçu4 4 Na margem direita do rio Purus, os pães são geralmente encontrados no interior destes palhais (matas de cocais) ou castanhais. Já na margem esquerda, onde não há presença de palhais de babaçu, os pães possuem uma dispersão mais ampla, sendo identificados nos micronichos antropizados. no interior de um castanhal. O seu formato semicircular e a sua estrutura externa rugosa preservada revelaram dois importantes aspectos relacionados à técnica de fabricação do produto: uma de suas faces, ainda que enrugada, era arredondada, em contraste com a outra, de estrutura bastante irregular (Figura 2). Isso pode sugerir que a massa fora processada e acondicionada em estado pastoso, conforme relatos de indígenas habitantes da região do Purus. A massa fora armazenada em um recipiente flexível, possivelmente um pequeno paneiro de palha verde, revestido no seu interior por folhas de bananeira-brava ou arumã (Ischnosiphon arouma), conferindo-lhe o formato arredondado. Por outro lado, a sua face irregular estaria localizada na entrada do recipiente, onde ocorreriam amarrações e trançados. A película externa deste pão, de aspecto rugoso, enrijecida e escura, sugere que a massa fora submetida a um processo de defumação, o que pode indicar intenção de proteger o alimento contra o ataque de insetos e microrganismos, além da manutenção de suas qualidades alimentares e durabilidade (Cangussu & Perez, 2017Cangussu, D., & Perez, W. (2017). Relatório da expedição de localização Jacareúba. FUNAI, CGIIRC, FPE Madeira-Purus, AM, Canutama.).

Figura 2
Pães-de-índio identificados no sul do Amazonas: A) TI Jacareúba/Katawixi; B) TI Apurinã; C) Piripkura; D) Purus. Fotos: Cangussu (2017)Cangussu, D., & Perez, W. (2017). Relatório da expedição de localização Jacareúba. FUNAI, CGIIRC, FPE Madeira-Purus, AM, Canutama. (A); Mendes dos Santos (2020)Mendes dos Santos, G. (2016). Plantas e parentelas: notas sobre a história da agricultura no Médio Purus. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 19-40). Manaus: Edua. (B); Jair Candor (2015) (C); Cangussu (2014)Cangussu, D. (2014). Relatório da expedição Curêquêtê/Gaivotinha. FUNAI, CGIIRC, FPE Madeira-Purus, AM, Lábrea. (D).

Diversos pães-de-índio foram também identificados em sítios arqueológicos na região da Amazônia central, em locais onde há presença de solos antrópicos, conhecidos como terras pretas de índio (TPI) ou amazonian dark earths (ADE) (Schmidt et al., 2013Schmidt, M., Py-Daniel, P., Moraes, C. P., Valle, R. B. M., Caromano, C. F., Texeira, W. G., . . . Heckenberger, M. J. (2013). Dark earths and the human built landscape in Amazonia: a widespread pattern of anthrosol formation. Journal of Archaeological Science, 42(1), 152-165. doi: https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.002
https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.00...
; Neves et al., 2014Neves, E., Guapindaia, V. L. C., Lima, H. P., Costa, B. L. S., & Gomes, J. (2014). A Tradição Pocó-Açutuba e os primeiros sinais visíveis de modificações de paisagens na calha do Amazonas. In S. Rostain (Ed.), Amazonía: memorias de las conferencias magistrales del 3er Encuentro Internacional de Arqueologia Amazónica (pp. 137-158). Quito: Ministerio Coordinado de Conocimiento y Talento Humano.). Não é possível definir, a partir das informações de coleta, descritas na documentação disponível, se tais vestígios são correlatos aos contextos arqueológicos aos quais estão associados ou se foram depositados posteriormente. Por ser o pão-de-índio um vestígio intencionalmente enterrado, serão necessárias datações radiocarbônicas diretas para a confirmação de sua antiguidade e, portanto, sua associação a contextos específicos. Vale ressaltar, no entanto, o que informa Monteiro (1963, p. 61)Monteiro, M. Y. (1963). Alimentos preparados à base da mandioca. Revista Brasileira de Folclore, 3(5), 37-82. sobre o pão-de-índio, que ele chama de pão-de-guerra: “tem-se achado muitos, inteiros e conservados ou em fragmentos endurecidos, em locais onde se presume tivessem existido aldeamentos indígenas ou miracãueras (cemitérios), pois eram também colocados ao lado do defunto”.

É interessante notar, ainda, que as moradias ribeirinhas contemporâneas costumam sobrepor-se a sítios arqueológicos, em função de sua localização e da qualidade de seu solo, sendo comum que os pães-de-índio sejam encontrados quando da abertura de um novo roçado. No Sítio Lago do Testa (Iranduba, Amazonas), em que foi identificada cerâmica da Fase Guarita em solo de terra marrom – relacionada a áreas de cultivo pré-coloniais (Denevan, 1992Denevan, W. M. (1992). Stone VS. Metal Axes: the ambiguity of shifting cultivation in prehistoric Amazonia. Journal of the Steward Anthropological Society, 20(1), 153-165.) –, foi escavado um pão-de-índio aparentemente em contexto arqueológico, com diversos artefatos associados ao preparo de alimento, como líticos lascados, que podem ter sido usados como utensílios de corte, e placas de granito, que podem ter servido de raladores (Lima, 2003Lima, L. F. E. (2003). Levantamento arqueológico das áreas de interflúvio na área de confluência dos rios Negro e Solimões, AM (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.). Se estiver mesmo associado à ocupação Guarita, é possível que a produção de pães arqueológicos possa retornar a 900 AD, quando este complexo surgiu na Amazônia central (Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). A Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.; Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio Solimões, estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.).

A partir do final da década de 1970, botânicos e micólogos analisaram alguns artefatos descritos como pães-de-índio, a partir da hipótese de se tratar de uma espécie de fungo até então pouco conhecida do gênero Pachyma, família Polyporus (Araujo & Sousa, 1978Araujo, I. J. S., & Sousa, M. A. (1978). Nota prévia sobre o “pão do índio” da Amazônia brasileira. Acta Amazonica, 8(2), 316-318.). De acordo com os levantamentos, há 11 espécies de Polyporus na Amazônia, entre as quais duas crescem a partir de esclerócitos subterrâneos: P. sapurema e P. indigenus (Gomes-Silva et al., 2012Gomes-Silva, A., Ryvarden, L., Medeiros, P., Sotão, H., & Gibertoni, T. (2012). Polyporus (Basidiomicota) in the Brazilian Amazonia, with notes on Polyporus indigenus I.J. Araujo & M.A. de Sousa and P. sapurema A. Moller. Nova Hedwigia, 49(1-2), 227-238. doi: https://doi.org/10.1127/0029-5035/2012/0094-0227
https://doi.org/10.1127/0029-5035/2012/0...
). Algumas dessas espécies já haviam sido identificadas como fontes alimentares pelos Yanomami (Prance, 1984Prance, G. T. (1984). The use of edible fungi by Amazonian indians. Advances in Economic Botany, 1(1), 127-129.) e por outros grupos indígenas (Fidalgo, 1968Fidalgo, O. (1968). Conhecimento micológico dos índios brasileiros. Revista de Antropologia, 15/16(1), 27-34.), havendo menção de que os esclerócitos comestíveis eram chamados por ribeirinhos de pães-de-índio e poderiam ser consumidos em fatias, fritas em gordura (Fidalgo & Poroca, 1986Fidalgo, O., & Poroca, D. J. M. (1986). Etnomicologia brasileira. Boletim Micológico, 3(1), 9-19.). O teste realizado para a confirmação da hipótese foi realizado pelo isolamento de fragmentos de dois espécimes provenientes da estrada Manaus-Caracaraí (Amazonas), que foram inseridos em um solo humoso e conservados úmidos, para o experimento. O resultado foi o crescimento de um basidiocarpo em formato cônico, classificado, então, como Polyporus indigenus (Araujo & Sousa, 1978Araujo, I. J. S., & Sousa, M. A. (1978). Nota prévia sobre o “pão do índio” da Amazônia brasileira. Acta Amazonica, 8(2), 316-318.). Desde então, os pães-de-índio têm sido equiparados aos esclerócitos deste fungo e são ora classificados enquanto pães através de sua nomenclatura tradicional, ora classificados enquanto fungos através de suas características biológicas e físico-químicas. Alguns destes estudos resultam em conclusões pouco precisas acerca da origem antrópica ou natural deste material, apontando para a possibilidade de tratar-se de um fungo comestível (Santos et al., 2013Santos, C., Silva, F. E. C., Silva, S. F. S. M., Sullasi, H. L., Paula, A. S., Oliveira, C. A., . . . Castro, V. M. C. (2013, agosto). O pão do índio dos Nukini da Amazônia: estudo de caso sobre o uso de suprimento específico na dieta alimentar indígena. In Anais do XVII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe.).

Desse modo, há uma indeterminação acerca da característica antrópica ou natural dos pães-de-índio, sendo necessária a realização de novas pesquisas que possibilitem melhor definição deste composto.

À RAIZ DO PROBLEMA: ANÁLISES MICROBOTÂNICAS DE PÃES-DE-ÍNDIO

Uma vez que os relatos de indígenas, indigenistas e ribeirinhos nos indicam o uso de diversas plantas amiláceas, entre tubérculos e endocarpos/sementes, pães deveriam apresentar vestígios de grãos de amido diversos. A fim de testar as hipóteses aqui apresentadas, selecionamos duas amostras de pão-de-índio de diferentes locais para a realização de análises microbotânicas de grãos de amido, amplamente empregadas pela arqueologia.

Grãos de amidos são compostos por carboidratos insolúveis que se formam durante a fotossíntese e são constituídos por dois polímeros – amilose e amilopectina –,presentes em diversas partes das plantas, como caules, raízes, folhas, frutos e sementes. De acordo com Pagán-Jiménez (2015)Pagán-Jiménez, J. (2015). Almidones: guia de material comparativo moderno del Ecuador para los estudios paleoetnobotanicos em el Neotropico. Iquito: Prometeo., os amidos presentes nos órgãos de reserva nutricional são aqueles que apresentam maior possibilidade de identificação, uma vez que se desenvolvem e possuem características diagnósticas, ao passo que aqueles presentes nos demais órgãos, como as folhas, são denominados amidos transitórios e não possuem características diagnósticas, servindo apenas para a confirmação da presença dos grãos.

A morfologia, o tamanho e a estrutura dos grãos de amido podem ser características do gênero e, por vezes, das espécies, motivo pelo qual vêm sendo utilizados pela arqueologia como um dos principais vestígios para identificações arqueobotânicas (Pearsall, 2015Pearsall, D. M. (2015). Paleoethnobotany: a handbook of procedures (3 ed.). London: Routledge.; Babot, 2003Babot, M. P. (2003). Starch grain damage as an indicator of food processing. In D. M. Hart & L. A. Wallis (Eds.), Phytolith and starch research in the Australian-Pacific-Asia regions: the state of the art (Terra Australis, No. 19) (pp. 69- 81). Austrália: Pandus Book.). Grãos de amido podem se preservar durante milênios em diversos materiais aos quais estiveram aderidos, como dentes humanos, vasilhas cerâmicas, fragmentos líticos, coprólitos, entre outros. Na Amazônia, há vestígios de amidos de feijão (Phaseolus sp.) em artefatos líticos datados em cerca de 6.000 anos atrás (Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
).

Para a amostragem dos pães-de-índio, foi extraído material do interior de dois espécimes, ambos encontrados na bacia do rio Purus, Amazonas, durante expedições de monitoramento da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus (FUNAI): o primeiro provém da Terra Indígena Jakareúba/Katawixi, denominado PI 01, e o segundo provém de um acampamento Hi-Merimã na TI homônima, denominado PI 02. O presente estudo, realizado a partir do teste de diversos métodos de extração realizados em laboratório, foi o primeiro a extrair grãos de amidos de pães-de-índio com resultados positivos. A seguir, descrevemos aqueles que nos possibilitaram visualizar os grãos em uma resolução adequada à identificação de morfotipos.

Devido à dureza dos pães e à presença de uma fina camada externa, possivelmente contaminada com grãos de amido do ambiente, extraímos do interior dos espécimes, com uma furadeira esterilizada, o material para análise, resultando em um pó fino. A primeira lâmina foi montada com este material, porém não resultou na identificação de grãos de amido. O segundo teste consistiu em deixar o material de molho em água destilada por 15 minutos e, em seguida, colocá-lo em um banho de ultrassom sem temperatura por cinco minutos, para estimular a liberação dos grãos de amido. Esse líquido foi, posteriormente, concentrado em um tubo de ensaio Falcon através de rodadas de centrifugação de dez minutos a 2.000 rpm. As lâminas montadas com este material resultaram na identificação de diversos grãos de amidos, porém não foi possível realizar a análise dos mesmos em função da presença de outros elementos não identificados que comprometeram a visibilidade dos grãos. A terceira tentativa consistiu na separação dos grãos de amido através de flotação com cloreto de césio de densidade específica de 1,8 g/cm3 (Pearsall, 2015Pearsall, D. M. (2015). Paleoethnobotany: a handbook of procedures (3 ed.). London: Routledge.). Foram misturados em um tubo Falcon 2 ml de resíduo e 4 ml de cloreto de césio, homogeneizados em um agitador Vortex e centrifugados por mais dez minutos a 2.000 rpm. O líquido contendo os grãos de amido foi então transferido para um segundo tubo Falcon e lavado com água destilada por três vezes em ciclos de centrifugação de cinco minutos a 1.500 rpm. Esta etapa foi fundamental para produzir uma amostra limpa e com muitos grãos de amido visíveis. As lâminas foram analisadas em um microscópio Zeiss, com luz transmitida e polarizada a uma magnificação de 400x e 630x.

Em ambos os pães analisados, foi identificada grande quantidade de grãos de amido de diferentes morfotipos, confirmando a presença de plantas amiláceas no seu interior (Tabela 1). Os morfotipos foram classificados através de uma combinação de atributos morfológicos e métricos, tais quais a estrutura dos grãos (simples ou compostas), as características do hilum, a presença de fissuras ou lamelas, a sua morfologia tridimensional e a forma da cruz de malta, a última verificada sob luz polarizada. Alguns amidos apresentaram marcas de danificação térmica ou mecânica, sugerindo a utilização de tecnologias de aquecimento, bem como de instrumentos de moagem durante o processamento das plantas envolvidas5 5 Reconhecemos que o método de extração com furadeira pode ter introduzido alguma danificação mecânica dos grãos de amido identificados. Serão realizadas novas análises para a verificação desta influência, porém interpretamos que os danos identificados possuem grande probabilidade de estarem relacionados à forma de processamento do vestígio, uma vez que foram identificados apenas em alguns indivíduos de morfotipos específicos – enquanto o dano resultante da extração seria esperado em mais indivíduos e morfotipos. . Os danos foram observados a partir de comparação com estudos realizados com plantas modernas, que testaram distintas formas de processamento, como cozimento e moagem, e propuseram seus padrões de identificação (ver Babot, 2003Babot, M. P. (2003). Starch grain damage as an indicator of food processing. In D. M. Hart & L. A. Wallis (Eds.), Phytolith and starch research in the Australian-Pacific-Asia regions: the state of the art (Terra Australis, No. 19) (pp. 69- 81). Austrália: Pandus Book.; Henry et al., 2009Henry, A. G., Hudson, H. F., & Piperno, D. R. (2009). Changes in starch grain morphologies from cooking. Journal of Archaeological Science, 36(3), 915-922. doi: https://doi.org/10.1016/j.jas.2008.11.008
https://doi.org/10.1016/j.jas.2008.11.00...
).

Tabela 1
Grãos de amido presentes nos pães-de-índio 01 e 02.

A amostra do PI 01, proveniente da TI Jakareúba/Katawixi, apresentou um total de 17 grãos de amido, dos quais sete puderam ser identificados, entre eles grãos de milho (Zea mays), pimenta (Capsicum sp.) e um tubérculo não identificado (Figura 3). Alguns grãos de amido de milho apresentaram danificação por moagem e calor.

Figura 3
Grãos de amidos do pão-de-índio PI 01, TI Jakareúba-Katawixi: 1: Capsicum sp. com cruz de malta fraca, sugerindo dano físico ou de calor; 2: cf. tubérculo; 3: Zea mays com hilo aberto, fissuras emanando do hilo e cruz de extinção fraca, sugerindo dano físico (por exemplo, moagem); 4: Zea mays. Foto: Daniel Cangussu (2019). Imagens em microscópio: Laura Furquim (2020).

O PI 02, proveniente da Terra Indígena Hi-Merimã, apresentou grande quantidade de grãos de amido: um total de 1.751 grãos de amido transitórios e 92 diagnósticos. Entre os diagnósticos, foi possível identificar a presença da batata-mairá (Casimirella sp.) (Figura 4) – amplamente descrita como ingrediente dos pães na bacia do Purus –, além de morfotipos possivelmente oriundos de palmeiras (Arecaceae) (Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
) e sete outros morfotipos ainda não identificados. Assim como na primeira amostra, foram visíveis facetas de impacto mecânico relacionados a grãos de Casimirella sp., sugerindo seu processamento em moedores ou raladores, bem como marcas de impacto por aquecimento em grãos dos morfotipos 9, 10, 11 e 13 (Figura 5). A presença de uma quantidade tão elevada de amidos transitórios pode nos sugerir a utilização de diferentes partes das plantas na fabricação destes tipos de pão, especialmente folhas. Levando-se em consideração que há registros na literatura de que tais pães eram envolvidos em folhas de diferentes espécies para serem enterrados, podemos estar diante de um registro deste processo.

Figura 4
Batata-mairá (Casimirella sp.): A-C) grãos de amido modernos extraídos de amostra da espécie para a coleção de referência utilizada no presente estudo. Foto: Mendes dos Santos (2019). Imagens em microscópio: Jennifer Watling (2020).
Figura 5
Grãos de amido do pão-de-índio PI 02, TI Hi-Merimã. Imagem do pão-de-índio (acima e à esquerda) e dos amidos transitórios (acima e à direita): 5, 6 e 7: Casimirella sp.; 8 e 9: cf. Arecaceae; 10: morfotipo 10, não identificado; 11: morfotipo 11, não identificado, com pequenas fissuras na margem que sugerem dano mecânico; 12: morfotipo 13, não identificado; 13: morfotipo 9, não identificado com hilo aberto, sugerindo aquecimento. Nos pares numerados, as imagens à esquerda são aquelas obtidas com luz transmitida, e as imagens à direita são aquelas obtidas com luz polarizada, evidenciando a cruz de malta. Foto: Daniel Cangussu (2018). Imagens em microscópio: Laura Furquim (2020).

MODOS DE HABITAR E MANEJAR A FLORESTA

Estudos etnológicos têm mostrado que alguns povos indígenas da Amazônia se encontravam organizados, antes de suas atuais configurações étnicas e até um passado recente, em dinâmicos grupos locais, identificados na literatura como aldeias, malocas, comunidades, subgrupos, nexus e parentelas (Mendes dos Santos, 2016Mendes dos Santos, G. (2016). Plantas e parentelas: notas sobre a história da agricultura no Médio Purus. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 19-40). Manaus: Edua.; Sáez & Campelo, 2016Sáez, O. C., & Campelo, D. F. G. (2016). Dossiê - A serpente do corpo cheio de nomes: Etnonimia na Amazônia. Ilha: Revista de Antropologia, 18(2), 9-21.; Aparicio, 2013Aparicio, M. (2013). Os Suruwaha e sua rede de relações: uma hipótese sobre localidades e coletivos Arawa. In M. Amoroso & G. Mendes dos Santos (Orgs.), Paisagens Ameríndias: lugares, circuitos e modos de vida na Amazônia (pp. 247-275). São Paulo: Editora Terceiro Nome.; Silva, 2009Silva, M. F. (2009). Romance de primas e primos - uma etnografia do parentesco Waimiri-Atroari. Manaus: Valer.; Taylor, 1983Taylor, A. C. (1983). The marriage alliance and its structural variations in Jivaroan societies. Social Science Information, 22(3), 331-353.; Murphy, 1960Murphy, R. F. (1960). Headhunter’s heritage: social and economic Chang among the mundurucu Indias. Berkeley: University of California Press.), entre outros. Atualmente conhecidos como ‘povos’ ou ‘sociedades’, muitos grupos indígenas reproduziam-se em um passado não muito distante como uma associação dinâmica de numerosos coletivos, que foram histórica e paulatinamente aglutinados pelos mais diferentes interesses – de missões, de frentes extrativistas e da política indigenista do Estado brasileiro (Serviço de Proteção ao Índio - SPI e FUNAI), que os associou a um nome, a um território, a uma língua e a uma cultura.

Os Waimiri-Atroari, por exemplo, com uma população total de 420 pessoas, encontravam-se distribuídos, no ano de 1980, em doze grupos locais entre os afluentes da margem esquerda do rio Negro, entre os estados do Amazonas e de Roraima (Silva, 2009Silva, M. F. (2009). Romance de primas e primos - uma etnografia do parentesco Waimiri-Atroari. Manaus: Valer.); os conhecidos Yanomami, no tempo dos primeiros contatos, na década de 1970, estavam organizados em pelo menos 400 grupos locais (Albert, 1985Albert, B. (1985). Temps du sang, tempos de cendres: représentation de la maladie, système rituel et espace politique chez les Yanomami du sud-est (Amazonie brésilienne) (Tese de doutorado). Université de Paris X-Nanterre, Nanterre La Defense, França.), com uma densidade média de 50 pessoas por aldeia; os Munduruku do rio Tapajós, em meados do século XIX, segundo Murphy (1960)Murphy, R. F. (1960). Headhunter’s heritage: social and economic Chang among the mundurucu Indias. Berkeley: University of California Press., estavam divididos em 25 aldeias, em uma média de 200 pessoas por aldeias; os Suruwaha, habitantes do médio Purus, estavam distribuídos, até início do século XX, em pelo menos 12 subgrupos, nominados, autônomos e dispersos em casas coletivas entre os tributários do rio Tapauá, afluente da margem esquerda do Purus (Kroemer, 1989Kroemer, G. (1989). A caminho das malocas Zuruaha: reconhecimento e identificação de um povo indígena desconhecido. São Paulo: Edições Loyola.).

Esse é, pois, o cenário de uma parte da vida social na Amazônia, como bem assinalou Seeger (2015, p. 140)Seeger, A. (2015). Por que cantam os Kîsêdjê. São Paulo: Cosac Naif.:

As comunidades nativas das regiões tropicais sul-americanas consistem, tipicamente, em pequenas populações vivendo densamente concentradas em uma única casa, ou em aldeias que se separam umas das outras por trechos extensos de roças e floresta inabitada, onde se praticam a caça e a coleta.

Longe, no entanto, do isolamento e da autossuficiência, esses grupos mantinham uma intensa rede de trocas, através de casamentos, raptos de mulheres e crianças, acusações de feitiçaria, guerra, cerimônias rituais, visitas, troca de produtos e bens, conhecimentos e tecnologias, de objetos, de animais e de plantas. Esse modus de habitar dos grupos, dispersos ao longo de pequenos rios e interflúvios, possibilitou o manejo da floresta com seus abundantes recursos, amplamente distribuídos, demonstrando um baixo investimento na prática do cultivo, conforme já destacou Mendes dos Santos (2016)Mendes dos Santos, G. (2016). Plantas e parentelas: notas sobre a história da agricultura no Médio Purus. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 19-40). Manaus: Edua. para a bacia do Purus.

Por outro lado, a arqueologia tem resgatado evidências consideráveis da produção de monumentalidade no passado, conforme atestado, entre outros, pelos aterros artificiais, ou ‘tesos’, da ilha de Marajó, dos Llanos de Mojos, Bolívia, e do vale do rio Upano, Equador (Schaan, 2008Schaan, D. (2008). The nonagricultural chiefdoms of Marajó Island. In H. Silverman & W. H. Isbell (Eds.), The Handbook of South American Archaeology (pp. 339-357). New York: Springer.; Rostain, 2016Rostain, S. (2016). La ceramic del Valle del Upano, Ecuador. In C. Barreto, H. P. Lima & Bettancourt, C. J. (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 526- 538). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.; Prümers & Betancourt, 2014Prümers, H., & Betancourt, C. J. (2014). 100 años de investigaciones arqueológicas en los Llanos de Mojos. ArqueAntropológicas, (4), 11-53.); de ocupações permanentes, densas e sedentárias, em alguns casos com caráter urbano, como em Santarém e no alto Xingu (Heckenberger et al., 2008Heckenberger, M. J., Russell, J. C., Fausto, C., Toney, J. R., Schmidt, M. J., Pereira, E., . . . Kuikuro, A. (2008). Pre-Columbian urbanism, anthropogenic landscapes and the future of the Amazon. Science, 321(5893), 1214-1217. doi: https://doi.org/10.1126/science.1159769
https://doi.org/10.1126/science.1159769...
; Gomes, 2017Gomes, D. (2017). Politics and ritual in large villages in Santarém, Lower Amazon, Brazil. Cambridge Archaeological Journal, 27(2), 275-293. doi: https://doi.org/10.1017/S0959774316000627
https://doi.org/10.1017/S095977431600062...
). A colonização europeia não provocou apenas o amálgama de diversos subgrupos e territorialidades entrecruzadas, causando a dissolução de grupos locais, como também provocou um enorme decréscimo populacional, resultando no desmantelamento de extensas redes de troca ameríndias e sistemas regionais que envolviam grandes aldeias (Virtanen, 2016Virtanen, P. (2016). Redes terrestres na região do Rio Purus que conectam e desconectam os povos Aruak. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 41-61). Manaus: Edua.; Koch et al., 2019Koch, A., Brierley, C., Maslin, M. M., & Lewis, S. L. (2019). Earth system impacts of the European arrival and great dying in the Americas after 1492. Quaternary Science Review, 207, 13-36. doi: https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2018.12.004
https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2018...
).

As referências sobre pães-de-índio aqui apresentadas provêm tanto de contextos etnográficos quanto de contextos arqueológicos, indicando uma continuidade temporal nos padrões residenciais e de mobilidade e em técnicas de processamento e armazenagem de alimentos. Em locais como a bacia do médio Purus, alto rio Negro e alto Madeira, a memória sobre técnicas de armazenamento de biomassas e fabricação de pães-de-índio são vestígios ‘frescos’ destas práticas, que seguem sendo utilizadas de maneira discreta por aqueles que as aprenderam. Sua presença recorrente em sítios arqueológicos indica uma antiguidade pré-colonial para sua fabricação, ao mesmo tempo em que levanta a possibilidade de que estes espaços tenham sido reocupados mais recentemente por grupos indígenas que depositaram ali seus compostos orgânicos. De todo modo, os pães são vestígios de dinâmicas de territorialidade pretéritas, que borram as fronteiras entre sedentarismo e nomadismo, e compõem paisagens com temporalidades profundas, podendo estar relacionados a distintos contextos, como áreas com terras pretas, trilhas e caminhos na mata, florestas antrópicas, entre outros. A despeito das diferenças sobre projeções demográficas e de mobilidade, a arqueologia vem indicando que as atividades econômicas das sociedades amazônicas pretéritas e atuais são responsáveis pela produção da diversidade agroecológica no cultivo de plantas domesticadas e não domesticadas, incluindo cereais de ciclos anuais, tubérculos de ciclos multianuais e árvores de ciclos de décadas ou mesmo séculos (Furquim, 2018Furquim, L. P. (2018). Arqueobotânica e mudanças socioeconômicas no Sudoeste Amazônico durante o Holoceno Médio (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.; Maezumi et al., 2018Maezumi, Y., Alves, D., Robinson, M., Souza, J. G., Levis, C., Barnett, R. L., . . . Iriarte, J. (2018). The legacy of 4,500 years of polyculture agroforestry in the eastern Amazon. Nature Plants, 4, 540-547. doi: https://doi.org/10.1038/s41477-018-0205-y
https://doi.org/10.1038/s41477-018-0205-...
; Fausto & Neves, 2018Fausto, C., & Neves, E. G. (2018). Was there ever a Neolithic in the Tropics? Plant familiarisation and biodiversity in the Amazon. Antiquity, 92(366), 1604-1618. doi: https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157
https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157...
; Neves & Heckenberger, 2019Neves, E. G., & Heckenberger, M. J. (2019). The call of the wild: rethinking food production in ancient Amazonia. Annual Reviews, 48, 371-388. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102218-011057
https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-1...
).

Em suma, os diferentes padrões de residência e a dinâmica de interação entre os grupos indígenas nos fornecem uma imagem bastante consoante, mas não redutível, com os processos de domesticação de plantas e paisagens na Amazônia (Levis et al., 2017Levis, C., Costa, F. R. C., Bongers, F., Peña-Claros, M., Clement, C. R., Junqueira, A. B., . . . Steege, H. (2017). Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian Forest composition. Science, 355(6328), 925-931. doi: https://doi.org/10.1126/science.aal0157
https://doi.org/10.1126/science.aal0157...
; Piperno, 2011Piperno, D. R. (2011). The origins of plant cultivation and domestication in the New World Tropics. Current Anthropology, 52(54), 453–470. doi: https://doi.org/10.1086/659998
https://doi.org/10.1086/659998...
; Clement et al., 2010Clement, C. R., Cristo-Araújo, M., D’Eeckenbrugge, G. C., Pereira, A. A., & Picanço-Rodrigues, D. (2010). Origin and domestication of native Amazonian crops. Diversity, 2(1), 72-106. doi: http://dx.doi.org/10.3390/d2010072
https://doi.org/10.3390/d2010072...
; Clement, 1999Clement, C. R. (1999). 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources - the relation between domestication and human population decline. Economic Botany, 53(2), 188-202. doi: https://doi.org/10.1007/BF02866498
https://doi.org/10.1007/BF02866498...
). Essa imagem, por sua vez, parece muito compatível com a alta diversidade de vestígios de plantas encontrada nos sítios arqueológicos pelos estudos arqueobotânicos, que revelam um amplo uso de espécies silvestres pelas populações (Roosevelt et al., 1996Roosevelt, A. C., Costa, M. L., Machado, C. L., Michab, M., Mercier, N., Valladas, H., . . . Schick, K. (1996). Paleoindians cave-dwellers in the Amazon: the peopling of Americas. Science, 272(5260), 373-384. doi: https://doi.org/10.1126/science.272.5260.373
https://doi.org/10.1126/science.272.5260...
; Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
; Furquim, 2018Furquim, L. P. (2018). Arqueobotânica e mudanças socioeconômicas no Sudoeste Amazônico durante o Holoceno Médio (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.).

Pães-de-índio, presentes na memória e nas narrativas atuais, aparecem como produtos-síntese que falam da riqueza dos recursos da floresta e de seus habitantes, nos fornecendo um elo privilegiado entre o passado e o presente e, consequentemente, encurtando a distância entre a arqueologia e a etnologia nos estudos da Amazônia indígena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há, na Amazônia, uma prática secular de fabricação de pães e biomassas vegetais que eram enterradas no solo com fins de armazenamento. Tais biotecnologias envolviam um refinado processamento, como a retirada da toxicidade de tubérculos e sementes. No caso das biomassas, tal qual descrito para os grupos Tukano e Tikuna, a técnica de armazenagem é de curto prazo, e envolve o enterramento das massas cruas ou cozidas, em cestos ou chão forrado por folhas e cobertos por terra. No caso dos pães-de-índio, os compostos poderiam ser revestidos por folhas, resinas ou apenas por defumação, antes da armazenagem, que poderia preservá-lo por muitos anos. Compostos por polpas, féculas ou óleos extraídos de frutos, nozes, raízes ou tubérculos, pães-de-índio poderiam ser fabricados a partir da matéria-prima de uma única planta ou da combinação de diferentes espécies. Seu armazenamento poderia ser feito tanto na floresta, próximo a acampamentos de caça, pesca e coleta ou ao longo de trilhas e varadouros, quanto no interior das casas ou nos seus quintais6 6 Existem muitos outros processos, em desuso ou atualmente em prática, de armazenamento das biomassas vegetais pelos grupos indígenas amazônicos. A mais recorrente é a defumação, em que bolos de massa são depositados sobre jiraus no interior das casas, recebendo calor e fumaça constantes; outra é aquela em que as massas são acondicionadas em cestos e depositadas em águas correntes de rios ou igarapés. .

As análises microbotânicas aqui apresentadas confirmam a presença de plantas amiláceas nos pães-de-índio e corroboram as narrativas e os conhecimentos tradicionais de indígenas e ribeirinhos acerca da manufatura de combinados vegetais no passado amazônico. Este estudo, porém, não invalida a definição do Polyporus indigenus, tal como apresentada por Araujo e Souza (1981)Araujo, I. J. S., & Souza, M. A. (1981). Polyporus indigenus. Acta Amazonica, 11(3), 449-455.. Apontamos, aqui, três hipóteses que podem ter resultado na indeterminação do produto: (1) o mesmo nome popular pode ter sido atribuído a compostos distintos, equiparados por suas semelhanças morfológicas; (2) o fungo pode ter colonizado o pão-de-índio após seu enterramento, havendo a possibilidade de que o esclerócio seja resultado de uma simbiose entre os micélios e a biomassa; e (3) o fungo pode ter sido utilizado nas receitas dos pães-de-índio, como ingrediente ou como fermento (Barghini, 2018Barghini, A. (2018). Cauim: entre comida e ebriedade. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 13(3), 561-571. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222018000300005
https://doi.org/10.1590/1981.81222018000...
). Desse modo, serão ainda necessários estudos futuros para a dissolução destas questões.

Pães-de-índio nos falam, antes de qualquer coisa, sobre a diversidade de plantas alimentícias e os sistemas de conhecimentos a elas associados e podem ser ainda bons indicadores de práticas culturais indígenas que resultaram na construção de nichos (Smith, 2012Smith, B. D. (2012). Cultural niche construction theory of initial domestication. Biological Theory, 6(3), 260-271. doi: https://doi.org/10.1007/s13752-012-0028-4
https://doi.org/10.1007/s13752-012-0028-...
; Arroyo-Kalin, 2014Arroyo-Kalin, M. (2014). The variability of Amazonian Dark Earths: comparing anthropogenic soils from three regions of the Amazonian biome. In S. Rostain (Ed.), Antes de Orellana: Actas del 3er Encuentro Internacional de Arqueología Amazónica (pp. 323-329). Quito: IFEA.). De modo mais específico e eloquente, eles nos informam sobre as técnicas de extração da matéria-prima, as práticas de preparo e o armazenamento de alimentos vegetais, nos convencendo de uma vez por todas que os grupos amazônicos levavam uma vida de abundância, tal como argumentou Sahlins (1978)Sahlins, M. (1978). A primeira sociedade da afluência. In E. Assis de Carvalho (Ed.), Antropologia Econômica (pp. 7-44). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas., no seu famoso ensaio sobre “A primeira sociedade da afluência”.

Os instrumentos e as práticas envolvidos na produção de biomassas e na fabricação do pão-de-índio, a exemplo de outras formas pioneiras de armazenamento de alimentos no passado, constituíram a base de tecnologias de processamento das matérias-primas que apareceram com o advento do cultivo de roças. Muitos grupos não tinham conhecimento da mandioca antes da chegada do SPI no início do século XX, o qual foi responsável não apenas por difundir cultivares locais, como também por introduzir cultivares externos, como a cana-de-açúcar e a banana, tão presentes atualmente entre os povos indígenas (Van Den Bel, 2015Van Den Bel, M. (2015). Uma nota sobre a introdução dos raladores de metal e sobre a produção e consumo de mandioca e milho na zona costeira das Guianas durante o século XVII. Amazônica - Revista de Antropologia, 7(1), 100-131. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v7i1.2153
https://doi.org/10.18542/amazonica.v7i1....
; Fausto & Neves, 2018Fausto, C., & Neves, E. G. (2018). Was there ever a Neolithic in the Tropics? Plant familiarisation and biodiversity in the Amazon. Antiquity, 92(366), 1604-1618. doi: https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157
https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157...
). O emprego de raladores, espremedores e decantadores, bem como as tecnologias de extração da massa e da fécula foram transferidos das plantas da floresta para o processamento das novas espécies e produtos agrícolas, que passaram a dominar, paulatinamente – após as experiências de contato dos diferentes grupos –, a cena nas aldeias da Amazônia. Este processo não ocorreu, provavelmente, uma única vez na história dos povos indígenas amazônicos, uma vez que o uso de plantas cultivadas em si é um fenômeno que remonta ao início da ocupação da Amazônia (Lombardo et al., 2020Lombardo, H., Iriarte, J., Hilbert, L., Ruiz-Perez, J., Capriles, J., & Veit, H. (2020). Early Holocene crop cultivation and landscape modification in Amazonia. Nature, 581, 190-193. doi: https://doi.org/10.1038/s41586-020-2162-7
https://doi.org/10.1038/s41586-020-2162-...
; Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
). Porém, a convivência de povos com estratégias mais ou menos focadas no cultivo de plantas é um padrão resiliente, de modo que estas tecnologias podem ter sido reatualizadas diversas vezes.

A partir do início da colonização, porém, parece ter ocorrido uma ruptura entre as antigas formas de produção e armazenamento de alimentos a partir das biomassas vegetais, que cederam lugar a novas práticas, associadas aos instrumentos de metal e à produção agrícola auferida nos roçados de corte e queima. Nesse contexto, a disseminação do cultivo da mandioca em larga escala e da produção de farinha veio assentada em práticas civilizatórias – empregado pelas missões e os órgãos de Estado –, condenando, por um lado, o usufruto direto dos recursos da floresta e das práticas tradicionais e valorizando, por outro, o trabalho e os produtos oriundos do cultivo (Mendes dos Santos, 2016Mendes dos Santos, G. (2016). Plantas e parentelas: notas sobre a história da agricultura no Médio Purus. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 19-40). Manaus: Edua.).

Não sabemos ao certo, ainda, se a produção de pães-de-índio foi uma técnica empregada pelos grupos amazônicos antes ou depois da proeminência das práticas de cultivo de roças, mas tudo indica, pelas informações cotejadas e as análises realizadas até o momento, que: a) ele é composto tanto por plantas cultivadas, como revelam as análises das amostras do PI 01, quanto por plantas silvestres, como demonstram as amostras de PI 02, e b) os pães encontrados na Terra Indígena dos Hi-Merimã e também aquele coletado no território dos índios Piripkura, ambos grupos ‘isolados’ e não adeptos ao cultivo, foram fabricados por eles com base nas massas de plantas silvestres.

Enquanto técnica de produção, armazenamento e consumo de alimento, o pães-de-índio são, de modo geral, vestígios de um tempo presente na memória sobre o modo de viver dos ‘antigos’. Os exemplares encontrados atualmente são quase sempre pães velhos, vencidos pelo tempo e pelas intempéries – à exceção dos pães identificados nas TI Piripkura, Jacareúba/Katawixi e Hi-Merimã.

Presentes em toda a Amazônia, pães-de-índio, no entanto, granjearam pouca atenção dos estudos, sejam da etnologia, da arqueologia, da botânica e mesmo de outras áreas. Como mencionamos, os autores que se dedicaram ao assunto descreveram-no como um produto vegetal alimentício, mas o analisaram como uma técnica de produção de fungos (Santos et al., 2013Santos, C., Silva, F. E. C., Silva, S. F. S. M., Sullasi, H. L., Paula, A. S., Oliveira, C. A., . . . Castro, V. M. C. (2013, agosto). O pão do índio dos Nukini da Amazônia: estudo de caso sobre o uso de suprimento específico na dieta alimentar indígena. In Anais do XVII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe.) ou, ao contrário, tomaram-no integralmente como uma colônia de fungos (Araujo & Souza, 1978Araujo, I. J. S., & Sousa, M. A. (1978). Nota prévia sobre o “pão do índio” da Amazônia brasileira. Acta Amazonica, 8(2), 316-318., 1981Araujo, I. J. S., & Souza, M. A. (1981). Polyporus indigenus. Acta Amazonica, 11(3), 449-455.). Apontamos, neste artigo, para outra direção: de que o pão-de-índio é o resultado de uma sofisticada técnica de produção de biomassas vegetais, visando seu armazenamento duradouro no solo.

  • 1
    Kaisariró é também o nome dado pelos Tukano do alto rio Negro a uma pequena constelação, que aparece no céu da região a partir do mês de novembro, anunciando o início da estação das frutas – tido como ‘tempo de fartura’ –, muitas delas utilizadas na produção de biomassa (Maia, 2018Maia, G. S. (2018). Bahsamori: o tempo, as estações e as etiquetas sociais dos Yepamahsã (Tukano). Manaus: Neai.).
  • 2
    De uso generalizado na Amazônia, o termo ‘varar’ é sinônimo de ‘deslocar’. Varações se referem, portanto, a grandes deslocamentos, por caminhos conhecidos ou não.
  • 3
    No sul do Amazonas, o termo sapopema, ou sacopema, é utilizado para referir-se às bases de troncos de árvores estendidas. Geralmente são estruturas ocas e produzem um som grave quando golpeadas com porretes. As árvores conhecidas como toari e samaúma produzem sapopemas bastante imponentes.
  • 4
    Na margem direita do rio Purus, os pães são geralmente encontrados no interior destes palhais (matas de cocais) ou castanhais. Já na margem esquerda, onde não há presença de palhais de babaçu, os pães possuem uma dispersão mais ampla, sendo identificados nos micronichos antropizados.
  • 5
    Reconhecemos que o método de extração com furadeira pode ter introduzido alguma danificação mecânica dos grãos de amido identificados. Serão realizadas novas análises para a verificação desta influência, porém interpretamos que os danos identificados possuem grande probabilidade de estarem relacionados à forma de processamento do vestígio, uma vez que foram identificados apenas em alguns indivíduos de morfotipos específicos – enquanto o dano resultante da extração seria esperado em mais indivíduos e morfotipos.
  • 6
    Existem muitos outros processos, em desuso ou atualmente em prática, de armazenamento das biomassas vegetais pelos grupos indígenas amazônicos. A mais recorrente é a defumação, em que bolos de massa são depositados sobre jiraus no interior das casas, recebendo calor e fumaça constantes; outra é aquela em que as massas são acondicionadas em cestos e depositadas em águas correntes de rios ou igarapés.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a João Paulo Barreto (Tukano) e a seu pai, Ovídio Barreto, pelas informações sobre a elaboração de biomassas pelos grupos da região do rio Negro, particularmente pelos Tukano; a Higino Tenório Tuyuka e a Jair Candor (FUNAI), pelas informações e imagens do pão-de-índio entre os Piripikura. Agradecemos também às duas pessoas que, anonimamente, apresentaram valiosos pareceres ao presente artigo. Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processo FAPESP 2018-26679-3).

  • Mendes dos Santos, G., Cangussu, D., Furquim, L. P., Watling, J., & Neves, E. G. (2021). Pão-de-índio e massas vegetais: elos entrepassado e presente na Amazônia indígena. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 16(1), e20200012. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2020-0012

REFERÊNCIAS

  • Acosta Muñoz, L. E., Gonzáles, H. A. C., Venegas, C. P. P., Garcia, J. C. A., Arguelles, J., Valderrama, A. M., & Huaines, F. J. (2005). La práctica de conservación de bimomasas de yuca: tecnologia tradicional indígena aplicada en el presente. In L. E. Acosta Muñoz & A. M. Valderrama (Eds.), Enterramientos de masas de yuca del pueblo Ticuna: Tecnología tradicional en la várzea del Amazonas colombiano (pp. 63-73). Leticia, Amazonas, Colombia: Instituto Amazónico de Investigaciones Cientificas.
  • Albert, B. (1985). Temps du sang, tempos de cendres: représentation de la maladie, système rituel et espace politique chez les Yanomami du sud-est (Amazonie brésilienne) (Tese de doutorado). Université de Paris X-Nanterre, Nanterre La Defense, França.
  • Aparicio, M. (2013). Os Suruwaha e sua rede de relações: uma hipótese sobre localidades e coletivos Arawa. In M. Amoroso & G. Mendes dos Santos (Orgs.), Paisagens Ameríndias: lugares, circuitos e modos de vida na Amazônia (pp. 247-275). São Paulo: Editora Terceiro Nome.
  • Araujo, I. J. S., & Sousa, M. A. (1978). Nota prévia sobre o “pão do índio” da Amazônia brasileira. Acta Amazonica, 8(2), 316-318.
  • Araujo, I. J. S., & Souza, M. A. (1981). Polyporus indigenus Acta Amazonica, 11(3), 449-455.
  • Arroyo-Kalin, M. (2014). The variability of Amazonian Dark Earths: comparing anthropogenic soils from three regions of the Amazonian biome. In S. Rostain (Ed.), Antes de Orellana: Actas del 3er Encuentro Internacional de Arqueología Amazónica (pp. 323-329). Quito: IFEA.
  • Babot, M. P. (2003). Starch grain damage as an indicator of food processing. In D. M. Hart & L. A. Wallis (Eds.), Phytolith and starch research in the Australian-Pacific-Asia regions: the state of the art (Terra Australis, No. 19) (pp. 69- 81). Austrália: Pandus Book.
  • Balée, W. (1989). Cultura e vegetação da Amazônia brasileira. In W. A. Neves (Org.), Biologia e ecologia humana na Amazônia: avaliação e perspectivas (pp. 95-109). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.
  • Balée, W. (2006). The research program of historical ecology. Annual Review of Anthropology, 35, 75-98, doi: https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.35.081705.123231
    » https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.35.081705.123231
  • Balée, W. (2012). Historical ecology: premises and postulates. In W. Balée (Ed.), Advances in historical ecology (pp. 13-29). New York: Columbia University Press.
  • Barghini, A. (2018). Cauim: entre comida e ebriedade. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 13(3), 561-571. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222018000300005
    » https://doi.org/10.1590/1981.81222018000300005
  • Belletti, J. S. (2015). A Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
  • Cangussu, D. (2014). Relatório da expedição Curêquêtê/Gaivotinha FUNAI, CGIIRC, FPE Madeira-Purus, AM, Lábrea.
  • Cangussu, D., & Perez, W. (2017). Relatório da expedição de localização Jacareúba FUNAI, CGIIRC, FPE Madeira-Purus, AM, Canutama.
  • Clement, C. R. (1999). 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources - the relation between domestication and human population decline. Economic Botany, 53(2), 188-202. doi: https://doi.org/10.1007/BF02866498
    » https://doi.org/10.1007/BF02866498
  • Clement, C. R., Cristo-Araújo, M., D’Eeckenbrugge, G. C., Pereira, A. A., & Picanço-Rodrigues, D. (2010). Origin and domestication of native Amazonian crops. Diversity, 2(1), 72-106. doi: http://dx.doi.org/10.3390/d2010072
    » https://doi.org/10.3390/d2010072
  • Denevan, W. M. (1992). Stone VS. Metal Axes: the ambiguity of shifting cultivation in prehistoric Amazonia. Journal of the Steward Anthropological Society, 20(1), 153-165.
  • Fausto, C., & Neves, E. G. (2018). Was there ever a Neolithic in the Tropics? Plant familiarisation and biodiversity in the Amazon. Antiquity, 92(366), 1604-1618. doi: https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157
    » https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157
  • Fidalgo, O. (1968). Conhecimento micológico dos índios brasileiros. Revista de Antropologia, 15/16(1), 27-34.
  • Fidalgo, O., & Poroca, D. J. M. (1986). Etnomicologia brasileira. Boletim Micológico, 3(1), 9-19.
  • Freitas, A. (2017). A roça, a colheita e a festa: uma etnografia dos roçados apurinã na Aldeia Terra Nova (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil.
  • Furquim, L. P. (2018). Arqueobotânica e mudanças socioeconômicas no Sudoeste Amazônico durante o Holoceno Médio (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
  • Gaspar, C., Rojas, A., & Acuña, C. (1941). Descobrimentos do Rio das Amazonas (C. Melo-Leitão, Trans.) (Série Brasiliana). São Paulo: Companhia Editora Nacional.
  • Góes, P. R. H. (2007). A natureza do saber: o lugar do conhecimento na práxis katukina. Espaço Ameríndio, 1(1), 116-145. doi: https://doi.org/10.22456/1982-6524.2560
    » https://doi.org/10.22456/1982-6524.2560
  • Gomes, D. (2017). Politics and ritual in large villages in Santarém, Lower Amazon, Brazil. Cambridge Archaeological Journal, 27(2), 275-293. doi: https://doi.org/10.1017/S0959774316000627
    » https://doi.org/10.1017/S0959774316000627
  • Gomes-Silva, A., Ryvarden, L., Medeiros, P., Sotão, H., & Gibertoni, T. (2012). Polyporus (Basidiomicota) in the Brazilian Amazonia, with notes on Polyporus indigenus I.J. Araujo & M.A. de Sousa and P. sapurema A. Moller. Nova Hedwigia, 49(1-2), 227-238. doi: https://doi.org/10.1127/0029-5035/2012/0094-0227
    » https://doi.org/10.1127/0029-5035/2012/0094-0227
  • Heckenberger, M. J., Russell, J. C., Fausto, C., Toney, J. R., Schmidt, M. J., Pereira, E., . . . Kuikuro, A. (2008). Pre-Columbian urbanism, anthropogenic landscapes and the future of the Amazon. Science, 321(5893), 1214-1217. doi: https://doi.org/10.1126/science.1159769
    » https://doi.org/10.1126/science.1159769
  • Henry, A. G., Hudson, H. F., & Piperno, D. R. (2009). Changes in starch grain morphologies from cooking. Journal of Archaeological Science, 36(3), 915-922. doi: https://doi.org/10.1016/j.jas.2008.11.008
    » https://doi.org/10.1016/j.jas.2008.11.008
  • Koch, A., Brierley, C., Maslin, M. M., & Lewis, S. L. (2019). Earth system impacts of the European arrival and great dying in the Americas after 1492. Quaternary Science Review, 207, 13-36. doi: https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2018.12.004
    » https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2018.12.004
  • Kroemer, G. (1989). A caminho das malocas Zuruaha: reconhecimento e identificação de um povo indígena desconhecido São Paulo: Edições Loyola.
  • Lévi-Strauss, C. (1986). O uso das plantas silvestres da América do Sul tropical. In B. Ribeiro (Ed.), Suma etnológica brasileira (pp. 29-46). Petrópolis: Vozes.
  • Levis, C., Costa, F. R. C., Bongers, F., Peña-Claros, M., Clement, C. R., Junqueira, A. B., . . . Steege, H. (2017). Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian Forest composition. Science, 355(6328), 925-931. doi: https://doi.org/10.1126/science.aal0157
    » https://doi.org/10.1126/science.aal0157
  • Lima, L. F. E. (2003). Levantamento arqueológico das áreas de interflúvio na área de confluência dos rios Negro e Solimões, AM (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
  • Lombardo, H., Iriarte, J., Hilbert, L., Ruiz-Perez, J., Capriles, J., & Veit, H. (2020). Early Holocene crop cultivation and landscape modification in Amazonia. Nature, 581, 190-193. doi: https://doi.org/10.1038/s41586-020-2162-7
    » https://doi.org/10.1038/s41586-020-2162-7
  • Maezumi, Y., Alves, D., Robinson, M., Souza, J. G., Levis, C., Barnett, R. L., . . . Iriarte, J. (2018). The legacy of 4,500 years of polyculture agroforestry in the eastern Amazon. Nature Plants, 4, 540-547. doi: https://doi.org/10.1038/s41477-018-0205-y
    » https://doi.org/10.1038/s41477-018-0205-y
  • Magalhães, M. P., Barbosa, C. A. P., Fonseca, J. A., Schmidt, M. J., Maia, R. R., Mendes, K., . . . Maurity, G. (2016). Carajás. In M. P. Magalhães (Org.), Amazônia Antropogênica (pp. 259-308). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.
  • Maia, G. S. (2018). Bahsamori: o tempo, as estações e as etiquetas sociais dos Yepamahsã (Tukano) Manaus: Neai.
  • Mendes dos Santos, G. (2016). Plantas e parentelas: notas sobre a história da agricultura no Médio Purus. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 19-40). Manaus: Edua.
  • Monteiro, M. Y. (1963). Alimentos preparados à base da mandioca. Revista Brasileira de Folclore, 3(5), 37-82.
  • Murphy, R. F. (1960). Headhunter’s heritage: social and economic Chang among the mundurucu Indias Berkeley: University of California Press.
  • Neves, E. G. (2011). El nacimiento del “Presente Etnográfico”: la emergencia del patrón de distribuición de sociedades indígenas y famílias linguísticas en las tierras bajas sudamericanas, durante el primer milenio d. C. In J. P. Chaumeil, O. Espinosa & M. Cornejo Chaparro (Eds.), Por donde hay soplo (pp. 39-65). Lima: Fondo Editorial Pontificia Universidad Católica del Perú.
  • Neves, E., Guapindaia, V. L. C., Lima, H. P., Costa, B. L. S., & Gomes, J. (2014). A Tradição Pocó-Açutuba e os primeiros sinais visíveis de modificações de paisagens na calha do Amazonas. In S. Rostain (Ed.), Amazonía: memorias de las conferencias magistrales del 3er Encuentro Internacional de Arqueologia Amazónica (pp. 137-158). Quito: Ministerio Coordinado de Conocimiento y Talento Humano.
  • Neves, E. G., & Heckenberger, M. J. (2019). The call of the wild: rethinking food production in ancient Amazonia. Annual Reviews, 48, 371-388. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102218-011057
    » https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102218-011057
  • Pagán-Jiménez, J. (2015). Almidones: guia de material comparativo moderno del Ecuador para los estudios paleoetnobotanicos em el Neotropico Iquito: Prometeo.
  • Pearsall, D. M. (2015). Paleoethnobotany: a handbook of procedures (3 ed.). London: Routledge.
  • Piperno, D. R. (2011). The origins of plant cultivation and domestication in the New World Tropics. Current Anthropology, 52(54), 453–470. doi: https://doi.org/10.1086/659998
    » https://doi.org/10.1086/659998
  • Posey, D. (1986). Introdução – Etnobiologia: teoria e prática. In B. Ribeiro (Ed.), Suma Etnológica Brasileira (Vol. 1, pp. 15-25). Petrópolis: Vozes.
  • Prance, G. T. (1984). The use of edible fungi by Amazonian indians. Advances in Economic Botany, 1(1), 127-129.
  • Prümers, H., & Betancourt, C. J. (2014). 100 años de investigaciones arqueológicas en los Llanos de Mojos. ArqueAntropológicas, (4), 11-53.
  • Roosevelt, A. C., Costa, M. L., Machado, C. L., Michab, M., Mercier, N., Valladas, H., . . . Schick, K. (1996). Paleoindians cave-dwellers in the Amazon: the peopling of Americas. Science, 272(5260), 373-384. doi: https://doi.org/10.1126/science.272.5260.373
    » https://doi.org/10.1126/science.272.5260.373
  • Rostain, S. (2016). La ceramic del Valle del Upano, Ecuador. In C. Barreto, H. P. Lima & Bettancourt, C. J. (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 526- 538). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.
  • Sáez, O. C., & Campelo, D. F. G. (2016). Dossiê - A serpente do corpo cheio de nomes: Etnonimia na Amazônia. Ilha: Revista de Antropologia, 18(2), 9-21.
  • Sahlins, M. (1978). A primeira sociedade da afluência. In E. Assis de Carvalho (Ed.), Antropologia Econômica (pp. 7-44). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas.
  • Santos, C., Silva, F. E. C., Silva, S. F. S. M., Sullasi, H. L., Paula, A. S., Oliveira, C. A., . . . Castro, V. M. C. (2013, agosto). O pão do índio dos Nukini da Amazônia: estudo de caso sobre o uso de suprimento específico na dieta alimentar indígena. In Anais do XVII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe.
  • Schaan, D. (2008). The nonagricultural chiefdoms of Marajó Island. In H. Silverman & W. H. Isbell (Eds.), The Handbook of South American Archaeology (pp. 339-357). New York: Springer.
  • Schmidt, M., Py-Daniel, P., Moraes, C. P., Valle, R. B. M., Caromano, C. F., Texeira, W. G., . . . Heckenberger, M. J. (2013). Dark earths and the human built landscape in Amazonia: a widespread pattern of anthrosol formation. Journal of Archaeological Science, 42(1), 152-165. doi: https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.002
    » https://doi.org/10.1016/j.jas.2013.11.002
  • Seeger, A. (2015). Por que cantam os Kîsêdjê São Paulo: Cosac Naif.
  • Silva, M. F. (2009). Romance de primas e primos - uma etnografia do parentesco Waimiri-Atroari Manaus: Valer.
  • Smith, B. D. (2012). Cultural niche construction theory of initial domestication. Biological Theory, 6(3), 260-271. doi: https://doi.org/10.1007/s13752-012-0028-4
    » https://doi.org/10.1007/s13752-012-0028-4
  • Steege, H., Pitman, N. C. A., Sabatier, D., Baraloto, C., Salomão, R. P., Guevara, J. E., . . . Silman, M. R. (2013). Hyperdominance in the Amazonian tree flora. Science, 342(6156), 1243092. doi: http://dx.doi.org/10.1126/science.1243092
    » https://doi.org/10.1126/science.1243092
  • Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação Polícroma no baixo e médio Solimões, estado do Amazonas (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
  • Taylor, A. C. (1983). The marriage alliance and its structural variations in Jivaroan societies. Social Science Information, 22(3), 331-353.
  • Van Den Bel, M. (2015). Uma nota sobre a introdução dos raladores de metal e sobre a produção e consumo de mandioca e milho na zona costeira das Guianas durante o século XVII. Amazônica - Revista de Antropologia, 7(1), 100-131. doi: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v7i1.2153
    » https://doi.org/10.18542/amazonica.v7i1.2153
  • Van Velthem, L. H. (2012). Cestos, peneiras e outras coisas: a expressão material do sistema agrícola no rio Negro. Revista de Antropologia, 55(1), 401-437.
  • Virtanen, P. (2016). Redes terrestres na região do Rio Purus que conectam e desconectam os povos Aruak. In G. M. Santos & M. Aparicio (Orgs.), Redes Arawa: ensaios de etnologia do Médio Purus (pp. 41-61). Manaus: Edua.
  • Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS ONE, 13(7). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
Responsabilidade editorial: Cristiana Barreto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br